Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
172/22.3T8TMR.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 06/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I- Ao contrário da regra no direito processual civil, no direito processual laboral a audiência prévia apenas é marcada quando a complexidade da causa o justifique.


II- Não há violação do princípio do contraditório quando a questão em causa tenha sido discutida pelas partes nos articulados da acção ou quando o resultado final da decisão for o mesmo, com ou sem a notificação prevista no artigo 3.o, n.o 3 do CPC.

Decisão Texto Integral:

Revista n.o 172/22.3T8TMR.E1.S1


Relator: Luís Azevedo Mendes


Adjuntos:


Mário Belo Morgado


Júlio Gomes


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I. AA intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.o - C do Código de Processo do Trabalho, opondo-se ao despedimento promovido por Marcos Fernando de Jesus, Lda.


A ré apresentou o articulado de motivação do despedimento e o autor a ele veio responder, contestando e reconvindo. Na reconvenção, formulou os seguintes pedidos:


“Nos termos exposto e nos mais de Direito aplicáveis, deve:


A- Declarar-se nulo o processo disciplinar e ilícito o despedimento, uma vez que se verificam as seguintes invalidades e nulidades:


A1.- Não juntou aos presentes autos o processo disciplinar, pelo que deve ser declarada, de imediato, a ilicitude do despedimento do A., conforme comina o artigo 98o-J, no 3 do CPT.


A2. - A falta de comunicação da intenção de despedimento, consubstancia uma invalidade do processo disciplinar, já que não permite ao trabalhador apresentar uma cabal, consciente e eficaz defesa, e tem como cominação a ilicitude do despedimento, como estatui o artigo 382, no 1 e 2, al. b) do Código do Trabalho.


Devendo ser declarada a invalidade e consequente declaração da ilicitude do despedimento do A., nos termos do disposto na alínea b) do n.o 2 do artigo 382.o do Código do Trabalho.


A3. - A carta onde a R. comunicou o despedimento, no âmbito dos supostos processos disciplinares que instaurou ao A., não observa o disposto no artigo 357o, no 4 do Cod. Trabalho, pois, a decisão de despedir o A. não está fundamentada.


A falta de fundamento do despedimento torna o processo disciplinar inválido e tem como consequência a ilicitude do despedimento – artigo 382o, no 2, al. d) do Código do Trabalho, invalidade cuja declaração se requer que seja declarada, de imediato.


A4. - A R. não aceitou a resposta à nota de culpa enviada pelo A. e não levando a cabo as diligencias probatórias, os processos disciplinares instaurados pela R. são inválidos o que determina a consequente ilicitude do despedimento, como estabelecem os artigos 355.o e 382.o n.o 2 alínea c) do Cód. Do Trabalho.


A5. - Além disso, no caso em apreço, caducou o direito de aplicar a sanção e o despedimento é ilícito e inválido, porquanto a decisão da R. não foi proferida no prazo de 30 dias – como estabelece o artigo 357.o n.os 1 e 2 e com os efeitos do artigo 389.o n.o 1 do Código do Trabalho.


A6. - Deve ser declarado que o procedimento disciplinar levado a cabo pela entidade patronal, está ferido de nulidade/invalidade por caducidade, o que invoca expressamente, porquanto foram ultrapassados os prazos previsto nos artigos 329o, no 2 do Código do Trabalho.


B- Deve a R. ser condenada a pagar ao A. todas as retribuições que deixou de auferir, desde a data do seu despedimento em 27/01/2022, até à data do trânsito em julgado da decisão da presente ação, aí incluídas férias, subsídio de férias e de Natal, que, entretanto, se vencerem, nos termos do disposto no artigo 390.o do CT.


C.- Deve ainda o R. ser condenado a pagar ao A. a indemnização a calcular nos termos das disposições combinadas dos artigos 389.o e 391.o do CT, pela qual, desde já, opta em prejuízo da reintegração, no montante de 31.417,07 € (trinta e um mil, quatrocentos e dezassete euros e sete cêntimos);


D.- Caso assim se não entenda e sem prescindir:


D.1- Deve o tribunal declarar a improcedência dos motivos justificativos do despedimento promovido pela R., e em consequência, declarar-se a ilicitude do despedimento e por via disso:


D.2- Deve ser condenada a pagar à A. todas as retribuições que deixou de auferir, desde a data do seu despedimento em 27/01/2022, até à data do trânsito em julgado da decisão da presente acção, aí incluídas férias, subsídio de férias e de Natal, que, entretanto, se vencerem, nos termos do disposto no artigo 390.o do CT.


D.3 - Deve ainda o requerido ser condenado a pagar à requerente uma indemnização a calcular nos termos das disposições combinadas dos artigos 389.o e 391.o do CT, pela qual, desde já, opta em prejuízo da reintegração, no montante de 31.417,07 € (trinta e um mil, quatrocentos e dezassete euros e sete cêntimos);


E.- Deve sempre ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional e a reconvindo ser condenado a pagar ao reconvinte a quantia de 22.959,58 €, a título de créditos laborais vencidos,


F.- Deve, ainda, o reconvindo ser condenado a pagar a título de danos patrimoniais e danos morais a quantia de 1.500,00 €;


G.- O R. deve, ainda, ser condenado a pagar à A. juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias em dívida, desde o respetivo vencimento e até integral e efetivo pagamento,


H.- E nas custas, procuradoria e demais legal.”


A ré respondeu, mas foi determinado o desentranhamento da resposta por ser extemporânea.


De seguida foi proferido despacho a dispensar a realização da audiência prévia com o seguinte teor:


“Tendo em conta que as partes já tiveram oportunidade de se pronunciar, por escrito, quanto a todas as questões que importam apreciar, decide-se pela dispensa da audiência prévia, nos termos do artigo 593.o, n.o 1 do CPC e 62.o, n.o 1 do Código de Processo do Trabalho".


E foi prolatado saneador sentença, com o seguinte dispositivo.


“Pelos fundamentos de direito e de facto supra mencionados, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:


1) Declaro ilícito o despedimento efetuado por iniciativa da Ré M..., Lda. na pessoa do Autor AA;


2) Condeno a Ré M..., Lda. a pagar ao Autor AA, a título de indemnização em substituição da reintegração, o montante de 30 (trinta) dias de retribuição base (€ 1.152,92) por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão judicial, que calculado até 2022, não pode ser inferior à quantia de € 42.658,04, acrescida de juros contados desde o trânsito em julgado da presente sentença;


3) Condeno a Ré M..., Lda. a pagar ao Autor AA, as retribuições vencidas desde 28/01/2022 e as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final desta causa, considerando-se a retribuição mensal base de € 1.152,92, acrescida do subsídio de alimentação e subsídio de férias e de Natal, com dedução dos montantes recebidos pelo Autor, nesses períodos, a título de subsídio de desemprego, se for o caso, devendo esses montantes ser entregues à Segurança Social pela Ré, acrescidas de juros contados desde o seu vencimento e até efetivo e integral pagamento;


4) Condeno a Ré BB, Lda. a pagar ao Autor AA, a título de diferenças salariais, a quantia de € 22.413,16, acrescida de juros à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das quantias em dívida nos autos até efetivo e integral pagamento;


5) Absolvo, no mais, a Ré M..., Lda. do peticionado pelo Autor”


A ré interpôs recurso de apelação e, por acórdão de 12.01.2023, o Tribunal da Relação de Évora julgou o recurso improcedente e manteve a decisão recorrida.


A ré interpôs, então, recurso de revista excepcional formulando as seguintes conclusões:


«1- No caso dos presentes autos, foi proferida sentença sem que as partes fossem notificadas para a finalidade prevista no art. 591o no 1 C.P.Civil, pelo que aqui Ré foi confrontando na mesma sentença, com despacho de dispensa de audiência prévia, e ainda com um despacho saneador, seguido imediatamento de sentença, sendo que a Ré não teve a oportunidade processual de se pronunciar sobre a selecção da matéria de facto que serviu de fundamento à sentença ora impugnada.


2- A sentença ora recorrida é nula, nos termos do art. 615° C.P.C., na medida que foram preteridas formalidades que o Tribunal a quo, não poderia ter proferido sentença, sem a devida adequação formal, e sem que seja permitida a formação da prova em sede de julgamento.


3- Não se vislumbra quais os factos em que o julgador se apoiou para, de imediato, formular um juízo de valor, fazendo "tábua rasa" de tudo o alegado na contestação do Ré, ignorando que aqui chegamos por mais motivos dos que os aduzidos pelo Autor.


4- Nos termos do artigo 62° do CPT, é possível ler-se que:


“1- Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.° 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada uma audiência prévia quando a complexidade da causa o justifique.


2 - A audiência prévia deve realizar-se no prazo de 20 dias, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 591.o do Código de Processo Civil, sem prejuízo do preceituado no n.o 3 do artigo 49. ° do presente Código.”


5- Nos termos do n° 1 do artigo 98o-M do CPT, “1- Terminada a fase dos articulados, o processo segue os termos previstos nos artigos 61° e seguintes, devendo a prova a produzir em audiência de julgamento iniciar-se com a oferecida pelo empregador.”


6- Ora, a presente sentença viola claramente também os artigos 62° e 98°-M do CPT.


7- No âmbito deste processo foi marcado julgamento para o dia de 18 de Maio de 2022, sendo que veio o mesmo a ser dado sem efeito, por despacho de 28 de Abril de 2022, no qual pode ler-se:


"Ref. 42068915:


Aguardem os autos o contraditório (inclusive quanto à tempestividade da resposta).


Tendo em conta o prazo em curso, e a proximidade da data indicada para o julgamento, desde já se dá o mesmo sem efeito, o qual será, se necessário, oportunamente reagendado."


8- O Tribunal a quo ao invés de reagendar o julgamento conforme despacho, prefere agora nem realizar o mesmo, formando a sua convicção em tudo quanto foi alegado pelo Autor, sem que fosse efectivamente efectuada a devida prova.


9- Nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação (como é o caso destes autos) a realização de audiência prévia é a regra (artigos 597.° e 591° do CPC).


10- As suas finalidades principais, cumulativas ou alternativas, são a tentativa de conciliação das partes, discussão sobre as exceções dilatórias, discussão de mérito, discussão para delimitação dos termos do litígio, completamento dos articulados deficientes, prolação do despacho saneador, determinação da adequação formal, da simplificação ou da agilização processual, despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova e a programação da audiência final (art.° 591.° do CPC).


11- De entre essas finalidades, avultam, no quadro deste recurso, as que estão previstas nas alíneas b) e d) do n.° 1 do art.° 591.° do CPC:


"Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa" (alínea b));


"Proferir despacho saneador, nos termos do n.° 1 do artigo 595.°" (alínea d)).


12- Pese embora a enunciação da realização da audiência prévia como regra, a lei estipula a sua não realização nas ações não contestadas em que a revelia seja inoperante (alínea a) do n.° 1 do art.° 592.°) e quando, havendo o processo de findar no despacho saneador peia procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados (alínea b) do n.o 1 do arte° 592.°).


13- Além disso, a audiência prévia poderá ser dispensada pelo juiz nos casos em que, embora o processo deva prosseguir, a audiência apenas teria como finalidade a prolação de despacho saneador (em que não se decida pelo fim do processo), a determinação da adequação formal, da simplificação ou da agilização processual e/ou a prolação de despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova (art.° 593.° n.o 1 do CPC).


14- Destas normas resulta que se, em ação contestada, de valor superior a metade da alçada da Relação, o juiz entende, finda a fase dos articulados e do pré-saneador, que o processo deverá findar imediatamente com prolação de decisão de mérito, deverá convocar audiência prévia, a fim de proporcionar às partes prévia discussão de facto e de direito (neste sentido, vide Lebre de Freitas, "A ação declarativa comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013", 3.a edição, Coimbra Editora, pág. 172; Paulo Pimenta, "Processo Civil Declarativo", 2014, Almedina, pág. 292 e pág. 293, nota 673).


15- Assim, a não realização de audiência prévia, neste caso, quando muito só será possível no âmbito da gestão processual, a título de adequação formal (artigos 547.° e 6.° n.° 1 do CPC), se porventura o juiz entender que no processo em causa a matéria alvo da decisão foi objeto de suficiente debate nos articulados, tornando dispensável a realização da dita diligência, com ganhos relevantes ao nível da celeridade, sem prejuízo da justa composição do litígio (artigos 547.° e 6.° n.° 1 do CPC).


16- Tal opção carecerá, porém, de prévia auscultação das partes (cfr. art.° 6.° n.° 1 – “ouvidas as partes” - e 3.° n.° 3 do CPC; neste sentido, vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, volume I, 2014, 2.a edição, Almedina, pág. 536).


Foi, pois, cometida uma nulidade, traduzida na prolação de decisão final de mérito com dispensa de uma prévia diligência que era imposta por lei, suscetível de influenciar o exame e a decisão da causa (art.° 195.° n.° 1 do CPC; considerando a omissão de convocação da audiência prévia, quando obrigatória, uma nulidade processual inominada sujeita ao regime dos artigos 195.° e seguintes do CPC, vide Rui Pinto, "Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, pág. 369).


18- A procedência da apelação nesta parte importa a anulação do saneador-sentença igualmente impugnado, já que em momento algum foi dada a oportunidade ao Ré de se pronunciar sobre a selecção da matéria de facto que serviu de fundamento à sentença ora impugnada.


19- Existindo portanto um Acórdão em clara contradição com outro, já que um entende existir nulidade quanto é proferida sentença-saneador sem marcação de audiência prévia.


20- Sendo que o Acórdão do Tribuna! da Relação de Évora entende não existir tal nulidade.


Termos em que pelo que se deixou dito, e que V. Exas. doutamente suprirão, revogando-se o Douto Acórdão, e proferindo nova Decisão, fixando Jurisprudência, revogando-se a Douta Sentença, considerando a sua nulidade e ordenado a remessa ao Tribunal da 1a instância, para marcação de audiência prévia e julgamento (...)»


Não foram deduzidas contra-alegações.


Por despacho do relator, considerando que na última conclusão do recurso a recorrente refere que o tribunal da Relação entende que a nulidade não existe, foi considerado que tal permite que se considere, ainda que de forma inapropriada, que a recorrente está a pôr causa a decisão proferida pela Relação quanto à nulidade da sentença e, por conseguinte, que se perspective de forma clara que não ocorre uma situação de dupla conforme. Ou seja, que embora a Relação tenha confirmado a sentença com fundamentação que não é essencialmente diferente e sem voto de vencido, tendo o recurso por objecto o acórdão na parte em que se pronunciou quanto às nulidades da sentença invocadas no recurso de apelação, quanto a este segmento decisório autónomo não se poderia falar verdadeiramente em dupla conforme. Deste modo, foi considerado pelo relator que não se verifica uma situação de dupla conforme, razão pela qual foi admitida a revista como revista normal, operando-se a necessária convolação (art. 672.o n.o 5).


O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da revista.


Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.o, n.o 2, in fine, do CPC), em face das conclusões da alegação de recurso, a questão a decidir é semelhante à que foi equacionada no acórdão recorrido: saber se a sentença é nula por força do disposto no artigo 615.o, n.o 1, alínea d), do Código de Processo Civil, não convocação da audiência prévia e violação do disposto no artigo 3.o, n.o 3, do CPC.


II. Os factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso são os que constam do relatório que antecede.


III. Apreciação


Como ficou dito, o acórdão recorrido considerou não ocorrer a nulidade sustentada na argumentação do recurso.


Alinhou, para tanto, a seguinte argumentação:


«(...)


Considera a Apelante que a sentença é nula por terem sido cometidas duas nulidades processuais previstas no art. 194.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, a primeira por não ter sido convocada a audiência prévia, e a segunda por violação do disposto no art. 3.o, n.o 3, do Código de Processo Civil, visto que, ao não ter sido convocada a audiência prévia, não se pronunciou sobre as questões decididas no saneador sentença.


(...)


(i) Não convocação da audiência prévia.


Ora, como resulta dos artigos citados, e independentemente daquilo que decorra no Código de Processo Civil para a convocação da audiência prévia, no caso da ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, relativamente à convocação da audiência prévia, aplica-se o disposto no n.o 1 do art. 62.o do Código de Processo do Trabalho, por força do disposto no n.o 1 do art. 98.o-M do mesmo Diploma Legal.


E, a ser assim, só é convocada a audiência prévia quando a complexidade da causa o justifique, sendo a sua convocação a exceção e não a regra.


(...).


Deste modo, não tendo o tribunal a quo convocado a audiência prévia não cometeu qualquer irregularidade. Atente-se que nem a Apelante invoca que, no caso em apreço, a causa a decidir é complexa, invocando apenas a obrigatoriedade de audiência prévia, em face das disposições legais existentes no Código de Processo Civil, não aplicáveis ao processo laboral.


Pelo exposto, e quanto à invocada irregularidade processual por não convocação da audiência prévia, improcede a pretensão da Apelante.


(...)


(ii) Violação do disposto no art. 3.o, n.o 3, do Código de Processo Civil


Considera a Apelante que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 3.o, n.o 3, do Código de Processo Civil, uma vez que, ao não ter sido convocada a audiência prévia, não se pronunciou sobre as questões decididas no saneador sentença.


(...)


Da análise concertada dos referidos artigos [arts. 3.o, 60.o, n.o 5, 61.o, n.o 2, do CPC, e art. 98-J, n.o 3, do CPT] resulta que a inexistência de apresentação pela entidade empregadora do procedimento disciplinar implica, por parte do tribunal a quo, a prolação imediata de decisão de ilicitude do despedimento do trabalhador, sem necessidade de previamente dar cumprimento ao disposto no art. 3.o, n.o 3, do Código de Processo Civil, e isto porque tal sanção se mostra expressamente prevista na lei e é de uma evidência absoluta, subsumindo-se naquilo a que no n.o 3 do referido art. 3.o designa de “manifesta desnecessidade”.


(...).


Deste modo, e apesar de as decisões finais proferidas em sede de despacho saneador pressuporem a audição prévia das partes, (...) a não apresentação pela entidade empregadora do procedimento disciplinar determina a prolação imediata pelo juiz de uma decisão a declarar a ilicitude do despedimento do trabalhador, por se tratar de uma daquelas situações, dada a sua simplicidade de apreciação, de manifesta desnecessidade de prévia audição.


(...)


É igualmente verdade que a conclusão de que o procedimento disciplinar não se mostra junto pela entidade empregadora na sua totalidade resulta da resposta apresentada pelo Autor, bem como pela documentação junta. No entanto, a entidade empregadora teve a possibilidade de impugnar tal documentação, como, aliás, fez com outros documentos juntos pelo Autor, e não procedeu à sua impugnação, pelo que, dada a facilidade na perceção da situação, por manifesta desnecessidade, é igualmente de aplicar, de imediato, o disposto no art. 98.o-J, n.o 3, do Código de Processo do Trabalho, sem proceder a prévia audição das partes.


Pelo exposto, inexistindo qualquer omissão de ato que a lei prescreva, indefere-se também nesta parte a nulidade invocada pela Apelante.”.


Nas conclusões do recurso, são apresentados os mesmos argumentos alegados no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora.


A propósito da mesma questão e dos mesmos argumentos, em revista completamente similar interposta pela mesma recorrente, foi dito no muito recente Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2023, no proc. n.o 154/22.5T8TMR.E1.S1 (relator: Conselheiro Domingos Morais).


«4. - Da não convocação da audiência prévia.


4.1. - O artigo 591.o - Audiência prévia – do CPC:


“1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.o 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:


(...).”.


Por sua vez, o artigo 62.o - Audiência prévia – do Código de Processo do Trabalho (CPT) dispõe:


“1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.o 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada uma audiência prévia quando a complexidade da causa o justifique.”. (negrito nosso)


Decorre, pois, da conjugação dos citados normativos que, no âmbito do direito processual laboral, a audiência prévia apenas deve ser convocada “quando a complexidade da causa o justifique” e não, por regra, como determina o artigo 591.o, n.o 1, do CPC.


A sentença da 1.a instância foi proferida ao abrigo do disposto no artigo 98.o-J, n.o 3, do CPT, dado que “a Ré não juntou aos autos a totalidade do processo disciplinar (ou dos processos disciplinares, em número de 4, visto não se ter visto qualquer decisão de apensação de todos os processos disciplinares num só) que instaurou ao A..


A lei comina essa omissão com a declaração da ilicitude do despedimento do trabalhador, sem necessidade de qualquer consideração ou apreciação ulterior.”.


Ou seja, o objeto da ação não só não comporta complexidade relevante – a declaração da ilicitude do despedimento, por não junção aos autos da totalidade do procedimento disciplinar, e suas consequências decorrem da própria lei -, como a Ré recorrente também não alegou que a causa de pedir fosse complexa.


Sobre o acórdão do TRL, de 09.10.2014, proc. n.o 2164/12.1TVLSB.L1-2, que a recorrente juntou como “acórdão-fundamento”, importa dizer que foi proferido no âmbito de uma ação declarativa de condenação na forma ordinária, na área civil, em que foi aplicável à audiência prévia o regime previsto nos artigos 597.o e 591.odo CPC, diferente do regime previsto e aplicável na área laboral, como supra referenciado.


Nada a opor, pois, nesta parte, ao decidido no acórdão recorrido.


4.2. - Da violação do disposto no artigo 3.o, n.o 3, do CPC.


No acórdão do STJ, de 19 de outubro de 2022, processo n.o 13358/20.6T8LSB.S1, in www.dgsi.pt, escrevemos:


“O princípio do contraditório, enquanto princípio estruturante do processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de deduzir as suas razões “de facto e de direito”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras”.


[cf. acórdão do T. Constitucional n.o 177/2000, DR, II série, de 27.10.2000].


A norma do n.o 3 do artigo 3.o do CPC, introduzida pela Reforma de 1995/96, veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, como garantia de uma discussão dialéctica ou polémica entre as partes no desenvolvimento do processo.


A uma concepção válida, mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do “rechtliches Gehõr” germânico, entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para decisão.


O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.


[cf. Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pág. 96].


Mesmo relativamente às questões de direito, a norma proíbe, como sublinha este Autor, as decisões-surpresa, ou seja, decisões baseadas “em fundamento que não tenha sido considerado previamente pelas partes”, enquanto violadoras do princípio do contraditório, conforme entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça.


[cf. Acórdão do STJ de 15.10.2002, in wwwdgsi.pt).


No dizer de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, pp. 19 e seguintes: “Ao princípio do contraditório subjaz a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil, decisões tomadas à revelia de algum dos interessados (...). Tal como o princípio do contraditório não deve obscurecer o objetivo da celeridade processual, também esta não pode conduzir a uma dispensa do contraditório sob o pretexto da sua desnecessidade. Tal dispensa é prevista a título excecional, de modo que apenas se justificará quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final.”. (negrito nosso)


Como resulta do histórico do processo, a recorrente não juntou aos autos o procedimento disciplinar completo, mas apenas alguns documentos do mesmo, o que motivou a prolação da sentença recorrida, nos termos do artigo 98.o-J, n.o 3, do CPT, ou seja, a condenação imediata da Recorrente, nos termos prescritos em tal normativo.


Na verdade, como escreve o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto no seu Parecer, “a omissão de qualquer uma das situações previstas no n.o 3 do artigo 98.o-J do CPT implica, em bom rigor, um efeito cominatório pleno, penalização ou sanção que o legislador entendeu impor nessas situações de revelia ou equiparadas” e “essa condenação imediata não pode ter surpreendido a recorrente – ou, pelo menos, não a deveria ter surpreendido -, uma vez que se encontra expressamente consagrada na lei, não estando previsto qualquer aviso prévio para tal.”.


E por se tratar de norma de carácter imperativo, que cabe na excepção da “manifesta desnecessidade” – cfr. artigo 3.o, n.o 3, do CPC -, a sua eventual ignorância ou desconsideração não isenta a Recorrente das consequências nela estabelecidas, atento o disposto no artigo 6.o do Código Civil.


Tanto mais que, aquando da sua citação, foi expressamente advertida “(...) de que, caso não compareça na audiência de partes e/ou na inexistência de acordo, tem o prazo de 15 dias a contar daquela data, para apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas, sob a cominação de ser declarada a ilicitude do despedimento do trabalhador - cfr. artos 98o-G no1 al. a), 98o-I no 4 al. a) e 98o-J no 3 todos do C.P.T.- (DL no295/2009, de 13/10), ...”. - Referência 89041471, Data: 28-01-2022. (negritos nossos)


E em relação à questão do procedimento disciplinar não ter sido junto na sua totalidade, foi a recorrente confrontada com essa situação e respetivas consequências no requerimento de resposta do recorrido (cfr. contestação apresentada pelo recorrido, em 30.03.2022), tendo tido, pois, a oportunidade de se pronunciar, como o fez, de resto, em relação a outros documentos.


Assim, no caso em apreço, não tem qualquer justificação o cumprimento do n.o 3 do artigo 3.o do CPC, por manifesta desnecessidade, não só porque a questão já tinha sido discutida pelas partes nos respectivos articulados, mas também porque a falta de audição da Recorrente não a prejudicou quanto ao resultado final da sentença, proferida ao abrigo do artigo 98.o-J no 3 do CPT.»


Mantemos o entendimento tomado nesse Acórdão e, por conseguinte, nessa inteira concordância, tem de improceder a revista.


IV. Nestes termos, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.


Custas pela ré recorrente.


Lisboa, 23 de Junho de 2023


Luís Azevedo Mendes (Relator)


Mário Belo Morgado


Júlio Manuel Vieira Gomes