Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1097/09.3TBVCT.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
MÁ FÉ
Data do Acordão: 03/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 434.º, N.º2, 562.º, 801.º, N.º2,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 266.º, 266.º-A, 456.º, N.º2, AL. B).
DL N.º 168/97, DE 04-7, ALTERADO PELO DL N.º 57/2002, DE 11-3: - ARTIGO 14.º, N.º2.
DL N.º 234/2007, DE 19-6: - ARTIGOS 12.º, N.º1, 21.º, N.º1, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12-02-2009, PROC. 08B4052, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Em caso de cumulação da indemnização com a resolução do contrato, os danos a ressarcir encontram, naturalmente, o seu campo privilegiado de incidência no denominado interesse contratual negativo.

II - Apesar disso, o efectivo prejuízo causado pelo incumprimento definitivo deverá também ser reparado, contemplando o interesse contratual positivo, quando o postule a tutela dos interesses de reintegração em jogo no caso, à luz da ponderação do princípio da boa fé e na medida do adequado à função e ao equilíbrio nos efeitos da liquidação resolutiva das prestações contratuais.

III - A circunstância de os factos pessoais contrários à verdade, alegados pela parte, porque não provados, não terem influído na decisão da causa, irreleva para efeito de sancionamento por litigância de má fé, se eram adequados a prejudicar o conhecimento da verdade e, nessa medida, influir na decisão.

Decisão Texto Integral:

         Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA propôs acção declarativa contra a “Casa do Povo de ...”, pedindo que fosse:

 - “declarado resolvido o contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial (bar da Casa do Povo de ...) devido a incumprimento definitivo da R.;

 - a R. condenada a devolver ao A. a caução prestada de € 6.000,00, acrescido de juros de mora, contados sobre tal quantia à taxa supletiva de juros comerciais, desde a data da resolução do contrato até data da sua devolução ao A., os quais, à data, se liquidam em € 382,86;

 - a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 49.843,39 a título de lucros cessantes, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa supletiva de juros comerciais, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

 - a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 872,52, a título de outros danos patrimoniais, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa supletiva de juros comerciais, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

 - a R. condenada ainda a pagar ao A. a quantia não inferior a € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

 Alegou, no essencial, que a R., proprietária de um estabelecimento comercial, cedeu a sua exploração ao A., mediante o que denominaram “Cessão da Posição Contratual de Cessionário de Exploração de Estabelecimento Comercial do Bar da Casa do Povo de ...”, contrato que o A. resolveu, com entrega do estabelecimento à R., por esta não ter regularizado a falta de licença de funcionamento do estabelecimento, mesmo depois do A., durante a sua exploração, lhe ter fixado um prazo de 180 dias para o efeito, nem ter justificado a omissão persistente.

Mais alegou que, por ter cessado o contrato antes do seu termo, o A. teve prejuízos relacionados com a devolução de uma caução prestada inicialmente e que a R. ainda não devolveu, assim como deixou de auferir os lucros que iria continuar a auferir até à data prevista para o termo do contrato, sofrendo os inerentes prejuízos patrimoniais e danos não patrimoniais.    

A R. contestou.

Impugnou a factualidade articulada pelo A., sustentando que sempre lhe prestou toda a informação quanto ao licenciamento do estabelecimento, sendo que o A. sabia bem da falta da licença desde momento anterior à assinatura do contrato, que a quantia de € 6.000,00 foi-lhe entregue a título de renda antecipada e que foi o abandono injustificado do estabelecimento, pelo A., que causou prejuízos à R..

Concluiu pela improcedência da acção, com a condenação do A. como litigante de má fé.

Na réplica, o A. formulou pedido subsidiário de condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 4.700,00€, paga a mais a título antecipação de rendas, para o caso de improceder o pedido de devolução da caução.

Foi, a final, proferida sentença, com o seguinte segmento decisório:

«(…), julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:

- declara-se resolvido o contrato de cessão de exploração do bar da Casa do Povo de ..., celebrado entre o Autor AA e a Ré CASA DO POVO DE ..., por incumprimento definitivo da Ré;

- condena-se a Ré CASA DO POVO DE ... a pagar ao A.

- a título de enriquecimento sem causa, € 3.900,00 (três mil e novecentos euros), acrescidos de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde 31 de Agosto de 2008 até integral pagamento;

- por lucros cessantes, € 33.000,00 (trinta e três mil euros), acrescidos de juros de mora, à taxa supletiva de juros comerciais, desde a citação da Ré até integral pagamento;

- a título de danos morais, € 2.000,00 (dois mil euros), acrescidos de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a presente data até integral pagamento.

Absolve-se o Autor do pedido de condenação, em multa e em indemnização a favor da Ré, por litigância de má fé.».

A Ré apelou, com parcial êxito, pois que a Relação deliberou “julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, altera-se a sentença recorrida quanto respeita:

- À indemnização pelos lucros cessantes, julgando improcedente o pedido, de que a R. vai absolvida.

- À litigância de má fé do A., que se condena na multa equivalente a 2 U.C. e em indemnização de igual valor a favor da R.”.

         O Autor pede agora revista, visando a reposição do decidido na 1ª instância, para o que argumenta nas conclusões da alegação:

 “1. O acórdão recorrido viola, nomeadamente, os artigos 798º, 799º, 80, nº 2, 801º, 808º e 406º do Código Civil ao não considerar ser devida indemnização ao Autor pelos danos causados pelo não cumprimento do contrato por parte da Ré, acrescida de juros.

  2. Ficou demonstrado que não era juridicamente exigível ao recorrente, por força do princípio da boa fé, que suportasse por mais tempo uma situação que punha em risco a sua própria subsistência, sendo-lhe lícito resolver o contrato de cessão de exploração.

  3. Tendo em conta os factos provados, o caso sub judice deve ser enquadrado num dos casos excepcionais que admite indemnização pelos lucros cessantes, pois entre outros factos, foi dado como provado que:

    "20º - Em 2008 a até 31 de Agosto, o Autor facturou no estabelecimento o montante de € 37.105,57 e teve custos de € 29.814,25 ...

    22º - A 31 de Agosto de 2008, o lucro bruto do bar era de € 7.291,32 ...

    23º e 24º - No período em que o Autor o explorou. o estabelecimento teve um aumento de clientela, também resultado da organização, ao fim de semana, de festas, sessões de karaoke e de música ao vivo.

    25º - O bar chegou a ter mais de 100 clientes nestes eventos.

    26º - De 2007 para 2008, o crescimento da facturação média mensal do bar foi de 9,27%.

    27º - No caso de se manter até ao final do contrato o crescimento de facturação referida na resposta ao quesito 26f1, e com a mesma margem de lucro .... o Autor poderia auferir nos três anos e três meses restantes, a quantia de € 39.830, 74.

    30º e 31º - Em 2007, o Autor adquiriu para o estabelecimento uma televisão "LG" e um frigorífico e uma arca "Indesit" pelo valor de € 1.745,04, sem IVA, sendo intenção do Autor dar-lhe uso durante o tempo que restava na exploração do estabelecimento.

    33º - Durante o período em que explorou o estabelecimento, o Autor granjeou uma imagem positiva na comunidade de ....

    37º - O Autor teve desgosto por deixar de explorar o estabelecimento.

    38º Por causa da quebra de rendimento do Autor, este e a namorada adiaram o casamento por um ano."

  4. Estes factos demonstram o sucesso do Autor na exploração do bar em apenas um ano e que era seu desejo levar o contrato até ao fim e que apenas a má fé contratual da Ré o impediram, obrigando-o a por fim ao contrato prematuramente.

  5. A má fé da Ré e a quebra do princípio da confiança contratual são evidentes quando a testemunha Sr. Dr. BB, na altura presidente da Ré, testemunha em tribunal que "foi acordado nessa altura que a Casa do Povo pediria o licenciamento do bar", referindo-se à altura em que ainda estava a negociar o contrato que mais tarde assinaria, em nome da Ré, com o Autor.

  6. O princípio da boa fé e da tutela da confiança, que deveriam ter existido no contrato de cessão de exploração celebrado entre as partes por parte da Ré, impõem que o Autor deva ser indemnizada pelos lucros cessantes, pois antes da celebração do contrato foi-lhe expressa e directamente prometido pela Ré que o Iicenciamento do estabelecimento iria ser pedido, o que não viria a suceder.

  7. Não indemnizar o Autor pelos lucros cessantes, comprovadamente existentes para o Autor, é premiar a Ré em detrimento do Autor, quando nenhum prejuízo adveio para a Ré, que dias após o Autor entregar o estabelecimento já tinha outra pessoa a explorá­-lo apesar da falta de Iicenciamento.

  8. Pelo que deve o Autor ser indemnizado pelos lucros cessantes, pelo montante fixado na douta sentença proferida pelo tribunal de primeira instância.

  9. Por outro lado, o douto acórdão recorrido viola o artigo 456º n.º 1 alínea b) do Código Processo Civil, quando condena o Autor como litigante de má por alteração da verdade de factos, quando os factos em causa não foram relevantes para a decisão da causa, como é reconhecido pelo próprio acórdão em causa e é bom de ver.

  10. Pelo que o ora recorrido deverá ser absolvido desta condenação, da multa e da indemnização a favor da Ré, uma vez que nenhum prejuízo adveio para a Ré, devendo manter-se igualmente, nesta parte, a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância.

         A Ré respondeu, em apoio do julgado.

         2. - Como emerge do conteúdo das conclusões da alegação do Recorrente, o objecto do recurso vem delimitado à apreciação de duas questões, a saber:

         - Ressarcibilidade do dano reclamado pelo Autor a título lucros cessantes, correspondente ao interesse contratual positivo; e,

         - Condenação do mesmo Autor por litigância de má fé.

3. - Do definitivamente fixado quadro factual, relevam, face ao objecto do recurso os elementos que seguem e se transcrevem.

   B) - Por acordo celebrado por escrito em 29 de Julho de 2007 entre a R., CC e o Autor, e ao qual as partes apelidaram de cessão da posição contratual de cessionário de exploração de estabelecimento comercial de bar da Casa do Povo de ..., e tendo em conta que “a Direcção da Casa do Povo decidiu autorizar a cessão da exploração comercial do estabelecimento, nesta peça identificado como BAR, tendo também decidido posteriormente autorizar a cessão da posição contratual do cessionário originário (…) ao terceiro outorgante, doravante designado neste contrato de cessionário da exploração do estabelecimento comercial”, a Ré cedeu a este, o Autor, a exploração do estabelecimento comercial da sala de convívio da referida Casa do Povo, nos termos das cláusulas constantes desse escrito, cuja cópia se encontra junta de fls. 28 a 35.

   F) - O estabelecimento não tinha licenciamento camarário para funcionar como bar.

   43.º - O Autor sabia, antes de assinar o acordo referido em B), que a Ré não tinha, para o bar em causa, alvará de licenciamento.

   1.º - O Autor iniciou a sua actividade no referido estabelecimento em 31 de Julho de 2007.

   1.º-A - O estabelecimento era aberto também a não associados da Ré.

   7.º - O estabelecimento cedido ao Autor destina-se à exploração de um bar, onde são prestados serviços de cafetaria, venda de produtos inerentes à actividade do estabelecimento de café e similares, nomeadamente venda de bebidas.

   15.º - Por requerimento de 8 de Agosto de 2007, dado a conhecer ao Autor nessa altura e entrado na Câmara Municipal de Viana do Castelo, a 14 do mesmo mês, a R. apresentou um pedido de licenciamento das suas instalações sociais e desportivas, referindo que o bar estava aberto desde 1977.

- Em resposta, a Câmara Municipal solicitou à Ré o “enquadramento na legislação específica aplicável, e em conformidade com o formulário existente na Câmara Municipal, ao qual (…) a requerente não deu qualquer cumprimento” (informação camarária de fls. 230 e 231).

   9.º - O Autor sabia que o estabelecimento funcionava há vários anos.

   12.º, 13.º - Na altura, na freguesia de ..., a ASAE encerrou vários estabelecimentos, factos que eram conhecidos do Autor.

   C) - O Autor enviou à Ré a missiva, datada de 14 de Fevereiro de 2008, notificando a Ré para, no prazo de 180 dias, solucionar o problema da falta de licença e que, esgotado este prazo sem que o alvará fosse obtido, se deveria considerar o contrato resolvido por incumprimento definitivo, para o final de Agosto de 2008.

   2.º - Após 8 de Agosto de 2007 e até final de Julho de 2008, a Ré não comunicou ao Autor que tivesse realizado qualquer diligência para obter o alvará do estabelecimento.

   D) - O Autor enviou à Ré a missiva, datada de 31 de Julho de 2008, notificando a Ré de que o contrato se deveria considerar resolvido no dia 31 de Agosto de 2008, dia em que seria efectuada a entrega do estabelecimento e a devolução, pela Ré, da quantia de € 6.000,00.

   E) - No dia 31 de Agosto de 2008, o Autor entregou à Ré as chaves do estabelecimento.

   20.º - Em 2008 e até 31 de Agosto, o Autor facturou no estabelecimento o montante de € 37.105,57 e teve custos de € 29.814,25, sem que nestes se incluam as remunerações do empresário.

   21.º - Desses custos, € 4.000,00 correspondem a rendas, € 111,05 a gastos com electricidade, água e gás, e os restantes € 25.703,20 a custos variáveis.

   22.º - A 31 de Agosto de 2008, o lucro bruto do bar era de € 7.291,32, não tendo em consideração a variação de existências nem o montante das remunerações do empresário.

   23.º, 24.º - No período em que o Autor o explorou, o estabelecimento teve um aumento de clientela, também resultado da organização, ao fim de semana, de festas, sessões de karaoke e de música ao vivo.

   25.º - O bar chegou a ter mais de 100 clientes nesses eventos.

   26.º - De 2007 para 2008, o crescimento da facturação média mensal do bar foi de 9,27%.

   28.º, 29.º - No caso de se manter até ao fim do contrato o crescimento de facturação referida na resposta ao quesito 26.º, e com a mesma margem de lucro (sem considerar a remuneração do empresário nem a contratação de pessoal), o Autor poderia auferir, nos três anos e três meses restantes, a quantia de € 39.830,74.

   30.º, 31.º - Em 2007, o Autor adquiriu para o estabelecimento uma televisão “LG”, um frigorífico e uma arca “Indesit” pelo valor de € 1.745,04, sem IVA, sendo intenção do Autor dar-lhes uso durante o tempo que restava na exploração do estabelecimento.

   33.º - Durante o período em que explorou o estabelecimento, o Autor granjeou uma imagem positiva na comunidade de ....

   37.º - O Autor teve desgosto por deixar de explorar o estabelecimento.

   38.º - Por causa da quebra de rendimento do Autor, este e a namorada adiaram o casamento por um ano.

   39.º, 40.º - O Autor foi admitido numa empresa a 15 de Setembro de 2008, auferindo actual e mensalmente a quantia de € 600,00.

         4. - Mérito do recurso.

         4. 1. - Indemnização por lucros cessantes.

         4. 1. 1. - No acórdão impugnado, o Recorrente viu negada a indemnização por lucros cessantes – perdas correspondentes ao valor dos lucros que deixou de obter até ao termo de vigência do contrato de locação do estabelecimento – com o fundamento de que “ao pretender indemnização por lucros cessantes, o A. está a pedir a reparação do interesse contratual positivo, ou seja, o ressarcimento do prejuízo que não sofreria se a cessão de exploração tivesse sido inteiramente cumprida pela R. o que resultaria para o credor do cumprimento curial do contrato, abrangendo, portanto, não só o equivalente da prestação, mas também a cobertura pecuniária (a reparação) dos prejuízos restantes provenientes da inexecução, "de modo a colocar-se o credor na situação em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida", sendo que, “por regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido” e, “no caso justifica que nos afastemos da regra geral em razão dos interesses em discussão, o que se justifica apenas em casos excepcionais, como também tem sido entendido na jurisprudência”.

  

         O Recorrente, começando por se insurgir contra o facto de o acórdão não justificar em concreto a não excepcionalidade do caso sob apreciação, afirma que nela deve ser enquadrado - pois que demonstram o sucesso do A., que só não cumpriu o contrato até ao seu termo devido ao comportamento da R. -, admitindo-se a indemnização pelo interesse contratual positivo.

         Bem demarcado resulta, portanto, que a questão a resolver já não tem que ver com a ressarcibilidade dos lucros cessantes em caso de resolução que, como é geralmente entendido, cabem no âmbito de abrangência do interesse contratual negativo. Estarão nesta situação de inclusão, por exemplo, perdas decorrentes da realização daquele contrato em vez de outro, meios canalizados para o contrato que poderiam ser rendibilizados noutras aplicações, etc., enfim, em geral, os benefícios que o contraente deixou de obter pelo facto de ter celebrado aquele negócio frustrado.

         Ela situa-se, antes, bem centrada no problema da extensão da cobertura da tutela de danos, como os lucros cessantes incluídos no interesse contratual positivo, pois que, como vem adquirido, correspondem a vantagens que se obteriam com a celebração e execução interrompida do próprio contrato.

         De notar, ainda, que, se bem interpretamos, o acórdão não afasta em absoluto a possibilidade de uma tutela indemnizatória extravasante do dano aferido apenas pelo interesse negativo do contrato ou dano de confiança, admitindo-o nos casos excepcionais em que tal se justifique.

   

         4. 1. 2. - A possibilidade de cumular a resolução contratual, prevista no art. 801º-2 com indemnização pelo interesse contratual positivo tem vindo a colher progressiva aceitação, quer na doutrina quer na jurisprudência.

         Tratar-se-á, então, de admitir a indemnizibilidade de todos os danos sofridos pelo credor, malgrado ter resolvido o contrato, enquanto danos resultantes do incumprimento definitivo, causados pela contraparte pelo facto de ter inviabilizado a prestação, danos esses compreendidos na previsão do art. 562º C. Civil.

         Atalhando motivos, adianta-se já que, não podendo deixar de entender-se que, em caso de cumulação da indemnização com a resolução, os danos a ressarcir encontram, naturalmente, o seu campo privilegiado de incidência no denominado interesse contratual negativo, também não poderá deixar de reconhecer-se que o efectivo prejuízo causado pelo incumprimento definitivo deve ser reparado, posto que o postule a tutela dos interesses de reintegração em jogo no caso, à luz da ponderação do princípio da boa fé e na medida do adequado à função e ao equilíbrio nos efeitos da liquidação resolutiva das prestações contratuais. 

         Sobre o tema em discussão pronunciou-se, designadamente, o acórdão deste Supremo de 12-02-2009 (proc. 08B4052), em termos que, por serem inteiramente concordantes com a posição que se defende, data venia, nos limitamos a transcrever:

Não podemos, porém, ignorar a corrente que recusa esta construção, admitindo, no caso de resolução contratual, o preenchimento indemnizatório com, ou também com, os danos positivos.

Já sustentada por Vaz Serra (BMJ 47,40), foi detalhadamente defendida, entre outros, por Batista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, 175), Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, 208) e Ana Prata (Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, 479). Brandão Proença admite uma flexibilização da jurisprudência com admissão da indemnização pelos danos positivos “quando assim for exigido pelos interesses em presença” (A Resolução do Contrato no Direito Civil, 199) e Galvão Teles afirma que se concebe todavia “que o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias.” (Direito das Obrigações, 7.ª ed., 463, nota de pé de página).

Prende-se a questão, a nosso ver, com a conceptualização da figura da resolução contratual. Se vista apenas como destruidora da relação contratual, a tese clássica é irrecusável. Se vista também como reintegradora dos interesses em jogo, a abertura ao ressarcimento pelos danos positivos impõe-se, em certos casos (Cfr-se Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações II, 434). À partida, a nossa lei encara-a apenas no primeiro sentido, distinguindo, nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, a figura, dos seus efeitos. Logo nestes, todavia está uma destruição contratual mitigada. Remete-se para o regime da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico que encerra algumas excepções à senda destrutiva prevista, à cabeça, na lei (cfr-se os artigos 289.º e seguintes).

Depois, no próprio regime dos efeitos, a lei refere que a retroactividade não opera, além do mais, se contrariar a “vontade das partes” ou “finalidade da resolução”, estabelecendo mesmo um regime próprio quanto aos contratos de execução continuada ou periódica. Retiramos, então, daqui a falência da primeira das premissas da tese clássica, qual seja a da destruição da relação contratual. Em muitos casos, esta relação, ainda que atingida, continua a ter-se como subsistente, produzindo efeitos próprios da subsistência.

Sendo assim, está aberto o caminho à abertura da indemnização pelos danos positivos. Se, por exemplo, a lei refere que, por regra, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, desenha uma situação em que, claramente, se justifica que, em certos casos, a indemnização possa consistir na efectivação das prestações em falta. Principalmente, quando falta uma pequena parte das prestações, o interesse contratual negativo surge-nos obnubilado face à tutela do dano positivo. Este corresponderá à composição justa do litígio contratual, quer a contraparte tenha optado, quer não pela resolução contratual.

Mas, não podemos perder de vista que estes são casos de excepção, sob pena de vir a perder relevância uma figura como a resolução que a lei tem como proeminente em toda a relação contratual. Se se considerasse que o que resolve o contrato tem sempre direito a indemnização correspondente ao interesse que tinha com o cumprimento deste, estaríamos a, em termos práticos, ignorar tal figura no que a uma das partes respeita, gerando um desequilíbrio entre as partes inadmissível, ou usando a expressão de Menezes Leitão (ob. e loc. citados) transformando “o contrato de sinalagmático em unilateral, uma vez que determinaria uma sua liquidação num só sentido.”

Há, pois, que ponderar os interesses em jogo no caso concreto e, perante eles, conceder ou denegar o caminho, particularmente estreito, da indemnização pelo interesse contratual positivo. Nesta ponderação, tem, a nosso ver, uma palavra a dizer o princípio de boa fé. Deve ele ser tido em conta na liquidação do negócio jurídico em caso de nulidade ou anulabilidade (cfr-se Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, 659 e os Ac.s deste Tribunal de 30.10.1997 (BMJ 470, 565) e de 25.1.2007(este no referido sítio da Internet) e para estas figuras remete o artigo 433.º do referido código”.

         4. 1. 3. - Como, em sede de matéria de facto, vem demonstrado, o A. outorgou o contrato em 29 de Julho de 2007, iniciou a actividade no estabelecimento em 31 do mesmo mês, a perdurar até 30-11-2011, sabendo que a R. não tinha, para o mesmo, alvará de licenciamento. Em 14 de Fevereiro seguinte, alegando ter-lhe sido ocultada a inexistência da necessária licença de utilização e exploração, notificou a R. para solucionar o problema, em 180 dias, sob pena de resolução contratual, que, no seguimento, efectivamente, declarou para 31 de Agosto de 2008.

 

         Por efeito da declaração resolutiva, o ora Recorrente renunciou ao gozo do estabelecimento e, do mesmo passo, libertou-se do pagamento do preço locativo ou rendas, que a Recorrida deixou de poder exigir-lhe.      

         Dada a natureza do contrato, a resolução não abrange as prestações efectuadas até ao momento da extinção da relação contratual operada pela declaração resolutiva, seja a prestação de facto (cedência do gozo) da locadora seja a das rendas pagas pelo locatário (art. 434º-2 C. Civ.).

         O dever de prestar – de prestação e contraprestação - extinguiu-se, inviabilizado pela declaração resolutiva.

         Embora, quanto aos efeitos da resolução, a lei não distinga entre os casos fundados em circunstância imputável ou não imputável à parte contra quem é declarada, o dever de indemnizar, a repousar, como atrás referido, no incumprimento definitivo, há-de, para os fins de reintegração ora em apreciação, identificar-se com uma causa adequada da impossibilidade de prestação imputável à Ré-recorrida.

         Os reclamados lucros cessantes encontram suporte na execução do contrato, mediante a manutenção da prestação de cedência do uso e fruição do estabelecimento pela R., suporte das vantagens patrimoniais que a A. poderia obter.

         A Ré não dispunha do necessário alvará de licença do estabelecimento, facto desde sempre conhecido do Autor, nem supriu a falta nos seis meses que este, em interpelação admonitória lhe concedeu.

         Aquando da celebração do contrato (15/11/2006) em que o A. veio a ocupar a posição do primitivo locatário (a partir de 29/7/2007), a falta daquela licença administrativa era causa de invalidade, passando, a partir de 20 /7/2007, a constituir contra-ordenação (cfr. art. 14º-2 do DL n.º 168/97, de 04/7, alterado pelo DL n.º 57/2002, de 11/3 e arts. 12º-1 e 21º-1-a) do DL. 234/2007, de 19/6).

         Estamos, pois, perante um vício ou falta de um elemento que ab initio deveria integrar o contrato, isto é, contemporâneo da respectiva formação.

         As Partes conheciam-no e, apesar disso, puseram em execução as relações contratuais, assumindo os respectivos riscos, ou seja, auto-colocaram-se na posição de, a qualquer momento, verem interrompida a possibilidade de execução das prestações emergentes do contrato, incorrendo nas respectivas sanções administrativas.

         Ao assim agirem, ambos os Contraentes, auto-responsabilizaram-se pelos efeitos de uma possível intervenção da Administração, tendo, certamente, ponderado as vantagens e as desvantagens do início e manutenção do vínculo em situação desconforme à lei.

         Perante um tal circunstancialismo, certamente que o A.-recorrente, que durante mais de seis meses conviveu com a situação de ilegalidade, se propôs resolver o contrato porque a relação vantajosa que se lhe afigurava por ocasião da respectiva celebração e início da exploração deixou de como tal se apresentar, sobrepondo-se àquele quadro inicial um outro, de desvantagem, em que compensaria a extinção do contrato.

       Tudo em harmonia, afinal, do pondo de vista da boa fé e do equilíbrio de prestações, com os riscos voluntaria e conscientemente assumidos pelo Recorrente com a celebração do contrato.

         É verdade que Autor não tinha que permanecer numa situação de ilegalidade, sujeito a ver, a qualquer momento, o estabelecimento encerrado, mas não pode olvidar-se que ele mesmo colaborou nessa situação, outorgando um contrato que o colocava, desde o início, justamente na mesma posição a que veio a entender pôr termo. Ininvocável, na liquidação da relação contratual, qualquer situação de confiança, a não ser a de que não se viesse a verificar o evento em que consistia o risco voluntariamente assumido.

         Em suma, e concluindo, entende-se não se estar perante um efectivo prejuízo causado pelo incumprimento definitivo merecedor de tutela à luz da ponderação das regras da boa fé, dada irregularidade do vínculo contratual e o aludido contributo para a sua precariedade, a manter em permanente incerteza a data do termo e inerentes possibilidades de ganhos.

Enfim, os efeitos dos riscos assumidos, logo na formação do contrato, não devem ser unilateralmente transferidos para os efeitos de uma resolução assente precisamente na existência desses riscos, apesar de não verificados, sob pena de, na mesma medida, se aceitar o desequilíbrio dos efeitos do negócio celebrado.

Não se configura, portanto, um caso de admissibilidade de indemnização, a título de lucros cessantes integrados nos danos do interesse contratual positivo.

4. 2. - Litigância de má fé.

         O Recorrente pretende ver eliminada a sua condenação como litigante de má fé, a pretexto de a sua conduta não teve relevância no desfecho da causa, insinuando, ainda, que o facto cuja alteração de verdade lhe foi imputada resulta de não ter conseguido provar a sua versão o “que teve como consequência a sua prova pela Ré”.

         Na decisão impugnada a condenação do Recorrente teve lugar ao abrigo previsão do art. 456º-2-b) CPC, por ter alterado a verdade dos factos, considerando-se que não interessa se a alteração ou omissão de factos provocada pela parte teve ou não teve influência na decisão, mas saber se essa conduta activa ou omissiva era adequada a prejudicar a decisão da causa, podendo vir a influenciar negativamente a decisão, contra a efectiva realidade.

         Vem adquirido, em sede de matéria de facto, que «o A. sabia que o estabelecimento não dispunha de licença de funcionamento e tal não obstou a que celebrasse o contrato (ainda que a R. se dispusesse a obtê-la) e, nem por isso deixou de alegar na petição inicial, contra a verdade dos factos, que estava plenamente convencido de que o estabelecimento se encontrava autorizado e licenciado».          

            

O Recorrente não pede, e por isso também não há que discuti-la, a redução das quantias da condenação.

O direito processual civil impõe aos sujeitos do processo o cumprimento do dever geral de probidade consagrando a lei expressamente o dever de boa fé processual como modo de actuação das partes, declarando-as vinculadas ao cumprimento do dever de cooperação – arts. 266º e 266º-A. As condutas que o violem, de forma grave, com negligência ou dolo, são sancionadas, nos termos previstos no art. 456º

A má fé, para o efeito ora em apreciação, reside, como resulta do preceito legal, na própria alteração da verdade dos factos

Por outro lado, a alegação de factos pessoais contrário à verdade conhecida tem, obviamente, como fim impedir a sua descoberta e “entorpecer a acção da justiça”.

Tais condutas, na medida em que deliberada e teleologicamente determinadas, não podem deixar de considerar-se dolosas, porque intencionais em relação aos fins prosseguidos.

O conjunto de circunstâncias de facto que os autos retratam não deixa quaisquer dúvidas sobre o comportamento do A. ao tomar as posições que tomou.

Com efeito, não é compreensível nem aceitável, senão a título de pretensão conscientemente falha de razão, que alguém, interveniente na celebração de um contrato impute falsamente à contraparte comportamentos de deslealdade, contrários à boa fé, para daí tentar retirar vantagens na decisão da causa.

A má fé instrumental é patente.

Ter o agente falhado o objectivo é, nestes casos, irrelevante e constitui fundamento da própria censura da lei e da sanção que lhe faz corresponder.

Estão, consequentemente, preenchidos os pressupostos de condenação da Recorrente por litigância de má fé, não merecendo qualquer censura a decisão impugnada.

         4. 3. – Respondendo, em síntese final, às questões enunciadas, poderá dizer-se:

 

         Em caso de cumulação da indemnização com a resolução do contrato, os danos a ressarcir encontram, naturalmente, o seu campo privilegiado de incidência no denominado interesse contratual negativo.

Apesar disso, o efectivo prejuízo causado pelo incumprimento definitivo deverá também ser reparado, contemplando o interesse contratual positivo, quando o postule a tutela dos interesses de reintegração em jogo no caso, à luz da ponderação do princípio da boa fé e na medida do adequado à função e ao equilíbrio nos efeitos da liquidação resolutiva das prestações contratuais.

         A circunstância de os factos pessoais contrários à verdade, alegados pela parte, porque não provados, não terem influído na decisão da causa, irreleva para efeito de sancionamento por litigância de má fé, se eram adequados a prejudicar o conhecimento da verdade e, nessa medida, influir na decisão.   

         5. - Decisão:

         Em conformidade com o exposto, acorda-se em:

         - Negar a revista;

         - Confirmar as decisões impugnadas; e,

         - Condenar o Recorrente nas custas do recurso.

         Lisboa, 12 Março 2013

          Alves Velho (relator)

          Paulo Sá

          Garcia Calejo