Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P167
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CARMONA DA MOTA
Nº do Documento: SJ200302130001675
Data do Acordão: 02/13/2003
Votação: MAIORIA COM 2 DEC VOT E 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Arguido/recorrente: "A" (1)

1. OS FACTOS (2)
Os arguidos são cunhados, encontrando-se ambos desempregados e tendo o arguido A deixado de efectuar descontos para a Segurança Social em Junho de 2000. No dia 11 de Setembro de 2001, cerca das 23,50 horas, os arguidos encontravam-se sentados junto de uns arbustos existentes perto de um infantário, situado na Avenida Vasco da Gama, rodeados por cinco consumidores de droga. Na altura, um tal B abeirou-se do co-arguido e entregou-lhe para a mão pelo menos uma nota do Banco de Portugal. Este entregou logo o dinheiro ao arguido A e depois dirigiu-se aos arbustos, donde retirou pelo menos uma dose de heroína do interior de um saco de plástico, que entregou ao interessado. Perante isto, os arguidos foram interceptados pela PSP, que, ali em missão de vigilância, encontrou, no tal saco, pertença dos arguidos, 74 embalagens de heroína [«substância activa presente»] com o peso líquido de 6,730 g (3). O arguido A tinha consigo, em resultado da venda da droga entretanto efectuada, a quantia de 5.710$. No dia 24 de Outubro de 2001, cerca das 11,20 horas, o arguido A foi visto, pela GNR, rodeado por diversos indivíduos consumidores de droga, numa mata junto do Bairro do Balteiro, em Vilar de Andorinho. O arguido, ao dar-se conta, pôs-se em fuga, levando consigo uma bolsa a tiracolo, com 93 embalagens de cocaína, com o peso líquido de 4,838 gramas (4), 73 embalagens de heroína, com o peso líquido de 3,425 gramas (5) e a quantia de 32.500$ (fls. 54), produto da (re)venda de droga por ele entretanto efectuada, que a GNR, na perseguição a ele movida, lhe apreendeu. Foi o agente da GNR C que o deteve depois de se lhe ter identificado com a sua carteira profissional e dito em voz alta que era polícia, mas o arguido, para impedir a detenção, empurrou-o contra o portão do café, entalando-lhe a mão. Em consequência da agressão, o agente sofreu escoriações com perda de pele na palma da mão esquerda, escoriações no joelho esquerdo, uma contusão no dedo mínimo da mão esquerda com hematoma e um hematoma na mão direita (fls. 50). Os arguidos agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, bem sabendo que não estavam autorizados a ter em seu poder as doses de heroína (ambos) e de cocaína (o arguido A), das quais conheciam a natureza e características estupefacientes, e ao quando as adquiriam tinham o propósito de as comercializar junto de consumidores que os procurassem para o efeito, e fizeram-no com vista a obterem proventos económicos que sabiam ilícitos, agindo sempre de forma livre, deliberada e consciente. Por sua vez, o arguido A, ao agredir o agente da GNR, bem sabia que o mesmo era um agente da autoridade com legitimidade para o deter, pois tinha na sua posse produtos estupefacientes, e, ao agredi-lo, teve o propósito de o molestar corporalmente, impedi-lo de cumprir a sua obrigação como agente da autoridade e subtrair-se à acção da justiça, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei. Os arguidos não tinham antecedentes criminais (fls. 44). O arguido A integra uma fratria de seis irmãos, de uma família muito humilde. A mãe é doméstica e só o pai trabalhava. Concluiu a 4ª classe, tendo, por via das dificuldades porque sempre passou a sua família, sido obrigado a trabalhar, aos 11 anos de idade, como sucateiro. Aos 16 anos começou a trabalhar como trolha. Tem um filho com cerca de 4 anos de idade, e, quando da detenção, tinha há cerca de um ano um relacionamento afectivo com uma irmã da primeira companheira, residindo em casa dela. Não desenvolve qualquer ocupação escolar ou laboral no estabelecimento prisional, mantendo na generalidade uma conduta de acordo com as normas vigentes na instituição. Tem visitas regulares da sua companheira e do pai, de quem recebe apoio. Tem uma promessa de emprego como trolha de um indivíduo que exerce a profissão por conta própria.

2. A CONDENAÇÃO
Com base nestes factos, a 2.ª Vara Mista de Gaia (6), em 30Out02, condenou A (-3Nov79 - fls. 94), como autor de um crime de «tráfico de droga» e outro de «resistência», nas penas parcelares, respectivamente, de 5 anos e 10 meses de prisão e de 8 meses de prisão e na pena conjunta de 6 anos e 3 meses de prisão:

Vêm os arguidos acusados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93. Trata-se de crime formal de perigo comum (7), que se consuma com a aquisição da droga destinada àqueles fins, como uniformemente vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (8). Mais podemos precisar, que neste tipo legal, o bem jurídico tutelado é a incolumidade pública, considerada no particular aspecto concernente à saúde pública, que se deve garantir contra os factos fraudulentos, de perigo comum, interessando tal crime, comerciar, deter para comércio, ministrar ou facilitar a outros substâncias estupefacientes (9). Apreciando agora a conduta dos arguidos, diremos que, sem margem para dúvidas, se constituíram na autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo citado artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, rectificado por declaração inserta no suplemento ao Diário da República n.º 43, série I-A, de 20 de Fevereiro de 1993, com referência à tabela I-A (heroína e cocaína, quanto ao A), tanto quanto é certo que tinham na sua posse, para venda, as aludidas quantidades de heroína, e o A, na segunda situação relatada, doses de heroína e cocaína, com conhecimento e consciência da natureza, características e propriedades de tais produto, e bem assim da proibição legal de tal prática. Vem o arguido A acusado, ainda, da prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto no art. 347º do Código Penal da seguinte forma: "Quem empregar violência ou ameaça grave contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres". Ora, resulta dos factos provados que o arguido A, quando foi interceptado por um agente da GNR que se identificou como tal, e de forma a impedir a sua detenção - acto que a autoridade policial levava a efeito no cumprimento das suas funções profissionais, o que era do conhecimento do arguido -, empurrou o agente contra um portão, tendo este sofrido lesões físicas. Encontra-se de igual forma provado que o arguido agiu com intenção de molestar o agente da GNR, usando de violência física, e com o propósito de impedir a prática do acto legítimo que pretendia efectuar - a sua detenção -, o que igualmente era do seu conhecimento, uma vez que transportava produtos estupefacientes, tendo desejado o resultado obtido e com consciência de que praticava acto proibido e punido. Encontram-se, desta forma, reunidos os elementos objectivos e subjectivo deste tipo legal de crime, em cuja prática o arguido A igualmente incorreu. O crime de tráfico de estupefacientes cometido pelos arguidos é punível, em abstracto, com pena de prisão entre 4 e 12 anos. O crime de resistência e coacção sobre funcionário é punível com pena de prisão até 5 anos. Tendo presentes os critérios base constantes do artigo 71º, n.º 1, do Código Penal, que são a culpa do agente e a necessidade de prevenção de futuros crimes, e bem viva a ideia de que se trata de um dos campos em que a prevenção geral terá necessariamente de operar dados os foros de calamidade que a questão da droga vem assumindo a nível nacional, há que considerar, quanto ao arguido A, e a agravar mais a sua conduta, o facto de, após ter sido detido com uma elevada quantidade de doses de heroína, juntamente com o co-arguido D, ter continuado a sua actividade criminosa, sendo encontrado um mês e meio depois com maior quantidade de droga, e desta vez de dois tipos - cocaína e heroína. A sua conduta demonstra, desta forma, um grau de culpa e um nível de ilicitude muito acima do normal, já elevado, militando a seu favor o facto de não ter antecedentes criminais e o apoio familiar de que goza, que permite extrair não ser difícil uma sua reintegração. Relativamente ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, releva a multiplicação deste tipo de criminalidade, geradora de um sentimento geral de insegurança na sociedade, para além do dolo intenso e das consequências da prática do crime, uma vez que o agente da GNR sofreu ferimentos, conforme consta dos factos provados. Nos termos do art. 77º, n.º 1, do Código Penal importa encontrar uma pena única quanto ao arguido A, para o que haverá de se considerar a globalidade dos factos praticados, e a sua personalidade, acima já mencionados. Tendo em consideração os factores referidos, entende-se adequada a fixação da pena única em 6 anos e 3 meses de prisão.

3. O RECURSO
3.1. Inconformado, o arguido (10) recorreu em 14Nov02 ao Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a redução da pena correspondente ao crime de «resistência» e a fixação da outra no contexto da pena abstracta correspondente a um crime de «tráfico menor»:
O presente recurso fundamenta-se apenas em uma razão, o tipo e medida da pena aplicada ao arguido, sendo os seus critérios para determinação da pena os previstos nos arts. 70º e 71º do C. Penal. Para além da matéria da acusação dada como provada, provaram-se várias outras circunstâncias altamente atenuantes dos crimes de que vinha acusado. Tendo o arguido sido condenado nos termos do art. 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, entendemos que deveria antes ter sido punido apenas nos termos do art. 25º do citado diploma tendo em atenção, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a quantidade de estupefaciente apreendido. Mesmo que assim não se entenda, não deveria ser aplicada uma pena tão severa, mas antes mais próxima do limite mínimo legai, uma vez ser de esperar, face às atenuantes e demais elementos do processo, uma rápida ressocialização. Igualmente consideramos excessiva a pena de 8 meses decorrente da condenação pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário, pena essa que deveria antes ter sido reduzida a uma mais próxima do limite mínimo previsto.

3.2. Na sua resposta de 11Dez02, o Ministério Público (11) pronunciou-se pela rejeição do recurso:
Decorre dos factos provados haver o recorrente, num período de aproximadamente um mês e meio, e em duas ocasiões, detido para comercialização junto de consumidores que o procuravam para o efeito, um total de 167 embalagens contendo heroína e cocaína. Tendo ainda na sua posse 38.000$ proveniente de vendas anteriores. Estamos em presença de quantidades apreciáveis de drogas (...) duras, particularmente nocivas para a saúde psíquica e física dos consumidores e causadoras de graves danos na comunidade em geral. De realçar ainda que o recorrente, cerca de um mês e meio após a sua detenção por posse de droga e dinheiro conexo, foi encontrado na posse de drogas e de dinheiro proveniente da sua comercialização. Houve assim reiteração da sua actividade ilícita, agravando significativamente o grau de ilicitude. Não se divisa, pois, fundamento que justifique a integração dos factos no crime do art. 25.º do dec. lei 15/93. E, pelas circunstâncias apontadas, a pena alcançada configura-se adequada. No que concerne ao crime de resistência, atendendo às consequências da conduta (ferimentos no agente da autoridade) e ponderando a frequência deste tipo de criminalidade, propiciador de um sentimento geral de insegurança, afigura-se igualmente adequada a pena aplicada.

4. SÍNTESE FACTUAL
DataArguidosProdutoPreçoPesoDinheiro realizadoApreensão
11Set01Ambos5 panfletos vendidos + 74 panfletos de heroína por vender1000$ cada6,690 g (74 panfletos de heroína)5.000$74 panfletos + 5.000$
24Out01A93 panfletos de cocaína por vender + 73 panfletos de heroína por vender + 32 panfletos já vendidosidem3,068 g (93 panfletos de cocaína)
2,859 g de heroína (73 panfletos)
32.000$166 panfletos +32.000$
Total277 panfletos (37 vendidos + 240 em venda)277.000$ (37.000$ realizados + 240.000$ frustrados)14,56 g (1,95 g vendidos + 12,62 g apreendidos)37.000$12,62 g brutos de heroína ou cocaína + 37.000$

5. TRÁFICO MENOR?
5.1. O arguido/recorrente, entre 11Set e 24Out01, (re)vendeu por 37.000$ - directamente a consumidores - cerca de 1,95 g de heroína e cocaína (37 panfletos - cada um com cerca de 5 centigramas - a 1.000$ a unidade, de que tinha consigo, quando detido, o preço total das vendas anteriormente efectuadas») e 12,62 gramas de heroína e cocaína (que, distribuídos por 240 panfletos, lhe permitiria realizar mais 240.000$).

5.2. Daí que, ao todo, tenha o arguido passado, por 37.000$, cerca de 1,95 gramas de droga e se tenha proposto passar, por 240.000$, mais 12,62 gramas. Mas - note-se - foram-lhe apreendidos toda a droga por passar e todo o dinheiro realizado com a droga passada. E só 1,95 g de droga - note-se ainda - chegou, por seu intermédio, às mãos dos consumidores.

5.3. Ora, esta actividade - tal a sua mediana dimensão e muito reduzida projecção - não irá além do chamado «tráfico de menor gravidade» previsto pelo art. 25º.a do dec. lei 15/93 (12).

5.4. Com efeito, «a tipificação do referido art. 25º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do art. 21.º do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art. 25º».

5.5. Além de que haveria que ter em conta que, segundo a Portaria 94/96 de 26MAR (que o estabeleceu com base nos "dados epidemiológicos referentes ao uso habitual"), o limite quantitativo máximo, do respectivo princípio activo (diacetilmorfina ou cloridrato de cocaína), para cada dose média individual diária de heroína e cocaína é, respectivamente, de 0,1 g e 0,2 g. E que considerar, ainda, o (último) estádio de comercialização em que a droga apreendida foi apreendida, pois que, após os "cortes" operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, ao chegar ao consumidor, (proporcionalmente) muito pouco do correspondente princípio activo. Daí que, apesar do peso do produto apreendido (9,55 g de heroína e 3,07 g de cocaína), este, no pressuposto (generoso) de um grau de pureza de 20%, não deteria mais que 1,9 g de diacetilmorfina e de 0,6 g de cloridrato de cocaína, correspondentes a 4 doses médias individuais diárias de heroína e a 3 doses médias individuais diárias de cocaína.

5.6. O que, em suma, aqui se questiona é (no contexto da redução da pena pedida em recurso) a qualificação (como «tráfico comum») do «tráfico de rua» em cujo «flagrante» o arguido foi surpreendido em 26Fev00. Pois que, tendo essa «actividade» implicado o «passe», apenas, de 1,95 g de heroína e cocaína, a detenção para «passagem» de mais 12,62 gramas das mesmas substâncias e a realização de tão só 37.500$ em dinheiro (na droga já «passada»), a ilicitude do facto (13), porque consideravelmente diminuída (tendo em conta a singeleza dos meios utilizados no retalho de rua em geral e neste em particular, a reduzida quantidade do princípio activo da droga já transaccionada ou ainda por transaccionar e a qualidade da droga implicada - que, de «heroína»/«princípio activo» e de «cocaína» /princípio activo, após os «cortes» operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, ao chegar ao consumidor, muito pouco), repudia a (gravosa) penalidade abstractamente prevista pelo art. 21º do dec. lei 15/93 e se basta com a penalidade (privilegiada) do art. 25º, prevista para os casos, «porventura de gravidade ainda significativa» [e daí que a pena aplicável possa ir até «cinco anos de prisão» e ultrapassar, mesmo, o mínimo - «quatro anos de prisão» - previsto, em geral, para o «tráfico comum»], em que «a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral» (STJ 15-12-1999, recurso 912/99-3) (14).

5.7. Havendo que privilegiar, na luta contra a droga, o grande tráfico, essa tarefa passará por não deixar colonizar o nosso sistema penal - designadamente, os tribunais de recurso - pelo «pequeno tribunal tráfico de estupefacientes»:
«Um relatório recente do organismo especializado das Nações Unidas para a droga veio salientar a necessidade de privilegiar na luta contra a droga o grande tráfico, em detrimento dos retalhistas, pois, conforme expressamente se diz em tal relatório, nenhum sistema penal ou penitenciário aguentará a repressão generalizada. Esta é uma realidade que facilmente constatamos no nosso país. A estratégia repressiva atinge basicamente os consumidores, traficantes/consumidores, pequenos traficantes. São esses que inundam os tribunais de processos e enchem a abarrotar as cadeias, numa progressão contínua que, a manter-se esta política, nada fará parar. Todo o nosso sistema penal está «colonizado» pelo consumo e pequeno tráfico de estupefacientes» (15).
«Nos tribunais condenam-se, sobretudo, pequenos traficantes, traficantes-consumidores e, excepcionalmente, traficantes. E repare-se que se trata de pequenos traficantes e traficantes-consumidores que começaram por ser consumidores, mas, como as suas condições económicas não lhes permitiam aceder à compra do produto sem que entrassem numa zona ilícita, enveredaram também pelo tráfico. A 'realidade judiciária' encontra-se por isso completamente desfasada da realidade que se pretendia alcançar com a lei vigente. E essa era reprimir essencialmente o tráfico. E não martirizar ainda mais os consumidores de estupefacientes, que por virtude da aplicação e cumprimento de penas de prisão, por vezes em circunstâncias absurdas, rapidamente entram nas listas negras da epidemiologia das doenças infecciosas» (16).
«É hoje ingrato, incómodo e sobretudo ineficaz aplicar penas de prisão a grande parte dos arguidos que circulam nos tribunais no âmbito da criminalidade relacionada com o consumo e o tráfico de estupefacientes. Ingrato, porque, normalmente, as razões de tutela de uma situação de perigo que estão na origem da punição do tráfico não se verificam. Incómodo, porque grande parte dos arguidos julgados são pessoa doentes, que, mais do que uma pena, que afinal é aquilo que 'levam' do tribunal, precisam de apoio pessoal, familiar e clínico. Ineficaz, porque não se resolvem nos tribunais e nas prisões grande parte das situações pessoais que levaram alguém a consumir e a traficar pequenas quantidades de estupefacientes» (17).

5.8. Haverá, por isso, que não «meter no mesmo saco» todos os traficantes, distinguindo entre os casos «graves» (art. 21º), os muito graves (art. 24º) e os pouco graves (art. 25º). Em tempos, é certo, «a jurisprudência quase esvaziou os arts. 25º e 26º, remetendo para o art. 21º a generalidade das situações e fazendo uma interpretação contra legem do art. 25º». Mas, «aplicando-se este artigo às situações em que a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das drogas, a interpretação que parece mais consentânea com o texto (e com a epígrafe do artigo) - e que vem cativando, progressivamente, a jurisprudência - é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade», ou seja, o «pequeno tráfico», o «pequeno retalhista de rua» (18).

5.9. E, nesse sentido, um corrido respigo da jurisprudência mais recente do STJ permitirá a constatação de que casos de semelhante gravidade objectiva já vêm sido reputados e tratados, ainda que aqui e ali com alguma relutância, como «tráfico de menor gravidade»:
Embora a heroína seja a mais perniciosa das chamadas drogas clássicas, a detenção de 1,46 g dessa substância por um arguido que actuava sozinho, por sua conta e risco, comprando pequenas doses, de que consumia metade e vendia a restante, a outros toxicodependentes, de tal sorte que, em 5 meses, vendeu cerca de 17,3 gramas do referido produto (tanto quanto consumiu, no mesmo período), e a quem, também, só foram encontradas uma tesoura, uma navalha e vários plásticos - que usava para dividir e embalar a droga em doses individuais -, não pode deixar de se qualificar como crime de tráfico de menor gravidade.
20-10-1999, Proc. n.º 918/99 - 3.ª Secção
Leonardo Dias, Virgílio Oliveira, Mariano Pereira, Armando Leandro
Tendo-se apenas provado que o arguido detinha 0,610 g de heroína, a ele pertencentes, o crime pelo mesmo cometido é tão só o previsto pelo art. 25º do DL 15/93 de 22-01.
17-11-1999 Proc. n.º 1007/99 - 3.ª Secção
Brito Câmara, Martins Ramires, Armando Leandro, Leonardo Dias
O crime de tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto de diversos factores, alguns deles exemplificativamente indicados na norma: meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
24-11-1999 Proc. n.º 937/99 - 3.ª Secção
Martins Ramires, Lourenço Martins, Leonardo Dias, Armando Leandro
Estando provado que a actividade do arguido, embora tenha perdurado durante cerca de seis meses e com certa habitualidade, diz respeito a quantidades muito diminutas, já que ele adquiria duas ou três "quartas" de heroína e cocaína duas a três vezes por semana (que correspondem a uma média semanal de 1,5 g das referidas substâncias), das quais consumia parte, cerca de um terço, e vendia a terceiros a restante, tais factos permitem que funcione o regime privilegiado do art. 25º, al. a), do DL 15/93.
24-11-1999 Proc. n.º 1029/99 - 3.ª Secção
Martins Ramires, Armando Leandro, Virgílio Oliveira, Mariano Pereira
Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do art. 25º do DL 15/93, de 22-01, haverá de se proceder a uma "valorização global do facto", não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhe outras.
07-12-1999 Proc. n.º 1005/99 - 3.ª Secção
Lourenço Martins, Virgílio Oliveira, Leonardo Dias Armando Leandro
Perante a moldura penal abstracta imposta pelo art. 25º do DL 15/93, não deve entender-se o "tráfico de menor gravidade" como tráfico de gravidade necessariamente diminuta. IV - A tipificação do art. 25º, do DL 15/93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar. A significação dos factos provados - o arguido detinha dezanove embalagens de heroína com o peso (líquido) global de 0,607 g, que destinava à venda a terceiros, com fins lucrativos; vendeu substâncias estupefacientes a consumidores de determinada cidade onde era conhecido por aqueles como vendedor de tais produtos; era consumidor de heroína e encontrava-se em tratamento num CAT; vivia sozinho numa casa sem quaisquer condições de higiene - considerados na sua globalidade complexiva, interpretados à luz do espírito do sistema legal, que o princípio da proporcionalidade inspira, permite concluir que estamos perante uma actividade de pequeno tráfico, de ilicitude consideravelmente menos grave do que aquela que é pressuposto do tipo do art. 21º do DL 15/93 e, deste modo, o crime praticado é o do art. 25º daquele diploma.
15-12-1999 Proc. n.º 912/99 - 3.ª Secção
Armando Leandro, Leonardo Dias, Virgílio Oliveira, Mariano Pereira
Resultando dos autos que a arguida, condenada em autoria singular, detinha heroína para venda no dia 18-02-1998, que a quantidade de heroína detida pela arguida e destinada à venda foi de 0,620 g e que, para além do referido, não foi apreendido à arguida qualquer outro produto estupefaciente, nem qualquer bem ou artigo habitualmente relacionado com a actividade própria dos traficantes de droga; tudo aponta para que essa conduta integre um crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25º do DL 15/93 de 22-01.
09-12-1999 Proc. n.º 939/99 - 5.ª Secção
Guimarães Dias, Oliveira Guimarães, Dinis Alves, Costa Pereira
Nada no preceituado no art. 25º, do DL n.º 15/93, de 22/01, inculca que o factor "quantidade", referido como exemplo padrão na consideração da sensível diminuição da ilicitude susceptível de privilegiar o crime de tráfico, se revista de valor decisivo e preponderante, ou por si só determinante, para a formulação de tal juízo. Por outras palavras, todos os sobreditos elementos padrão têm de ser articulados entre si e ponderados numa visão global, informada e preenchida pelos meios utilizados e pelas modalidades ou circunstâncias da acção.
23-03-2000 Proc. n.º 54/2000 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães, Costa Pereira, Abranches Martins
Integra a prática de um crime p. e p. no art. 25º do DL n.º 15/93, de 22/01, a conduta de quem, a troco de heroína e de cocaína, de que era consumidor, sendo conhecedor das características e propriedades de tais produtos e da proibição legal da sua conduta, desde o início de 1996 e até Novembro do mesmo ano, permite aos seus co-arguidos guardar produto estupefaciente num seu estabelecimento comercial, para posterior venda por aqueles.
30-03-2000 Proc. n.º 1175/99 - 5.ª Secção
Guimarães Dias, Oliveira Guimarães, Dinis Alves, Costa Pereira
Perante a quantidade diminuta da heroína detida (0,340 g), sendo reduzidos ao mínimo os meios utilizados e destinando-se as verbas obtidas aos fins atrás referidos, a ilicitude do facto surge consideravelmente diminuída, integrando-se a respectiva conduta na previsão do art. 25º do DL 15/93, de 22-01.
17-05-2000 Proc. n.º 260/2000 - 3.ª Secção
Flores Ribeiro, Brito Câmara, Lourenço Martins, Pires Salpico
A quantidade de 0,078 g de heroína é diminuta. A sua detenção pelo arguido, apresentando-se tal actuação, face aos factos provados, como isolada, integra a prática do crime do art. 25º, al. a), do DL 15/93.
28-06-2000 Proc. n.º 113/2000 - 3.ª Secção
Pires Salpico, Leal-Henriques, Armando Leandro, Virgílio Oliveira
É de subsumir na previsão do crime de tráfico de menor gravidade a conduta em que se prove que os meios utilizados são os habituais nestas situações (uma deslocação ao Casal Ventoso), em que as drogas adquiridas (cocaína e heroína) são de quantidades pouco relevantes e destinadas a serem repartidas por duas pessoas, e em que a actuação dos arguidos se confina a uma parceria ocasional e rudimentar.
15-06-2000 Proc. n.º 172/2000 - 5.ª Secção
Dinis Alves, Abranches Martins, Hugo Lopes, Costa Pereira
O art. 25º do DL 15/93 tem na sua base o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal (do art. 21º.1), pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional.
12-07-2000 Proc. n.º 266/2000 - 3.ª Secção
Virgílio Oliveira, Flores Ribeiro, Mariano Pereira, Brito Câmara
Já não há lugar para se erigir como factor decisivo de qualificação (ao contrário do que acontecia na vigência do DL 430/83, de 13-12, cujo art. 24º precisamente se epigrafava de "tráfico de quantidades diminutas") o da maior ou menor quantidade de droga: este factor será um entre os mais a considerar. O que importa, isso sim, é apurar, na falada análise, se de todo o conjunto da actividade do arguido emergem itens inculcadores de reiteração, habitualidade, intensidade, disseminação alargada ou sintomaticamente expressiva, ligações mais ou menos marcadas ao mundo dos estupefacientes ou ao seu mercado, carácter dos actos praticados e sua dimensão. Só deste apuramento pode partir-se para, com razoável segurança, se extremarem, entre si, o grande tráfico, o médio tráfico e o pequeno tráfico e, através dessa diferenciação, alcançar-se suporte para se afirmar se se trata ou não de um caso de ilicitude consideravelmente diminuída.
12-10-2000, Proc. n.º 170/2000 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães, Dinis Alves, Guimarães Dias, Costa Pereira
A quantidade e a qualidade da droga, continuando a ser factores importantes, não assumem actualmente, por si sós, o papel único e absoluto de ditarem a qualificação (ao contrário do que acontecia na vigência do art. 24º do DL 430/83, de 13-12): aquela impõe a visão global das acções, só desta podendo dimanar a conclusão de que o tráfico de que se trate merece e justifica ser apodado como de menor gravidade. E também não é legítimo secundarizar considerações de justiça relativa nessa operação de qualificação, pois que, sem elas, não se torna possível e muito menos será seguro extremar, entre si, as situações de grande tráfico, de médio tráfico, de pequeno tráfico ou de tráfico ocasional ou acidental, em sede de, ajustadamente, se compatibilizarem a extensão e os efeitos das condutas com a medida das sanções que devam aplicar-se-lhes e com a dimensão da culpa dos respectivos agentes. Se a acção do arguido se desenvolveu por um período de tempo reduzido, não foi apoiada por grandes meios; se radicou visivelmente (ainda que não exclusivamente) em necessidades de consumo, se originou por modo patente na degradação do seu percurso de vida (do que lhe não cabe inteira responsabilidade), não mostra ligação a grandes ou a significativos circuitos ou meandros de tráfico, não revela ligações profundas com aquele meio e se apresenta-se artesanal nos moldes e pouco expressivo nas consequências, há que concluir que a mesma tem acolhimento na previsão do art. 25º do DL 15/93.
19-10-2000, Proc. n.º 2803/2000 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães, Dinis Alves, Guimarães Dias, Carmona da Mota
No regime emergente do DL n.º 430/83 de 13 de Dezembro e no vigente DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro, pressupõe-se uma certa tipologia de traficantes: os grandes traficantes (arts. 21º e 22º do último diploma citado), os médios e pequenos traficantes (art. 25º do mesmo diploma), e os traficantes consumidores (art. 26º). À natureza da punição (embora o legislador não tivesse aderido à conhecida distinção entre drogas duras e leves), também não é alheia a perigosidade da droga traficada: verifica-se alguma graduação, consoante a sua posição nas Tabelas I a III ou na Tabela IV anexas ao citado decreto-lei. Por outro lado, embora a lei não inclua a intenção lucrativa na definição do tipo legal, o certo é que ela não pode ser indiferente. Releva ainda para o enquadramento legal das condutas sob apreciação, o conhecimento da personalidade do arguido, do seu habitat - se era um dealer de apartamento ou de rua, se era um simples intermediário - e, em particular, se não era consumidor de droga, se era consumidor ocasional ou era já um consumidor habitual ou mesmo um toxicodependente. Tendo em conta que: - o arguido à data em que foi detido (23.01.98) era consumidor habitual de heroína, e por vezes, de cocaína, que injectava, consumindo em média cinco a sete doses diárias; - ia abastecer-se ao Casal Ventoso duas vezes por mês, onde comprava o produto a indivíduos que não foi possível identificar, para depois o consumir, e nos últimos seis meses antes da sua detenção, também dividia parte do produto adquirido da segunda deslocação mensal a Lisboa, em palhinhas, que vendia esporadicamente em número não superior a cinco ou seis, a consumidores que para o efeito o procurassem, ao preço de 1000$ cada; na busca ao local da sua residência foram encontradas 3,089 g de heroína e 0,236 g de cocaína, adquiridas nesse dia no Casal Ventoso, num total de 10 quarteiras de heroína e 1 quarteira de cocaína, tudo pelo preço de 27.500$00; - é cantoneiro de limpeza, tem como habilitações literárias a 4.ª classe do ensino básico, e é pai de dois filhos, com 6 e 4 anos de idade, respectivamente, os quais se encontram a viver um, com a família da mãe, e o outro com a família do arguido; o conceito em branco de ilicitude consideravelmente diminuída inserido no art. 25º, do DL 15/93, mostra-se, neste caso, preenchido.
30-11-2000 Proc. n.º 2849/2000 - 5.ª Secção
Pereira Madeira, Simas Santos, Costa Pereira, Abranches Martins
Estando provado que o arguido, já com 50 anos de idade, de bom comportamento anterior (sem quaisquer antecedentes criminais), foi encontrado uma única vez com 200,6 g de haxixe e não se tendo determinado que esta substância era para comercializar, os factos descritos não devem submeter-se ao tipo do art. 21º do DL 15/93, de 22-01, mas antes ao do art. 25º do mesmo diploma. Naquele contexto, e tendo-se também em conta o modo de vida do arguido (vive sozinho, trabalha durante o verão num restaurante, como empregado de mesa, e durante o resto do ano faz trabalho de soldadura, recebendo ainda uma pensão de reforma por invalidez), é adequada a pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 3 anos.
24-01-2001 Proc. n.º 3826/00 - 3.ª Secção
Leal-Henriques, José Dias Bravo, Armando Leandro
O facto de se mostrar provado que o arguido "cedeu heroína, várias vezes e a diversas pessoas toxicodependentes, mediante contrapartida monetária" não exclui a aplicação do art. 25º do DL 15/93. Sendo essas condutas típicas do crime de tráfico, é evidente que o tipo privilegiado do art. 25º não deixa de prever um crime de tráfico de estupefacientes, só que de menor gravidade que o crime principal. Resultando dos factos provados que o arguido, consumidor da heroína, actuava sozinho, ia buscar a heroína - 15 a 20 "quartas" por semana, pelas quais pagava cerca de 50.000$ - ao Casal Ventoso, normalmente de bicicleta, fazendo de cada "quarta" cerca de 5 ou 6 doses individuais, que vendia por 1.000$ cada, actividade que se prolongou por cerca de sete meses, tendo sido surpreendido, no momento da sua detenção, na posse de 23 embalagens com 1,231 g daquele produto, tendo cedido 0,110 g, em duas embalagens, à sua co-arguida (num total que não atinge 2 gramas), sendo a dependência de tal produto que o impelia para esse "comércio", no intuito dominante de a alimentar, apesar da qualidade da substância em causa, que, pela dependência que provoca no consumidor, é das drogas mais prejudiciais do mercado, revela aquela actuação uma ilicitude consideravelmente diminuída, integrando-se na disposição do mencionado art. 25º.
14-02-2001 Proc. n.º 4210/00 - 3.ª Secção
Lourenço Martins, Leal-Henriques, Armando Leandro, Pires Salpico (vencido)
Embora o arguido tenha sido detido na posse de 21,572 g de heroína (em 78 embalagens) e 2,505 gramas de cocaína (em 14 embalagens), provando-se que tais produtos não lhe pertenciam, que não seria o arguido a disseminá-lo (ainda que soubesse que se destinavam a ser distribuídos por terceiros), que a sua vantagem neste "negócio" se cifrava em 15.000$, e não decorrendo da matéria de facto provada que tal comportamento correspondesse a uma actuação que viesse a ser desenvolvida de forma continuada no tempo, significa isso que a ilicitude do respectivo comportamento pode ter-se como "consideravelmente diminuída", e como tal, subsumível no âmbito do art. 25º do DL 15/93, de 22/01.
15-03-2001 Proc. n.º 242/01 - 5.ª Secção
Guimarães Dias, Pereira Madeira, Carmona da Mota, Simas Santos
Haverá que aferir se no caso a "imagem global do facto" que se consegue extrair da matéria considerada como provada encontra na moldura penal do art. 21º do DL 15/93 urna resposta justa ou proporcional, ou se, pelo contrário, circunstâncias existem, designadamente por referência aos elementos normativos do art. 25º, susceptíveis de revelarem uma intensidade da ilicitude muito menor à pressuposta por aquela norma, e como tal, a justificar uma punição que logicamente lhe fique aquém.
01-03-2001 Proc. n.º 122/01 - 5.ª Secção
Guimarães Dias, Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos
Apesar de o arguido ter efectivamente praticado alguns dos actos descritos no art. 21º, do DL 15/93, de 22-01 - proporcionando ao co-arguido (qual chauffeur particular) o transporte ao local em que este ia adquirir a droga, de três em três dias e, no regresso, o transporte do mesmo e da droga adquirida (cerca de 5 g de heroína) -, de não ganhar com tal actividade, de cada vez, mais do que um "fumo" dessa substância e que, por outro lado, ao prestar aquele auxílio ao seu co-arguido, não pretender senão "conseguir substâncias para o seu uso pessoal", não é a sua conduta subsumível ao art. 26º, n.º 1, do mesmo diploma (traficante-consumidor), porquanto a quantidade de droga que transportou/deteve no seu carro, em cada viagem de regresso, era bem superior à "necessária para o consumo médio individual durante um período de cinco dias", tanto mais que o arguido, ao longo dos nove meses por que se prolongou tal actividade o arguido recebeu do seu co-arguido, em pagamento da sua ajuda, cerca de 90 doses de heroína (cerca de 4,5 g). Todavia, porque a ilicitude do seu facto se mostra consideravelmente diminuída em razão da "modalidade e circunstâncias da acção" - pois que praticamente se limitou, sendo toxicodependente, a levar o co-arguido, de três em três dias, em troca de um "fumo" de heroína por viagem, ao encontro do fornecedor - valerá ao arguido o disposto no art. 25º, do referido diploma legal (tráfico de menor gravidade).
10-05-2001 Proc. n.º 472/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos
Provado que os dois arguidos se deslocavam, em regra diariamente, ao Casal Ventoso, onde, em cada deslocação, cada um deles adquiria, em média, 1 g de heroína, que depois dividia em 15 doses individuais, consumindo parte dessas doses e vendendo, em conjunto, as restantes, à razão de 1000$, actividade que perdurou cerca de 34 dias, não é patente que os meios utilizados, as circunstâncias da acção, a qualidade da droga implicada e a quantidade de droga movimentada minimizem tanto a ilicitude do facto que essa diminuição possa ter-se como "considerável" para efeitos de, no quadro do tipo privilegiado do art. 25º do DL 15/93 de 22-01, "se mostrar consideravelmente diminuída".
21-06-2001 Proc. n.º 863/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Abranches Martins, Hugo Lopes
A actuação do arguido patenteia uma organização e logística incipientes, numa actividade isolada, posto que a heroína - de que o arguido foi surpreendido na posse de 1,208 g - seja uma das drogas mais prejudiciais. Não havendo indicação do período anterior a que se reportasse a actividade de tráfico, a ilicitude, consideravelmente diminuta, no tipo legal do art. 25º do dec. lei 15/93. Apreciada a conduta na globalidade, revela-se um pequeno traficante, também dependente de droga, na qual sobreleva esta dependência e a subsequente actividade que proporcione o alimento da mesma. No condicionalismo descrito, a pena a aplicar não deve exceder 2 anos e 6 meses de prisão, não sendo configurável a sua suspensão, que nem sequer vem pedida.
10-10-2001 Proc. N.º 2446/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins, Armando Leandro, Pires Salpico (vencido)
Verifica-se o crime de tráfico de menor gravidade, quando dos meios utilizados, da modalidade ou nas circunstâncias da acção, da qualidade ou na quantidade das plantas ou substâncias, resulte uma considerável diminuição da ilicitude do facto, como acontece quando o arguido vendeu heroína durante 1 dia e até às 13 horas do dia seguinte, em tráfico de rua, detendo 20 embalagens com um total líquido de 1,845 g e 4.700$ em dinheiro proveniente de vendas de estupefaciente efectuadas nesse dia.
18-10-2001 Proc. n.º 1188/01 - 5.ª Secção
Simas Santos, Abranches Martins, Hugo Lopes, Oliveira Guimarães
É de considerar subsumível à previsão do art. 25º do DL 15/93, de 22-01 (tráfico de menor gravidade), a conduta do arguido que age sozinho, de forma isolada e sem recurso a quaisquer meios logísticos ou de organização, sendo o produto apreendido, que não chegou a entrar no circuito comercial, considerado droga leve (haxixe), ainda que de quantidade apreciável (3122,5 g).
05-12-2001 Proc. n.º 3017/01 - 3.ª Secção
Leal-Henriques, Borges de Pinho, Franco de Sá, Armando Leandro
A interpretação que parece mais consentânea com o texto (e com a epígrafe) do art. 25º do DL 15/93 é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade, indicando exemplificativamente circunstâncias que poderão constituir essa situação. Assim, será correcto considerar-se preenchido este crime sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude, como poderá ser, por exemplo, uma quantidade reduzida de droga, ou esta ser uma droga leve, ou quando a difusão é restrita, etc. O crime do art. 25º é para o pequeno tráfico, para o pequeno retalhista de rua» (Eduardo Maia Costa, Direito Penal da Droga, RMP, 74). Tendo o arguido, «algum tempo antes» da data dos factos, decidido proceder à aquisição e revenda lucrativa, nas horas vagas, em doses individuais, de cannabis/resina e sido surpreendido na posse, em casa, de 37,145g + 27,548g + 16,219 g de tal substância estupefaciente, poderá concluir-se - se se tiver em conta (a) que se trata de droga leve, (b) que, em geral, a concentração média de A9TIIC, no estádio de revenda directa ao consumidor, é, apenas, de 3% ou 4%, e que, por isso, (c) aqueles 82,912 g de cannabis/resina tão só propiciariam cerca de 60 doses médias individuais diárias (Port. 94/96 de 26-03) - «que estamos perante uma actividade de pequeno tráfico, de ilicitude consideravelmente menos grave do que aquela que é pressuposto do tipo do art. 21º do DL 15/93, e que, deste modo, o crime praticado é o art. 25º daquele diploma».
31-01-2002 Proc. n.º 4264/01 - 5ª secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins
Tendo a actividade de tráfico de rua levada a cabo pelo arguido implicado, apenas, 0,292 g de heroína (ainda por «passar») e 42.500$ em dinheiro (já realizado na «heroína» já «passada»), a ilicitude do facto, porque consideravelmente diminuída (tendo em conta a singeleza dos meios utilizados no retalho de rua em geral e neste em particular, a reduzida quantidade [do princípio activo] da droga já transaccionada ou ainda por transaccionar e a qualidade da droga implicada - que, de «heroína»/«princípio activo», após os «cortes» operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, ao chegar ao consumidor, muito pouco), repudia a (gravosa) penalidade abstractamente prevista pelo art. 21º do DL n.º 15/93 e se basta com a penalidade (privilegiada) do art. 25º, prevista para os casos, «porventura de gravidade ainda significativa», em que «a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral» (STJ 15-12-1999, recurso 912/99-3).
14-02-2002 Proc. n.º 4444/01 - 5.ª Secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins
A reiteração e cadência diária ou quase diária das operações traficantes, levadas a cabo pelos recorrentes, os meios utilizados desde as comunicações móveis, aos vários automóveis de qualidade acima da média, as quantidades apreciáveis de droga dura transaccionadas, o número de pessoas envolvidas, quer no fornecimento quer na venda, enfim o intuito lucrativo empedernidamente egoísta no seu alheamento das consequências da difusão daquele meio de morte, jamais poderão reclamar, em sede de ilicitude, que aquela se apresenta consideravelmente diminuída.
21-02-2002 Proc. n.º 117/02 - 5.ª Secção
Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins, Oliveira Guimarães
I - Não deve entender-se o "tráfico de menor gravidade" previsto no art. 25º, do DL 25/93, de 22-01, como tráfico de gravidade necessariamente diminuta. II - A tipificação do referido art. 25º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do art. 21º do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no art. 25º. Resposta que nem sempre seria viável e ajustada através dos mecanismos gerais de atenuação especial da pena (art. 72º e 73º, do CP), cuja possibilidade de aplicação não podia ter deixado de estar presente no espírito do legislador ao decidir-se pelo tipo privilegiado do mesmo art. 25º.
20-03-2002 Proc. n.º 121/02 - 3.ª Secção
Armando Leandro, Virgílio Oliveira, Flores Ribeiro, Lourenço Martins
Ao indagar do preenchimento do tipo legal do art. 25º do DL 15/93, haverá de se proceder a uma "valorização global do facto" ou do "episódio", sopesando todas e cada uma das circunstâncias aí referidas, podendo ser-lhe juntas outras.
20-03-2002 Proc. n.º 4013/01 - 3.ª Secção
Lourenço Martins, Pires Salpico, Leal-Henriques
I - O «retalho» de meio grama diário de «heroína» (cujo «princípio activo»/«diacetilmorfina», no pressuposto - generoso - de um grau de pureza de 20%, não ultrapassaria 0,1g, quantidade que corresponde, segundo a Portaria n.º 94/96, de 26-03, a, tão só, uma dose média individual diária), durante pouco mais de dois meses, não reclama a (gravosa) penalidade abstractamente prevista pelo art. 21º do DL 15/93. II - Em tais circunstâncias, a ilicitude do facto, porque consideravelmente diminuída (tendo em conta - para além das pequenas quantidades envolvidas e da qualidade da droga implicada, que, de «heroína»/«princípio activo», após os «cortes» operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, ao chegar ao consumidor, muito pouco - a singeleza dos meios utilizados no retalho de rua em geral) bastar-se-á com a penalidade (privilegiada) do art. 25º, prevista para os casos, «porventura de gravidade ainda significativa», em que «a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral». III - Aliás, o art. 25º do DL 15/93 constitui «uma regra especial de medida judicial da pena, que envolve tão só a modificação do tipo em sede de pena, ou simplesmente uma regra de aplicação de pena».
07-03-2002 Proc. n.º 355/02 - 5.ª secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins

I - A integração do crime de tráfico de menor gravidade do art. 25º do DL 15/93, de 22-01, não pressupõe necessariamente uma ilicitude diminuta. II - Como resulta, designadamente, da moldura prevista na al. a) do referido art. 25º do DL 15/93, a ilicitude pode ser já considerável. Deve, porém, situar-se em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação do art. 21º, do mesmo diploma, sendo de apreciar e decidir sobre a verificação dessa considerável diminuição da ilicitude a partir da avaliação quer das circunstâncias a que a descrição típica recorre de forma exemplificativa, quer de outras que o caso revele como adequadas a permitir esse juízo. III - Verificando-se que: - O arguido, durante o período de pelo menos um ano, vendeu cocaína e heroína a diversos consumidores, com intenção de lucro; - Efectuou essas vendas não só directamente, mas por intermédio de dois toxicodependentes, que actuavam para conseguir produto para o seu consumo; - Embora não se tenham apurado as quantias vendidas, a distribuição dos estupefacientes, organizada e dirigida pelo arguido, atraía e abastecia, com regularidade, os consumidores, provenientes de diversos pontos de quatro localidades; perante este circunstancialismo fáctico, avaliado na sua realidade complexiva, é de concluir que a ilicitude da conduta do arguido não se mostra consideravelmente diminuída face à que é pressuposta pela incriminação do art. 21º do DL 15/93, considerando conjugadamente a natureza dos estupefacientes vendidos, caracterizados pela sua bem conhecida elevada danosidade, o período por que se estendeu a actividade delituosa, a regularidade de que se revestiu, a abrangência geográfica da origem dos consumidores e a forma de actuação, em que resulta a circunstância de o arguido não se limitar a vender a cocaína e a heroína ele próprio.
17-04-2002 Proc. n.º 572/02 - 3.ª Secção
Armando Leandro, Virgílio Oliveira, Flores Ribeiro, Lourenço Martins
I - O tráfico de menor gravidade (art. 25º do dec. lei 15/93) pressupõe que a ilicitude do facto - aferida, nomeadamente, pelos meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das substâncias - se mostre consideravelmente diminuída. II - No caso, o arguido foi surpreendido, na rua, na posse de 6,018 g de heroína (em 44 embalagens) e de 5,154 g de cocaína (em 24 embalagens), que "destinava a comercializar na Rua..., com a intenção de obter uma contrapartida económica". Porém, não terá chegado a comercializar nenhuma das embalagens que detinha para o efeito, já que se não provou que os 8.500$ que tinha consigo "fossem provenientes da venda de produtos estupefacientes". III - Não se provou, aliás, que o arguido já "em data anterior tivesse decidido proceder à venda de produtos estupefacientes" nem que, para tanto, "tivesse adquirido [outras] tais substâncias para, em momento posterior, as revender com lucro a terceiros". IV - E se também se não provou "que os proventos a obter com a venda de estupefacientes se destinassem exclusivamente à aquisição de droga para seu consumo", é, todavia, plausível que o arguido - sendo "consumidor de heroína e cocaína há 16 anos" - os destinasse, em boa parte, a financiar o seu próprio consumo. V - Restará aferir se a "quantidade" e a "qualidade" das drogas detidas impedirão - ou não - a qualificação da ilicitude do facto, na sua "imagem global", como "consideravelmente diminuída". VI - Para tanto haverá que ter em conta, desde logo, que, segundo a Portaria 94/96 de 26MAR (que o estabeleceu com base nos "dados epidemiológicos referentes ao uso habitual"), o limite quantitativo máximo, do respectivo princípio activo (diacetilmorfina e cloridrato de cocaína), para cada dose média individual diária de heroína e cocaína é, respectivamente, de 0,1 e 0,2 g. VII - E, por outro lado, o (último) estádio de comercialização em que a droga apreendida foi apreendida, pois que, após os "cortes" operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, ao chegar ao consumidor, (proporcionalmente) muito pouco do correspondente princípio activo. Daí que, apesar do peso do "produto" (6,018 g de "heroína" e 5,154 g de "cocaína"), este, no pressuposto (generoso) de um grau de pureza de 15%, não deteria mais que 0,9 g de diacetilmorfina e de 0,8 g de cloridrato de cocaína, correspondentes a nove doses médias individuais diárias de "heroína" e a quatro doses médias individuais diárias de "cocaína"). VIII - Será, pois, de repudiar (no contexto da redução da pena pedida em recurso) a qualificação (como "tráfico comum") do "tráfico de rua" em cujo "flagrante" o arguido foi surpreendido em 30AGO01. IX - Já que, tendo essa "actividade" implicado, não mais que 1 g de diacetilmorfina e de 1 g de cloridrato de cocaína, correspondentes, no máximo, a dez doses médias individuais diárias de "heroína" e a cinco doses médias individuais diárias de "cocaína", a ilicitude do facto, porque consideravelmente diminuída (tendo em conta a singeleza dos meios utilizados no retalho de rua em geral e neste em particular, a nula quantidade de droga já transaccionada, a reduzida quantidade [do princípio activo] da droga por transaccionar e a qualidade da droga encontrada ao arguido - que, de "princípio activo", após os "cortes" operados em cada passo do seu atribulado percurso, já teria, nesse estádio, bem pouco), não se coaduna com a (gravosa) penalidade abstractamente prevista pelo art. 21º do dec. lei 15/93, bastando-se, antes, com a penalidade (privilegiada) do art. 25º, prevista para os casos, "porventura de gravidade ainda significativa", em que "a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral" (STJ 15-12-1999, recurso 912/99-3).
27-06-2002 Proc. n.º 2122/02 - 5.ª Secção
Carmona da Mota, Pereira Madeira, Simas Santos (c/ declaração de voto), Abranches Martins
O art. 25º, do DL 15/93, de 22-01, consagra um tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes sempre que a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, apresentando-se como sinalizadores ou índices de tal diminuição, entre outros, "os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações", índices esses a apreciar de uma forma global e complexiva, e no contexto concreto de cada caso.
26-06-2002 Proc. n.º 1262/02 - 3.ª Secção
Borges de Pinho, Armando Leandro, Franco de Sá
Na consideração de uma hipótese atenuada de tráfico "considera-se necessário, para que a mesma se verifique, que resulte de uma "valorização global do episódio", não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei (meios, modalidade, circunstâncias da acção, qualidade e quantidade da substância) seja idónea em abstracto para qualificar o facto como leve".
03-10-2002 Proc. n.º 2359/02 - 5.ª Secção
Pereira Madeira, Simas Santos, Abranches Martins, Oliveira Guimarães
O crime mitigado de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art. 25º do DL 15/93, de 22-01, não radica unicamente no vector da quantidade da droga, mas ainda no da qualidade da mesma, assim como no vector dos meios utilizados, da modalidade e das circunstâncias da acção, a encararem-se todos numa perspectiva global.
24-10-2002 Proc. n.º 2801/02 - 5.ª Secção
Oliveira Guimarães, Dinis Alves, Carmona da Mota, Pereira Madeira
Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva, desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples. V - O que não sucede no caso, em que os arguidos comparticipam num tráfico que ultrapassa o mero tráfico de rua, traficavam, de acordo com um esquema bastante em voga, fazendo intervir diversas pessoas, destinado a facilitar a fuga e a dificultar a intervenção das autoridades, bem como a proteger o dono do negócio, tendo sido encontrados com 54 embalagens de heroína, com o peso líquido de 12,746 gramas e 27.000$00 em dinheiro.
24-10-2002 Proc. n.º 3211/02 - 5.ª Secção
Simas Santos, Oliveira Guimarães, Abranches Martins, Dinis Alves
Em caso de prática de um crime de tráfico de menor gravidade, a que corresponde uma pena de 1 a 5 anos de prisão, deve ser aplicada a pena de 18 meses de prisão se: - o arguido praticou um único acto de tráfico de uma dose de heroína no valor de 2.000$00; - não se sabe qual a sua inserção no esquema organizativo dos restantes co-arguidos; - é de modesta condição social e económica, com antecedentes criminais e não exercia qualquer actividade aquando dos factos em causa.
24-10-2002 Proc. n.º 3198/02 - 5.ª Secção
Simas Santos, Abranches Martins, Oliveira Guimarães, Dinis Alves
Não merece censura a decisão que condenou, por tráfico de menor gravidade, outra arguida que detinha cocaína com o peso líquido de 4,245 g, e que já fora condenada na pena de 3 anos e 6 meses pela prática de outro crime de tráfico de menor gravidade.
24-10-2002 Proc. n.º 3398/02 - 5.ª Secção
Simas Santos, Abranches Martins, Oliveira Guimarães
5.10. Poderá, pois, concluir-se - quanto à actividade dos arguidos (recorrente e não recorrente) - «que estamos perante uma actividade de pequeno tráfico, de ilicitude consideravelmente menos grave do que aquela que é pressuposto do tipo do art. 21º do DL 15/93 e que, deste modo, o crime praticado é o do art. 25º daquele diploma» (A Nota Justificativa da Proposta de Lei enviada à Assembleia da República reconheceu que o «tráfico de quantidades diminutas» do dec. lei 430/83 não oferecia a maleabilidade necessária, justificando-se por isso a sua revisão «em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante ou significativo do tráfico menor, que, apesar de tudo, não pode ser aligeirado de modo a esquecer-se o papel essencial que os dealers de rua representam na cadeia do tráfico», havendo, portanto, «que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial».).

6. A MEDIDA DA (NOVA) PENA
6.1. «Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido à suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida» (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 55). Mas «em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa» (princípio da culpa), «princípio que não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» (§ 56).

6.2. No caso, as exigências (art. 40º.1 do CP) de «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida» - na consideração, além do mais, de que o arguido, «após ter sido detido com [...] doses de heroína, juntamente com o co-arguido D, ter continuado a sua actividade criminosa, sendo encontrado, um mês e meio depois, com maior quantidade de droga, desta vez com heroína e cocaína» - apontam para uma «moldura de prevenção» - não contrariada pelo «princípio da culpa» - de 3 a 4 anos de prisão (no quadro de uma pena abstracta de 1 a 5 anos de prisão).

6.3. Neste espaço - de incidência da «ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» - é que haverá que individualizar/concretizar a pena, tendo em conta, designadamente, que o arguido não tem antecedentes criminais e está preventivamente preso há quase um ano e meio.

6.4. Daí que:
- a juventude (21 anos de idade, ao tempo) e a primariedade do arguido;
- a circunstância de o seu papel no tráfico da droga constituir o último - e mais exposto, apesar de menos remunerado - elo da respectiva cadeia comercial;
- a circunstância de a actividade do arguido se ter manifestado apenas duas vezes e num período de tão só um mês e meio;
- a circunstância de toda a mercadoria na disponibilidade do arguido, à data da sua detenção, ter sido apreendida e não ter por isso chegado às mãos do consumidor final;
- a circunstância de (aparentemente) todo o dinheiro por ele obtido no tráfico ter sido apreendido;
- a circunstância de toda a actividade do arguido visar uma realização bruta de apenas 277 contos (dos quais tão só 37 contos terão sido realizados e, ainda assim, integralmente apreendidos);
- o seu processo de crescimento (negativamente condicionado pelos hábitos alcoólicos do pai e pela situação de relativa carência económica da família, atendendo a que apenas o progenitor trabalhava remuneradamente);
- o quotidiano familiar (dificultado pela situação habitacional degradada: um barraco em que a família viveu cerca de 20 anos);
- o abandono escolar, com apenas a 4.ª classe primária, aos 13/14 anos de idade;
- o seu percurso profissional (recolha de sucata até aos 16 anos; trolha da construção civil a partir de então; biscates por conta própria à data da detenção);
- o seu relacionamento afectivo (entre os 16 e os 18 anos viveu com uma rapariga de quem tem um filho de 4 anos de idade; à data da detenção, vivia com uma irmã da primeira companheira, em casa desta, que agora o visita com regularidade), e
- a sua conduta prisional (regular, mas assinalada por uma punição disciplinar - oito dias de encerramento celular - por "posse de telemóvel", não desenvolvendo na cadeia, por opção própria - que atribui a «desmotivação» -, qualquer ocupação laboral ou escolar)
justifiquem que a vertente ressocializadora das penas (19) arremesse a medida da pena para meados daquela «moldura de prevenção», ou seja, para «quarenta meses de prisão».

7. O CRIME DE «RESISTÊNCIA»
7.1. É manifestamente improcedente o pedido do arguido de «aproximação ao limite mínimo legal» da pena que o tribunal a quo fez corresponder ao seu crime de «resistência» (punível, de acordo com o disposto no art. 347º do Código Penal, com «pena de prisão até cinco anos»).

7.2. E isso porque, tendo a penalidade sido fixada em apenas «oito meses de prisão» (e, por isso, já muito próximo desse limite mínimo: um mês de prisão), nem a medida (sensível) da culpa do arguido exigiria a sua redução («O arguido, ao agredir o agente da GNR, bem sabia que o mesmo era um agente da autoridade com legitimidade para o deter, pois tinha na sua posse produtos estupefacientes, e, ao agredi-lo, teve o propósito de o molestar corporalmente, impedi-lo de cumprir a sua obrigação como agente da autoridade e subtrair-se à acção da justiça, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que esta conduta era proibida e punida por lei») nem as exigências de prevenção geral e de defesa social (suscitadas pela gravidade da sua conduta) a consentiriam («O arguido, ao dar-se conta da presença da GNR, pôs-se em fuga, levando consigo uma bolsa a tiracolo, com 93 embalagens de cocaína, 73 embalagens de heroína e a quantia de 32.500$, produto da (re)venda de droga por ele entretanto efectuada, que a GNR, na perseguição a ele movida, lhe apreendeu; foi o agente da GNR C que o deteve depois de se lhe ter identificado com a sua carteira profissional e dito em voz alta que era polícia, mas o arguido, para impedir a detenção, empurrou-o contra o portão do café, entalando-lhe a mão; em consequência da agressão, o agente sofreu escoriações com perda de pele na palma da mão esquerda, escoriações no joelho esquerdo, uma contusão no dedo mínimo da mão esquerda com hematoma e um hematoma na mão direita»).

7.3. É óbvio, pois, que não merecem censura - neste recurso circunscrito à questão da determinação da sanção (art. 403º.2.c e e do Código de Processo Penal) - nem a decisão da «questão do limite ou da moldura da culpa» nem a forma como o tribunal recorrido se moveu no âmbito da «actuação dos fins das penas no quadro da prevenção». E, quanto à «determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena», não se vê - de modo nenhum - que hajam sido «violadas regras da experiência» nem a operada «quantificação» se revela - muito pelo contrário - «de todo desproporcionada»:

A doutrina (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 255) mostra-se de acordo com a ideia de que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, e a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada»
Simas Santos e Marcelo Ribeiro,
Medida Concreta da Pena, Vislis, 1998,
ps. 339/40
8. A PENA CONJUNTA
8.1. Considerando, globalmente, a personalidade do arguido (com óbvios traços, ainda, de alguma imaturidade) e o conjunto dos factos por que foi responsável (tráfico de droga + resistência ao guarda captor), e tendo ainda em conta que «tudo deve passar-se com se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique» (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 429) - e, no caso, a «resistência» teve a ver com o risco da detenção do resistente, em flagrante, pelo «tráfico» - e que «na avaliação da personalidade (unitária) do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade» (só no primeiro caso, já não no segundo, sendo de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta» - a. e ob. cit., § 421), será de fixar (20) em três anos e meio de prisão a correspondente pena conjunta.

8.2. Aliás, «deve admitir-se (...) a provisoriedade de alguns dos aspectos da decisão judicial sobre a medida da pena, aceitando-se que a própria fase de execução da pena seja, ela própria, complementarmente funcional em relação à anterior fase de determinação judicial da pena»:
«Ao prescrever a autonomia da questão da sanção em relação à questão da culpabilidade, o CPP reconhece, necessariamente, um papel específico à sanção penal no âmbito do processo penal, o que significa que também a sanção faz parte (toma parte) do objecto e fim do processo. Uma tal conclusão não é, seguramente, novidade, e corresponde, em certo sentido, a uma progressiva «funcionalização» da declaração da culpa às consequências jurídicas, funcionalização historicamente lograda com a abolição dos tribunais de jurados e plenamente realizada com o pensamento da culpa e sua directa imbricação nos fins das penas. Todavia, a atribuição de uma autonomia à questão da sanção representa, outrossim, uma positiva negação e recusa de um qualquer pensamento penal (e processual penal) exclusivamente retributivo ou em que a finalidade da pena derive, exclusiva ou primordialmente, da culpa. Qual o modelo que deve presidir aos fins das penas e qual o «modelo» de determinação da pena é aspecto que, à luz dos preceitos do CPP, não merece particular atenção, conquanto que esse modelo garanta um qualquer espaço de apreciação e decisão autónomas à questão da pena. Prescrevendo a autonomia da questão da sanção penal, o CPP, todavia, resolve apenas parte - embora uma parte definitivamente decisiva - do problema. Fica ainda em aberto a outra parte da questão: a de saber qual o vínculo da relação que intercede entre a determinação judicial da pena e a subsequente fase de execução penal. Neste aspecto, a resposta que do CPP se pode retirar é particularmente equivoca e, a nosso ver, insatisfatória. Porque, ou a decisão sobre a medida da pena transita em julgado, ao ponto de se conceber a fase de execução da pena como meramente administrativa, ou então, deve admitir-se - como supomos mais consentâneo com os dados legais - a provisoriedade de alguns dos aspectos da decisão judicial sobre a medida da pena, aceitando que a própria fase de execução da pena seja, ela própria, complementarmente funcional em relação à anterior fase de determinação judicial da pena»
Damião da Cunha,
O Caso Julgado Parcial,
Universidade Católica do Porto, 2002,
ps. 120/121
9. ÂMBITO DO RECURSO
9.1. Acontece que «o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes» (art. 402º.2.a do Código de Processo Penal).

9.2. Ora, o co-arguido (não recorrente) D (casado, de 24 anos, sem antecedentes criminais e, à data da condenação, a trabalhar desde Nov01 na distribuição de material publicitário, «denotando vontade de seguir uma vida conforme ao direito, adivinhando-se uma perspectiva favorável à sua reintegração») foi condenado, por tráfico comum de droga, na medida em que comparticipou com o ora recorrente - intermediando-o junto dos consumidores - na «revenda», em 11Set01, de panfletos de heroína.

9.3. Já se viu que este «facto» (até porque uma simples parcela de uma mais complexa actuação do arguido/recorrente) integra, na sua objectividade, não o tipo legal de crime do art. 21º do Decreto-Lei 15/93, mas tão só o do seu art. 25.º.

9.4. Daí que, aproveitando o recurso ao arguido não recorrente, D, haja que revogar a punição contra ele operada, em 1.ª instância, no âmbito do art. 21.º («prisão de 4 a 12 anos») e, consequentemente, que a reformar no quadro do tipo de ilícito do art. 25º do Decreto-Lei 15/93 («prisão de um cinco anos»).

9.5. Só que, estando o visado em liberdade, não sendo «parte» neste recurso e implicando a pena reformada, previsivelmente, uma nova questão (a da sua eventual «substituição»), essa reforma é em «juízo de reenvio» que terá o seu lugar apropriado:
«Seja em consequência de uma «alegação» do arguido, seja mesmo oficiosamente, quando o tribunal de recurso possa conhecer de uma questão que altere «substancialmente» (por «criação» de uma nova moldura legal) a determinação da sanção, deve dela decidir e consequentemente retirar os efeitos devidos (definindo a moldura legal), mas reenviando para determinação da sanção, ficando tanto o tribunal de reenvio como os sujeitos processuais vinculados àquela moldura legal. Não estamos de acordo é que seja, nestes casos, o próprio tribunal de recurso a definir a pena concreta. A simples alteração da moldura legal, seja qual for a razão para essa modificação, altera substancialmente toda a determinação da sanção (...). Além disso, não se pode excluir que, em virtude desta alteração, surjam outros elementos relevantes para a determinação da sanção. Com efeito, caso o tribunal de recurso (e estamos a pensar primordialmente no STJ) procedesse, ele próprio, à (re)determinação da sanção, não se poderia excluir que cometesse um «erro» nesta determinação por tal forma que nem o arguido, nem o MP, se reconhecessem na pena aplicada. A questão pode, todavia, ser vista por um outro prisma. Se, em recurso (...), fosse o próprio MP a tomar posição no sentido da alteração da moldura penal (por alteração da qualificação jurídica ou pelo reconhecimento de uma circunstância modificativa especial), impunha-se-lhe o dever de fornecer ao tribunal de recurso os critérios preponderantes para a (re)determinação da sanção (bem como formular uma concreta pena) e, neste caso, seguramente - sobretudo face ao MP -, o tribunal de recurso veria a sua tarefa de censura sobre a determinação da sanção mais facilitada e ser-lhe-ia, pois, também mais fácil decidir. O problema está, exactamente, em saber se nestes casos o tribunal de recurso pode prescindir da participação dos sujeitos processuais. No nosso entender, não pode e, por isso, ou a audiência de julgamento de recurso assegura essa participação dos sujeitos processuais (incluindo o arguido), ou, então, o reenvio, mesmo que careça de uma qualquer renovação de prova, torna-se necessário. E, uma vez mais, nesta audiência de reenvio, cabe ao Ministério Público, não uma mera função de «transporte», mas uma tarefa de colaboração com o tribunal de reenvio, apresentando a sua concreta pretensão, no âmbito das valorações que o tribunal de recurso apresentou para definir a moldura legal (mesmo que, porventura, tais valorações não correspondam àquilo que sustentou, em audiência ou até em recurso) - ou, se se quiser, apresentando as valorações que, caso o MP tivesse «antecipado» a decisão do tribunal de recurso, ele próprio defenderia em recurso. Tentativa de síntese - O que, com estas considerações, pretendemos afirmar, é o seguinte: a devolução, do tribunal de recurso, para reenvio, é sempre uma devolução sobre o objecto «determinação da sanção». Com efeito, e primeiramente, o tribunal de recurso censura, por qualquer razão, o «método» de determinação da sanção (no último caso, o ponto de partida dessa determinação), e censura, estendendo os seus poderes de cognição até onde lhe for possível, em ordem a verificar se pode ou não decidir. Não podendo decidir, devolve a «determinação da sanção» (em relação ao que não pode decidir). Quando fundamento da censura é uma concreta questão atinente à determinação da sanção, que devesse ter sido conhecida pelo tribunal a quo ou que, tendo-o sido, o tribunal de recurso não pôde dela conhecer (por faltar, na fundamentação, algum dos elementos necessários ao seu correcto conhecimento), então, o tribunal de recurso deve reenviar a (re)determinação da sanção, definindo o âmbito de renovação da prova para essa questão. Como é evidente, existem casos em que o reenvio para determinação da sanção não supõe qualquer renovação da prova determinada pelo tribunal de recurso. E, nestes casos, a audiência de reenvio poderá transformar-se numa mera «audiência» para alegações, face aos fundamentos apresentados na decisão, dentro da moldura penal estabelecida pelo tribunal de recurso. Isto, seguramente, pode suceder mas é justificado pelo sentido de um processo de estrutura acusatória em que aos sujeitos processuais (em especial ao MP) são cometidos poderes na definição e valoração dos factores de determinação da sanção»
Damião da Cunha,
O Caso Julgado Parcial,
Porto, Universidade Católica, 2002,
ps. 689-691
10. DECISÃO
Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em audiência para apreciar o recurso de 14Nov02 do cidadão A,
a) julga-o procedente, atribuindo ao recorrente - na pedida requalificação jurídico-criminal dos factos - um crime de «tráfico de menor gravidade» (art. 25º.a do dec. lei 15/93) e condenando-o, correspondentemente, na pena de quarenta meses de prisão.
b) confirma a pena a ele aplicada («8 meses de prisão»), mercê de um crime de «resistência», no tribunal recorrido;
c) fixa em três anos e meio de prisão a pena conjunta correspondente ao respectivo concurso de crimes;
d) condena-o - porque nele decaiu em parte - nas custas do recurso, com 4 (quatro) UC de taxa de justiça e 1 (uma) UC de procuradoria,
e) reconduz a conduta do co-arguido D ao tipo de ilícito do art. 25º.a do Decreto-Lei 15/93,
f) e, em consequência, revoga a pena que - por tráfico comum de droga - se lhe aplicou no tribunal a quo, devolvendo-lhe a concretização (qualitativa e quantitativa), em audiência complementar (restrita a essa questão e conexas), da pena correspondente no âmbito da nova moldura legal.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Fevereiro de 2003
Carmona da Mota
Pereira Madeira - (Votei a decisão sem prejuízo de ter como duvidosa a qualificação como "tráfico de menor gravidade")
Simas Santos - (Com a declaração infra)
Abranches Martins - (Vencido apenas quanto ao recurso do arguido D, pois não encontro apoio legal no que concerne ao pretendido "reenvio" para determinação da pena, o que, em meu entender, tendo em conta a alteração da qualificação jurídica dos factos, devia ter sido feito por este Supremo Tribunal de Justiça)
_______________________
(1) Preventivamente preso desde 24Out01.
(2) «Não se provou que, pelo menos desde os finais do ano de 2001, os arguidos se dedicassem à comercialização de doses de droga, repartindo entre eles as tarefas. Que o arguido A adquirisse as doses de droga já divididas e depois, na companhia do arguido D ou sozinho, as vendesse por quantia não inferior a € 5. Que, quando não era o arguido A o vendedor, o outro arguido tivesse como missão entregar-lhe o produto da venda de droga. Que, para o efeito, os dois arguidos frequentassem locais de venda de droga. Que o tal B tivesse solicitado ao arguido D, contra a entrega de duas notas de 1.000$, a venda de duas doses de droga. Que o agente da GNR, logo que logrou retirar a mão que havia ficado entalada, tivesse agarrado o arguido, e que este, para se libertar, tivesse voltado a desferir-lhe um empurrão, tendo ambos caído ao solo. Que o pai do arguido A seja pedreiro. Que o arguido A tivesse trabalhado como trolha até pouco antes de ser detido. Que, após Junho de 2000, tivesse continuado a trabalhar como trolha sem que a entidade patronal efectuasse os respectivos descontos. Que se tivesse despedido 3 meses antes de ser detido, por estar com vários meses de salário em atraso. Que o arguido vivesse ainda com uma filha da sua companheira, de 13 anos de idade, em casa arrendada no Bairro das Campinas. Que a sua companheira exercesse a profissão de padeira, recebendo mensalmente o salário de cerca de 70.000$, sobrevivendo o casal num estado de grande penúria. Que o arguido contribuísse para o sustento do filho, enquanto trabalhava, com a quantia mensal de 15.000$. Que tivesse bom comportamento anterior e posterior aos factos. Que encare o seu passado recente como um mau período da sua vida, que urge ultrapassar, contando com o apoio da sua mãe. Que pretenda voltar a ser um elemento produtivo e útil à sociedade»
(3) Peso líquido estimado: «6,690 g» (fls. 52 do apenso 62/01.3PCPRT)
(4) Peso líquido estimado: «3,068 g» (fls. 58)
(5) Peso líquido estimado: «2,859 g» (fls. 58).
(6) Juízes Ana Carolina Cardoso, António Pedro Nogueira e João Pedro Maldonado.
(7) Veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/1/1990, in Boletim do Ministério da Justiça nº 397, pág. 128.
(7) Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/2/1986 e 2/4/1986, in Boletim do Ministério da Justiça nºs 354 e 356, páginas 331 e 122, respectivamente.
(9) Apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/5/1985, in Boletim do Ministério da Justiça nº 347, página 220.
(10) Adv. César Santos Mota
(11) Proc. António Teixeira Alves
(12) «Se (...) a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de uma cinco anos de prisão (...)»
(13) «O crime de tráfico de menor gravidade fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto de diversos factores, alguns deles exemplificativamente indicados na norma: meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações» (STJ 24Nov99, recurso 937/99-3, Conselheiros Martins Ramires, Lourenço Martins, Leonardo Dias e Armando Leandro).
(14) «O art. 25º do DL 15/93 tem na sua base o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal (do art. 21º.1), pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional» (STJ 12Jul00, recurso 266/00-3, Conselheiros Virgílio Oliveira, Flores Ribeiro, Mariano Pereira e Brito Câmara)
(15) Eduardo Maia Costa, RMP, n.º 69.
(16) José Mouraz Lopes, Juiz de Direito, Público, 20Mai99
(17) Ibidem.
(18) Eduardo Maia Costa, Direito penal da droga, RMP 74-103, ps. 114 e ss.
(19) «A aplicação das pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» (art. 40º.1 do CP)
(20) Adicionando à maior pena parcelar 1/4 da outra.


Declaração de voto

(Como o Sr. Conselheiro Pereira Madeira votei a decisão, mas não tenho por líquida a mudança jurisprudencial que este acórdão encarna. Com efeito, é sedutora a invocação dos trabalhos preparatórios e da prática deste Supremo e sequentes dificuldades, mas a questão passaria, a meu ver, pela melhor adequação das molduras penais abstractas dos art.s 25.º, 21.º e 24.º do Decreto-Lei 15/93, com maior coincidência das molduras dos art.s 25.º e 21.º e diminuição do limite superior desta última)
Simas Santos