Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S3722
Nº Convencional: JSTJ00001052
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: FUTEBOLISTA PROFISSIONAL
CONTRATO DE TRABALHO
FORMA ESCRITA
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
PROVA TESTEMUNHAL
MATÉRIA DE FACTO
ESPECIFICAÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200206250037224
Data do Acordão: 06/25/2002
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
DIR PROC CIV.
DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: LCT69 ARTIGO 90.
LCCT89 ARTIGO 42 N1.
CPC95 ARTIGO 646 N4 ARTIGO 712.
CCIV66 ARTIGO 394 N1.
DL 305/95 DE 1995/11/18 ARTIGO 4 ARTIGO 8 ARTIGO 14 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1994/10/26 IN CJSTJ ANOII TIII PAG279.
ACÓRDÃO STJ DE 1997/03/12 IN CJSTJ ANOV TI PAG296.
ACÓRDÃO STJ DE 1999/11/18 IN CJSTJ ANOVI TIII PAG271.
ACÓRDÃO RC DE 1996/03/28 IN CJ ANOXXI TII PAG65.
ACÓRDÃO STJ DE 1994/10/06 IN BMJ N440 PAG214.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/10/11 IN BMJ N450 PAG265.
ACÓRDÃO TC DE 1997/03/04 IN DR IS-A DE 1997/05/16.
Sumário : I - É lícito à Relação, ao abrigo dos artigos 646, n. 4, e 712 do Código de Processo Civil, eliminar oficiosamente quer "factos" constantes da especificação, por entender que os mesmos integravam matéria de direito, quer factos resultantes de respostas aos quesitos, por entender que estas se fundaram em prova testemunhal, no caso inadmissível por força do disposto no artigo 394, n. 1, do Código Civil.
II - O Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar, em sede de recurso de revista, a correcção dessa decisão da Relação.
III - Nos contratos de trabalho de praticante desportivo, é admissível o recurso a prova testemunhal para demonstração de que a retribuição efectivamente acordada não coincide com a mencionada no contrato escrito.
IV - Não constitui óbice a este entendimento a circunstância de ser imposto o registo, na federação desportiva respectiva, quer do contrato inicial, quer das suas alterações, pois esse registo apenas é exigível para efeitos de participação do praticante desportivo em competições promovidas por essa federação.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório:

1.1. A, intentou, em 16 de Outubro de 1996, no Tribunal do Trabalho do Porto, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra o B, pedindo que fosse "declarada e confirmada a justa causa" por ele invocada "para a rescisão do contrato de trabalho celebrado com o réu", e este condenado a pagar-lhe a quantia de 7668332 escudos, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, sendo 1500000 escudos de indemnização por rescisão do contrato com justa causa, 500000 escudos de subsídio de Natal de 1995, 3500000 escudos de remunerações dos meses de Dezembro de 1995 a Junho de 1996, 283334 escudos de retribuição de 17 dias do mês de Julho de 1996, 500000 escudos de férias de 1996, 500000 escudos de subsídio de férias de 1996, 291666 escudos de proporcional de subsídio de Natal de 1996 e 593332 escudos de férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo de serviço prestado na época da cessação do contrato de trabalho (1995/1996).

Aduziu, para tanto, em suma, que: (i) celebrou com o réu um contrato de trabalho, com início em 1 de Agosto de 1995 e termo em 31 de Julho de 1997, para exercer as funções de jogador de futebol profissional da equipa sénior do réu, sob a autoridade, direcção e fiscalização deste, mediante a retribuição mensal de 300000 escudos; (ii) na data da celebração do contrato, esta remuneração foi alterada, por convenção das partes, para o valor de 500000 escudos mensais, acrescida do direito a férias e subsídios de férias e de Natal correspondentes a um mês de retribuição cada; (iii) o réu não lhe pagou o subsídio de Natal de 1995, no valor de 500000 escudos, nem as retribuições dos meses de Dezembro de 1995 a Junho de 1996, no valor de 3500000 escudos; (iv) com fundamento na falta culposa de pagamento pontual dessas prestações, rescindiu, com justa causa, o contrato em 17 de Julho de 1996, através de carta registada que enviou ao réu.

O réu contestou (fls. 17 a 25), alegando, em suma, que: (i) o autor foi contratado por duas épocas desportivas (1995/1996 e 1996/1997), mediante a retribuição global de 3000000 escudos por época, a pagar em doze prestações mensais, nelas se englobando já o subsídio de Natal e o subsídio de férias, como claramente consta do próprio contrato, pelo que o autor não tem direito a qualquer montante específico no que se refere a remuneração de férias e subsídios de férias e de Natal; (ii) as prestações relativas aos meses de Janeiro a Junho e a 17 dias de Julho de 1996, no valor total de 1407143 escudos, não foram pagas por falta de disponibilidades financeiras, derivada de ruptura drástica das receitas a partir do início desse ano, pelo que a falta de pagamento pontual não é imputável a culpa do réu, não assistindo, assim, ao autor direito a qualquer indemnização legal, designadamente a prevista no artigo 36.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT); (iii) mesmo que assim se não entendesse, a indemnização pela rescisão só poderia corresponder a mês e meio da retribuição de base, nos termos do artigo 52.º, n.º 4, da LCCT, por se tratar de contrato a termo certo; (iv) a retribuição acordada no contrato nunca foi alterada e tudo o que vai para além do que é referido no contrato junto aos autos, nomeadamente a alegada alteração da retribuição, é nulo, pelo facto de o contrato de trabalho desportivo estar sujeito à forma escrita, não podendo esta ser substituída por qualquer outra prova, designadamente por prova testemunhal ou documental.

Após resposta do autor (fls. 37 a 40), e frustrada tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador (fls. 59) e elaborados especificação e questionário (fls. 59 verso e 60), sem reclamações.

1.2. Realizada audiência de julgamento, foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 78, que não suscitaram reclamações, tendo de imediato sido proferida, em 13 de Junho de 2000, a sentença de fls. 78 a 83, que, julgando procedente a acção, condenou o réu a pagar ao autor a importância de 7668332 escudos, sendo 3500000 escudos de retribuições dos meses de Dezembro de 1995 a Junho de 1996 inclusive, 283334 escudos de retribuição de 17 dias de Julho de 1996, 500000 escudos de subsídio de Natal de 1995, 500000 escudos de subsídio de férias de 1996, 884998 escudos de proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 1996, e 2500000 escudos de indemnização de antiguidade, nos termos do artigo 36.º da LCCT a soma destas parcelas dá 8168332 escudos, e não 7668332 escudos, como refere a sentença, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, considerou a sentença ter-se provado a seguinte matéria de facto:

Da especificação (entre parêntesis indica-se a alínea respectiva):

a) Em 10 de Julho de 1995, o autor celebrou com o réu um contrato de trabalho, para exercer as funções de jogador de futebol profissional da equipa sénior do réu, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, mediante a remuneração de, pelo menos, 300000 escudos mensais - documento de fls. 54 a 58 dos autos, cujo conteúdo se deu por integralmente reproduzido (A));

b) Em 17 de Julho de 1996, o autor enviou ao réu a carta registada com aviso de recepção junta a fls. 11 dos autos, cujo conteúdo se deu por reproduzido (B));

c) O réu deve ao autor, pelo menos, a quantia de 1407143 escudos (C));

Das respostas aos quesitos (entre parêntesis indica-se o n.º do quesito respectivo):

d) Na data de celebração do contrato, por convenção das partes, a remuneração do autor foi alterada para 500000 escudos por mês (1.º);

e) A tal quantia acrescia o direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondente a um mês de retribuição cada (2.º);

f) O réu não pagou ao autor o subsídio de Natal de 1995 (3.º);

g) O réu não pagou ao autor os ordenados de Dezembro de 1995, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 1996, no montante de 3500000 escudos (4.º);

h) O réu não pagou ao autor o ordenado de 17 dias de Julho de 1996, nem o subsídio de férias de 1996, no montante de 283334 escudos e de 500000 escudos, respectivamente (5.º);

i) O réu não pagou ao autor os proporcionais ao tempo de serviço prestado em 1996, no montante de 884998 escudos (6.º).

Assim, ponderou a sentença que, tendo autor e réu acordado, para além da retribuição mensal de 300000 escudos, referida no contrato, numa remuneração de, pelo menos, mais 200000 escudos mensais, o que perfaz o montante de 500000 escudos mensais, e não tendo o réu pago ao autor as prestações referidas na petição inicial, não tendo feito prova de que a falta de pagamento não lhe era imputável, a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do autor foi válida e relevante, conferindo-lhe o direito a uma indemnização calculada nos termos do n.º 3 do artigo 13.º da LCCT, para além das prestações em dívida.

1.3. Contra esta sentença interpôs o réu recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, suscitando, nas respectivas alegações (fls. 87 a 94), as questões da alteração da decisão da matéria de facto, da determinação do montante dos créditos do recorrido e da indemnização pela rescisão.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 7 de Maio de 2001 (fls. 132 a 137), começou por introduzir significativas alterações na matéria de facto, com a seguinte fundamentação:

"Uma das questões suscitadas pelo recorrente prende-se com a decisão da matéria de facto, concretamente com o facto de se ter dado como provado que a retribuição acordada no contrato de trabalho foi de, pelo menos, 300000 escudos por mês.

O recorrente tem razão.

Na alínea A) da especificação, deu-se como provado que, em 10 de Julho de 1995, o autor celebrou com o réu um contrato de trabalho, para exercer as funções de jogador de futebol profissional da equipa sénior do réu, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, mediante a remuneração de, pelo menos, 300000 escudos mensais, mas não é isso o que consta do contrato junto a fls. 8 a 10 dos autos. Como consta das suas cláusulas 2.ª e 3.ª, a retribuição acordada foi de 3000000 escudos na época de 1995/1996 e outro tanto na época de 1996/1997, estando os subsídios de férias e de Natal já incluídos naquela importância que seria paga em doze prestações mensais e iguais, com início em Agosto e termo em Julho.

Trata-se de uma retribuição anual e não mensal. As partes quiseram que assim fosse e eram livres de o fazer. Ora, como é evidente, aquela retribuição anual não corresponde a uma retribuição mensal de 300000 escudos, mas sim a uma retribuição de 214286 escudos (3000000 escudos : 14). Por essa razão, o M.mo Juiz não podia ter especificado que a retribuição acordada fora de, pelo menos, 300000 escudos mensais, por tal contrariar o teor do contrato.

É certo que o recorrido alegou (artigo 4.º da petição inicial) que tinha celebrado o contrato mediante a remuneração oficial de 300000 escudos (mensais), mas tal facto não foi admitido na contestação. O recorrente não o impugnou especificadamente, mas alegou que a retribuição acordada tinha sido de 3000000 escudos por época, com os subsídios de férias e de Natal já incluídos, e isso não permite que o facto se considere admitido por acordo (artigo 490.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

De qualquer modo, mesmo que o facto não tivesse sido impugnado, ele não podia ser levado à especificação, uma vez que só podia ser provado por documento escrito, por ser essa a forma legal a que o contrato de trabalho desportivo está sujeito (artigo 4.º do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva (LCTD), anexo ao Decreto-Lei n. 305/95, de 18 de Novembro, que veio a ser revogado pela Lei n. 28/98, de 26 de Junho, mas que à data dos factos estava em vigor, artigo 364, n. 1, do Código Civil e artigo 490, n. 2, do Código de Processo Civil).

Face ao exposto, decide-se alterar a alínea a) da matéria de facto supra, passando a sua redacção a ser a seguinte:

a) Em 10 de Julho de 1995, o autor celebrou com o réu um contrato de trabalho, nos termos do documento de fls. 8 a 10 que aqui se dão por reproduzidos.

O recorrente não foi mais além na impugnação da matéria de facto, mas, apesar disso, importa que outras alterações lhe sejam feitas, sendo certo que este tribunal as pode fazer oficiosamente, se os elementos fornecidos no processo tal impuserem, como no caso acontece (artigo 712.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).

A primeira alteração a fazer diz respeito à alínea c) da matéria de facto, por conter matéria de direito: «O réu deve ao autor pelo menos a quantia de 1407143 escudos». A determinação da importância em dívida pelo recorrente implica um juízo de direito e não de facto. Elimina-se, por isso, a alínea c).

Pela mesma razão, elimina-se a parte final das alíneas g), h) e i): (... no montante de ...). O não pagamento desta e daquela retribuição é que constitui matéria de facto, apurar o valor dessas retribuições implica já um juízo de valor e não de facto.

Finalmente, importa, ao abrigo do disposto no artigo 646, n. 4, do Código de Processo Civil, dar como não escritas as respostas aos quesitos 1.º e 2.º, que correspondem às alíneas d) e e) da matéria de facto.

Naqueles quesitos perguntava-se:

«1.º - Na data de celebração do contrato, por convenção das partes, a remuneração do autor foi alterada para 500000 escudos por mês?

2.º - A tal quantia acrescia o direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondente a um mês de retribuição cada?»

Tais quesitos foram elaborados com base no alegado nos artigos 5.º e 6.º da petição e foram dados como provados. Todavia, salvo o devido respeito, os factos em questão nem sequer deviam ter sido quesitados, por entendermos que a alteração da retribuição corresponde a uma alteração do contrato (a retribuição é um elemento essencial do contrato de trabalho e deve constar obrigatoriamente do contrato de trabalho desportivo - artigo 1 da LCT e artigo 4, n. 1, alínea c), da LCTD), estando sujeita, por isso, à forma exigida para o contrato, sob pena de nulidade (artigo 220 do Código Civil). A forma prescrita para o negócio jurídico compreende não só as suas cláusulas essenciais, mas também as estipulações acessórias e coenvolve, ainda, as alterações subsequentes relativas a umas e a outras, embora com restrições (Manuel de Andrade, Teoria Geral, vol. I, pág. 143, e Mota Pinto, Teoria Geral, 1973, pág. 507).

Poderia admitir-se que as razões subjacentes à exigência da forma escrita só ocorrem em relação ao contrato em si e não já em relação às suas posteriores modificações. Tal entendimento pode ser defensável em termos gerais, mas não nos parece válido para os contratos de trabalho desportivo, dado que a participação do atleta em competições promovidas por uma federação desportiva dotada de utilidade pública desportiva depende de prévio registo do contrato de trabalho na federação respectiva, estando sujeitas a igual registo as modificações que lhe venham a ser introduzidas pelas partes (artigo 6.º da LCTD).

Evidentemente que o registo do contrato não é condição de validade do contrato. É mera condição de eficácia relativamente à respectiva federação, mas é um elemento que releva a favor do entendimento de que as razões da exigência da forma prescrita para o contrato também são aplicáveis às suas posteriores alterações. E compreende-se que assim seja, para desincentivar as práticas simulatórias tão frequentes neste domínio.

De qualquer modo, mesmo que se entendesse que a alteração da retribuição não estava sujeita à forma escrita, esse facto não podia ser provado por testemunhas, por ser contrária ao conteúdo do documento contratual (artigo 394, n. 1, do Código Civil). A prova dessa alteração só podia ser feita através da confissão ou de documento ainda que menos solene do que o exigido para o contrato de trabalho.

Ora, não tendo essa prova sido feita, o M.mo Juiz não podia dar como provados os quesitos em causa, só com base na prova testemunhal e, por isso, este tribunal sempre teria de alterar as respostas que lhes foram dadas na 1.ª instância, dando-os como não provados, com a consequente eliminação das alíneas d) e e) da matéria de facto.

Eliminam-se, pois, as referidas alíneas d) e e)."

Feitas estas alterações na decisão da matéria de facto, o mencionado acórdão entrou na apreciação da questão relativa à determinação do montante dos créditos do autor, então apelado, ponderando, a propósito, o seguinte:

"Após as alterações feitas à matéria de facto, fica claro que a retribuição acordada entre as partes foi de 3000000 escudos por cada época desportiva, com os subsídios de férias e de Natal já incluídos e a pagar em doze prestações mensais, com início em Agosto.

Provou-se que o recorrente não pagou as prestações relativas aos meses de Dezembro de 1995, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 1996 e aos 17 dias de serviço prestado em Julho de 1996. Sendo de 250000 escudos o valor da prestação mensal, o recorrente tem a pagar ao recorrido a importância de 1887097 escudos (250000 escudos x 7 meses + (250000 escudos : 31 x 17 dias de Julho)). O recorrente nada tem a pagar a título de férias e de subsídio de férias e de Natal, uma vez que tais retribuições já estão incluídas no valor das prestações mensais."

Por último, o mesmo acórdão debruçou-se sobre a questão da indemnização pela rescisão, consignando:

"Como consta da carta de fls. 11, o recorrido rescindiu o contrato de trabalho invocando como justa causa a falta de pagamento da retribuição de Dezembro de 1995, do subsídio de Natal de 1995 e das retribuições de Janeiro a Maio de 1996.

O regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo admite que o contrato de trabalho desportivo possa cessar por rescisão com justa causa por iniciativa do praticante desportivo (artigo 2.º, n.º 1, alínea d)), mas não tipifica as condutas integradoras da justa causa. Por isso, temos de recorrer ao regime geral do contrato de trabalho, concretamente ao regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que é subsidiariamente aplicável ao contrato de trabalho desportivo (artigo 2 do regime jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 305/95). Ora, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 35 daquele regime, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida constitui justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador e confere-lhe o direito a uma indemnização (artigo 36).

A existência da justa causa para o recorrido rescindir o contrato não foi posta em causa no recurso. O não pagamento das retribuições ficou provado e cabia ao recorrente provar que a falta de pagamento não procedia de culpa sua (artigo 799, n. 1, do Código Civil). A tal propósito, alegou que a falta de pagamento era devida a graves dificuldades económicas. Não provou, porém, que assim tenha sucedido, o que faz presumir a sua culpa. Por isso, à face do regime do Decreto-Lei n. 64-A/89, o recorrido teria direito a uma indemnização pela rescisão e o M.mo Juiz condenou, efectivamente, o recorrente a pagar uma indemnização de 2500000 escudos.

Não se compreende como é que o M.mo Juiz chegou àquele valor, uma vez que a indemnização devida por rescisão com justa causa nos contratos de trabalho a termo, como é o caso, corresponde a mês e meio de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, até ao limite do valor das remunerações de base vincendas (artigo 52.º, n.º 4) e o recorrido ainda não tinha completado um ano de serviço. Mesmo considerando a retribuição tida em conta na sentença (500000 escudos mensais), o valor da indemnização seria apenas de 750000 escudos.

Todavia, o recorrente entende que nenhuma indemnização é devida, face ao regime especial previsto no artigo 21.º, n.º 1, do regime do Decreto-Lei n.º 305/95 e na cláusula 46.ª do CCT celebrado entre a Liga dos Clubes de Futebol Profissional e o Sindicato Nacional dos Jogadores Profissionais de Futebol, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 1991. Segundo ele, o recorrido não alegou e muito menos provou que tivesse sofrido prejuízos com a rescisão.

O recorrente tem razão. No que toca ao despedimento e à rescisão do contrato com justa causa por iniciativa do trabalhador, a lei do contrato de trabalho desportivo (artigo 21, n. 1) institui um regime diferente do regime geral, ao estabelecer no seu artigo 21 que: «1. Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n. 1 do artigo anterior, a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato, não podendo a indemnização exceder o valor das retribuições que ao praticante seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo.»

A alínea c) do n.º 1 do artigo 20 refere-se à cessação do contrato por despedimento com justa causa promovido pela entidade patronal e a alínea d) refere-se à cessação do contrato por rescisão com justa causa por iniciativa do trabalhador.

Ora, como se alcança do teor do n. 1 do artigo 21, a indemnização a que o trabalhador tem direito por rescisão do contrato com justa causa corresponde aos danos que tiver sofrido, não podendo exceder, porém, o valor das retribuições que teria auferido até ao termo do contrato. Por isso, para fixar a indemnização devida ao recorrido era necessário saber quais os danos por ele sofridos. Não o sabemos, sendo certo que lhe competia fazer a alegação e prova dos mesmos, nos termos do n. 1 do artigo 342 do Código Civil. O não cumprimento desse ónus importa a absolvição do recorrente nesta parte."

No termo deste excurso, o acórdão cuja fundamentação se reproduziu concedeu provimento à apelação e revogou em parte a sentença recorrida, ficando o recorrente condenado a pagar ao recorrido tão-somente a quantia de 1887097 escudos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação.

1.4. Contra este acórdão interpôs o autor, para este Supremo Tribunal de Justiça, o presente recurso de revista, terminando as respectivas alegações (fls. 149 a 156) com a formulação das seguintes conclusões:

"I - A formulação desta alínea c) da especificação advém do alegado pelo réu nos n.°s 15 e 16 da sua contestação.

II - Trata-se assim de matéria confessada que deveria ter sido levada à especificação - artigo 511.° do Código de Processo Civil - como efectivamente o foi.

III - E sempre teria de ser tida em consideração na decisão a proferir - artigo 659.° do Código de Processo Civil.

IV - O réu não deduziu reclamação do assim especificado, nem no recurso que interpôs suscitou a sua modificação ou supressão, como aliás o acórdão recorrido refere.

V - O Tribunal da Relação não podia, por isso, suprimir aquela alínea/matéria da especificação, sob pena de ofensa do princípio de caso julgado.

VI - A decisão recorrida violou, pois, nesta parte, o disposto no artigo 684, n. 4, do Código de Processo Civil.

VII - A redacção dos quesitos 1.° e 2.° (alíneas d) e e) da matéria de facto) não foi objecto de reclamação por parte do réu, nem no recurso interposto da decisão do tribunal de 1.ª instância o réu sustentou ou requereu a alteração ou modificação das respostas dadas aos mesmos.

VIII - Não podia por isso o tribunal recorrido alterar as respostas dadas aos quesitos, por tal implicar ofensa do princípio do caso julgado, com violação do disposto no artigo 684.° do Código de Processo Civil.

IX - Ao decidir de outro modo e concretamente decidindo alterar as respostas dadas àqueles quesitos, o tribunal recorrido não só violou o artigo 684.°, n.° 4, do Código de Processo Civil, como se pronunciou e conheceu de questões que não podia apreciar, pelo que a decisão é nula por força do disposto no artigo 668.°, n.° l, alínea d), do Código de Processo Civil.

X Por outro lado, só constitui elemento essencial do contrato a indicação no contrato inicial do montante da retribuição, dado que desta disposição decorre exclusivamente a obrigatoriedade do registo da alteração introduzida no contrato, não a sua submissão a escrito.

XI - Aliás não se alcança do teor do diploma a existência neste quer da exigência da redução a escrito da alteração ao contrato em matéria de remuneração e muito menos «razões de exigência especial».

Efectivamente a lei não obriga à redução a escrito da alteração à remuneração.

XII - Assim o não entendendo, a decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, com violação do disposto no artigo 6.°, n.° 3, do citado diploma.

XIII - A entender-se que a exigência da forma escrita constitui uma formalidade ad substantiam, então o vício de forma invocado e gerador de nulidade constitui manifesto abuso de direito e, como tal, deveria ser desatendida a sua arguição.

XIV - Inexistem «razões de exigência especial da lei» aplicáveis às estipulações posteriores ao contrato.

Na verdade, o artigo 6.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.º 305/95 em que o acórdão recorrido se funda apenas obriga ao registo na Federação das «modificações que as partes introduzam ao contrato».

E não à redução a escrito de tais modificações.

XV O legislador seguramente «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» - artigo 9.°, n.º 3, do Código Civil - e, caso pretendesse estender a obrigatoriedade da observância da forma escrita às modificações contratuais, tê-lo-ia estabelecido no local adequado - o artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 305/95.

XVI - Esta disposição legal, ainda que entendida como formalidade substancial, não se destina, no caso do seu incumprimento, a ser invocada pelo réu para se eximir ao pagamento da retribuição acordada e praticada. Isto é, não se destina a premiar e a proteger o infractor,

XVII - Por força do disposto no artigo 334.° do Código Civil é ilegítima a invocação da nulidade por vício de forma nas alterações da retribuição, dado que o réu com tal pretende eximir-se ao pagamento dos valores acordados.

Finalmente,

XVIII - A forma escrita para a alteração da retribuição constitui apenas uma formalidade ad probationem por não contender com o núcleo essencial do contrato.

Por outro lado, a alteração da retribuição constitui uma estipulação posterior ao contrato inicial e a exigência de forma só se aplica em casos especiais como resulta do artigo 221.°, n.° 2, do Código Civil.

XIX - O acordo verbal é válido, porque correspondeu à vontade das partes - artigo 222.° do Código Civil -, nada obstando à admissibilidade de prova testemunhal, por força do disposto no artigo 393,º, n.° 1, do Código Civil, a contrario.

XX - Consequentemente, deve ser revogado o acórdão na parte em que se decidiu dar como não escritas as respostas aos quesitos 1.° e 2.° dadas nas alíneas d) e e) da matéria de facto.

XXI - Em conformidade com o referido em II destas alegações, o réu deve ser condenada a pagar ao autor a quantia de 5262499 escudos, assim discriminada:

a) A título de subsídio de Natal de 1995 - 500000 escudos x 5 : 12 = 208333 escudos;

b) De retribuições de Dezembro de 1995 a Junho de 1996 - 500000 escudos x 7 = 3500000 escudos;

c) De 17 dias de trabalho prestado em Julho de 1996 - 283333 escudos.

d) De férias, bem como subsídio de férias, o montante proporcional ao tempo de serviço prestado, ou seja, o decorrido entre Agosto de 1995 e 17 de Julho de 1996, no montante de 479176 escudos x 2 = 958333 escudos;

e) De proporcionalidades de subsídio de Natal de 1996 - 312500 escudos."

O réu, ora recorrido, contra-alegou (fls. 161), propugnando o improvimento do recurso.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 171 a 174, no sentido da negação da revista, que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

2.1.1. Como se referiu, o acórdão recorrido procedeu a profunda alteração da matéria de facto considerada provada na 1.ª instância, que, assim, ficou reduzida à seguinte:

1) Em 10 de Julho de 1995, o autor celebrou com o réu um contrato de trabalho, nos termos do documento de fls. 8 a 10, que se deu por reproduzido;

2) Em 17 de Julho de 1996, o autor enviou ao réu a carta registada com aviso de recepção junta a fls. 11 dos autos, cujo conteúdo se deu por reproduzido;

3) O réu não pagou ao autor o subsídio de Natal de 1995;

4) O réu não pagou ao autor os ordenados de Dezembro de 1995, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 1996;

5) O réu não pagou ao autor o ordenado de 17 dias de Julho de 1996, nem o subsídio de férias de 1996;

6) O réu não pagou ao autor os proporcionais ao tempo de serviço prestado em 1996.

O autor, na alegação do presente recurso de revista, expressamente refere nada ter a opor quanto ao decidido pelo acórdão recorrido quanto à alteração da redacção da alínea a) da especificação, por reconhecer tratar-se de matéria controvertida, e não impugnou a eliminação da parte final das alíneas g), h) e i) da matéria de facto apurada na 1.ª instância.

Impugna, porém, a eliminação das alíneas c), d) e e) da mesma matéria. Quanto à primeira (do seguinte teor: "c) O réu deve ao autor, pelo menos, a quantia de 1407143 escudos"), por respeitar a matéria confessada pelo réu, que foi correctamente levada à especificação, sem reclamação do réu, que igualmente a não impugnou na alegação do recurso de apelação, pelo que a sua eliminação, determinada pelo acórdão recorrido, ofende o princípio do caso julgado. Quanto às duas últimas (do seguinte teor: "d) Na data de celebração do contrato, por convenção das partes, a remuneração do autor foi alterada para 500000 escudos por mês" e "e) A tal quantia acrescia o direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondente a um mês de retribuição cada"), por, correspondendo a matéria quesitada e julgada provada, sem que o réu tivesse contestado a admissibilidade da sua quesitação ou sustentado, no recurso de apelação, a alteração ou modificação das respostas dadas, a sua eliminação oficiosa pelo tribunal ofendeu o princípio do caso julgado e acarretou vício de excesso de pronúncia, para além de que a lei não exige a redução a escrito da alteração à remuneração e, mesmo que o exigisse, tal não integraria formalidade ad substantiam, e, de qualquer forma, a invocação desse pretenso vício de forma gerador de nulidade envolveria abuso de direito por parte do réu.

O argumento, comum a estas impugnações do recorrente, da ofensa do caso julgado é manifestamente improcedente. Como é sabido, "a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio" (assento n.º 14/94, de 26 de Maio de 1994, processo n. 76178, Diário da República, I Série-A, n.º 230, de 4 de Outubro de 1994, pág. 6067, e Boletim do Ministério da Justiça, n.º 437, pág. 35), e uma das causas dessa modificação pode ser o ter-se entendido que determinado "facto" levado à especificação consistia, em rigor, em questão de direito, como o acórdão recorrido entendeu ocorrer com a alínea c) da especificação. E, por outro lado, o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil determina que se tenham por não escritas, para além das respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito, também as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos; ora, o acórdão recorrido entendeu que a matéria das alíneas d) e e) da matéria de facto apurada na 1.ª instância só podia ser provado por documento escrito, sendo inadmissível a prova testemunhal, com base na qual foram dadas as respostas aos quesitos.

Esta última decisão pode ser juridicamente errónea - questão de que este Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer -, mas não incorre em violação de caso julgado formal nem representa excesso de pronúncia (vício de decisão que o recorrente, aliás, não arguiu, como cumpria, no requerimento de interposição do recurso de revista - artigo 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981).

2.1.2. Cumpre agora apreciar se é juridicamente correcta a decisão do acórdão recorrido de oficiosamente eliminar as alíneas d) e e) da matéria de facto julgada provada pela sentença apelada, com o fundamento em que os factos nelas contidos não podiam ser provados por testemunhas, por serem contrários ao conteúdo do documento contratual e a tal se opor o disposto no artigo 394, n. 1, do Código Civil. Como já se referiu, trata-se de questão que, por ser de direito, pode ser conhecida por este Supremo Tribunal de Justiça em sede de recurso de revista.

As questões da qualificação como formalidade ad substantiam ou ad probationem da exigência de menção da retribuição quer na generalidade dos contratos de trabalho a termo, quer no contrato de praticante desportivo (que é sempre, por imposição legal, um contrato de trabalho a termo, já que o mesmo, de acordo com o artigo 8, n. 1, do "Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva", aprovado pelo Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro - doravante designado por LCTD -, nunca poderia ser superior a quatro épocas, limite este que foi elevado para oito épocas pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que veio substituir aquele Regime Jurídico, mas que é inaplicável ao presente caso) e da admissibilidade de prova, designadamente testemunhal, para demonstração de que a retribuição efectivamente acordada não coincide com a mencionada no contrato escrito já foram objecto de diversas decisões dos tribunais superiores e nomeadamente deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que não se trata de formalidade ad substantiam e de que é admissível a prova da diversidade entre a retribuição efectivamente acordada e a retribuição exarada no escrito contratual, quer essa disparidade seja contemporânea da celebração do contrato quer resulte da evolução no tempo da componente retributiva.

Embora não sejam inteiramente transponíveis para a situação dos contratos de trabalho de praticante desportivo todos os argumentos esgrimidos a propósito dos comuns contratos de trabalho a termo, designadamente os que se estribam no propósito do legislador de desincentivar o recurso a esta forma de contratação e na diferenciação legal expressa das consequências da omissão das indicações elencadas no n.º 1 do artigo 42.º da LCCT, só algumas conduzindo à conversão do contrato com termo em contrato sem termo (argumentos inaplicáveis ao contrato de trabalho de praticante desportivo, que é sempre celebrado a termo e nunca se converte em sem termo), interessará recordar os traços fundamentais da apontada orientação jurisprudencial. A questão foi recentemente tratada, com algum desenvolvimento, no acórdão de 15 de Maio de 2002, processo n.º 2544/01, pelo que passaremos a sintetizar o que aí se explanou.

Atendendo a que as razões da imposição de forma escrita na celebração dos comuns contratos de trabalho a termo consistem, fundamentalmente, no propósito de reduzir a situação de instabilidade do trabalhador e de assegurar operacionalidade ao controle da genuinidade dos motivos invocados para a celebração desse tipo excepcional de vinculação laboral, dificultando dissimulações e fraudes à lei, o artigo 42.º da LCCT, após elencar, no n.º 1, as indicações que devem constar do contrato escrito, distingue, nos subsequentes n.ºs 2 e 3, os efeitos da falta dessas indicações, o que revela bem que nem todas revestem a mesma importância e dignidade: assim, só são sancionadas com a conversão do contrato celebrado em contrato sem termo (para além da falta de assinatura, nome ou denominação das partes) a falta da indicação do prazo estipulado ou do motivo justificativo da celebração deste tipo de contrato, e, "no caso de contratos a termo incerto, da actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a respectiva celebração ou o nome do trabalhador substituído". Se faltar a indicação da data de início do trabalho, considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração, e só se faltar simultaneamente a indicação da data de início do trabalho e da data da celebração do contrato é que este também se considera celebrado sem termo. Por isso se concluiu que, perante este quadro legal, dentre as indicações elencadas no n. 1 do artigo 42 da LCCT, nem relativamente a todas a imposição da sua menção no contrato escrito assume a relevância de formalidade ad substantiam, isto é, de requisito de validade do contrato: sê-lo-á seguramente quanto às menções referidas na sua alínea e) (prazo estipulado e motivo justificativo), mas já não, por exemplo, quanto à menção da retribuição.

É este também o entendimento da doutrina e da jurisprudência, tendo-se transcrito, no citado acórdão, as opiniões de Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1999, págs. 631 a 633), Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 11.ª edição, Coimbra, 1999, pág. 310) e Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Coimbra, 2002, págs. 622 a 624).

No que se refere à jurisprudência, começou por referir-se que, inicialmente, este Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 26 de Outubro de 1994, processo n.º 4061 (Acórdãos Doutrinais, ano XXXIV, n.º 399, Março de 1995, pág. 350, e Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, 1994, tomo III, pág. 279), decidiu que: "II - No contrato de trabalho a prazo são só elementos da sua validade as cláusulas ad substantiam do n.º 3 do artigo 42.º do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, além da sua redução a escrito, n.º 1 desse artigo, sendo ad probationem as restantes cláusulas, entre elas a remuneração ao trabalhador. III - Assim, dada a natureza desta cláusula, o pacto verbal contrário à remuneração do contrato é válido, mas, face ao artigo 394.º, n.º 1, do Código Civil, é inadmissível a prova por testemunhas, contra ao clausulado no contrato, pelo que a remuneração do autor é a constante desse contrato escrito".

Porém, o entendimento vertido no ponto III (inadmissibilidade de prova por testemunhas de pacto verbal contrário à remuneração mencionada no contrato escrito) não foi seguido nas posteriores decisões deste Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplo os acórdãos de 12 de Março de 1997, processo n.º 204/96 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, 1997, tomo I, pág. 296), de 16 de Abril de 1997, processo n.º 221/96 (cujo texto integral consta de www.dgsi.pt n.º do documento: SJ199704160002214), e de 18 de Novembro de 1999, processo n.º 200/99 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, 1999, tomo III, pág. 278; também publicado e anotado em José Manuel Meirim, O Desporto nos Tribunais, Lisboa, 2001, pág. 221).

Esta última orientação, que se pode considerar dominante, assenta em duas grandes linhas de argumentação.

Por um lado, mesmo no estrito domínio do direito civil, por natureza mais formalista, tem sido sustentado que a norma do n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil ("É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores") não pode ser lida como implicando a proibição absoluta da admissibilidade da prova testemunhal, sendo antes de considerar que tal prova é de admitir, pese embora a redacção do preceito, de forma a obstar a graves iniquidades a que a "regra do n.º 1 do artigo 394.º, bem como a aplicação que dela é feita no n.º 2 do mesmo artigo, poderiam dar lugar, quando aplicadas sem restrições" (Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Dezembro de 1973, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, pág. 311). Como se refere no citado acórdão de 16 de Abril de 1997: "(...) a aplicação irrestrita da regra do n.º 1 (tal como do n.º 2) do artigo 394.º pode suscitar graves iniquidades, mesmo no domínio puro do direito civil. Por isso, conforme dá conta Vaz Serra (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, págs. 311 e seguintes), os Códigos francês e italiano que consagram regra semelhante lhe formulam várias excepções. Não obstante a formulação irrestrita da regra do n.º 1 (e do n.º 2) do artigo 394.º, Vaz Serra (e também, no seu seguimento, Mota Pinto, Colectânea de Jurisprudência, ano X, 1985, tomo III, págs. 11 e seguintes) propugna a admissibilidade da prova testemunhal nas situações excepcionais admitidas naqueles Códigos a) quando haja um começo ou princípio de prova por escrito; b) quando tenha sido impossível, moral ou materialmente, ao contraente obter uma prova escrita; e c) quando se tenha perdido, sem culpa do contraente, o documento que fornecia a prova."

A outra linha argumentativa assenta na natureza específica do direito de trabalho e, dentro deste, da garantia da retribuição (considerando a importância decisiva que ela assume para quem presta a sua actividade a outrem e tem nela a base principal, muitas vezes única, do seu sustento e dos seus dependentes) e dos poderes do tribunal na sua determinação. A este respeito, dispõe, com efeito, o artigo 90.º da LCT que: "1. Compete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato. 2. Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que se suscitarem na qualificação como retribuição das prestações recebidas da entidade patronal pelo trabalhador". Ora - argumenta-se no citado acórdão de 12 de Março de 1997 -:

"Se são cometidas ao julgador as apontadas tarefas, parece seguro que o desempenho delas, por definição correcta, é incompatível com uma limitação dos meios de prova admissíveis, questão que se coloca quando a retribuição respeitar a contrato a termo, reduzido a escrito.

(...)

Ora, a especificidade do regime que preside à fixação da retribuição, que, sendo essencial, como se viu, não tem de ficar ab initio determinada, como bem evidencia o transcrito artigo 90.º da LCT, não é compatível com a observância do regime probatório restritivo do n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil.

Daí que tenhamos por inaplicável a regra do citado artigo 394.º, n.º 1, à hipótese dos autos e consideremos que não era vedada a audição de testemunhas no apuramento da retribuição que o motorista auferia e que se apurou ser bem superior aos 74500 escudos mensais que ficaram consignados no escrito.

É óbvio que se o recurso à prova testemunhal se impõe quando as partes não deixaram fixada no escrito a retribuição, semelhantemente há que admitir a produção de uma tal prova na demonstração de que o valor que ficou consignado não corresponde ao que efectivamente a entidade patronal acordou pagar como retribuição."

Também tem sido este o entendimento das Relações; assim:

- no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Março de 1993, processo n.º 8147 (em www.dgsi.pt documento n.º RL199302180081474), em caso de contrato de trabalho desportivo, decidiu-se que: "I - A redução a escrito dos contratos de trabalho a termo é uma formalidade ad substantiam ou ad essentiam, mas apenas no tocante à cláusula de duração. Quanto ao mais, maxime no que se refere a prémios, remuneração real ou efectiva, estamos perante uma exigência de forma ad probationem. II - Tendo sido dado como provado que o réu se obrigou a pagar ao autor 3000000 escudos, a título de «luvas» ou pela assinatura do contrato, em duas prestações iguais, e tendo-lhe pago somente a primeira de tais prestações, é incontestável que se encontra devedor da segunda prestação, no valor de 1500000 escudos.";

- no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de Março de 1994, processo n.º 9038 (em www.dgsi.pt documento n.º RL199403020090384), decidiu-se que: "V - A exigência de redução a escrito do contrato de trabalho a termo é formalidade ad substantiam no que respeita à existência desse contrato, ao passo que, quanto aos elementos constantes desse mesmo contrato, nomeadamente a retribuição, a exigência de forma escrita constitui apenas uma mera formalidade ad probationem, podendo, por isso, ser utilizados outros meios de prova para os demonstrar.";

- no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Março de 1996, processo n.º 179/95 (Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, 1996, tomo II, pág. 65), decidiu-se que: "I - À falta de indicação da retribuição no contrato a termo a lei não comina a nulidade do contrato. II - Aquela exigência constitui uma formalidade ad probationem e não ad substantiam. III - A retribuição contratada pode, assim, ser demonstrada por outro meio de prova.".

Concluiu-se, assim, no citado acórdão de 15 de Maio de 2002, que, nos contra-tos de trabalho a termo, a indicação da retribuição não constitui formalidade ad substantiam e que é admissível o recurso a prova testemunhal para demonstração de que a retribuição efectivamente acordada não coincide com a mencionada no contrato escrito.

2.1.3. Há que reconhecer, no entanto, que, como já se referiu, a situação do contrato de trabalho desportivo apresenta algumas especialidades relativamente à generalidade dos contratos de trabalho a termo, pois não existem, no seu regime jurídico, as distinções constantes dos n.ºs 2 e 3 do artigo 42.º da LCCT quanto aos efeitos da falta das diversas menções exigíveis e não é para aqui transponível, por incompatível com a natureza da actividade em causa, a sanção da conversão do contrato em contrato sem termo.

Há, assim, que centrar agora a nossa análise no regime próprio do contrato de trabalho de praticante desportivo.

Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º da LCTD:

"1. O contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes, dele devendo constar:

a) A identidade das partes, incluindo a nacionalidade e a data de nascimento do praticante;

b) A actividade desportiva que o praticante se obriga a prestar;

c) O montante da retribuição;

d) A data do início de produção de efeitos do contrato;

e) O termo de vigência do contrato;

f) A data da celebração."

A análise do proémio deste n.º 1 permite distinguir dois segmentos: no primeiro, proclama-se que o contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes; no segundo, anuncia-se a elencação das indicações que dele devem constar. Se é manifesto que a forma escrita e a assinatura são formalidades ad substantiam, o mesmo não se pode, sem mais, dizer relativamente a todas e a cada uma das indicações referidas nas alíneas a) a f). É que, desde logo, algumas destas indicações correspondem a manifestações de vontade (actividade desportiva a praticar, montante da retribuição e datas do início de produção de efeitos do contrato e do termo da sua vigência), enquanto outras são constatações de factos ou declarações de ciência (identidade das partes, nacionalidade e data do nascimento do praticante e data da celebração), justificando-se quer uma diferenciada qualificação como formalidades ad substantiam ou ad probationem, quer uma diversidade de regimes quanto à admissibilidade de recurso a outros meios de prova para suprimento de omissões ou demonstração da incorrecção das menções escritas. Aliás, o n.º 4 do artigo 8.º da LCTD prevê que quando faltar a menção, exigida na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º, do termo de vigência do contrato, este se considera celebrado por uma época desportiva ou para a época desportiva no decurso da qual foi celebrado, o que evidencia que não se trata de formalidade essencial.

Especificamente no que respeita à menção da retribuição, não há motivo para admitir regime diferente do que se concluiu ser aplicável à generalidade dos contratos a termo, quer quanto à não essencialidade dessa menção, quer quanto à admissibilidade de prova testemunhal para demonstração de que a retribuição efectivamente acordada não coincide com a mencionada no contrato escrito. Valem aqui inteiramente as considerações expendidas nos quatro acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça atrás referenciados acerca da natureza da retribuição e dos poderes do tribunal para a sua determinação.

Aliás, o artigo 14.º, n.º 1, da LCTD explicita que: "Compreendem-se na retribuição todas as prestações patrimoniais que, nos termos das regras aplicáveis ao contrato de trabalho, a entidade empregadora realize a favor do praticante desportivo profissional pelo exercício da sua actividade ou com fundamento nos resultados nela obtidos" (sublinhado acrescentado), o que é claramente incompatível com a tese rigidamente formalista de que retribuição é apenas o que como tal foi mencionado no contrato escrito, com inadmissibilidade de prova, designadamente testemunhal, em contrário.

Atenta a natureza alimentar de que, em regra, se reveste a retribuição laboral e sabido, por outro lado, que o conteúdo desta retribuição, também em regra, não é algo de fixo e imutável ao longo de toda a vigência do contrato, antes evolui durante essa vigência, quer diminuindo (por exemplo, com a lícita retirada de formas de execução do contrato especialmente penosas, que justificavam a atribuição, enquanto vigentes, de suplementos remuneratórios), quer aumentando (por exemplo, com a aquisição, pelo uso, de carácter obrigatório de abonos que se iniciaram como meras liberalidades), seria intolerável que, comprovado, como no presente caso foi, que o salário realmente acordado não coincide com o salário declarado, esta verdade material fosse ignorada a pretexto de proibições de meios de prova que nem sequer no direito civil assumem carácter absoluto. Não se vislumbra, pois, motivo para, no contrato de trabalho de praticante desportivo, se seguir, quanto ao ponto em análise, orientação oposta à que se adoptou para a generalidade dos contratos de trabalho a termo.

Conclui-se, assim, que, também no contrato de trabalho desportivo, nem todas as indicações exigidas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 4.º da LCTD integram formalidades ad substantiam, e que uma dessas menções é a relativa à retribuição, a qual, por outro lado, deve ser considerada como susceptível de ser demonstrada sem limitação de meios de prova. Neste sentido decidiram os atrás citados acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Novembro de 1999, processo n.º 200/99, e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Fevereiro de 1993, processo n.º 8147, que recaíram sobre casos de contrato de trabalho de praticante desportivo. E nos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 1993, processo n.º 3396 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 423, pág. 328, e Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano I, 1993, tomo I, pág. 234), da mesma data, processo n.º 3498, e de 10 de Janeiro de 1996, processo n.º 3396 (www.dgsi.pt documentos n.ºs SJ199301200034984 e SJ199601100033964, respectivamente), admitiu-se que os "prémios de jogo" integrariam, ou não, a retribuição, consoante se apurasse, sem limitação dos meios de prova, que os mesmos representavam direito do trabalhador (jogador profissional) e obrigação da entidade patronal (clube desportivo), por resultarem de uso no sector de actividade, ou mera liberalidade desta.

Também se mostra irrelevante a circunstância, a que o acórdão recorrido atribuiu significativo valor, de o artigo 6.º da LCTD prever o registo na respectiva federação desportiva não só do contrato de trabalho desportivo inicialmente celebrado, mas também das modificações que as partes introduzam no mesmo. Com efeito, não se vê como desta previsão se possa fazer derivar quer a atribuição à menção da retribuição no contrato escrito o valor de formalidade ad substantiam, quer a proibição do recurso à prova testemunhal para demonstração da retribuição efectivamente acordada, tanto mais que o n.º 1 desse artigo 6.º é explícito ao afirmar que o registo do contrato na federação respectiva é exigível apenas para efeitos de "participação do praticante desportivo em competições promovidas por uma federação desportiva dotada de utilidade pública desportiva".

Aliás, a este propósito, interessará recordar a jurisprudência originada pelo artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 413/87, de 31 de Dezembro, que determinava que: "Em caso de litígio entre o agente desportivo praticante e a entidade utilizadora dos seus serviços, só poderão ser invocados em juízo os contratos que antes do início da sua vigência tenham sido registados na respectiva federação, considerando-se inexistentes quaisquer cláusulas que ali não tenham sido registadas", de que nos dá conta José Manuel Meirim (obra citada, págs. 203 a 212). Algumas decisões judiciais reduziram o alcance dessa norma ao domínio fiscal, considerando-a um pressuposto fiscal da instância laboral, que deveria ser suspensa até efectivação do registo (neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 1993, processos n.ºs 3396 e 3498, atrás citados), mas as decisões que consideraram que nele se pretendia estabelecer uma proibição de prova concluíram pela inconstitucionalidade da norma, quer inconstitucionalidade formal (procedimental), por falta de audição das organizações representativas dos trabalhadores (neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 1994, processo n.º 3938, e de 11 de Outubro de 1995, processo n.º 3490, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 440, pág. 214, e n.º 450, pág. 265, respectivamente, e de 22 de Fevereiro de 1995, processo n.º 3760 - www.dgsi.pt documento n.º SJ199502220037604), quer por inconstitucionalidade material, por violação dos direitos dos trabalhadores consignados no artigo 53.º da Constituição (neste sentido, entre outros, os acórdãos de 6 de Outubro de 1994 e de 22 de Fevereiro de 1995, acabados de citar). A norma em causa viria a ser declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 178/97, de 4 de Março de 1997 (publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 113, de 16 de Maio de 1997, pág. 2433, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 465, pág. 103, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36.º volume, pág. 127, e na Revista do Ministério Público, ano 18.º, n.º 71, Julho/Setembro de 1997, pág. 133, com anotação de José Manuel Meirim), "por violação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa, na redacção da primeira revisão constitucional". No sentido de que a norma em causa não era invocável no juízo laboral e, se o fosse, padeceria de inconstitucionalidade formal e material, cfr. Maria Cândida Almeida, "Contrato de trabalho - Contrato fictício - Jogadores de futebol", Revista do Ministério Público, ano XIII, n.º 52, Outubro/Dezembro de 1992, pág. 139). O eventual intuito de, com a celebração de "contratos paralelos", se furtarem as partes ao integral cumprimento das suas obrigações fiscais imporá a colaboração activa dos tribunais no combate a essa prática nociva, através da denúncia às autoridades tributárias das situações detectadas, mas não pode justificar que se ignore a realidade material comprovada nos autos, a pretexto de proibições de utilização de meios de prova, que não têm o alcance que se lhes atribuiu.

Conclui-se, assim, que não pode ser mantida a decisão do acórdão recorrido de eliminar as alíneas d) e e) da matéria de facto apurada na 1.ª instância, pelo que na subsequente apreciação das restantes questões que integram o objecto do presente recurso, há que considerar, para além dos factos mencionados supra, em 2.1.1, sob os n.ºs 1) a 6), mais os seguintes:

7) Na data de celebração do contrato, por convenção das partes, a remuneração do autor foi alterada para 500000 escudos por mês;

8) A tal quantia acrescia o direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondente a um mês de retribuição cada.

2.2. Montante dos créditos do autor

Da factualidade apurada resulta que o autor tem direito às verbas reclamadas, com exclusão da indemnização por rescisão, já que, quanto a esta, o recorrente expressamente se conformou com a decisão do acórdão recorrido de que, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, da LCTD, a indemnização correspondia aos danos efectivamente sofridos e ele nenhuma prova fez da existência desses danos.

Assim, os créditos em causa correspondem a:

- 3500000 escudos de retribuições dos meses de Dezembro de 1995 a Junho de 1996 inclusive;

- 283333 escudos de retribuição de 17 dias de Julho de 1996;

- 208333 escudos de subsídio de Natal de 1995;

- 958333 escudos de férias e subsídio de férias proporcionais ao serviço prestado de Agosto de 1995 a 17 de Julho de 1996; e

- 312500 escudos de subsídio de Natal proporcional ao serviço prestado em 1996; no total de 5262499 escudos (€ 26249,23), com juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

3. Decisão

Em face do exposto, acordam em:

a) conceder provimento ao presente recurso, alterando o acórdão recorrido nos termos mencionados; e

b) determinar que, uma vez transitado em julgado o presente acórdão, seja remetida cópia do mesmo à Direcção-Geral dos Impostos, atenta a detectada disparidade entre o valor da retribuição declarado no contrato escrito e o montante verbalmente acordado.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 25 de Junho de 2002.

Mário José de Araújo Torres,

Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,

Manuel Maria Martins Ferreira Neto,

António Manuel Pereira,

Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares. (Vencido, por entender que, sendo obrigatória a menção no contrato da remuneração do praticante desportivo, estamos perante uma formalidade ad substantiam, não sendo, por isso, admissível prova testemunhal para demonstrar que a retribuição é diferente).