Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
399/11.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
CESSÃO DE QUOTA
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATOS - ARRENDAMENTO URBANO
Doutrina: - António Pinto Monteiro em colaboração com Pedro Maia, Revista de Legislação e Jurisprudência, no ano 138º, pág. 3 e segs..
- Fernando Gravato de Morais, Revista “Julgar”, nº 3 - 2007, pág. 212.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1011.º, 1101.º, AL. C), 1108.º.
LEI Nº 6/2006, DE 27/02 (NRAU): - ARTIGOS 3.º, 26.º, N.º4 AL. C) E N.º6 AL. B), 27.º
Sumário :


I. A cessão de quotas por actos inter vivos representativa de mais de 50% do capital social da sociedade arrendatária, ocorrida depois da entrada em vigor da Lei nº 6/2006, de 27/02 ( NRAU ), confere ao senhorio o direito de denúncia do mesmo contrato de arrendamento, nos termos do art. 1101º, al.c) do Cód. Civil, por aplicação do disposto no nº 6 , al. b) do art. 26º da aludida Lei nº 6/2006.
II. A circunstância de a cessão de quotas não implicar a entrada de novos sócios por a cessão haver ocorrido através da cedência da maioria do capital por parte de sócios que assim saem da sociedade e cedendo aquelas quotas aos sócios anteriormente minoritarios, não é impeditiva da aludida faculdade de denúncia.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
AA intentou contra “BB, Lda.”, em 25-02-2011, na 11ª Vara Cível de Lisboa, a presente acção declarativa comum, sob a forma ordinária, pedindo que seja declarada válida a denúncia do contrato de arrendamento vigente entre as partes, efectuada ao abrigo do art. 26.º, n.º 6, alínea b) da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro.
Para tanto, alegou:
- É dona do prédio urbano sito na R. ... e Calçada ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Belém sob o art. 41.
- Por escritura outorgada em 09-07-1947, a ré tomou de arrendamento a loja com os n.ºs 524 a 532 do dito prédio.
- Por escrituras outorgadas em 18-09-07 e 11-10-07 foram cedidas quotas correspondentes a mais de 50% do capital social da ré.
- O que, nos termos da al. b) do n.º 6 do art. 26.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, conferiu ao senhorio o direito de denunciar o contrato, mediante comunicação ao arrendatário com cinco anos de antecedência relativamente à data em que se pretenda a cessação.
- Através de notificação avulsa efectuada a 08-02-2010, a A. denunciou o contrato de arrendamento com efeitos a 31 de Março de 2015.
- Tendo a ré respondido que se opunha à referida denúncia por não estarem reunidos os pressupostos legais.
- Pretendendo a autora ver reconhecida a validade da denúncia efectuada.

Citada, a ré contestou, defendendo que a norma invocada pela autora não é aplicável, uma vez que não houve entrada de novos sócios na sociedade, mas apenas a saída de dois sócios e a repartição das respectivas quotas pelos restantes.
No seguimento, foi proferida decisão a julgar a acção improcedente.
Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo a Relação de Lisboa julgado a apelação e o pedido procedente.
Inconformada, desta vez a ré, veio esta interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.
Daquelas se deduz que a mesma recorrente, para conhecer nesta revista, levanta a seguinte questão:
O disposto no art. 26º, nº 6, al. b) da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro ( NRAU ) não é aplicável à situação fáctica aqui em apreço, pelo que deve o pedido ser julgado improcedente ?

A autora contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 685º-A , nº 1 do Cód. de Proc. Civil – o âmbitodos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Já vimos acima a concreta questão que a recorrente levanta aqui como objecto deste recurso.
Mas antes de mais nada, há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por apurada e que é a seguinte:
1. Por escritura pública outorgada em 9 de Julho de 1947 no 13° Cartório Notarial de Lisboa, foi celebrado entre CC e a sociedade "BB, Lda." o contrato de arrendamento para "exploração do comércio de pastelaria e confeitaria", nos termos que constam do documento de fls. 6 a 13.
2. A sociedade Ré "BB, Lda." encontra-se matriculada sob o número 19571/1947-07-18 na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, como capital de 12.469,95€, e as seguintes quotas; de 3.740,98€ sendo titular DD; de 3.117,49€, sendo titular EE; de 3.117,49€, sendo titular FF, e de 2.493,99€, sendo titular GG (documento de fls. 14 a 17).
3. Pela inscrição n.° 3 de 24/9/2007, foram registadas as seguintes alterações ao contrato social: quota de 3.740,98€, sendo titular DD; quota de 3.740,99€, sendo titular FF; quota de 4987,98€, sendo titular GG.
4. Pela inscrição n.° 4 de 23/10/2007, foram registadas as seguintes alterações ao contrato social: quota de 7.481,97€, sendo titular FF; quota de 4.987,98€, sendo titular GG.

Além destes factos julgados apurados pelas instâncias, há ainda a considerar provados mais os factos que iremos a seguir elencar e que têm interesse para a decisão do pleito, factos esses que estão provados, o primeiro por força da prova documental autêntica junto a fls. 161 e 162, não impugnado e os seguintes por força dos documentos autênticos, igualmente não impugnados de fls. 19 a 24.
Assim ainda estão provados os factos:
5. O imóvel referido no contrato referido no nº 1 está inscrito a favor da autora na Conservatória de Registo Predial respectiva.
6. A cedência de quotas sociais referida no nº 3 ocorreu por escritura de 18-09-2007.
7. A cedência de quotas mencionada no nº 4 ocorreu por escritura celebrada em 11-10-2007.

Vejamos agora a questão objecto deste recurso.
Tal como doutamente referiu o acórdáo recorrido está em causa no presente recurso saber se, como pretende a recorrente, a alínea b) do n.º 6 do art. 26° da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro deverá ser interpretada no sentido da sua aplicação a todas as situações em que se verifique uma alteração de mais de 50% da titularidade do capital social da sociedade inquilina, resultante de transmissão inter vivos, mesmo não tendo havido entrada de novos sócios.
Esta foi a opinião que aquele acórdão adoptou, mas defende a recorrente a solução oposta, ou seja, a de que aquele dispositivo se não aplica ao caso aqui em apreço porque houve uma cedência de quota da sociedade inquilina, sem que tivesse entrado novos sócios.
Vejamos.
O contrato de locação aqui em apreço foi celebrado em 1947.
A lei nº 6/2006 de 27/02 veio regulamentar de novo o regime jurídico do contrato de locação, dando novas redações aos artigos do Cód. Civil que tratam daquele tipo de contrato típico, fazendo voltar a este diploma fundamental o regime geral do contrato de locação, nas suas várias modalidades.
Assim, o art. 1011º do Cód. Civil estipula na sua alínea c) o regime da livre denunciabilidade pelo senhorio dos contatos de locação, desde que o faça através de uma comunicação com a antecedência não inferior a cinco anos.
Este regime está previsto para os contratos para fins habitacionais, mas é mandado aplicar aos contratos para fins comerciais, pelo art. 1108º do mesmo código.
Porém, a apontada Lei 6/2006 estipulou normas transitórias para regular a aplicação da nova lei no tempo.
Assim, consta o regime do art. 26º daquela lei, previsto para os contratos de locação para fins não habitacionais celebrados depois dod Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro.
Mas logo o art. 27º da mesma lei manda aplicar o regime previsto no mencionado art. 26º, aos contratos não habitacionais celebrados anteriormente ao mesmo decreto-lei nº 257/95.
Mas continuando, o art 26º referido estabelece no seu nº 4, al. c) a não aplicabilidade do disposto na apontada alínea c) do art 1101º do Cód. Civil aos contratos anteriores à mesma lei.
Porém, o seu nº 6 estabeleceu uma excepção a essa regra de inaplicabilidade, ou seja, fixando uma regra de aplicabilidade daquele regime de livre denunciabilidade pelo senhorio do contrato em causa.
Assim a al. b) do nº 6 do apontado art 26º estipula que cessa a regra da al. c) do nº 4 quando sendo o arrendatário uma sociedade, ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da presente lei.
E é a interprtação desta última disposição que está aqui em causa, no sentido de saber se a alienação entre vivos entre os sócios das quotas da sociedade arrendatária, sem que entre na sociedade novos sócios, mas em que a titularidade de mais de cinquenta por cento do capital social seja alterado, se encontra incluída naquela previsão.
A 1ª instância entendeu no sentido negativo e o acórdão recorrido adoptou posição oposta.
Este acórdão de forma muito acertada e com brilhante fundamentação referiu:
“(…) Importando, pois, averiguar se essa interpretação restritiva deve ser considerada fundada.
A questão não é de resposta fácil, sendo sugestiva a argumentação desenvolvida na decisão recorrida. Em todo o caso, propendemos a não subscrever tal entendimento e a reconhecer, antes, razão à apelante.
Desde logo, julga-se que não existe uma diferença essencial entre a transmissão da maioria do capital social feita a terceiros, ou a outros sócios. Em qualquer dos casos, o que conta é o domínio da vontade social e, através desta, do respectivo estabelecimento comercial. Se a entrada de terceiros na sociedade, em posição de maioria, pode ter efeitos práticos semelhantes aos de um trespasse, passando a exploração do estabelecimento a ser dominada pela nova maioria social, esse efeito também ocorre quando dois sócios, que apenas detinham 45% do capital social, passam a deter a totalidade desse capital. Por efeito dessa transmissão, os sócios adquirentes passaram a deter o domínio da sociedade, e do respectivo estabelecimento, o que antes não acontecia.
Aliás, segundo se julga, nem a simples alteração da pessoa do arrendatário, que resulta do trespasse, nem a simples mudança da pessoa que explora o estabelecimento comercial, que resulta da locação do estabelecimento, nem a simples transmissão de mais de 50% do capital social da sociedade detentora do estabelecimento, justificam, por si sós, a atribuição ao senhorio do direito de denunciar o contrato.
Desde logo, não se trata de um critério uniforme. Num caso há mudança de arrendatário, enquanto nos demais o arrendatário se mantém, apenas ocorrendo a mudança das pessoas que, directa ou indirectamente, exploram o estabelecimento.
Depois, se a alteração das pessoas fosse o elemento determinante, a transmissão “mortis causa” de mais de 50% do capital social também deveria merecer a mesma protecção, pois que também estarão em causa pessoas com quem o senhorio não contratou, e que também lhe são impostas. Não se vendo que pudesse relevar aqui, positiva ou negativamente, o facto de se tratar de uma transmissão não voluntária.
Por fim, na perspectiva dos interesses do senhorio, que podem fundamentar a denúncia do contrato de arrendamento, julga-se que não é tanto a alteração da pessoa do arrendatário, do explorador, ou da maioria de capital da sociedade detentora do direito ao arrendamento, que justificam a atribuição do direito de denúncia, mas antes as condições concretas em que essa mudança se processa, em particular, nos contratos com rendas antigas. O que tem a ver com os fins prosseguidos com a atribuição do questionado direito de denúncia no âmbito do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).
Nos termos do art. 1101.º, al. c), do C. Civil, aditado pelo art. 3.º da Lei n.º 6/2006 de 29-02, que aprovou o NRAU, o senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento de duração indeterminada mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação. Trata-se de um direito de denúncia que não tem de ser especialmente motivado, estando apenas sujeito ao referido prazo mínimo de cinco anos.
A atribuição deste direito, pondo fim à sujeição do senhorio à renovação indefinida do contrato de arrendamento, visa certamente assegurar que, dentro dos limites estabelecidos, não lhe poderá ser imposta a subsistência do contrato. Solução que, fragilizando a posição do arrendatário, permite, em todo o caso, um melhor equilíbrio das prestações recíprocas das partes no âmbito do contrato de arrendamento.
Pois que, ao menos em regra, o senhorio apenas promoverá a extinção do contrato se entender que a sua continuação é contrária aos seus interesses, ou seja, se não houver equilíbrio nas prestações contratuais. E a procura desse equilíbrio é certamente um objectivo a prosseguir, de modo a assegurar, designadamente, que a contrapartida recebida pelo senhorio pela cedência do gozo do arrendado seja ajustada ao valor do gozo cedido.
A procura esse equilíbrio assume particular relevo nos contratos de arrendamento antigos, onde se verifica, demasiadas vezes, haver desajustamento entre o valor locativo do imóvel e o valor da renda devida pelo arrendatário, em evidente prejuízo do senhorio, que não vê adequadamente remunerada a cedência do gozo do arrendado e só muito limitadamente pode obviar a essa situação.
E, no que agora interessa, esse desajustamento também se reflecte nos negócios que têm por objecto, ou por referência, o estabelecimento instalado no prédio arrendado, sendo evidente que uma renda baixa, que não possa ser adequadamente actualizada, é/era um factor de valorização do estabelecimento que, apesar respeitar exclusivamente ao senhorio, apenas beneficia(va) o arrendatário. Ou seja, em caso de negócios que envolviam a transmissão de um estabelecimento, ou da respectiva exploração, era o arrendatário quem beneficiava da valorização do estabelecimento que, caso existisse, resultava do desajustamento do valor da renda em relação ao valor locativo do prédio arrendado.
É para obviar a esse benefício não justificado que, em nosso entender, a lei atribui ao senhorio o direito de denúncia nos casos referidos em que a propriedade, ou a exploração, do estabelecimento instalado em prédio arrendado são objecto de transmissão, directa ou indirecta, nos termos previstos no já referido art. 26.º, n.º 6 da lei n.º 6/2006 de 27-02. A atribuição desse direito de denúncia desvaloriza esses negócios de trespasse, de locação do estabelecimento, ou de transmissão de posições sociais, afectando, assim, fundamentalmente, a posição jurídica do arrendatário, trespassante, locador do estabelecimento, ou cessionário de posições sociais que conferem o domínio da sociedade. Mas essa desvalorização é limitada, ao menos em regra, à medida do valor que assentava no desfasamento do valor da renda. Pois que o estabelecimento, ou a sua exploração, continuam a poder ser cedidos, apenas não podendo o cedente contar, da mesma forma, com a valorização que resultava da existência de rendas desfasadas, uma vez que o senhorio pode denunciar o contrato com o pré-aviso de cinco anos. Sendo que, se não houver desajustamento de rendas, só muito excepcionalmente o senhorio promoverá a denúncia do contrato.
Sendo esta, segundo, se julga, a razão de ser da norma, ela mostra-se verificada na situação dos autos, em que dois sócios de uma sociedade, detentores de 55% do respectivo capital social, cederam as respectivas posições sociais aos outros sócios. Porque através desses negócios foram transmitidas posições sociais que asseguram o domínio da posição de arrendatário no contrato de arrendamento dos autos, por valores que não podiam deixar de ter em conta os termos do contrato, designadamente o valor do direito ao arrendamento, resultante da relação existente entre o valor locativo do imóvel e o montante da renda. Nesta perspectiva, não se identifica diferença relevante entre a transmissão efectuada em favor de sócios e a efectuada em favor de terceiros, uma vez que, em qualquer dos casos, o valor do negócio é influenciado pelo valor do contrato de arrendamento.
No caso, não estão concretizados os valores envolvidos nas cessões efectuadas, nem a relação desses valores com o da renda em vigor no contrato de arrendamento dos autos, sabendo-se apenas que o senhorio não pretende manter o contrato. Mas esses factos não tinham de ser esclarecidos para efeitos da presente acção, encontrando a pretensão da autora fundamento bastante na demonstração de que, depois de 26-06-2006, data em que entrou em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27-02, ocorreu uma transmissão inter vivos de posições sociais da sociedade arrendatária, que determinaram a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente naquela data. A argumentação desenvolvida visa apenas justificar a conclusão de que a atribuição do questionado direito de denúncia tem por fundamento obstar a que, nos negócios que envolvam a transmissão de um estabelecimento comercial instalado em prédio arrendado, o arrendatário possa obter vantagem do eventual desfasamento do valor da renda em relação ao valor locativo do prédio.”
Pensamos que esta argumentação é insusceptível de censura e, por isso, bastaria a remissão para aquela para julgar a revista improcedente.
Porém sempre apontaremos mais um argumento que, aliás, está de algum modo já contido no douto acórdão recorrido e acabado de transcrever.
O legislador ao elaborar a lei nº 6/2006 referida, moveu-se pela intenção de liberalizar o regime do arrendamento urbano, revogando o regime vinculístico que estava já em vigor há muitas décadas e que associado às limitações legais a adequadas e justas actualizações dos quantitativos das rendas levaram ao estado actual de ruína do património edificado das nossas cidades.
Assim, Fernando Gravato de Morais, num notável artigo publicado na Revista “Julgar”, nº 3 - 2007, pág. 212 refere, a propósito da reforma do arrendamento urbano que se consubstanciou no Novo Rau :
“Como se afirmou, a reforma, fosse ela de que tipo fosse ( mais liberal ou mais conservadora ), coincidia no objectivo último: o ataque ao vinculismo. Dito de outro modo, havia que impor limites ao proteccionismo dado ao inquilino no pretérito. Senão vejamos.
As leis de outrora, em particular as menos recentes, sempre foram férteis em conferir benefícios ao arendatário ( habitacional ou não ) em detrimento dos interesse do locador.
O mais determinate era, sem dúvida, o que estabelecia a regra da prorrogação forçada ou imperativa do contrato, no fim do respectivo prazo, em relação ao senhorio ( cfr. o art. 68º, nº 2 , RAU e art. 1095º CC ). Os desvios a este princípio consubstanciavam-se em requisitos exigentes e de difícil concretização ( cfr. os antigos arts. 69º e 73º RAU e arts. 1096º ss. CC).”
Com essa finalidade, o legislador na Lei nº 6/2006 introduziu o regime geral previsto na al. c) do 1101º do Cód. Civil que aboliu o regime vinculístico no contrato de locação.
Porém, o legislador foi sensível às situações estabelecidas ao abrigo do regime vínculístico anterior cuja revogação poderia provocar situações delicadas ou de contornos muito violentos para as legítimas expectativas que os cidadãos depositam na estabilidade dos regimes legais aplicados a negócios de duração prolongada no tempo.
Por isso, limitou a entrada dos contratos de locação antigos no regime da livre denunciabilidade à ocorrência de factores de alteração da posição sujectiva no tocante ao locatário do mesmo contrato ou da situação de efectivo gozo do locado pelo locatário.
Desta forma, estabeleceu aquela lei que o trespasse ou a locação do estabelecimento instalado no locado é motivo para a entrada do respectivo contrato de locação no regime geral da al. c) do art. 1101º referida.
Por outro lado, também estabeleceu que, sendo o locatário uma sociedade, a transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titulariedade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da referida lei, cessa a restrição à aplicação ao mesmo contrato do regime da livre denunciabilidade prevista na mesma al. c) do art. 1101º.
A disposição em causa não distingue se a alteração da titularidade da posição societária se deu apenas entre os sócios iniciais ou ocorreu com a entrada de novos sócios e, por isso, a mesma disposição é aqui aplivável.
E compreende-se.
Mesmo sem a entrada de novos sócios, há uma alteração da posição societária relevante, pois os antigos sócios minoritários passam a serem sócios maioritários.
Isto equivale a haver uma alteração nas pessoas que dominavam a sociedade, pois antes da cessão de quota, havia dois sócios maioritários que, por isso, podiam determinar a vontade social – e podiam obter o grosso dos proventos daquela sociedade - e agora passam a determinar a mesma vontade societária e a auferir a totalidade dos lucros que aquela possa produzir, os antigos sócios minoritários.
Desta forma, e repetindo, o legislador não restringiu a previsão da alinea c) aqui em apreço, à entrada de novos sócios e, por isso, não há que formular essa exigência que o legislador não formulou e nem se mostra que tenha sido abrangida pelo pensamento do legislador.
Procuramos na jurisprudência e na doutrina ver como foi tratada esta questão, mas não encontramos nada escrito sobre aquela, nomeadamente na doutrina que se tem ocupado do novo regime do Arrendamento Urbano, introduzido pela apontada Lei nº 6/2006.
Apenas encontramos um extenso e minucioso artigo publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, no ano 138º, pág. 3 e segs. da autoria do Professor António Pinto Monteiro em colaboração com Pedro Maia em que estes autores depois de criticar de forma severa - e quanto a nós injustificada - a opção do legislador ao fixar a regra prevista na al. b) do nº 6 do art. 26º da Lei nº 6/2006 referida, refere como interpretação natural da mesma regra a aqui por nós seguida, sem colocar como possível outra interpretação, nomeadamente a aqui defendida pela recorrente – cfr. pág. 26 da referida revista.
Desta forma, soçobra o fundamento deste recurso.

Pelo exposto, nega-se a revista pedida.
Custas pela ré - art 446º do Cód de Proc. Civil.
*
João Camilo ( Relator )
Fonseca Ramos
Salazar Casanova.