Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
922/14.1JAPRT.G2.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PREVARICAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O crime de prevaricação visa a punição daquele que se torna infiel ao próprio cargo, em assumida violação dos deveres ao mesmo inerentes, como se extrai da construção do tipo legal do artigo 11º da L. 34/87, de 16/07.

II. O bem jurídico protegido é a fidelidade á lei e ao direito, no exercício de funções públicas.

III. Com autarca como agente, artigo 3º, nº 1, al. i), do citado diploma legal, deparam-se-nos como seus elementos constitutivos (i) a sua qualidade de membro de órgão representativo de autarquia local do agente; (ii) A condução ou decisão contra direito de um processo no exercício das respectivas funções; (iii) o dolo direto, como atuação voluntária, livre e consciente em assim agir; (iv) a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém.

IV. O titular de cargo político, aqui autarca, está constituído num dever funcional qualificado, cuja violação se traduz em elevado grau de desvalor e em grave afronta à sua acrescida responsabilidade social.

V. Pode considerar-se um princípio processual adquirido que incursões de matéria de direito em sede de descrição de matéria de facto se devem ter como não escritas. Se é verdade que, hoje, nem no CPC nem no CPP nos deparamos com uma norma de teor semelhante ao do artigo 646º, nº 4, do CPC, segundo o qual tais incursões se devem ter como não escritas, não menos certo é que tal princípio vige e decorre da necessidade de separação das duas matérias.

Não se discute que no processo penal a exigência da separação das matérias se mostra com ainda maior acutilância do que no processo civil, dada a premência do acusatório, a instância do contraditório e a necessidade de defesa que a posição de arguido demanda.

VI. Mas, mesmo detetando-se dentro da matéria de facto alguns necessariamente espúrios segmentos de legislação ou de elementos de direito, além de, por força da aplicação daquele princípio se deverem considerar como não escritos, só teriam relevância em termos de eventual invalidade de acto se, interessando à decisão da causa, a detetada inserção tivesse vulnerado ou afrontado a plena e cabal defesa do arguido, ou agravado a sua posição, ou desrespeitado o princípio do contraditório, o que, no caso, nem se vislumbra e nem sequer vem alegado.

VII. Empreitada, contrato, trabalhos a mais, adjudicação, é verdade, são conceitos jurídicos, mas, outrossim, têm um significado corrente que o comum dos mortais, não juristas, usa em léxico quotidiano e em semântica bem perceptível.

Por isso, não envolve matéria de direito a inclusão na matéria de facto de conceitos que assumindo significado técnico-jurídico tem também um sentido corrente, vulgar ou comum de uso generalizado ligado à concretização de certos factos, como é empreitada, trabalhos a mais, etc

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª secção, criminal, do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

I.1. O acórdão recorrido de 22/02/2023 da Relação de Guimarães ditou as seguintes condenações, citando-se o dispositivo,:

“II) A. Condenam o arguido AA pela prática de:

i) Em relação aos trabalhos adicionais executados pela Construtora..., Lda.:

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em co-autoria, com referência aos arts. 65º, n.º 1, 68.º, n.ºs 1, al. b) e g), ambos da Lei n.º 169/99, de 11/01; Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP); Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO); Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.; Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais); Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública), numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

ii) Em relação ao ajuste directo com a sociedade M..., Lda - 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em co-autoria, com referência aos arts. 65º, n.º 1, 68.º, n.ºs 1, al. b) e g), ambos da Lei n.º 169/99, de 11/01; Arts. 286.º, 312.º, 313.º, n.ºs 1, 2 e 3, 370.º, n.ºs 1 a 4, 376.º, n.ºs 1, 2, 3, 5 e 8, todos do CCP; Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO);

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.; Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais); Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública), numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

iii) Em relação aos trabalhos adicionais executados pela sociedade J..., Lda:

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em autoria, e em co-autoria na Construção do Muro na Rua da ..., em ..., com referência aos arts. 65º, n.º 1, 68.º, n.ºs 1, al. b) e g), ambos da Lei n.º 169/99, de 11/01; Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 119.º, n.º 1, 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP); Arts. 286.º, 312.º, 313.º, n.ºs 1, 2 e 3, 370.º, n.ºs 1 a 4, 376.º, n.ºs 1, 2, 3, 5 e 8, todos do CCP; Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO); Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j);

2.9.10.4.2.; Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais); Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública), numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

B. Em cúmulo jurídico condenam o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (meses), a qual suspendem na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos.


*


III) A. Condenam o arguido BB pela prática de:

i) Em relação aos trabalhos adicionais executados pela sociedade H..., Lda:

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos),em autoria, com referência ao art. 69º da Lei n.º 169/99, de 11/01; Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 119.º, n.º 1, 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP); Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO); Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.; Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais); Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública), numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

ii) Em relação aos trabalhos adicionais com a Construtora..., Lda.:

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em co-autoria, com referência ao art. 69º da Lei n.º 169/99, de 11/01;

Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP); Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO); Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.; Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais); Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública), numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

iii) Em relação ao ajuste directo com a sociedade M..., Lda:

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em co-autoria, com referência ao art. 69º da Lei n.º 169/99, de 11/01; Arts. 286.º, 312.º, 313.º, n.ºs 1, 2 e 3, 370.º, n.ºs 1 a 4, 376.º, n.ºs 1, 2, 3, 5 e 8, todos do CCP; Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO); Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.; Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais); Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública), numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

iv) Em relação aos trabalhos adicionais executados pela sociedade J..., Lda - Construção do Muro na Rua da ..., em ...:

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de cargos Políticos), em co-autoria, com referência ao art. 69º da Lei n.º 169/99, de 11/01; Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP); Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO); Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.; Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais); Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública), numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

B. Em cúmulo jurídico condenam o arguido BB na pena única de 5 (cinco) anos, a qual suspendem na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos.”

I.2. Na 1ª instância, Juiz 1, do Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., sob o nº 922/14.1JAPRT, por acórdão de 14-07-2022, os arguidos AA e BB, tinham sido absolvidos nos seguintes termos (transcrição):

“DISPOSITIVO

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram o tribunal colectivo do juízo central criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ... em:

A) Julgar extinto por prescrição o procedimento criminal em relação ao crime de violação de normas de execução orçamental;

B) Julgar improcedente a excepção de prescrição invocada pelo arguido BB;

C) Absolver o arguido AA da prática de:

Trabalhos adicionais executados pela Construtora..., Lda.

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em co-autoria, com referência aos arts. 65º, n.º 1, 68.º, n.ºs 1, al. b) e g), ambos da Lei n.º 169/99, de 11/01; Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP);

Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO);

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.;

Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais);

Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública).

Ajuste directo com a sociedade M..., Lda

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em co-autoria,

com referência aos arts. 65º, n.º 1, 68.º, n.ºs 1, al. b) e g), ambos da Lei n.º 169/99, de 11/01;

Arts. 286.º, 312.º, 313.º, n.ºs 1, 2 e 3, 370.º, n.ºs 1 a 4, 376.º, n.ºs 1, 2, 3, 5 e 8, todos do CCP;

Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO);

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das

Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.;

Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais);

Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública).

Trabalhos adicionais executados pela sociedade J..., Lda

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em autoria, e em co-autoria na Construção do Muro na Rua da ..., em ..., com referência aos arts. 65º, n.º 1, 68.º, n.ºs 1, al. b) e g), ambos da Lei n.º 169/99, de 11/01;

Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 119.º, n.º 1, 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP);

Arts. 286.º, 312.º, 313.º, n.ºs 1, 2 e 3, 370.º, n.ºs 1 a 4, 376.º, n.ºs 1, 2, 3, 5 e 8, todos do CCP;

Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO);

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.;

Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais);

Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública).


*


D) Absolver o arguido BB da prática de:

Trabalhos adicionais executados pela sociedade H..., Lda

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em autoria, com referência ao art. 69º da Lei n.º 169/99, de 11/01;

Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 119.º, n.º 1, 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP);

Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO);

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.;

Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais);

Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública).

Trabalhos adicionais com a Construtora..., Lda.

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em co-autoria, com referência ao art. 69º da Lei n.º 169/99, de 11/01;

Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP);

Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO);

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.;

Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais);

Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública).

Ajuste directo com a sociedade M..., Lda:

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), em co-autoria, com referência ao art. 69º da Lei n.º 169/99, de 11/01;

Arts. 286.º, 312.º, 313.º, n.ºs 1, 2 e 3, 370.º, n.ºs 1 a 4, 376.º, n.ºs 1, 2, 3, 5 e 8, todos do CCP;

Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO);

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.;

Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais);

Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública).

Trabalhos adicionais executados pela sociedade J..., Lda - Construção do Muro na Rua da ... em ...:

- 1 (um) crime de prevaricação, p. e p. pelos arts. 1.º, 2.º, 3.º, al. i) e 11.º, todos da Lei n.º 34/87, de 16/07 (Crimes da Responsabilidade de Titulares de cargos Políticos), em co-autoria, com referência ao art. 69º da Lei n.º 169/99, de 11/01;

Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP);

Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO);

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL): pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.; Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais);

Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública).

E) Não aplicar tributação.

Cumpra o disposto no art.º 372.º, n.º5, do CPP.”

I.3. Do acórdão condenatório vieram os arguidos interpor recursos para este Supremo.

I.3.1. O arguido AA rematou as alegações com as seguintes conclusões:

“QUESTÃO PRÉVIA,

Omissão de Pronuncia,

1 - O arguido/recorrente, no uso do direito ao contraditório, apresentou resposta ao recurso apresentado pelo MP através de contra-alegações, nas quais, para além do mais, em ampliação do objecto do Recurso, impugnou a matéria de facto dada como provada pelo tribunal da 1ª instância, com a qual não concordava (e não concorda).

2 - Nas respectivas motivações e conclusões da resposta apresentada pelo arguido/recorrente, foram invocados diferentes e distintos fundamentos respeitantes à impugnação da decisão proferida em 1ª instância respeitante a questões de facto presentes no acórdão recorrido para serem objecto de apreciação, conhecimento e jurisdição pelo tribunal de 2ª instância.

3 - Para que, em razão da apreciação dos concretos pontos de facto impugnados pelo arguido/recorrente, pudesse ser, pelo tribunal de 2ª instância, avaliada a justeza das decisões proferidas no tribunal “a quo” sobre todas e cada uma delas, com o objectivo de atendendo aos poderes atribuídos a esse tribunal – que conhece de facto e de direito – viesse a ser reapreciada a decisão respeitante à matéria de facto, por forma a que o tribunal de 2ª instância obtivesse e expressasse uma convicção própria sobre a prova produzida e em consequência, fosse determinada a alteração da decisão respeitante à matéria de facto nos pontos concretamente indicados e identificados pelo arguido/recorrente.

4 - Fazendo juntar, com as suas Contra-Alegações, 5 documentos correspondentes a certidões judiciais passadas pelo TAF de ..., de onde resultam o teor das decisões, decorrentes do acordo e transacção celebradas entre as empreiteiras “Construtora..., Lda.” e o Município de ..., tal como a que veio a ser celebrada entre a empreiteira “J..., Lda” e que tiveram por objecto, entre outras, as obras onde o MºPº diz terem sido excedidos os limites legais para a contratualização de trabalhos a mais.

5 - Resulta desses documentos, que por serem certidões judiciais que dizem respeito a acordos e transacções judiciais celebradas entre aquelas duas sociedades empreiteiras - “Construtora..., Lda.”, “J..., Lda” e o Município de ... – fazem prova plena relativamente aos factos que aí são visados e retratados – art. 352º, 355º, 356º, 358º, 371º e 383º do Cód. Civil.

6 - Resultando de forma clara da transacção celebrada em 30/10/2020 entre a “Construtora..., Lda.” e o Município de ..., no âmbito da acção judicial que:

l) no ano de 2008 a “Construtora..., Lda.” instaurou acção no TAF de ... (Proc. 335/08.4...);

m) Reclamando no Município de ..., por conta de obras que dizia ter efectuado, na Escola de ...; Escola...; obra de ... e ...; Muro do ...; ...; Cemitério do ...; Central de camionagem...; Betão de piscinas; o pagamento de €.668.854,15;

n) Demanda judicial que foi objecto de Contestação por parte do Município de ..., e que colocava em causa, para além de outros factos a inexistência de “autos de medição” nessas mesmas obras e falta de fundamento para a reclamação da empreiteira (doc. 1);

o) Acabando a empreiteira por reconhecer o exagero da reclamação que dirigia ao Município de ... e reduziu o seu pedido para o montante de €.143.046,29 (doc. 2);

p) Ou seja, valor correspondente a uma percentagem de 21,39% do que havia, em 2008, estado a reclamar e do que havia sido tido em conta pela inspecção da IGF nas contas que fez no relatório apresentado em 2015 ou 2016 ao Município e que foi “copiado” para a acusação deduzida pelo MºPº…!!!

7 - Resultando também de forma clara da transacção celebrada em 24/09/2020 e depois em 21/03/2022, entre a empreiteira, “J..., Lda” e o Município de ..., no âmbito da acção judicial que:

q) no ano de 2015 a “J..., Lda” instaurou acção no TAF de ... (Proc. 74/15.0...);

r) Reclamando no Município de ..., por conta de obras que dizia ter efectuado, em ...; balneários de ...; Centro de saúde de ...; pavimentação Rua do ... em ...; colocação de grelhas ...; muro ...; muro ...; pavimentação e requalificação ...; obra de ..., o pagamento de €.473.078,70;

s) Demanda judicial que foi objecto de Contestação por parte do Município de ..., e que colocava em causa, para além de outros factos a inexistência de “autos de medição” nessas mesmas obras e falta de fundamento para a reclamação da empreiteira (doc. 3);

t) Acabando a empreiteira por reconhecer o exagero da reclamação que dirigia ao Município de ... e quanto a uma parte das obras reduziu o seu pedido para o montante de €.130.000,00 (doc. 4);

u) E quanto a outra parte da reclamação do custo de obras que fazia, reconhecendo que não tinham sido feitos “autos de medição” para avaliação da obra levada a cabo, aceitou, em 21/03/2022, colaborar na realização de “autos de medição” (doc. 5);

v) Ou seja, o valor que o Município aceitou pagar em 2020 àquela empreiteira foi de apenas €.130.000,00, correspondente a uma percentagem de 27,48% do que havia, em 2015, estado a reclamar e do que havia sido tido em conta pela inspecção da IGF nas contas que fez no relatório apresentado em 2015 ou 2016 ao Município e que foi “copiado” para a acusação deduzida pelo MºPº…!!!

8 - Exercitando, desse modo nas contra-Alegações, o direito a um segundo e efectivo grau de jurisdição sobre o resultado da questão de facto tal como vinha descrita na 1ª instância – artº 412.º, nºs 3 e 4 do CPP “ex vi” do art.º 413.º, n.º 4 do CPP e artº 2º, 20º e 32º da Constituição.

9 - O arguido/recorrente identificou claramente os pontos da matéria de facto que considerou (e considera) incorrectamente julgados na 1ª instância, cumprindo como era sua obrigação o disposto no art.º 412.º, nºs 3 e 4 do CPP “ex vi” do art.º 413.º, n.º 4 do CPP.

10 - Analisando o douto Acórdão proferido, e de que aqui se recorre, logo se percebe que apesar da extensão do mesmo, não há uma verdadeira, fundamentada e análise crítica, sobre a matéria de facto impugnada pelo arguido/recorrente e nenhuma pronuncia sobre ou a propósito das 6 conclusões que foram apresentadas no final daquelas supra citadas contra-alegações e motivações de recurso que, por brevidade e economia processual, aqui se devem ter por integralmente reproduzidas.

11 - Infelizmente o Tribunal “a quo” sobre o que foi invocado pelo arguido/recorrido, nada discreteou, nada ponderou, nada apreciou e nada disse.

12 - Omitiu, assim, o tribunal “a quo “o cumprimento do respectivo dever de apreciação e pronúncia, por forma a formar a sua própria convicção, no que mais directamente concerne com a impugnação da decisão respeitante à matéria de facto declarada “provada” pelo tribunal de 1ª instancia, e cuja decisão foi impugnada pelo arguido.

13 - Não existe no Acórdão proferido na segunda instância, como é manifesto, uma verdadeira análise e reapreciação da prova, perfeitamente indicada e identificada, reclamada pelo arguido/recorrente – designadamente, a que foi indicada nas motivações e conclusões da sua resposta ao recurso apresentado, ou outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e para a decisão da causa – nos termos que é imposto pelo n.º 6 do artigo 412.º do CPP “ex vi” do art.º 413.º, n.º4 do CPP.

14 - O tribunal de 2ª instância, quando verificados os pressupostos estipulados no art.º 412.º, nºs 1, 3 e 4 do CPP, deve apreciar ou reapreciar a prova seja documental, seja testemunhal, produzida em audiência de julgamento por forma a tomar a sua própria convicção acerca da prova produzida e dos pontos de factos especificamente impugnados, nos termos do estipulado no art. 413º nº 3 do CPP.

15 - Há omissão de pronúncia quando o tribunal deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia ter apreciado, seja a mesma suscitada pelas partes em recurso ou de conhecimento oficioso - art.º 379.º, n.º1, al. c) do CPP aplicável “ex vi” pelo disposto no art.º 425.º, n.º4 do CPP.

16 - Omitindo o Tribunal “a quo” este dever de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, a respectiva decisão é nula.

Pois,

17 - Padece assim, salvo o devido respeito, o Acórdão recorrido do vício de omissão de pronúncia sobre aquelas questões suscitadas em sede de contra-alegações – impugnação da matéria de facto que impunha a reapreciação da prova e um juízo crítico sobre tais provas – que, atempadamente e no exercício do inalienável direito de defesa do arguido, foram invocadas na supracitada resposta ao recurso apresentado pelo MP – motivações e conclusões-.

18 - Este vício de omissão de pronúncia pode e deve ser conhecido e declarado pelo STJ, na medida em que consubstancia, por omissão, nulidade prevista e sancionada no disposto no art.º 379.º, n.º1, al. c) do CPP, “ex vi” da aplicação conjugada do disposto nos arts.425º nº 4, 428º, 431º do CPP e ainda do art. 20º e art. 32.º da C.R.P.

19 - Vício este que é extensivo à omissão de pronúncia do tribunal “a quo” relativamente ao vício e nulidade igualmente invocado e que afectou a Sentença proferida na 1ª instância, quando faz incluir na decisão respeitante à matéria de facto, alegações e questões de direito que integram juízos valorativos.

20 - O arguido, ali recorrido e aqui recorrente, também invocou o vicio de o tribunal de 1ª instancia ter feito incluir na redacção do elenco dos factos provados “meros conceitos de direito e, ou, conclusões normativas, as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabam por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente resolvendo de imediato o «thema decidendum»” – “vide gratiae” o invocado a págs. 29, 30, 31, 32, 33 e 34 das contra-alegações de recurso – refª: 43869582-

21 - O que também por si configura o assinalado cometimento de nulidade por omissão de pronúncia, que aqui expressamente se invoca e que obriga ao conhecimento e declaração da invocada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

SEM PRESCINDIR E POR MERA CAUTELA DE PATROCINIO,

22 - O Tribunal “a quo” não presenciou a produção da prova testemunhal, tal como a prova decorrente das declarações sucessivamente explicitadas e prestadas em contraditório pelo arguido/recorrente, quer no início, quer no final da audiência de julgamento, tal como não escalpelizou e não fez a análise completa de todo o acervo documental junto aos autos,

23 - Não tendo atendido, em toda a sua abrangência e profundidade, ao facto de o relatório do IGF quando elabora os mapas sobre alegados ”trabalhos a mais” ou “trabalhos complementares”- mapas esses que são copiados pelo Mº Pº para a acusação - , não estar fundamentado em qualquer “auto de medição” desses mesmos alegados trabalhos a mais ou trabalhos complementares para poder ser aceite como prova bastante e suficiente relativamente às percentagens que lançou, especulativamente, no mesmo relatório, como se deixou demonstrado nos capítulos destas motivações de recurso.

24 - As “contas” feitas nos quadros apresentados pelo Mº Pº na acusação e copiadas dos quadros do relatório da IGF, tiveram como única fonte e inspiração as cartas dos dois empreiteiros que reclamavam alegados valores em divida relativos àquelas obras e as supra citadas acções judiciais que os mesmos instauraram e que corriam termos sob o nº 335/08.4... e nº 74/15.0... pelo TAF de ....

25 - E isto apesar de nos dois citados processos que correram termos no tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, terem terminado com o reconhecimento por essas mesmas duas empresas de construção civil, de que não estavam feitos os “autos de medição” que permitiam avaliar a obra efectivamente levada a cabo e concluída, e reconheceram que o preço alegadamente em falta e o valor a cobrar afinal era muito inferior àquele que reclamavam do Município e que serviu de base, percute-se, para as contas e números lançados pela IGF no seu

Relatório e copiados pelo MºPº para a acusação !!! Ora,

26 - Nesta parte em que o tribunal de 1ª instancia declarou “Não Provada” a supra citada e transcrita factualidade, resulta que o tribunal de 1ª instancia conseguiu fundamentar e justificar os pressupostos que contribuíram para a formação da sua convicção decorrente da valoração da prova documental e testemunhal produzida na audiência de julgamento, em respeito e em obediência ao princípio da livre convicção que o julgador, que, em contacto com a prova, pode e deve expressar como sendo a pedra base da sua decisão – art.º 127.º do C.P.P.

27 - A decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tem de respeitar o princípio da livre apreciação da prova do julgador, estabelecido no artigo 127º do CPP, e a sua relação com os princípios da imediação e a oralidade, sobretudo quando tem de se debruçar sobre a valoração efectuada na 1ª instância da prova testemunhal ou por declarações.

28 - Em conformidade, a ausência de imediação e oralidade - dado que o “contacto”com as provas se circunscreve ao que consta das gravações -determina que o tribunal de segunda instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem.

29 - Assim, o Tribunal de recurso só pode alterar a decisão da matéria de facto se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal “a quo” é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso “obrigatório” decidir de forma distinta.

30 - Deste forma, a valoração da prova feita pela 1ª instância só deve ser objecto de censura quando ficar demonstrado que a opção tomada viola as regras da experiência comum consideradas válidas e legitimas dentro de um determinado contexto histórico e jurídico e, portanto, dotadas de razoabilidade.

Isto posto,

31 - E voltando ao caso dos autos, verifica-se que a motivação constante do acórdão de 1ª instância, no que aquela concreta decisão de declarar

“NÃO PROVADO”:

“Os arguidos praticaram os factos acima descritos com o intuito de serem sucessivamente reeleitos para cargos nas eleições autárquicas de ... de 2001/2005, 2005/2009 e 2009/2013 e de beneficiar adjudicatárias/empreiteiros”.

“Nos casos acima descritos os arguidos actuaram bem sabendo que a respetiva conduta era adequada a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade e transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir”.

“A alteração introduzida nos muros de ..., no que se referiu ao capeamento, para além de destoar do conjunto em que se inseriu, não teve subjacente qualquer defesa do interesse público ou mais-valia para o local de implementação, traduzindo-se numa melhoria indireta de um parque de estacionamento de uma empresa existente no local”.

É lógica e coerente e, por isso, nesta parte e na sua concretização, tal como explicação, viável e como uma das opções possíveis, inatacável.

32 - Na verdade, e nesta concreta parte de declarar “Não Provada” aquela factualidade, o tribunal de 1ª instância explanou na fundamentação da decisão de facto, de modo claro e perceptível, as fontes probatórias que acolheu para a tomada de decisão, o respectivo conteúdo e alcance, e, outrossim, por que motivo credibilizou umas e descredibilizou outras, sempre dentro dos limites legais da livre convicção, respeitando as regras da experiência e da lógica.

33 - O tribunal de 1ª instância fundamentou essa parte da sua decisão sobre a matéria de facto – ao contrario do que sucedeu relativamente à outra parte da decisão em que declarou “Provados” tudo quanto o MºPº escreveu na acusação… - de forma racional, decisão essa totalmente defensável face às regras da experiência e da lógica.

34 - Por tudo isto, é manifesto que o Tribunal “a quo” não tinha motivos suficientes e justificatórios para alterar a matéria de facto dada como “Não Provada” para “Provada”.

35 - Cabe ao STJ o poder de sindicar e verificar se o tribunal da Relação, ao usar dos poderes conferidos pelo disposto nos arts. 410º, 428º e 431º do CPP, agiu dentro dos limites traçados por lei para os exercer, isto é, se fez bom ou mau uso desses mesmos poderes que a lei lhe confere.

36 - Ora, como supra se demonstrou, é nosso firme entendimento que o tribunal “a quo” faz um mau uso dos poderes que a lei lhe confere para ao alterar, como alterou, de “Não Provados” para “Provados” aqueles 3 itens supra citados e transcritos factos.

37 - Devendo, em face do invocado, ser revogada a decisão proferida pelo tribunal “a quo” de alterar para “Provado” a factualidade que o tribunal de 1ª instancia havia declarada como “Não Provada”.

AINDA SEM PRESCINDIR, E POR MERA CAUTELA DE PATROCINIO,

38 - Relativamente à pretensa intenção agora atribuída ao arguido de beneficiar estas duas sociedades empreiteiras/adjudicatárias importa desde já realçar que o processo demonstra que o arguido não tinha relações pessoais com qualquer dos legais representantes daquelas três sociedades empreiteiras, devotando- lhe os legais representantes das duas primeiras sociedades – “Construtora..., Lda.” e “J..., Lda- uma animosidade e violenta hostilidade, decorrente de o mesmo nunca lhes ter “dado nada”, nem ter permitido que cobrassem do Município os exorbitantes e infundamentados valores que reclamavam.

39 - Com essas obras ou melhor dizendo, complementos de obra ou “trabalhos a mais”, decorrentes de falhas ou omissões nos projectos colocados a concurso… ou então e como “á posteriori” lhe era descrito pelo Chefe de divisão Municipal de Obras do Município, obras urgentes e necessárias na sequência de acidentes ou súbitos desmoronamentos do edificado que se encontrava degradado e a ameaçar ruína, quem obviamente beneficiou foi o Povo e os cidadãos do concelho de ....

40 - Importa reafirmar que ao contrário do que, sem fundamento e até deturpando o que se pode escutar do depoimento das testemunhas e o que se pode e deve extrair da parte mais significativa da prova documental, como é o caso da auditoria feita pela K... – da qual resulta que quando o arguido chegou á Câmara Municipal de .... (2003) o Municipio tinha um passivo de €9.517.192,00 e um activo inferior de €8.024.205,00 ( saldo negativo de €1.492.987,00) e quando o arguido saiu, em 2013, o Municipio tinha um passivo de € 31.384.931,00 e um activo superior de €51.931.614,00 (saldo positivo de €20.546.683,00 ) –

41 - Como é o caso do próprio Relatório da IGF na parte em que salienta o esforço e o êxito na redução substancial do passivo, aumentou a receita e diminui a despesa corrente em mais do dobro do que aquilo que a inopinada alteração legislativa de 2009 veio exigir aos Municípios.

42 - E como é o caso das Contestações apresentadas pelo Município de ... nas acções judiciais que contra a mesma foram apresentadas no Tribunal Administrativo de Mirandela e onde foi invocada a falta de fundamento para os valores reclamados por aquelas duas primeiras sociedades empreiteiras que, abusivamente, reclamavam valores a que não tinham e nem têm direito – “vide gratiae” contestações a fls _ do Apenso II do Anexo “ Processos do TAF de ...” e transacções judiciais a fl. _ dos autos principais e ainda cópia da acta de Audiência Final no processo nº 74/15.0... do TAF de ... datada de 21 de Março de 2022 que, igualmente, se encontra junta aos autos e que por cautela de patrocínio se juntaram as certidões judiciais com as contra-alegações.

43 - Por aqui, e como já supra se disse e novamente se percute, nem as estimativas do relatório da IGF relativamente ao valor das obras está certo, como, aliás, nunca esteve, o que significa que “a contabilização” das percentagens engendradas no relatório da IGF não tem nenhuma relação com a realidade, nem com a verdade dos números e do custo dos trabalho e das obras …

44 - Não existindo nos autos qualquer prova directa de quetivesse sido o arguido a ordenar e a combinar com os empreiteiros a realização de “trabalhos a mais” e ou “trabalhos adicionais”.

45 - E também não existe qualquer prova que demonstre que o recorrido tirou qualquer benefício em razão da realização desses “trabalhos a mais” e ou “ trabalhos adicionais” que aquelas sociedades empreiteiras dizem ter realizado.

46 - Não existindo ainda qualquer prova que demonstre que quer uma, quer outra dessas três sociedades empreiteiras, em razão da conduta do recorrido tenha tirado beneficio directo da realização desses “trabalhos a mais“ ou “ trabalhos adicionais” no âmbito das empreitadas que estavam em curso.

47 - Sublinhe-se que, a circunstância de o arguido ter sido sucessivamente reeleito é, per se, insuficiente para determinar, sem margem para dúvidas, que com a realização das obras em causa, o arguido tinha intenção de se beneficiar a si próprio, sobretudo quando desacompanhado de outro meio de prova que tal demonstre.

48 - Não está de qualquer modo demonstrado nos autos, nem tão pouco foi invocado pela acusação, que em qualquer uma das duas campanhas eleitorais a que o arguido/recorrente se propôs e sujeitou após ter sido eleito na 1ª campanha eleitoral de 2003, tenha sido usado pelo mesmo a realização das obras que foram objecto da infeliz acusação do MºPº.

49 - Importa atender nesta avaliação probatória ou circunstancial que ao longo dos 12 anos em que o arguido foi Presidente da Câmara Municipal de ...., no seu concelho foram realizadas centenas e centenas de obras, quase todas elas de dimensão muito superior àquela meia dúzia que serviram de pretexto para a instauração da presente queixa crime.

50 - Basta atentar nos relatórios elaborados quer pela K..., com o descritivo e auditoria a dezenas e dezenas de outras obras, quer no próprio relatório da IGF, em que igualmente se faz o descritivo e auditoria a dezenas e dezenas de outras obras, para se poder concluir, com toda a segurança, que a Câmara Municipal e o arguido cumpriam as obrigações e trabalhavam dentro dos parâmetros da lei.

51 - Os incidentes ou irregularidades relatados tiveram lugar em escassas e pequenas obras de empreitada, lançadas pelo gabinete de Urbanismo do Município em situações pontuais e para acorrer, em regra, a solicitações das Juntas de Freguesias que tinham os seus canais próprios para acederem ao dito gabinete.

52 - O argumento usado pelo tribunal “a quo” para atribuir “beneficio”, quer às empresas empreiteiras, quer ao arguido/recorrente, não passa de uma simples conjectura, pois não é possível saber por que motivo foi o arguido eleito e reeleito, sendo impossível afirmar, sem mais, que tal se deveu àquelas pequenas e pouco significativas obras que, segundo o próprio trecho supra transcrito, demoraram anos a serem terminadas.

53 - Pelo que, é impossível concluir que estavam prontas para apresentar como argumento eleitoralista numa determinada eleição seguinte.

54 - O Tribunal “a quo” não especificou e não concretizou de forma processualmente adequada, quais as concretas provas existentes nos autos que sustentam a presunção com base na qual deu por demonstrada a intenção eleitoralista do arguido – por aqui também o mau uso dos poderes que a lei lhe confere –

55 - Sendo necessário para o fim pretendido pelo tribunal “a quo” indicar com rigor e precisão quais as concretas provas ou indícios existentes nos autos que demonstrem que o desígnio do arguido decorrente da execução daquelas obras em causa nos autos – as quais sempre afirmou não terem, salvo num caso, sido por si determinadas e ordenadas – foram levadas a cabo com o intuito de tirar vantagens para si próprio que se traduziram na reeleição sucessiva.

56 - Não existem elementos quer na prova documental, quer na prova testemunhal, que permita dar por adequado ou até razoável aquele raciocínio do Tribunal “a quo”.

57 - Todas as testemunhas que depuseram ao longo das sucessivas sessões de audiência de julgamento explicaram que os trabalhos a mais ou trabalhos adicionais levados a cabo, naquelas emergências, eram obras básicas, a maioria “enterradas” e absolutamente necessárias, urgentes e úteis para a população a que o recorrido jurou defender e proteger.

58 - Também o tribunal de 1ª instância assim depreendeu da prova produzida, escrevendo-se naquela douta sentença que:

“Por outro lado, podemos afirmar que não, se atendermos ao tipo de obras aqui em causa: pavimentações de ruas/estradas, beneficiação de escolas, saneamento, muros de suporte de terras, equipamentos desportivos, ou seja, despesas que não encerram em si, desde logo, o anátema do eleitoralismo (como, por exemplo, fontes, estátuas ou outras obras de arte, concertos, festas, banquetes, subsídios para equipas de futebol, passeios gratuitos), antes procuram melhorar a circulação de pessoas e bens, a salubridade e a segurança, bem como o desenvolvimento educativo e físico dos munícipes. Note-se que não houve uma testemunha a apelidar de eleitoralistas as obras em causa, ou a afirmar que em seu entender foi essa a intenção que presidiu ao comportamento dos arguidos, tendo até sido ouvido um vereador da oposição que negou terminantemente essa qualificação (testemunha referida em cc)”.

59 - Tratava-se de obras, básicas, necessárias e urgentes, que tinham de ser feitas, independentemente do arguido se recandidatar ou não!

60 - Por outro lado, o argumento de que o arguido ia prometendo pagar aos empreiteiros/adjudicatários, mesmo quando não havia verba, para manter aqueles a trabalhar “sem reclamar”, não tem qualquer fundamento lógico, nem razoável no acontecer da vida e dos negócios com as empresas.

61 - Sendo totalmente descabido que a promessa de pagamento impedia os empreiteiros de verbalizar em público que não estavam a ser pagos pelos trabalhos executados para a Câmara de ... - tanto não é assim que a acção intentada no TAF de ... pela “Construtora..., Lda.” foi apresentada no tribunal no ano de 2008, portanto, antes das eleições que tiveram lugar em 2009 –

62 - E, como bem reconhece o tribunal “a quo” essa verbalização seria má para a imagem pública do arguido e, como tal, seria apta a prejudicar o arguido nas eleições subsequentes, e não a beneficiá-lo, como o Tribunal “a quo” entende ser o intuito do arguido.

63 - O Tribunal “quo” parece menosprezar a capacidade dos cidadãos em fazerem uma análise crítica da actividade executiva dos eleitos e de, em total autodeterminação e em total liberdade, decidirem nas eleições a quem oferecem o voto e quem escolhem para o exercício dos cargos político.

64 - E para melhor evidenciar a insensatez do raciocínio do acórdão recorrido, bastará atender na circunstância de ser imputado ao arguido que no ano de 2011 recorreu indevidamente ao procedimento de ajuste directo para a realização da empreitada de requalificação da Rua .../Rua Eng. ... adjudicada à sociedade M..., Lda

65 - Mas em total contradição com tal afirmação e objectivo engendrado, e por força da limitação de mandatos dos autarcas locais prevista no art.º 1.º, n.º1, da Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto, não foi, nem podia o arguido ser, candidato nas subsequentes eleições autárquicas de 2013.!!!!

66 - Logo, ao ter sido aberto o procedimento de ajuste directo, e posterior celebração do contrato de empreitada com a identificada sociedade, nunca o arguido poderia, com a sua actuação, ter vencimento nas urnas pela simples razão de que nem sequer poderia voltar a ser candidato.

67 - Assim, é logicamente impossível que, ao determinar um ajuste directo em 2011, o arguido tivesse a intenção de se beneficiar a si próprio nas eleições seguintes de 2013, às quais estava legalmente impedido de concorrer, e não concorreu.

68 - Desta forma, a linha de raciocínio do Tribunal “a quo” revela uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova.

69 - Ademais, ficou igualmente demonstrado, conforme resulta dos depoimentos das testemunhas que infra se transcrevem, que o procedimento de ajuste directo foi o procedimento mais expedito no sentido de evitar a perda total do financiamento comunitário, com a consequente devolução de todos os fundos já recebidos e destinados a tal empreitada denominada de “Requalificação Urbana da Rua .../Rua Eng. ...”.

70 - A entidade que financiou – e o Município de ... recebeu na integra todo esse financiamento correspondente ao custo da obra - acompanhou e fiscalizou a obra, inclusive o contrato de ajuste directo que se tornou necessário fazer para alterar e concluir, em prazo útil, a mesma, na pessoa do responsável máximo da região Norte que era a Autoridade de Gestão do Programa Operacional e Regional do Norte, explicou, uma vez mais e em audiência contraditória, as razões pelas quais foi necessário introduzir a alteração e levar a cabo o pedido de reprogramação dessa obra, que foi analisada pelos técnicos do programa e pelos mesmos acompanhada e fiscalizada.

71 - Parecendo ter ficado completamente esclarecido os motivos e a urgência e sobretudo a boa fundamentação para aquela alteração feita em obra, para o que foi necessário utilizar a “ferramenta” dos “trabalhos a menos” e subsequente contrato de ajuste directo.

72 - Daqui decorre que a convicção do arguido/recorrente ao aceitar essa troca decorrente da não realização de determinados trabalhos pela realização de outros e particularmente a colocação de iluminação “led” assentou nas informações dos serviços da Câmara e daquela entidade exterior e financiadora da obra que o convenceram que estava a actuar dentro da lei e de acordo com as boas regras procedimentais, com o fim de fazer melhor e nunca com o fito de fazer mal, muito menos beneficiar ou prejudicar fosse quem fosse.

73 - Acresce dizer que o argumento do Tribunal “a quo” de que os trabalhos a mais foram ordenados e realizados, da forma que o foram, com o intuito de beneficiar os empreiteiros/adjudicatários que executaram tais trabalhos a mais, também falece, pois, no que concerne aos ditos trabalhos a mais, ficou amplamente demonstrado da prova produzida e existente nos autos, por um lado, que todas e cada uma de tais obras eram “…necessárias, que decorreram ou da omissão de um projecto inicial e detalhado ou de deficiência de planeamento feito pela autarquia, ou de solicitação superveniente dos presidentes das Juntas de Freguesia, certificando-se, assim, a existência de um lastro justificativo das mesmas…”- sublinhado nosso.

74 - E, por outro lado, não obtiveram os empreiteiros/adjudicatários qualquer benefício, seja de natureza económica, seja de qualquer outra índole, com a realização daqueles “trabalhos a mais” ou “Trabalhos adicionais”,

75 - Desde logo, porque esses trabalhos importaram custos imediatos com materiais, equipamentos e mão de obra, o que levou a que muitos desses empreiteiros/adjudicatários tivessem, inclusive, que recorrer a financiamentos bancários para concluir esses trabalhos, só tenso sido ressarcidos valores em débito muitos anos depois.

76 - Pelo que, ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, os empreiteiros/adjudicatários com a eventual realização, designadamente dos “trabalhos a mais” ou “trabalhos adicionais” não lograram obter vantagem ou benefício, conforme, aliás, resultou amplamente demonstrado e comprovado, quer em razão dos acordos e transacção judiciais celebrados no TAF de ..., as quais se mostram provadas – prova plena – através das certidões judiciais juntas aos autos, e de onde resulta que as empreiteiras reduziram substancialmente os valores que reclamavam – reconhecendo que afinal não tinham os valores que, especulativamente, estavam a tentar cobrar do Município

- quer dos depoimentos que se transcreverem nas contra-alegações de recurso, quer ainda nas declarações de parte proferidas, em contraditório, pelo arguido, quer na primeira, quer na última sessão de produção de prova que teve lugar na audiência de julgamento realizada na 1ª instancia.

Por outro lado,

77 - O Tribunal “a quo” ao considerar que o arguido estava a beneficiar aqueles empreiteiros/adjudicatários atribuírem-lhes a realização dos “trabalhos a mais” ou “trabalhos adicionais” sem a realização do respectivo concurso público, parece confundir a intenção de beneficiar, com o alegado benefício objectivo, confusão essa que o levou erroneamente a dar como provado os factos presumidos supra transcritos.

78 - É que o elemento subjectivo especial do tipo de crime de prevaricação é a intenção de beneficiar ou prejudicar alguém, e não o facto de objectivamente a conduta do agente ter beneficiado alguém.

79 - Face ao exposto nas motivações deste recurso, a argumentação exposta pelo tribunal “a quo” não permite compreender por que razões foi alterada essa parte da decisão do tribunal de 1ª instancia e foi declarada aquela factualidade que na 1ª instancia ficou declarada como “Não Provada”, supra transcrita, passando na decisão do Tribunal “a quo” para “Provada”.

80 - A decisão do Tribunal “a quo” afronta, de forma manifesta, quer a prova produzida, quer a ausência de prova relativamente a essa mesma factualidade e afronta as próprias regras da experiência comum e da lógica.

Acresce que,

81 - A prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica.

82 - Em primeiro lugar o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar conhecer outro facto que com ele está relacionado, constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico, ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar.

Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa.

83 - Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que, aliada ao indício, permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indicio-premissa menor- permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.

84 - Assim, a prova indiciária reflecte uma presunção que parte de um facto conhecido para outro desconhecido, mediante a utilização de um raciocínio lógico baseado em regras da experiência.

85 - Por aqui logo se infere, que a utilização de presunções exige, da parte do tribunal, um particular esforço de fundamentação, já que corresponde a um processo mais complexo de apreciação e afirmação probatória de um facto.

86 - O funcionamento, e creditação da prova indiciária, embora dependente da convicção do julgador, deverá ser sempre objectivável e motivável.

87 - Consequentemente, a presunção estabelecida com base numa mera conjectura será sempre empregada de um caracter extremamente duvidoso, o que acarretará, inevitavelmente, na ausência de força probatória da conclusão nela fundamentada, sob pena de violação do princípio da presunção da inocência.

88 - A íntima conexão entre o indício e a presunção reflectem-se dois princípios orientadores do raciocínio presuntivo, que se interrelacionam entre si, quais sejam, o princípio da causalidade e da normalidade. Ambos representam regras de experiência a utilizar pelo julgador no processo inferencial e são considerados fundamentos da presunção.

89 - O juiz deverá formar o seu convencimento com base numa hipótese de altíssima probabilidade que espalhe fidedignamente a insuficiência ou a suficiência probatória, de modo a reflectir um veredicto adequado, em conformidade com os direitos e garantias fundamentais do arguido.

90 - Ressalva-se, contudo, que a força probatória da presunção judicial estabelecida com base nas regras da experiência deverá ser sempre norteada por um enlace directo e preciso entre o facto indiciante e o facto presumido, de modo que se demonstra a convergência de todos os indícios existentes, reduzindo-se ao máximo a ocorrência de erro judiciário - Cfr. António João Latas, in Descrição e Prova dos Factos nos Crimes por Negligência, Questões de Ordem Geral, Separata da ''Revista do CEJ'', 1º Semestre, nº 11, Almedina,2009, pág. 69.

91 - Ou seja, a demonstração da força probatória dos indícios no caso concreto ocorrerá em razão do grau de ligação entre o factum probans e o factum probandum, de maneira que o resultado natural dessa conexão seja uma conclusão racional e lógica amparada na prova indiciária.

92 - Tendo em vista que o pressuposto de toda condenação criminal sob a égide de um Estado Democrático de Direito é a superação do princípio da presunção de inocência, por meio de uma produção probatória que vá além de qualquer dúvida razoável em favor do acusado, torna-se exigível que na apreciação judicial da força persuasiva da prova indiciária, a conexão entre o fato-base (indícios) e o fato-consequência (fato presumido) seja realizada de modo a se alcançar a certeza jurídica amparada em uma elevadíssima probabilidade ocorrência do fato principal objeto da controvérsia processual.

93 - Não existem indícios susceptíveis de fundamentar uma inferência lógica de que o arguido actuou com a intenção de se beneficiar a si próprio ou de beneficiar os empreiteiros/adjudicatários.

94 - Não se consegue com a certeza e única opção possível, a partir da fundamentação da matéria de facto provada, um juízo seguro e com uma probabilidade próxima da certeza sobre a actuação dolosa, na modalidade de uma intenção do arguido de beneficiar ou prejudicar alguém.

95 - Pois, não se consegue inferir qualquer elemento que permita estabelecer um elo entre a actuação do arguido e intenção de se beneficiar a si próprio ou os empreiteiros/adjudicatários.

96 - A fundamentação do acórdão recorrido afigura-se marcadamente genérica e conclusiva, aflorando benefícios para os empreiteiros/adjudicatários e para o arguido insuficiente concretizados, não tendo sido produzida qualquer prova que sustentem tais benefícios.

97 - O tribunal “a quo” ao fixar aqueles factos supra indicados como “Provados” errou na aplicação das regras próprias do silogismo judiciário, afirmando fixados, por presunção natural, factos que nem estão indiciados por quaisquer factos base, nem decorrem, por raciocínio lógico, da aplicação aos factos base de quaisquer regras de experiência.

98 - O crime de prevaricação encontra-se razoavelmente limitado por dois elementos subjectivos que o caracterizam e o distinguem: a exigência de dolo directo e a intenção específica de prejudicar ou beneficiar alguém.

99 - Ou seja, para além dos três elementos do dolo directo (intelectual, volitivo e emocional), o crime de prevaricação exige também, um dolo específico que consiste na intenção de prejudicar ou beneficiar alguém – neste sentido Ac. STJ de 20.06.2012, disponível em www.dgsi.pt.

100 - Neste contexto, o bem jurídico protegido com a incriminação da prevaricação em causa é a realização da função administrativa autárquica segundo o direito e no interesse do bem comum, sem ilegalidades, nem compadrios ou malquerenças particulares – Cfr. Ac. do TRL de 09.11.2011 in www.dgsi.pt

101- Por tudo isto, é manifesto que e ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, os factos integradores do tipo objetivo não podem servir de base à presunção judicial dos factos integradores do tipo subjetivo.

102- No fundo, permitir como pretende o Tribunal “a quo” que os factos integrados do tipo objetivo sirvam de base à presunção judicial dos elementos do tipo subjetivo, “quase resulta numa responsabilidade criminal de natureza objectiva, impensável no nosso sistema penal “– (cfr. neste sentido Ac. do TCAN de 26.03.2009, in www.dgsi.pt )

103- A prova do dolo directo e do dolo específico exigidos pelo crime de prevaricação, porque se traduz na prova de factos internos, deve basear-se em factos instrumentais próprios, que não integradores da mera conduta externa exigida pelo tipo objectivo, sendo que quanto aqueles factos instrumentais próprios o Tribunal a quo não indicou, em concreto, um que fosse!!!

104- Contrariando o modo como o tribunal “a quo” formou a sua convicção, não se pode demonstrar, in casu, o facto presumido – intenção de prejudicar ou beneficiar alguém – com base nos factos integradores do tipo objetivo do crime de prevaricação.

105- Ou, dizendo de outro modo, não está certo nem demonstrado que foram apenas interesses privados e não os interesses do município, que motivaram a adjudicação aos empreiteiros dos eventuais “trabalhos a mais” ou “trabalhos adicionais”, da forma que o foram.

106- Para que se pudesse afirmar a prática por parte do arguido de um crime de prevaricação, relativamente a cada uma das obras realizadas, teria de se ter alcançado, que não se alcançou, para além da certeza da actuação consciente e contra direito, a certeza de que tal actuação visava tão só beneficiar o próprio ou os empreiteiros que já estavam em obra, isto é, de que não teve o interesse público a justificá-la.

107- O Tribunal “a quo” não dá como provado – porque o mesmo não existe - qualquer facto-base que sustente a presunção com base na qual se dá por demonstrada aquela intenção do arguido/recorrente ter atuado com a intenção de se beneficiar a si próprio ou alguma das sociedades empreiteiras/adjudicatárias.

108- Por outro lado, e relativamente à imputada vontade eleitoralista do arguido, também não ficou demonstrado que o arguido utilizou a realização das obras em causa como argumento eleitoral nas eleições a que concorreu.

109- Por conseguinte, a convicção expressa no acórdão recorrido é inadmissível à luz da sua fundamentação, não podendo extrair-se dos elementosobjetivos dados como provados pelo tribunal de 1ª instância, o elemento subjetivo, sendo assim errada a formação da presunção judicial que conduziu à condenação penal do arguido.

Acresce ainda que,

110 - Verificando-se uma falha evidente na utilização de uma presunção judicial ou natural que resulte do texto da fundamentação de uma decisãoda matéria de facto, tal corporiza um erro notório, nos termos do disposto no art.º 410.º, n.º 2, al. c) do CPP.

111 - Há erro notório na apreciação da prova se o tribunal conclui pela existência de factos assentes numa regra que não é de experiência comum e apenas corresponde a um convencimento subjectivo do juiz sem suporte objectivo e racional – “vide gratiae” Acórdão do TRE de 13.09.2022, Proc. n.º 148/18.5GBSTC.E3, in www.dgsi.pt.

112- Desta forma, padece o acórdão recorrido de vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no art.º 410.º, n.º2, al. c) do CPP, o que aqui expressamente se invoca e é do conhecimento do Tribunal “ ad quem”.

113 - Ou e caso assim, se não entendesse, sempre teria o acórdão recorrido incorrido em vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto no art.º 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, uma vez que a matéria de facto é insuficiente para a decisão tomada.

TAMBÉM SEM PRESCINDIR,

114 - O crime de prevaricação de titular de cargo político, tem a sua base de incidência penal o art.º 11.º da Lei n.º 34/87, de 16/07 (crimes de responsabilidade de cargos políticos) e é, antes de mais, um crime praticado por titulares de cargo político no exercício das suas funções.

115 - O bem jurídico protegido com a incriminação da prevaricação em questão é a autonomia intencional do Estado, a realização das funções de Estado segundo o direito e no interesse do bem comum, sem ilegalidades, nem deliberado privilégio ou prejuízo de interesses particulares. Tem-se em vista “(…) a necessidade de assegurar aos cidadãos que qualquer serviço que envolva a prestação de uma actividade pública funciona de acordo com a lei, respeitando o ordenamento jurídico, com eficácia de actuação (…)”, salvaguardando-se a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e na credibilidade destas - Cfr. Maria do Carmo Silva Dias, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. I, pág. 751).

116 - A exigência de prejudicar ou beneficiar intencionalmente faz com que, de forma unânime, quer a doutrina, quer a jurisprudência considerem que a previsão normativa em causa só pode ser preenchida a título de dolo directo, estando dela excluídas as outra modalidades de dolo, designadamente, o dolo eventual, por o mesmo não ser compaginável com essa expressa exigência de uma actuação especificamente direccionada para o prejuízo ou benefício de terceiro (Cfr., neste sentido, entre outros, Ac. da RP de 20/10/93 in CJ, Tomo IV, 1993, pág. 261).

117 - Naturalmente que para além deste dolo específico, a lei exige que o titular de cargo político, ao actuar contra direito, saiba que assim está a agir, ou seja e dito de outro modo, o dolo, na sua vertente intelectual, tem naturalmente de abarcar o conhecimento dos elementos normativos da acção, das normas e princípios jurídicos em toda a sua extensão, que constituem o objecto da acção típica cuja representação tem de estar presente no espírito do agente para se poder concluir que o mesmo sabia que a sua actuação era contra direito.

118 - No fundo, o dolo deste tipo de crime, como se alcança das expressões «conscientemente» e «com intenção de» faz com que se conclua que o elemento subjectivo é aqui formado pela consciência de que se está a actuar contra direito, assim se actuando com o objectivo de prejudicar ou beneficiar outrem

119 - No entanto, o agente, além de titular de cargo político, nos termos definidos no art.º 3.º, n.º1, da Lei n.º 34/87, “terá de atuar no exercício das suas funções”,

120 – Sucede, porém, que no caso dos autos o arguido, em relação aos trabalhos adicionais executados pela Construtora..., Lda. e em relação ao ajuste directo com a sociedade M..., Lda, é condenado por dois crimes de prevaricação, em co-autoria.

121 - Ensina Carmo Dias que “[p]ara “conduzir” um processo é preciso ter o poder de o orientar, de lhe imprimir um determinado rumo, de acordo com o formalismo legal, e “decidir” implica proferir uma decisão de fundo sobre a questão (administrativa) que é colocada” (ibidem).

122 - Está, por isso, em causa um crime de mão própria, que só pode ser cometido com autoria directa, pelo agente que efetivamente conduz e decide, não admitindo comparticipação com base em autoria meramente indireta.

123 - Nesse sentido, ensina Figueiredo Dias que os “crimes de mão própria são os «os tipos de ilícito em que o preceito legal quer abranger como autores apenas aqueles que levam a cabo a acção através da sua própria pessoa, não através de outrem; quer abranger apenas pois, em princípio, os autores imediatos, ficando excluída a possibilidade da autoria mediata ;e mesmo da coautoria relativamente àqueles comparticipantes que não tenham chegado a executar por próprias mãos a conduta típica, não podendo, por isso, nestes casos, verificar-se a “comunicabilidade” a que se refere o art.º 28.º (cf. a parte final do n.º 1: “excepto se outra for a intenção da norma incriminadora”.

124 – Daqui decorre que, o arguido/recorrente dado os termos da acusação e da pronúncia nunca poderá ser condenado pela pratica de crime de prevaricação relativamente às obras que terão sido realizadas pela “Construtora..., Lda.”, nem pela sociedade “M..., Lda”.

Acresce ainda dizer:

125 - Só pode existir prevaricação, designadamente, para efeitos do Artº 11 da Lei 34/87, quando a condução ou decisão do processo se mostre, de forma, clara, objectiva, indiscutível, contrária às normas e princípios jurídicos.

126- Ou seja, só nas situações em que a norma jurídica é unívoca no âmbito da sua aplicação, é insusceptível de dúvidas na sua interpretação, é que se pode dizer que determinada decisão seja contra o direito ao não a aplicar.

127 - Desta forma, nos casos em que sejam admissíveis várias soluções jurídicas para uma determinada questão, não existe prevaricação desde que a decisão tomada se possa incluir no âmbito do juridicamente defensável (neste sentido, Cfr., neste sentido, Acórdão do STJ de 02/03/94, CJ, Ano II, Tomo III, pág. 614).

128 - Com efeito, nessas situações, não é possível dizer que o titular de cargo político, ao actuar como actuou, conduziu, ou decidiu processo contra direito, na medida em que a solução por si preconizada, ainda que politicamente discutível e juridicamente rebatível, é susceptível de ser defendida, também ela, em bases normativas.

129 - Ora, se o modo de condução do processo, ou o teor da decisão do mesmo é juridicamente defensável, naturalmente que não se pode concluir que haja condução ou decisão contra direito.

130 - O arguido não entrou no campo da ilegalidade, na medida em que as suas decisões podem ter acolhimento nos princípios que regem a actividade da Administração, não se podendo concluir que a sua actuação seja, de uma forma evidente, clara e incontroversa, claramente ilegal, até porque a própria Administração pública, na sua actividade, deve pautar-se, para alem, naturalmente, da prossecução do interesse público, pela permanente conciliação deste com os interesses privados.

131 – Não devendo o tipo de crime abranger situações dúbias, matérias passíveis de diferentes entendimentos, que nos atira para bem longe da indiscutibilidade jurídica que se exige para poder concluir pela responsabilidade criminal.

132 - A discordância dos procedimentos, o desacordo quanto àsnormas aplicáveis, a divergência em relação ao caminho assumido para a resolução dos problemas, sendo sadio, pode relevar, eventualmente, em sede de apreciação administrativa, mas não parece suficiente para demandar a tutela penal, que, comoúltimo ratio, somente deve ser convocada nas decisões que se tracem, indiscutível e manifestamente, contra direito.

133 - Por tudo o que se vem de dizer, somado ao que já atrás se disse, o arguido não actuou contra direito.

134 - O arguido, com formação na área da ... e com a profissão de ..., é um “leigo” na matéria em causa, sem qualquer formação jurídica e também sem qualquer formação na área da engenharia civil.

135 - A actuação do arguido pode, no limite, ser enquadrada como um mero erro procedimental, um erro de interpretação ou um erro de direito, mas nunca como uma actuação consciente contra direito, suficiente para demandar a tutela penal.

136 -É unanime na doutrina e na jurisprudência que a norma do artº 11 da Lei 34/87 só pode ser preenchida a título de dolo directo, estando dela excluídas as outras modalidades de dolo, designadamente o eventual ou até mesmo o necessário, por o mesmo não se conciliar com a expressa exigência de uma actuação especificamente direccionada para o prejuízo ou o benefício de terceiro.

137 - Não existe nos autos prova que permita afirmar que o Arguido/Recorrente tenha actuado de modo consciente e com o firme propósito de beneficiar ou prejudicar alguém.

FINALMENTE E AINDA SEM PRESCINDIR,

138 - Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou os princípios da presunção da inocência e do “in dúbio pro reo”.

139 - Os factos supra descritos e transcritos dados como provados pelo tribunal “a quo” e a consequente condenação do recorrente não resulta da prova produzida, a qual, na melhor das hipóteses, apenas criou dúvidas na sua veracidade.

140 - Relembramos que a convicção do tribunal, quanto àqueles factos, assentou apenas em prova indiciária.

141 - É, assim, manifesto que a alteração da matéria de facto efectuada pelo Tribunal “a quo” não tem boa fundamentação e não existem elementos quer na prova documental, quer na prova testemunhal, devidamente ponderada e criticamente analisada, permita dar por adequado ou até razoável a alteração efectuada pela decisão do Tribunal “a quo” quando decidiu incluir os factos supra indicados no elenco da matéria dos factos “Provados”.

142 - Estamos, sem dúvida, perante a violação do princípio do “in dubio pro reo”, que decorre do princípio constitucional da presunção da inocência, consagrado no artigo 32º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, que impõe ao julgador que, quando confrontado com a dúvida, razoável e fundada, em matéria de prova, que resolva essa dúvida em sentido favorável ao arguido.

143 - Em suma, é notório que, nos presentes autos foi, pelo menos, criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos que suportaram a condenação do recorrente, pelo que “a sua absolvição parece como a única atitude legitima a adoptar” .

Pelo que,

144 – O Acórdão recorrido por um lado, violou e, ou, aplicou erradamente o conjugadamente disposto nos arts. 2º, 20º e 32º da Constituição e os arts. 379º n.º1 al. c), 412º, 413º e 425º n.º4 do CPP e, por outro, violou e, ou aplicou erradamente o conjugadamente disposto nos arts. 2º, 20º e 32º da CRP, 352º, 355º, 356º, 358º, 371º e 383º do Código Civil e os arts. 127º, 412º n.ºs 3 e 4 e 413º n.º4 do CPP, art. 1º n.º 1 da Lei 46/2005 de 29 de Agosto e, o próprio art. 11º da Lei n.º 34/87.

NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE EXAS. VENERANDOS CONSELHEIROS, DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E,

a) JULGANDO-SE PROCEDENTE, POR PROVADA, A PRÁTICA DA INVOCADA NULIDADE DECORRENTE DA OMISSÃO DE PRONUNCIA DE QUE PADECE O ACÓRDÃO RECORRIDO, DEVE SER A MESMA DECLARADA, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUENCIAS;

E, SEJA DE UM OU DE OUTRO MODO,

b) DEVE REVOGAR-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO, ABSOLVENDO-SE O ARGUIDO DA PRÁTICA DOS CRIMES DE PREVARICAÇÃO QUE FOI CONDENADO NO ACÓRDÃO PROFERIDO NA 2ª INSTANCIA, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.”

I.3.2. Já o arguido BB finalizou a peça recursória com as seguintes conclusões:

“I. Nos presentes autos, não se cumpriu o comando constitucional do artº 32, nº 1 pois, conforme jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional o exercício do «direito ao recurso implica, naturalmente, que o recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar os fundamentos da decisão recorrida, com vista ao exercício consciente, fundado e eficaz do seu direito» e aquela norma exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.

II. A alteração introduzida no CPP pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro pretendeu acolher a jurisprudência maioritária mais recente do TC, vindo a garantir, supostamente, ao arguido o duplo grau de jurisdição.

III. A condenação do aqui arguido a pena de privação de liberdade, embora suspensa, não deixa de configurar uma forte limitação dos seus direitos mais ainda quando o duplo grau de jurisdição não funcionou relativamente à matéria de facto

IV. O recorrente foi condenado na prática de 4 crimes de prevaricação sem que tenha tido a possibilidade em questionar a decisão da 1ª instância relativamente à matéria de facto dada como provada, por impossibilidade legal, consubstanciada no ganho de causa e consequente falta de interesse em agir.

V. A lei também não lhe faculta esse direito, agora, face à limitação dos poderes de cognição que processualmente são concedidos ao tribunal ad quem.

VI. O recorrente apenas teve possibilidade de se pronunciar acerca da matéria de facto aquando da resposta ao recurso apresentado pelo Mº Pº que se restringiu à impugnação da matéria de facto dada como não provada.

VII. Por outro lado, o tribunal de que se recorre, não reapreciou a matéria de facto dada como provada pelo tribunal da primeira instância.

VIII. No entanto, aderiu à decisão do tribunal a quo, sem que tenha apreciado a eventual existência de qualquer erro de julgamento da matéria de facto, como a contrario, refere na pág. 146.

IX. Embora a decisão do tribunal coletiva possa configurar uma primeira garantia de acerto no julgamento da matéria de facto, o que é certo que, in casu, replicou-se a descrição da pronúncia sem sequer se corrigir a matéria de facto de acordo com a prova produzida em julgamento e resultante da prova documental, pelo facto de, supõe-se, com base em afirmação do próprio tribunal “ter formulado a intenção de absolver os arguidos

X. Por conseguinte, o acórdão da Relação não consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, quando o arguido não pode recorrer da matéria de facto nem sequer sobre ela se pronunciar no exercício docontraditório no recurso interposto pelo Ministério Publico da sua absolvição.

XI. In casu, ao recorrente é apenas reconhecido o direito a um grau de jurisdição da matéria de facto pois que o recurso para o Supremo Tribunal lhe veda a possibilidade de recorrer de forma ampla da mesma.

XII. Ao recorrente está significativamente cerceado o seu direito de defesa pois que a medida da pena está umbilicalmente associada ao número de ilícitos que lhe são imputados, de acordo com a matéria de facto e em circunstância alguma lhe é conferida a possibilidade de impugnação da mesma.

XIII. Deste modo, invoca-se a inconstitucionalidade da interpretação de que o recurso do acórdão proferido em recurso pelas relações nos termos do art 400, nº 1 e) do CPP apenas pode ter como fundamento o disposto no artº 434, quando a decisão condenatória apenas se fundamenta na diferente apreciação do preenchimento do elemento subjetivo específico do crime de prevaricação, não entrando numa efetiva reapreciação da matéria de facto, fixada pela 1ª instância, por violação do artº 32, nº 1 da CRP

XIV. Muito embora a reapreciação do acórdão recorrido deva, em princípio restringir-se à matéria de direito, não está vedado ao STJ, sendo imperativo para o conhecimento daquela, a ampliação da matéria de facto, a correção de evidentes erros ou a remoção de contradição insanável entre factos e a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artº 410, nº 2, als. a), b) e c) do CPP

XV. O acórdão recorrido padece destes vícios decisórios que devem ser apreciados de molde a evitar uma decisão de direito incorreta por se apoiar em matéria de facto insuficiente, fundada em erro de apreciação e ou até em premissas contraditórias e infundadas

XVI. A determinação da autoria das decisões para proceder aos trabalhos adicionais, e só estes é que estão em causa, é o elemento decisivo para a condenação do arguido e a função jurisdicional não se esgota na escolha da norma, mas também na precisão dos factos e da subsunção dos factos na norma escolhida para enquadrar o caso concreto.

XVII. O acórdão da 1ª instância fez copy and paste da acusação/ pronúncia, sem alterar a matéria de facto, apesar da prova produzida, pessoal e documental em sentido contrário, e o acórdão recorrido, apesar de ter detetado vícios na matéria de facto, acabou por replicar a descrição da 1ª instância, pelo que incumpriu o disposto no artº 374, nº 2, de modo que em obediência ao disposto no artº 370, nº 1 , face ao disposto no artº 425, nº 4 do CPP deve ser considerado nulo.

XVIII. O tribunal constatou que o acórdão do tribunal a quo padecia do vício da alínea b) do nº 2 do artº 410, contudo ao apreciar a verificação do elemento subjetivo do crime em causa, diz a fls 163-164 que “Ficou ainda provado em relação a todos os trabalhos a mais/ajustes directos das várias empresas supra identificadas os seguintes factos-iv) “Com o procedimento adoptado pelos arguidos ficou arredado qualquer exercício da concorrência (potencial e efectiva) garantida pelo concurso de outros eventuais adjudicatários/empreiteiros.

XIX. Apesar de ter considerado que o Tribunal a quo quis dar como não provados os factos que delimitou, e assim, decidiu que deviam constar dos factos não provados, “motivo pelo qual, não se justifica a remessa dos presentes autos à 1ª instância para correção do vício em apreço” (fls 151) acaba por elencá-los como Provados, na avaliação que vai fazer, incorrendo no mesmo vício

XX. O tribunal ignorou o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), relativamente à decisão do tribunal a quo que considerou não verificada a exceção de prescrição, relativa ás obras da H..., Lda

XXI. Ora o acórdão da 1ª instância que o ora recorrido sancionou, - apesar de não transcrever a concreta parte do acórdão relativa a este assunto – a este respeito diz o seguinte: (fls 178 a 180 ) “a questão só não será mais aprofundada porque a decisão a proferir será absolutória.”

XXII. Contudo o tribunal reconheceu que pronunciando-se o arguido pela prática do crime por ter dado uma ordem para a realização de trabalhos a mais em “ data não concretamente apurada entre o início e o fim da obra” é algo que, nesta sede de prescrição, impossibilita o contraditório e a defesa do arguido” XXIII. No entanto, não retirou daqui as devidas consequências, pois que se não teve o arguido direito ao contraditório, por deficiência ou impossibilidade da acusação/pronúncia não pode o arguido ser prejudicado, mas antes funcionar o princípio de in dúbio pro reo.

XXIV. O tribunal achou suficiente, exemplificar, em vez de demonstrar a incorreção da alegação do arguido, com o argumento de que “a questão só não será mais aprofundada porque a decisão a proferir será absolutória”, pelo que tendo o acórdão recorrido alterado esta decisão, deveria apreciar a contestação do arguido para além de obviamente, verificar se neste aspeto o acórdão padecia dos vícios do art. 410 do CPP.

XXV. Ora o acórdão recorrido alterou a decisão absolutória, razão pela qual se entende que também deveria apreciar a contestação do arguido na fundamentação da condenação, para além de obviamente, verificar se neste aspeto o acórdão padecia dos vícios do art. 410 do CPP.

XXVI. Acresce que resulta do acórdão a quo que é o auto de receção da obra que define o termo do prazo da prescrição quando é do conhecimento público que tal sucede tempos depois, por vezes muitos meses após a conclusão e por conseguinte muito depois da ordem ter sido dada.

XXVII. Por conseguinte, a improcedência da exceção de prescrição invocada, que o acórdão recorrido sancionou, configura erro de direito, por vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos da alínea a) do nº 2 do artº 410 do CPP, e por violação do princípio in dúbio pro reo que deve ser reconhecido e consequentemente, declarada a prescrição do primeiro crime por que o arguido foi condenado.

XXVIII. Acresce que foi dado como provado, fls 36 - que “Por despachos, de 31/10/2005 e de 1/08/2007, foi subdelegada no arguido BB, na qualidade de Vice-Presidente e Vereador em regime de permanência, a competência para aprovar despesas e projectos, programas de concurso, caderno de encargos, adjudicação relativamente a obras e aquisição de bens e serviços, até ao máximo de € 149.639,79.”

XXIX. O que é falso pois que está documentalmente demonstrado que pelo despacho de 01/08/2007 o Presidente da Câmara avocou as competências relativas às Obras Públicas.

XXX. Da motivação do tribunal a quo consta-fls 121 apenas que “Da extensa prova documental junta aos autos resulta a demonstração……. Os mandatos dos arguidos, a sua duração, as competências de cada um deles (com uma pequena excepção em relação ao arguido BB.).

XXXI. Ora o tribunal recorrido não vendo explicitada qual era a pequena exceção, competia-lhe, clarificar este assunto, pelo que acaba por dar como provado um facto que se prova por documento e por isso não o poderia ser.

XXXII. Foi dado como provado que os arguidos: - “Não acompanhando(nharam) a elaboração dos projectos, mesmo quando realizados por entidades externas, e procedendo à sua avaliação crítica, à luz do respectivo ajustamento às efectivas necessidades. E “Não garantindo um adequado acompanhamento e uma cuidada avaliação crítica dos projectos apresentados pelas adjudicatárias/ empreiteiros, para serem compatíveis com o programa base e com as necessidades a satisfazer”

E simultânea e contraditoriamente, - no ponto III, 2-fls 42 dá-se também como provado que inexistiam projetos ; - valora-se o depoimento do representante da H..., Lda, que “reconheceu que não havia projectos, apenas existindo uns esquiços, o que, aliás, segundo diz, se passa em muitas câmaras, apenas havendo esses projectos em trabalho de raiz e não em requalificações” - fls 111; - valora-se também o do engenheiro da Câmara responsável pelas obras que “esclareceu que não havia projectos nenhuns para as obras, salvo no caso das obras comparticipadas” e “esclareceu que as obras para ajuste direto iam a concurso apenas com mapas de medições feitas previamente no local, que davam origem a cadernos de encargos, que eram postos a concurso”- fls 119/120 .

E, em lado nenhum se identifica uma adjudicação com incumbência de elaboração de projeto pela adjudicatária.

XXXIII. Foi dado como provado o que consta do ponto: III.7 : Nos procedimentos concursais abaixo descritos os arguidos ……. deferiram pedidos de prorrogação graciosa com fundamento em condições climatéricas adversas e erros dos projectos ou indefinições dos trabalhos a realizar e locais de implantação, alargando os prazos contratuais, sem fundamentação e aplicação de multas, violando o disposto no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).”;

Contudo simultânea e contraditoriamente na motivação, - Valorou-se o depoimento do CC (fls 111) que “justificou as longas prorrogações de prazo com o surgimento de trabalhos a mais complexos que teriam de ser feitos previamente, …., chegando até a admitir que as prorrogações mais longas se destinavam a “empurrar” o pagamento para o ano orçamental seguinte; - E também do engenheiro responsável pelas obras da Câmara (fls 119/120) que “quanto às prorrogações de prazos, disse que foi obrigado a escrever o que consta dos documentos dos autos a esse respeito, porque como havia atrasos nos pagamentos, os empreiteiros atrasavam a obra, e era necessário formalizar isso com as prorrogações, E ainda que “ “Quanto às prorrogações de prazos, ficou o tribunal convencido … que se deviam à falta de pagamento por parte da câmara daquilo que mandava fazer, e à consequente paragem da obra por parte dos empreiteiros, destinando-se a “prorrogação” apenas a disfarçar a situação, procurando dar-lhe uma aparência de formalização ou legalização - (fls 123)

XXXIV. Foi dado como provado que o arguido ordenou verbalmente a realização de trabalhos a mais relativos às Escolas de ... e ... de ..., quando não se identifica qualquer prova que o comprove. Pelo contrário e conforme consta da motivação do acórdão do tribunal a quo que a decisão recorrida considerou (exaustiva e bem elaborada exposição) o representante da Construtora..., Lda., Sr. DD “em relação à obra na escola de ..., disse que foram necessários mais trabalhos, além dos que foram a concurso, que descreveu sumariamente, sendo levados a cabo por ordem do presidente da câmara de então, não tendo sido feito o respetivo pagamento.; e quanto aos da Escola... que “nos trabalhos a mais da escola ..., o presidente mandou fazê-los, mas depois não os pagou”. Fls.115.

XXXV. Para além disso e relativamente aos trabalhos adjudicados às obras da Escola..., no acórdão recorrido foi dado como provado, - fls.76 e ss, que: “Trabalhos adicionais: O arguido BB por despacho, de 15/11/2007, autorizou (…), E (…) Na sequência da informação datada de 9/04/2008, o arguido BB, com o conhecimento e anuência do arguido AA, decidiu e ordenou verbalmente a DD, …….

XXXVI. Ignorando a contestação do arguido que protestou que a “a rubrica e letra que consta do 1º despacho não é sua e que também não correspondia à verdade que na sequência da informação datada de 9/04/2008 e com o conhecimento do co-arguido AA tenha autorizado verbalmente a realização de obras no total de € 120.000,00, ..pois que nem sequer sabe a que se refere a informação de 9/4/2008 pois na pronúncia não identifica o documento. E o único constante da prova documental com aquela data nunca dele teve conhecimento

XXXVII. Ora, em audiência de julgamento o co-arguido reconheceu como sua a supramencionada assinatura do 1º documento e também que tinha ordenado trabalhos, na sequência da informação de 9/4/2008., pelo que não é minimamente aceitável que sem qualquer prova dos factos tenha sido o arguido condenado pela prática deste crime, porque o tribunal não quis alterar a matéria de facto e sem que o arguido dela pudesse recorrer.

XXXVIII. Também foi dado como provado que o arguido ordenou verbalmente a realização de trabalhos a mais relativos à obra do muro de ..., adjudicada à sociedade J..., Lda, sem que se indique qualquer meio de prova que o demonstre.

Questionado em tribunal pelo próprio Juiz Presidente, respondeu o empreiteiro EE que quem lhe deu a ordem de substituição foi o Presidente. Contudo, apenas se fez constar na motivação que “disse claramente quem deu as ordens para os trabalhos a mais, como tinha que ser,” e noutro passo “explicou o procedimento que levou à substituição da parte de cima do muro supra referido, tendo sido o presidente que deu autorização para tal; (muito embora pareça estar a referir-se apenas ao de ...) - vide fls 112 e 113.

XXXIX. O mesmo se diz a respeito da obra, e pela qual o arguido veio também a ser condenado, executada pela sociedade M..., Lda, pois que já foi evidenciado a falta de prova relativamente à matéria dada como provada

XL. Foi dado como provado o que consta da pronúncia: “ Ajuste directo: Por despacho do arguido AA, de 14/07/2011, com o conhecimento e anuência do arguido BB, e com convite ….., sem que se apresentasse qualquer prova que o demonstrasse.

XLI. Acresce no entanto que foi dado como provado que no “ Quadriénio de 2009/2013: Em decorrência das eleições autárquicas, por deliberação do executivo camarário, de 21/10/2009, foram delegadas no arguido AA todas as competências suscetíveis de delegação…… fls.36 do acórdão recorrido

XLII. E igualmente foi dado como provado, relativamente a este crime o que consta no ponto III-6, pág. 43 e ss, “….Tal desígnio do arguido AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) continuou com a entrada em vigor do D.L. n.º 18/2008, de 29/01….; Assim, foi imposto ao arguido AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) o impedimento de ordenar a execução de trabalhos a mais quando (art. 370.º, n.ºs 1 e 2 do CCP)…..- Tendo o contrato sido celebrado na sequência de procedimento de ajuste directo ao abrigo do disposto na alínea a) do art. 19.º; …….. Após a definição dos termos e condições a que devia obedecer a execução dos trabalhos a “mais” o arguido AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) devia celebrado contrato (art. 370.º, n.º 7 do CCP); …….. À luz do Código dos Contratos Públicos, o art. 376.º do CCP estabelece que o arguido AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) só podia ordenar a execução de trabalhos de suprimento de erros e omissões até 50% do preço contratual…..

XLIII. Daqui se conclui que o arguido não teve qualquer intervenção formal no procedimento, pelo que não pode simultânea e contraditoriamente ser dado como provado, que: “resulta dos autos com clareza que os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....), no exercício das suas funções, formularam o desígnio de gerir como bem entendiam o planeamento e a gestão,….Nem que : “Com a abertura do procedimento de ajuste directo, não obstante estar a decorrer um procedimento de concurso público para o mesmo local, os arguidos AA e BB visaram formalizar alterações ao projecto inicial, ……

XLIV. Nem pode ser condenado pelo crime de prevaricação por referência ao artº 69 da Lei 169/99, pois que mesmo que fosse demonstrada a anuência, o que não foi, tal não preenche o conteúdo da norma, o que configura erro de direito.

XLV. Deste modo, a fundamentação do acórdão recorrido, suporta-se em matéria contraditória e não devidamente apurada, pelo que é insuficiente para a decisão tomada.

XLVI. Acresce que da matéria de facto provada constam a transcrição de normas legais que não preenchem o conceito de factos – conforme o acórdão recorrido reconhece - pelo que deveriam, ser considerados como não escritos, a saber: Capitulo III, 2ª parte, Capitulo

III,1,3,4,5,6,8,9,10, Capitulo IV, V e parte final dos Capítulos VII,VIII,IX.

XLVII. Também foi dado como provado que: III 1 - (fls 37 e ss) , Os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) conduziram e decidiram ordenar verbalmente a execução de trabalhos adicionais; repetindo-se depois em III 7 - Nos procedimentos concursais abaixo descritos (fls 45 ) que o arguido violou o disposto na lei Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 ( Lei das Finanças Locais) que entrou em vigor em 01/01/2007, mesmo em relação às obras que foram adjudicadas à sociedade H..., Lda em 2004 e 2005 e concluídas e 2006.

XLVIII. Também foi dado como provado (nos pontos III e IV, fls 46 e ss) que o arguido incumpriu o Código dos Contratos Públicos, o DL.223/2009 de 11/09, o DL 278/2009 de 02/10; o DL nº 11/2010 de 14/12 ou o DL nº 149/2012, sem que se especifique em que circunstância isso sucedeu e apesar de no ponto III.6 -fls 43 apenas se imputa a violação ao co-arguido, nos seguintes termos .” Tal desígnio do arguido AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) continuou com a entrada em vigor do D.L. n.º 18/2008, de 29/01 que aprovou o novo Código dos Contratos Públicos.

XLIX. O mesmo se diga a respeito do incumprimento da Portaria nº 701-H/2008 que só entrou em vigor em finais de julho desse ano.

L. O acórdão do tribunal recorriso recorrido enferma ainda do vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do nº 2 do artº410 do CPP que o tribunal recorrido devia ter declarado

LI. Com efeito, relativamente à matéria de facto, na motivação do acórdão da primeira instância, e que o acórdão recorrido considerou exaustiva e bem elaborada, foi justificada a factualidade dada como provada, não com base na prova, mas apenas na circunstância de “ ….. ficou plenamente convencido que qualquer que fosse o arguido a dar a ordem, fazia-o de acordo e combinado com o outro; só assim, com esta total sintonia, se compreende que estes dois homens possam ter desempenhado estes dois cargos (presidente e vice-presidente) autárquicos durante 12 anos sem conflitos ou desentendimentos; e note-se que para dar a ordem não é preciso ir à obra (pergunta repetida à saciedade: os arguidos iam às obras?), bastando um sim ao telefone, ou num corredor da câmara, ou num outro sítio qualquer – o que é fundamental para dar a ordem é ter poder para tal, e isso os arguidos tinham, aliás, só eles tinham.”

LII. Contudo o tribunal a quo enquadrou o objeto do julgamento de facto da seguinte forma: “Assim, a matéria de facto cuja prova essencialmente está em causa é a que tem que ver com a autoria das decisões para proceder aos referidos trabalhos (fls 122 do acórdão recorrido). Pelo que apesar de ser essencial determinar quem efetivamente deu a ordem, vem o tribunal decidir que isso afinal é indiferente, apenas com base em meras conjeturas, suposições sem qualquer aderência à prova, mesmo indireta.

LIII. Até porque o tribunal não diz nem podia, porque não apurou, se efetivamente, existiram ou não desentendimentos entre os arguidos e não podia ignorar o depoimento do representante da Construtora..., Lda., que “ foi, à semelhança do depoimento de EE, um depoimento sério, credível e isento, com conteúdo verosímil e razoável, no qual o tribunal acreditou; Nem o deste que anteriormente já tinha dito que “foi a primeira testemunha que teve um depoimento escorreito, verosímil, razoável, que não está comprometido com nada nem ninguém, que disse claramente quem deu as ordens para os trabalhos a mais, como tinha que ser” – fls 139.

LIV. Aliás se os arguidos estão mancomunados, como diz o tribunal, escapa à razão e normalidade das coisas que mesmo assim, o Presidente tivesse necessidade de retirar ao Vice as competências que anteriormente lhe tinha atribuído pelo despacho de 01/08/2007 e um vice-presidente não tem competência legal para intervir e corrigir atos que o Presidente concretizou no exercício de competências próprias, nem o Presidente precisa da anuência dos vereadores para a tomada de decisões que só a ele competem.

LV. Por fim, se assim fosse, então ambos os arguidos tinham que ser condenados pelos mesmos crimes em co-autoria.

LVI. Acresce que o tribunal recorrido alterando a decisão do tribunal a quo deu como provados os factos integradores do elemento subjetivo do dolo específico, e embora o dolo e o elemento subjetivo do crime constituam matéria de facto, a análise da decisão recorrida permite concluir que o processo lógico que foi seguido para considerar a matéria de facto como provada, não está correto.

LVII. Desde logo por que parte de matéria de facto incorretamente julgada e que devia ter sido corrigida o que é patente no acórdão e faz extrapolações a partir de premissas incorretas para além da deficiente concatenação a matéria de facto com a fundamentação.

LVIII. Atribui-se ao arguido uma atuação indevida ao longo de 12 anos de exercício de funções autárquicas, e que da parte dos arguidos houve uma “ilegalmente descontrolada e desenfreada febre construtiva” quando estão em causa trabalhos adicionais de 13, algumas das quais de muito reduzida dimensão adjudicou 11, tendo sido executadas, 4 entre 2004 e 2006, 1 entre 2004 e 2007, 1 em 2005, 2 entre 2005 e 2006 e 2 entre 2005 e 2007, pelo que não consta dos autos qualquer obra por ele adjudicada no período de 5 anos.

LIX. Malgrado tenha sido dada como provado que o arguido autorizou prorrogações de prazos sem justificação válida, certo é que alguns deles não foram utilizados, conforme resulta da factualidade provada e a justificação consta da motivação que se ignorou.

LX. O acórdão recorrido pretende integrar o elemento subjetivo do ilícito a partir dos elementos objetivos, o que conforme entendimento do Ac. do TCAN de 26-03-2009, (….) É que, no fundo, permitir que sejam os factos integradores do tipo objectivo a servir de base à presunção judicial dos elementos do tipo subjectivo, quase resulta numa responsabilidade criminal de natureza objectiva, impensável no nosso sistema penal”

LXI. O elemento que importa apurar é se o agente público conscientemente decidiu contra direito e com a intenção de beneficiar ou prejudicar alguém e o acórdão recorrido não fez qualquer apreciação negativa ou sequer uma mínima menção ao segmento do acórdão do tribunal a quo, - arredando-o ostensivamente da equação que concluiu: “ ……o primeiro

objectivo da actuação de qualquer político é manter-se no poder………. todos os presidentes de junta afirmaram que faziam uma lista de pedidos de obras e só algumas eram aceites pela câmara, o que desde logo inculca recusas, e, portanto, decisões não eleitoralistas. Por outro lado, podemos afirmar que não, se atendermos ao tipo de obras aqui em causa: pavimentações de ruas/estradas, beneficiação de escolas, saneamento, muros de suporte de terras, equipamentos desportivos, ou seja, despesas que não encerram em si, desde logo, o anátema do eleitoralismo…… Note-se que não houve uma testemunha a apelidar de eleitoralistas as obras em causa, ou a afirmar que em seu entender foi essa a intenção que presidiu ao comportamento dos arguidos, tendo até sido ouvido um vereador da oposição que negou terminantemente essa qualificação……!....... há um argumento invocado pelo arguido AA nas suas declarações que deve será acolhido a este respeito, por ser do conhecimento comum: grande parte do período dos mandatos dos arguidos diz respeito a um período em que a Europa e os seus governos defendiam o investimento público, designadamente na construção, como factor multiplicador da economia e como estímulo ao desenvolvimento………...” (fls 123/124)

LXII. Na sua fundamentação o acórdão recorrido perora acerca da “passagem à frente” do empreiteiro que não teve que recorrer, olvidando, por exemplo, que este empreiteiro que está em obra, de acordo com as regras da experiência, teria seguramente mais possibilidades de ganhar a nova adjudicação, pois que estaria em condições de apresentar uma proposta mais favorável, desde logo porque não teria despesas com a deslocação de pessoal, a deslocação de equipamento ou a instalação do estaleiro.

LXIII. Ao mencionar-se que “ano após ano, foram aceitando um pagamento algures num tempo futuro…”, ignora-se que a obras da H..., Lda foram adjudicadas, 5 entre 20/5/2004 e 9/07/2004 e 4 entre 1/3/2005 e 5/7/2005; as obras da Construtora..., Lda. foram adjudicadas em 18/6/2005 e 22/11/2006 e os trabalhos adicionais no mês de novembro de 2007; e quanto à J..., Lda, os arguidos foram condenados por causa de uma única obra e quanto à M..., Lda inexistiu qualquer falha no pagamento.

LXIV. O acórdão recorrido parte de conjeturas e presunções irreais e também em premissas que não têm apoio na matéria dada como provada, para além de não ter sopesado com a densidade que se nos afigura devida o trecho da motivação, referido na conclusão LXI, o qual aliás não mereceu qualquer comentário depreciativo ou outro qualquer

LXV. Pelo que de acordo com as regras da experiência de um homem médio, a consecução do interesse público de populações necessitadas, numa autarquia do interior, pobre e sem os recursos financeiros adequados, foi o único fito que norteou a atuação dos arguidos,.

LXVI. Não é correto pretender tirar uma conclusão com apoio nos “projectos apresentados empreiteiros” que não existiram e por conseguinte não podiam ter pouca ou nenhuma viabilidade, e muito menos ser irrealistas, até porque da matéria de facto não se identifica nenhuma obra em que isso tenha acontecido.

LXVII. Não se pode criticar a motivação do tribunal a quo a respeito de deficiente utilização de fundos europeus, quando na mesma apenas se fala em investimento incentivado pela Europa e seus governos que defendiam o investimento público

LXVIII. Não se pode afirmar que quase todas as obras ultrapassaram 100% do custo inicial quando as empresas, no âmbito da ação judicial que interpôs fizeram acordo com o Município em valores substancialmente inferiores e por conseguinte só em 5 das 11 obras foram autorizados trabalhos adicionais de mais de 100%, e porque na altura se julgou poder pagá-los, o que não aconteceu pela alteração da política (da Troika) do governo que reduziu substancialmente as transferências para as autarquias

LXIX. Já quanto aos atrasos e ausência de aplicação de multas, da prova produzida, conforme consta da motivação aqueles foram provocados pela autarquia pelo que não podia logicamente aplicar multas pelos atrasos que provocou, daí que nenhum prejuízo tenha advindo para a mesma.

LXX. Para além de que dos normativos legais, artº 201, nº 1 do DL 59/99, e Decreto-Lei n.º 6/2004, de 6 de janeiro, resulta a possibilidade de prorrogações graciosas.

LXXI. E nem todos os prazos prorrogados foram utilizados pelas adjudicatárias.

LXXII. Não existe qualquer prejuízo quando a autarquia paga obras que mandou fazer e cuja concretização atestou e foram reconhecidas pelo TAF.

LXXIII. Nem resulta qualquer benefício para o empreiteiro receber pela obra que realizou e não tem aderência com a matéria provada que se diga que ”… mesmo empreiteiro que não a soube realizar bem da primeira vez, a prolonga e atrasa no tempo”

LXXIV. Ficou demonstrado nos autos e consta da prova documental (auditoria feita pela K...) que em 2003 o Município tinha um passivo de €9.517.192,00 e um activo inferior de €8.024.205,00 (saldo negativo de €1.492.987,00) e em 2013, o Município tinha um passivo de € 31.384.931,00 e um activo superior de €51.931.614,00 (saldo positivo de €20.546.683,00 ).

LXXV. Pelo que a autarquia não foi lesada tanto assim que se constituiu assistente e não apresentou nenhum pedido de indemnização civil.

LXXVI. Não se pode concordar com afirmações e considerações a respeito da verificação do outro pressuposto do elemento do dolo específico, a perpetuação do poder, que por se nos afigurarem peculiares, só sinteticamente contraditamos.

LXXVII. Se os arguidos conscientemente prejudicaram a autarquia, então seguramente que não o fizerem com fins eleitoralistas.

LXXVIII. Se os arguidos causaram enormes transtornos e incómodos com obras infindas, seguramente que dificilmente seriam reeleitos, até porque a oposição disso saberia tirar partido

LXXIX. Contrariamente ao entendimento do tribunal a apresentação de obra pública não é crime e muito menos quando melhorou a vida dos munícipes, nem a correta utilização dos fundos europeus significa que apenas se pretenda ficar bem na fotografia, embora tal não se nos afigure ilegítimo.

LXXX. Já quanto à incapacidade psíquica que o tribunal parece ter detetado nos arguidos, justificaria, porventura que se tivesse extraído consequências acerca da sua (in) imputabilidade.

LXXXI. Os quatro Juízes, o Juiz de Instrução e o Coletivo do tribunal a quo ajuizaram bem ao decidir que não está preenchido o elemento específico do crime de prevaricação.

LXXXII. O arguido BB não é “entendido” em obras, nem tem formação jurídica nem formação na área da engenharia e confiou nos técnicos aos quais competia elaborar os concursos, selecionar os candidatos e propor aos políticos a adjudicação.

LXXXIII. O arguido, que a partir de 1/8/2007 foi afastado das obras públicas referidas, confiou nos serviços e naturalmente que não quis beneficiar qualquer empreiteiro, pois não foi ele quem os escolheu; sempre foram os serviços e os júris.

LXXXIV. Os empreiteiros não saíram beneficiados pois tiveram que pagar ao pessoal, pagar os materiais, pagar o IVA e só receberam anos e anos depois.

LXXXV. E aceitaram a realização de trabalhos adicionais porque acreditavam que os contratos haviam de ser formalizados e nunca foram, pela redução drástica de verbas para a administração local advinda com a crise de 2008. LXXXVI. O arguido entrou pobre para a Câmara e assim se mantém desde que saiu, tendo a polícia investigou o seu património e o dos parentes próximos e nada em sem desabono detetou.

LXXXVII. Por isso, o Mº Pº recorreu ao interesse na reeleição. O que não faz sentido.

LXXXVIII. Ao julgar demonstrado o dolo específico o Tribunal da Relação erra notoriamente e contra o direito quando revoga o acórdão absolutivo, pelo que deve ser revogado.

LXXXIX. Pois que da prova produzida em julgamento e conforme consta da motivação do acórdão a quo, resultou que as obras eram do interesse público e foram necessárias para o bem-estar dos munícipes e nem todas as necessárias foram realizadas pelo que não só não houve qualquer intenção de beneficiar os empreiteiros nem prejudicar a autarquia nem de garantir a reeleição.

XC. O interesse primário e único dos arguidos foi a realização do bem público, promovendo obras de pavimentações, melhoria de acessos, saneamento, e melhorias de equipamento absolutamente necessárias ao bem-estar dos fregueses e não quaisquer outras de cariz supérfluo ou sumptuário, conforme concluiu o acórdão do tribunal a quo.

XCI. E conforme se decidiu no ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, 09-11-2011, processo nº 311/09.0TAPTS.L1-3: “Actuando o agente como membro de órgão representativo de autarquia local e prosseguindo esta enquanto tal o interesse comum, parece que o cometimento do crime não ocorre quando a conduta em causa tenha em vista tão-só o interesse comum

XCII. No mesmo sentido se pronunciou a Relação de Guimarães por acórdão de 25-03-2019, processo nº 103/14.4TACBT.G1 “ Aqui chegados estamos, pois, em condições de concluir que para que se pudesse afirmar a prática por parte dos arguidos de um crime de prevaricação teria de se ter alcançado, para além da certeza da atuação consciente e contra direito, a certeza de que tal atuação visava tão só beneficiar o contratado, isto é, de que não teve o interesse público a justificá-lo”

XCIII. Relativamente ao enquadramento jurídico e da medida concreta da pena, muito embora, não pretenda diminuir e muito menos apagar a gravidade que em si encerra qualquer incumprimento da lei, o rigor de ponderação imporia que sendo a primeira adjudicação de 2004 e o ajuste direto em 2011, apenas se poderia falar em 7 anos, no entanto, o arguido nenhuma intervenção teve relativamente a esta última empreitada e as 11 adjudicações que fez ocorreram entre 2004 e 2006, no período de 2 anos;

XCIV. E fazendo apelo ao bom senso e às regras da experiência será de pressupor que no período de 10 anos, o arguido tenha adjudicado muitas mais obras, ao abrigo das suas competências, as quais não suscitaram qualquer problema de legalidade.

XCV. A autarquia não teve prejuízo financeiro com a realização de obras de interesse público que teve que pagar como pessoa de bem

XCVI. A finalidade do seu comportamento não podia ser a sua reeleição quando as obras melhoraram as acessibilidades e equipamentos públicos.

XCVII. O arguido reconheceu que efetivamente deu algumas ordens para a realização de trabalhos a mais.

XCVIII. O arguido mal foi condenado pelo crime de prevaricação em relação ao ajuste direto da M..., Lda, ao abrigo do disposto nos artºs 1,2,3, al i) e 11 da Lei 34/87 com referência ao artº 69 da Lei 169/99, pois que mesmo que fosse demonstrada a anuência, o que não foi, tal não preenche o conteúdo da norma.

XCIX. O acórdão recorrido deve ser revogado e, consequentemente, deve o arguido ser absolvido.”

I.4. Não houve resposta do Ministério Público.

I.5. Pela pena do Sr PGA veio parecer do MºPº neste Supremo.

I.5.1. Aí se diz, em síntese, relativamente ao recurso do arguido AA:

Não se verifica nulidade do acórdão porque, ao invés do alegado, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre as seis conclusões apresentadas a final das contra-alegações.

Não se detetam alterações da matéria de facto introduzidas pelo tribunal da Relação sem “motivos suficientes e justificatórios”. Porque, “percorrendo a fundamentação desenvolvida pelo Tribunal da Relação de Guimarães a este propósito (págs. 143-191) não se detetam quaisquer juízos contraditórios, incongruentes ou notoriamente inverosímeis ou irracionais.”

E quanto à subsunção jurídica dos factos, “Todos os elementos constitutivos do crime de prevaricação dos arts. 3.º, n.º 1, al. i), e 11.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, estão presentes.”

I.5.2. Aí se afirma, em resumo, quanto ao recurso do arguido BB:

Não enfermam de inconstitucionalidade os artigos 400º, nº 1, al. e), e 434º do CPP na interpretação de que daí resulta limita aos poderes de cognição do STJ, restringindo-os à matéria de direito, mesmo nos casos, como o presente em que o arguido é absolvido na 1ª instância, e, por via de recurso do MP, é condenado na Relação,

Não se verifica nulidade do acórdão por incumprimento do artigo 374 por alegadamente se ter limitado a replicar a descrição da 1ª instância, uma vez que o acórdão “reúne todos aqueles elementos que devem constar da fundamentação – factos provados e não provados, exposição dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão e indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (por remissão, necessariamente, para o acórdão da 1.ª instância) – e explicita de forma clara e desenvolvida as razões por que entendeu que o acórdão do Juízo Central Criminal de ... padecia dos vícios da contradição insanável da fundamentação (págs. 149-151) e do erro notório na apreciação da prova (págs. 152-183), e porque errou na apreciação da prova (págs. 183-191), ou seja, as razões que conduziram à alteração da factualidade provada.”

Não se verifica prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime que tem subjacente as obras levadas a cabo pela sociedade H..., Lda. Fundamentos da negativa: “Resultando do texto do acórdão que o recorrente foi constituído como arguido «em 2016» (último parágrafo da pág. 142) e sabendo-se que o prazo de prescrição do procedimento criminal do crime de prevaricação p. e p. pelo art. 11.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, é de 10 anos (art. 118.º, n.º 1, al. b), do Código Penal), interrompe-se com a constituição de ar-guido (art. 121.º, n.º 1, al. a), do Código Penal) e interrompe-se e, simultaneamente, sus-pende-se por 3 anos com a notificação da acusação (arts. 120.º, n.ºs 1, al. b), e 2, e 121.º, n.º 1, al. b), do Código Penal), e só terá lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, ou seja, quando tiverem decorrido 18 anos (art. 121.º, n.º 3, do Código Penal), parece-nos evidente que à data da prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães o procedimento criminal ainda não havia prescrito e que, por conseguinte, a alegação da violação do in dubio pro reo não tem qualquer consistência (a consulta dos autos confirma, aliás, que o recorrente foi constituído como arguido em 20 de julho de 2016 e foi notificado da acusação por via postal simples expedida em 20 de dezembro de 2019 e depositada na sua caixa de correio em 3 de janeiro de 2020). “

A invocada questão de aplicação de legislação que não se encontrava em vigor veio a ser ultrapassada “relativamente a cada uma das situações concretas nas quais são discriminados com exatidão os complexos normativos infringidos (assim, em relação à factualidade dos pontos VI e VII, foi essencialmente o do regime jurídico das empreitadas de obras públicas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, em relação à do ponto VIII, o do Código dos Contratos Públicos, e em relação à do ponto IX, face ao período de tempo abrangido, os destes dois regimes) e acaba por ser inócuo para o efeito da subsunção jurídico-penal das condutas do recorrente.”

Não se verificam os invocados vícios ao artigo 410º, nº 2.

A medida da pena mostra-se adequada e proporcionada.

I.6. Foi cumprido o artigo 417, nº 2, do CPP. Vieram respostas dos Recorrentes a reafirmarem o teor dos recursos e a discordarem do parecer do MP.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1.Factos dados como provados

II.1.1.Pelo acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos (já dados como provados pela 1ª instância):

“Factos provados.


I


Os arguidos AA e BB exerceram funções de Presidente e Vice-Presidente, respectivamente, na Câmara Municipal de .... nos quadriénios de 2002 a 2005, 2005 a 2009 e 2009 a 2013, ininterruptamente.

Quadriénio 2001/2005:

Em decorrência das eleições autárquicas, por deliberação do executivo municipal de 28/01/2002 foram delegadas no arguido AA, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal, as competências previstas no art. 64º, n.º 1, alíneas t), u), x) e bb), n.º 2, al. l) e n.º 5, alíneas b), c) e d) da Lei n.º 169/99, de 18/09 (Lei das Autarquias Locais (LAL), na redação dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11/01, alterada pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30/11 e pela Lei n.º 75/2013, de 5/09).

O arguido AA, por despacho de 23/01/2002, delegou as competências que detinha na área da contratação pública, no arguido BB, na qualidade de Vice-Presidente e Vereador em regime de permanência:

- A gestão urbanística e obras particulares, obras municipais, ambiente e proteção civil, até ao montante máximo de € 49.879,79;

- Autorização para realizar de despesas, nos termos da lei;

-Aprovação projectos, programas de concurso, caderno de encargos e adjudicação de empreitadas;

-Promoção da execução, por administração directa ou empreitada das obras e proceder a aquisição de bens e serviços.

Ao arguido AA ficaram adstritas as áreas e respetivas competências relativas à administração geral, recursos humanos, planeamento e ordenamento do território, bem como, na parte institucional, ligação às Juntas de Freguesia e Assembleia Municipal.

Quadriénio 2005/2009:

Em decorrência das eleições autárquicas, por deliberação do executivo municipal, de 3/11/2005, foram delegadas no arguido AA todas as competências susceptíveis de delegação previstas no art. 64º da Lei n.º 169/99, de 18/09 (LAL), na redação à data em vigor, designadamente as relativas à decisão sobre locação e aquisição de bens móveis e serviços e a aprovação de projetos, programas, caderno encargos e adjudicação de obras públicas e aquisição de bens e serviços, sendo subdelegadas competências, nos respectivos vereadores, em 3/11/2005.

Por despachos, de 31/10/2005 e de 1/08/2007, do arguido AA foram distribuídas funções pelos Vereadores, ficando adstritas à presidência as relativas a obras públicas municipais, finanças e desenvolvimento económico.

Por despachos, de 31/10/2005 e de 1/08/2007, foi subdelegada no arguido BB, na qualidade de Vice-Presidente e Vereador em regime de permanência, a competência para aprovar despesas e projectos, programas de concurso, caderno de encargos, adjudicação relativamente a obras e aquisição de bens e serviços, até ao máximo de € 149.639,79.

Quadriénio de 2009/2013:

Em decorrência das eleições autárquicas, por deliberação do executivo camarário, de 21/10/2009, foram delegadas no arguido AA todas as competências suscetíveis de delegação previstas no art.º 64º da Lei n.º 169/99, de 18/09 (Lei das Autarquias Locais (LAL), na redação dada pela Lei 5-A/2002, de 11/01, alterada pela Lei 67/2007, de 31/12, pela Lei Orgânica 1/2011, de 30/11 e pela Lei n.º 75/2013, de 5/09) com faculdade de subdelegação, destacando-se as relativas à decisão sobre locação e aquisição de bens móveis e serviços até € 750.000,00 e a aprovação de projectos, programas, caderno de encargos e adjudicação de obras públicas e aquisição de bens e serviços.

Na mesma data o arguido AA subdelegou no arguido BB, na qualidade de Vice-Presidente e Vereador em regime de permanência, competência para aprovar despesas, projectos, programa de concurso, caderno de encargos e adjudicação relativamente a empreitadas de obras públicas e aquisição de bens e serviços, até ao máximo de € 24.939,89.

O arguido AA manteve as funções relativas a obras públicas municipais e finanças e desenvolvimento económico, tendo por despacho de 18/10/2009, delegado competências próprias, que envolvessem despesa até € 24.939,89, nos mesmos termos em que o tinha feito no mandato anterior.

Os arguidos assumiram assim todos os poderes de gestão das empreitadas de obras públicas no Município de ....

II

No Município de ... a organização dos processos de empreitadas de obras públicas estava a cargo da Divisão Administrativa, - Divisão de Obras e Serviços Urbanos (DOSU) e da Divisão Financeira (DF) (Aviso n.º 913/2003, DR II-Série, N.º 31, 6/02/2003; Aviso n.º 25571/2008, DR II-Série, N.º 206, 23/10/2008 e Despacho n.º 19388/2010, DR II-Série, N.º 353, 31/10/2010), e em2013 Divisão Municipal Financeira (DAM)- Secção de Contratação Pública e Secção de Contabilidade (Despacho n.º 1294/2013, DR II-Série, N.º 14, 21/01/2013). III

Os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....), no exercício das suas funções, formularam o desígnio de gerir como bem entendiam o planeamento e a gestão, nas datas abaixo indicadas, das empreitadas de obras públicas, conduzindo e decidindo, de forma contrária à lei e com plena consciência disso, a execução de trabalhos adicionais, fraccionando e agravando a despesa pública do Município de ....

Na implantação desta estratégia os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) passaram a gerir as empreitadas de obras públicas e os recursos públicos da Câmara Municipal de .... sem atender que estavam investidos no especial dever de isenção, de probidade e de cuidado na prossecução do interesse público, que lhes impunha o conhecimento e respeito pelos princípios da igualdade, imparcialidade, da transparência e da concorrência e regras estruturantes da contratação e na execução das obras públicas e da gestão financeira pública.

Os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) conduziram e decidiram ordenar verbalmente a execução de trabalhos adicionais:

- Não cumprindo a obrigação legal e gestionária de aprovar projectos de obras públicas rigorosos, que definissem, com a máxima precisão, as finalidades e características das obras a realizar e as características dos respectivos terrenos de implantação.

- Não zelando para que os projectos cumprissem as exigências legais e regulamentares aplicáveis ao tipo de obra em causa.

- Não acompanhando a elaboração dos projectos, mesmo quando realizados por entidades externas, e procedendo à sua avaliação crítica, à luz do respectivo ajustamento às efectivas necessidades.

- Não promovendo a cuidada revisão dos projectos antes da sua colocação a concurso, designadamente actualizando os projectos antigos e compatibilizando os projectos das várias especialidades ou de empreitadas relacionadas entre si.

- Não adoptando, quando aplicável, o procedimento de revisão de projectos.

- Não garantindo um adequado acompanhamento e uma cuidada avaliação crítica dos projectos apresentados pelas adjudicatárias/ empreiteiros, para serem que compatíveis com o programa base e com as necessidades a satisfazer.

- Não procedendo à expressa autorização dos trabalhos adicionais, e fundamentação da decisão de forma suficiente e adequada, o que incluía a explicitação das circunstâncias de facto que justificaram os trabalhos e a qualificação legal que os legitimou. - Não observando os requisitos legais fixados nos arts. 26.º e 45.º do D.L. n.º 99/99, de 2/03 (RJEOP)/arts. 370.º e 376.º, ambos do Código dos Contratos Públicos (CPP) para a realização dos trabalhos adicionais e proceder à sua verificação rigorosa antes da respectiva autorização.

- Não atendendo, para esse efeito, que “circunstâncias imprevistas” eram apenas aquelas que fossem qualificáveis como inesperadas ou inopinadas, ou seja, como circunstâncias que o decisor público normal, colocado na posição do real decisor, não podia nem devia ter previsto.

- Não estando cientes de que só podiam ser qualificados como suprimentos de erros e omissões ou como trabalhos a mais prestações estritamente necessárias à integral execução da obra contratada, o que excluía as modificações resultantes das alterações das suas vontades e as melhorias dos projectos.

- Não identificando de forma clara os autores dos actos de autorização dos trabalhos adicionais e das despesas deles resultantes.

- Não formalizando sempre, em adicional aos contratos de empreitada, as alterações por trabalhos aditados ou suprimidos.

- Não celebrando atempadamente esses contratos adicionais.

- Não tendo presentes as regras de autorização e realização de despesas públicas, que incluíam a cabimentação prévia das mesmas.

- Não observando o princípio da unidade da despesa e a inerente proibição do seu fracionamento, atendendo ao disposto no art. 16.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8/06, bem como ao disposto no art. 45.º, n.ºs 1 e 4 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP)/arts. 22.º, 370.º, n.º 2, alíneas c) e d), e n.º 5, e 376.º, n.º 3, todos do Código dos Contratos Públicos (CCP).

III.1

Com efeito, não obstante os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) conhecerem de forma detalhada os princípios e regras estruturantes das empreitadas de obras públicas, designadamente que estavam obrigados a instruir os procedimentos concursais com projectos das obras a executar, só os elaboraram ou solicitaram quando estes foram objecto de financiamento comunitário ou da Administração Central, impedindo ou dificultando o controlo da execução dos trabalhos adjudicados e a aferição das correspondentes qualidades e quantidades.

As telas finais e as plantas de localização das empreitadas abaixo descritas só foram elaboradas em Abril de 2014, na sequência do inquérito às empreitadas de obras públicas do Município de ... realizado pela Inspecção - Geral de Finanças (IGF).

Deste modo, sem projectos rigorosos e detalhados das obras a executar, para contemplar e prever todas as situações tidas por necessárias e adequadas, tanto do ponto de vista técnico como do funcional ou do estético, os arguidos deixaram para a execução da obra a procura de soluções e a realização de obras novas consoante o propósito acima descrito Os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) estavam bem cientes que a tinham a obrigação de colocar a concurso projectos rigorosos e detalhados das obras públicas a realizar.

Os projectos deviam contemplar e prever todas as situações tidas por necessárias e adequadas, tanto do ponto de vista técnica como do funcional ou do estético, não deixando para a execução da obra pública a procura de soluções.

Esta obrigação tinha consagração nos arts. 10.º e 63.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP) onde se estabelecia, designadamente, que as peças do projecto a exibir no concurso eram as suficientes para definir a obra, incluindo a sua localização, a natureza e o volume dos trabalhos, o valor para efeito do concurso, a caracterização do terreno, o traçado geral e os pormenores construtivos.

Também no Código dos Contratos Públicos (DL n.º 18/2008, de 29/01; DL n.º 223/2009, de 11/09; DL n.º 223/2009, de 11/09; DL n.º 278/2009, de 02/10; DL n.º 131/2010, de 14/12 e DL n.º 149/2012, de 12/07), o art. 43.º estabelece que o programa e o projecto de execução da obra faziam parte do caderno de encargos e determinava a nulidade deste quando o projecto de execução não fosse integrado pela lista completa de todas as espécies de trabalhos necessárias à execução da obra a realizar e pelo respectivo mapa de quantidades, quando não fosse acompanhado dos estudos necessários, designadamente os estudos geológicos e geotécnicos, ou quando o programa e o projecto de execução não observassem o conteúdo obrigatório fixado em Portaria.

Por seu turno, a Portaria n.º 701-H/2008, de 29/07, que aprovou as instruções para a elaboração de projectos de obras, fixou o conteúdo obrigatório do programa e do projecto de execução referido no art. 43.º e estabeleceu ainda os procedimentos e normas a adoptar na elaboração e faseamento de projectos de obras públicas.

Nas instruções aprovadas por esta Portaria foram definidas várias fases para a elaboração do projecto, que preveem a apresentação de diversos documentos preliminares (Programa preliminar, Programa Base, Estudo Prévio e Anteprojecto) que seriam aprovados pelo dono da obra antes da elaboração do Projecto de Execução.

Assim, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) deviam ter ordenado a elaboração ou solicitado aos concorrentes a elaboração de projectos, e quando existiam deviam ter acompanhado de perto a elaboração destes, analisando alternativas, optando e aprovando aqueles que melhor se ajustavam às finalidades e às características orgânicas e funcionais pretendidas. Findo este processo, ficariam definidos de forma rigorosa os trabalhos a executar.

A obrigação de patentear a concurso projectos rigorosos recaía sobre os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....), mesmos quando recorressem a outras entidades para a sua elaboração. Sucede que, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) alhearam-se da elaboração e definição dos projectos, elaborados no seio dos seus serviços ou por terceiros, para, posteriormente, poderem invocar que estes não correspondiam às suas necessidades e preferências e corrigi-los para os ajustar às mesmas.

Deste modo, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....):

- Não definiram prévia e claramente os objectivos das empreitadas, as características orgânicas e funcionais pretendidas;

- Não acompanharam o processo de elaboração dos projectos;

- Não asseguraram a revisão e a aprovação dos projectos à luz das finalidades a prosseguir, em especial quando eles fossem feitos por entidades externas.

Com esta actuação contrariaram o disposto no art. 14.º das Instruções aprovadas pela Portaria n.º 701-H/2008, exigindo que os projectos deviam conter os elementos necessários ao cumprimento da legislação aplicável às respectivas obras, regra repetida nas Subsecções dessa Portaria relativas aos diversos tipos de obras.

Deste regime decorre, assim, que o rigor dos projectos era uma imposição legal de um conteúdo obrigatório que, a não serem cumpridos, feria de nulidade os cadernos de encargos e os actos deles subsequentes.

Era também essencial que os projectos contemplassem o cumprimento de toda a regulamentação específica aplicável existente à data da sua aprovação, pelo que a sua não consideração não era já uma questão de deficiência, mas sim de invalidade jurídica dos cadernos de encargos em que os mesmos se integravam e dos procedimentos por eles sustentados.

O necessário rigor dos projectos, quando existiam, impunha que os arguidos tivessem fornecido aos projectistas dados correctos e actualizados e lhes exigissem visitas aos locais de implantação das obras, o que não aconteceu.

Esse necessário rigor impunha também que os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....)promovessem a elaboração, revisão e actualização de projectos.

Deste modo, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....), antes de pôr uma obra a concurso, deveriam ter verificado se tudo quanto era necessário à sua realização estava ou não previsto e ter ordenado a elaboração de projecto.

E se queriam introduzir melhorias no projecto existente deviam tê-lo feito antes do lançamento do concurso.

III.2

Para além da falta projectos ou de projectos pouco rigorosos, a fiscalização da execução das empreitadas de obras públicas resumiu-se, nos casos em foi assegurada pelos serviços municipais, à elaboração de autos de medição, não existindo relatórios e livros de obras que permitissem a monitorização e controlo posteriores do desenrolar dos trabalhos realizados e eventuais anomalias registadas ao longo da execução, não sendo cumprido deliberadamente o disposto nos arts. 178º a 182º doD.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

III.3

Durante a fase de execução das empreitadas de obras públicas os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) decidiram ordenar verbalmente a execução de trabalhos adicionais, que consubstanciaram obras novas, desrespeitando o regime jurídico de trabalhos a mais ou de erros e omissões sem terem ocorrido circunstâncias imprevistas durante a fase de execução das obras, e excederam o limite legalmente fixado, fraccionando e aumentando, deste modo, o custo das obras públicas face aos valores dos contratos inicialmente celebrados, conforme abaixo descrito.

Com efeito, os arguidos decidiram não observar o prescrito no D.L. n.º 59/99, de 2/03 (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas – RJEOP) com o objectivo de contornar o controlo de custos de obras públicas para evitar a restrição da aumento de custos resultantes, ordenando ou autorizando a realização de trabalhos adicionais sem atender que os trabalhos a mais só podiam ser realizados por não terem sido previstos ou incluídos no contrato, nomeadamente no respectivo concurso e projecto, tinham que se destinar à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista, desde que se verificasse qualquer das seguintes condições (art. 26.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 59/99, de 2/03(RJEOP):

- Quando esses trabalhos não podiam ser técnica ou economicamente separados do contrato, sem inconveniente grave para o dono da obra;

- Quando esses trabalhos, ainda que separáveis da execução do contrato, fossem estritamente necessários ao seu acabamento.

Só perante circunstâncias inesperadas, inopinadas que não pudessem nem devessem ter previsto podiam recorrer a trabalhos a “mais” em sede de empreitadas de obras públicas.

Daí que os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....), como responsáveis conscienciosos, não podiam ter ordenado a execução de trabalhos a mais ou trabalhos de suprimento por erros e omissões quando as circunstâncias que os justificaram eram conhecidas ou reconhecíveis, antes da abertura do concurso, e, por maioria de razão quando os trabalhos, pela sua natureza, consubstanciaram uma obra nova, não correspondendo à execução da mesma empreitada, e, por isso, não podiam ser executados sem a abertura de novo procedimento de escolha de co-contratante. Os trabalhos adicionais ordenados verbalmente pelos arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) resultaram de decisões erradas, que podiam e deviam ter sido acauteladas, de deficiências na concepção dos projectos de execução e das suas vontades de executarem obras novas, que não podiam, em caso algum fundamentar a realização de trabalhos adicionais, colocando em causa o fundamento do concurso e da adjudicação e deveriam ter sido submetidos à concorrência.

Não obstante os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....)saberem que na execução de trabalhos a mais, no regime do contrato administrativo de empreitadas de obras públicas, as adjudicatárias/empreiteiros deviam ser notificadas por escrito e receber por parte da fiscalização o projecto de alteração no qual não deviam constar preços diferentes dos contratuais ou anteriormente acordados para trabalhos da mesma espécie, caso esses trabalhos fossem executados nas mesmas condições dos previstos no contrato (art. 26.º, n.ºs 2, 4 e 5 do D.L. n.º 59/99, de 2/093 (RJEOP), não o fizeram.

Além disso, ao ordenaram verbalmente a execução dos trabalhos a mais que implicaram a adaptação/modificação do projecto de execução anteriormente aprovado deviam ter sido formalizados como contrato adicional ao contrato da empreitada, contrariando o prescrito no art. 26.º, n.º 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP.

III.4

Os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) sabiam também os trabalhos destinados a suprir deficiências nos projectos se destinavam, tão-só, a corrigir aspectos ou dados que se revelassem contraditórios ou desconformes com a realidade, só podendo ser utilizados se no decurso da execução da obra surgissem erros ou omissões provocadas por causas cuja previsão ou descoberta fosse impossível mais cedo (art. 14.º, n.º 1 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

No entanto, nas obras públicas abaixo identificadas as deficiências dos projectos foram além de incoerências entre peças concursais e desconformidades pontuais com a realidade, ou de lapsos ou imprecisões na identificação e quantificação dos trabalhos. Os ora arguidos revelaram manifestas faltas de previsão na quantidade e espécies de trabalhos necessários que deram a origem a significativos aumentos de trabalhos.

Apesar de só no final da obra se poder verificar em que medida as quantidades previstas no mapa de quantidades corresponderam às efectivamente realizadas, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) não podiam ter concedido um “cheque em branco” às adjudicatárias/empreiteiros quanto às quantidades de trabalho a realizar. Não podiam ter invocado deficiências várias e desculpáveis dos projectos, que eram grosseiras, e que não permitiam a sua qualificação como erros e omissões ou trabalhos a “mais” para legitimar o recurso a trabalhos adicionais.

Por regra, e ao contrário do que se impunha, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) não definiram, à partida e suficientemente, os objectivos e as características das obras públicas que pretendiam nem fizeram qualquer avaliação critica dos projectos para aferir do seu ajustamento à realidade.

III.5

Acresce que, os montantes globais dos trabalhos adicionais, ordenados verbalmente pelos arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) que excederam o limite percentual de 25%, não foram propositadamente contratualizados como trabalhos adicionais decorrentes de erros e omissões e de trabalhos a mais, e não foram incluídos no cálculo do montante global dos valores acumulados e submetidos a novos procedimentos prévios que lhes coubessem, como exigiam os arts. 45.º, n.ºs 4 e 5, 47º e 48º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 -RJEOP), com o consequente fraccionamento e derrapagem financeira nas empreitadas de obras públicas abaixo descritas.

Os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) deliberadamente repartiram o valor dos trabalhos adicionais nas empreitadas abaixo descritas, visando, deste modo, a sua não sujeição ao regime dos n.ºs 1 e 4 do art. 45º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), sem considerar que tais trabalhos podiam e deviam ser considerados como um só, em obediência ao princípio unitário da despesa afecta a certa finalidade (art. 16.º, n.º 2 do D.L. 197/99, de 7/06- Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública. Este artigo entrou em vigor por força da Resolução da Assembleia da República n.º 86/2011, de 11/04l, que faz cessar a vigência do DL nº 40/2011, de 22/03, que revogava o mencionado artigo, que o Código dos Contratos Públicos mantivera em vigor por força da alínea f) do n.º 1 do artº 14 do DL 18/2008, que aprovou o CCP).

III.6

Tal desígnio do arguido AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) continuou com a entrada em vigor do D.L. n.º 18/2008, de 29/01 que aprovou o novo Código dos Contratos Públicos(CCP - este diploma entrou em vigor seis meses após a data da sua publicação e o D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP) foi revogado integralmente a partir daquele prazo).

Como no regime anterior só podiam ser considerados trabalhos a mais aqueles que não estivessem previstos no contrato e que se tivessem tornado necessários à obra na sequência de uma situação imprevista; não podiam técnica ou economicamente ser separáveis do objecto do contrato sem inconvenientes graves para o dono da obra, ou mesmo que fossem separáveis, eram mesmo necessários para a conclusão da obra (art. 370º, n.º 1do CCP).

Não eram considerados trabalhos a mais aqueles que fossem necessários ao suprimento de erros e omissões, independentemente da parte responsável pelos mesmos.

Assim, foi imposto ao arguido AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) o impedimento de ordenar a execução de trabalhos a mais quando (art. 370.º, n.ºs 1 e 2 do CCP):

- Tendo o contrato sido celebrado na sequência de procedimento de ajuste directo ao abrigo do disposto na alínea a) do art. 19.º, o somatório do preço contratual com o preço atribuído aos trabalhos a mais, fosse igual ou superior ao valor referido naquela alínea;

- Tendo o contrato sido celebrado na sequência de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação e o somatório do preço contratual com o preço atribuído aos trabalhos a mais, incluindo os de anteriores trabalhos a mais, fosse igual ou superior ao valor referido na alínea b) do artigo 19.º, o anúncio do concurso não tenha sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia;

- O preço dos trabalhos a mais não podia exceder 5% do preço contratual, e a soma do preço dos trabalhos a mais e dos trabalhos para suprimento de erros e omissões só podiam vir a ser executados até ao valor limite de 55% do preço contratual.

- E, apenas, quando estivessem em causa obras cuja execução fosse afectada por condições naturais imprevisíveis, tais como, obras marítimas-portuárias e obras mais complicadas do ponto de vista geotécnico, em especial a construção de túneis, em que o limite do preço atribuído aos trabalhos era elevado para 25% do preço contratual, ficando implícito que o valor limite dos trabalhos para suprimento de erros e omissões não podia exceder 25% do preço contratual.

Após a definição dos termos e condições a que devia obedecer a execução dos trabalhos a “mais” o arguido AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) devia celebrado contrato (art. 370.º, n.º 7 do CCP).

E quando não se verificou algumas das condições necessárias à determinação da execução de trabalhos a mais acima referidas, os trabalhos não foram objecto de contrato celebrado na sequência de procedimento adoptado nos termos do disposto no título I- Tipos e escolha de procedimentos da parte II – Contratação Pública do Código dos Contratos Públicos.

À luz do Código dos Contratos Públicos, o art. 376.º do CCP estabelece que o arguido AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) só podia ordenar a execução de trabalhos de suprimento de erros e omissões até 50% do preço contratual (para este limite quantitativo é também contabilizado o valor de eventuais trabalhos a mais, resultantes de circunstâncias imprevistas - cf. artigo 370.º, n.º2, alínea d) do CCP), estando o empreiteiro obrigado à sua execução.

Nos termos do art. 61.º do CCP os erros e omissões são os que digam respeito a:

- Aspectos ou dados que se revelem desconformes com a realidade; ou

- Espécie ou quantidade de prestações estritamente necessárias à integral execução do objecto do contrato a celebrar;

- Condições técnicas de execução do objecto do contrato a celebrar que o interessado não considere exequíveis.

De acordo com o art. 370.º, n.º 4, do CCP, não são considerados trabalhos a mais aqueles que sejam necessários ao suprimento de erros ou omissões, independentemente da parte responsável pelos mesmos.

III.7

Nos procedimentos concursais abaixo descritos os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) definiram os prazos de execução das empreitadas, contudo deferiram pedidos de prorrogação graciosa com fundamento em condições climatéricas adversas e erros dos projectos ou indefinições dos trabalhos a realizar e locais de implantação, alargando os prazos contratuais, sem fundamentação e aplicação de multas, violando o disposto no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

III.8

Os trabalhos executados nos termos estabelecidos nos contratos de empreitada de obras públicas e nos trabalhos adicionais foram rececionados provisória e definitivamente sem quaisquer reclamações por parte dos adjudicatários/empreiteiros ou do dono da obra – Município de ..., representado pelos arguidosJosé AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....).

III.9

Os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....), na maioria das empreitadas de obras públicas, também não cuidaram de elaborar e notificar a conta final de acordo com o disposto nos arts. 220.º a 222.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de controlo e acompanhamento na execução destas.

III.10

Para dificultar o apuramento da legalidade e justificação dos trabalhos adicionais os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) não documentaram nem fundamentaram a necessidade de execução de trabalhos a mais e/ou trabalhos de suprimento de erros e omissões.

A própria quantificação e qualificação dos trabalhos não foi feita de forma clara e transparente, não se indicando as parcelas de custos consideradas, os trabalhos concretamente desenvolvidos ou as datas da sua realização.

Estas insuficiências prejudicaram a transparência das situações, a sua correcta qualificação e uma clara imputação das responsabilidades.

Para além do mais, os arguidos estavam cientes que estavam perante actos administrativos que fundamentaram a realização de despesas e que estavam sujeitos a requisitos de competência, legalidade e justificação financeira.

Como tal, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) estavam sujeitos ao requisito e dever de adequada fundamentação, nos termos da legislação financeira aplicável e dos arts. 124.º e 125.º do CPA (Código do Procedimento Administrativo -Velho). Esta fundamentação “deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto.”.

De resto, a falta de fundamentação de um acto administrativo, ou a sua insuficiente fundamentação, originam mesmo a invalidade jurídica do acto.

IV

Acresce que, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....), sabiam ainda que os trabalhos adicionais não formalizados só podiam ser autorizados em circunstâncias estritamente delimitadas por lei, pelo que a falta de invocação e demonstração de que essas circunstâncias se verificaram acarretava a ilegalidade financeira das respectivas despesas.

Refira-se, ainda, que tais trabalhos adicionais foram desenvolvidos sem qualquer autorização prévia e sem qualquer verificação de cabimento orçamental da respectiva despesa, e foram desenvolvidos pelas adjudicatárias/empreiteiros e só posteriormente foram reclamados os seus pagamentos aos arguidos.

Apesar de cientes, que a aprovação de trabalhos adicionais consubstanciavam actos geradores de despesa pública, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) não fizeram o acompanhamento regular da situação económico financeira do Município de ..., ponderando a viabilidade de assunção de compromissos e investimentos e se o orçamento municipal tinha inscrita a correspondente rubrica ou dotação necessária à cobertura financeira, prática que mantiveram na vigência do Plano de Saneamento Financeiro do Município de ... outorgado em 2009.

Nos trabalhos adicionais não formalizados os arguidos infringiram intencionalmente regras de prévia cabimentação orçamental, autorização, compromisso orçamental,e fracionaram a despesa pública, designadamente:

- Princípios de execução orçamental previstos no art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO): “6 - Nenhuma despesa pode ser autorizada ou paga sem que, cumulativamente: a) O facto gerador da obrigação de despesa respeite as normas legais aplicáveis; b) A despesa em causa disponha de inscrição orçamental, tenha cabimento na correspondente dotação, esteja adequadamente classificada e obedeça ao princípio da execução do orçamento por duodécimos, salvas, nesta última matéria, as exceções previstas na lei; c) A despesa em causa satisfaça o princípio da economia, eficiência e eficácia. 8 - O respeito pelos princípios da economia, eficiência e eficácia, a que se refere a alínea c) do n.º 6, deverá ser verificado, em particular, em relação às despesas que, pelo seu elevado montante, pela sua continuidade no tempo, uma vez iniciadas, ou por qualquer outro motivo envolvam um dispêndio significativo de dinheiros públicos.”,

- Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02:

“2.3.4.2, alínea d) - “As despesas só podem ser cativadas, assumidas, autorizadas e pagas, se, para além de serem legais, estiverem inscritas no orçamento e com dotação igual ou superior ao cabimento e ao compromisso, respectivamente.”; “2.9.2 - Os métodos e procedimentos de controlo devem visar os seguintes objectivos: a) A salvaguarda da legalidade e regularidade no que respeita à elaboração, execução e modificação dos documentos previsionais, à elaboração das demonstrações financeiras e ao sistema contabilístico; d) A aprovação e controlo de documentos; e) A exactidão e integridade dos registos contabilísticos e, bem assim, a garantia da fiabilidade da informação produzida; (…); g) A adequada utilização dos fundos e o cumprimento dos limites legais à assunção de encargos; (…); i) A transparência e a concorrência no âmbito dos mercados públicos;

j) O registo oportuno das operações pela quantia correcta, nos documentos e livros apropriados e no período contabilístico a que respeitam, de acordo com as decisões de gestão e no respeito das normas legais.” “2.9.10.4.2 - As aquisições de imobilizado se efectuam de acordo com o plano plurianual de investimentos e com base em deliberações do órgão executivo, através de requisições externas ou documento equivalente, designadamente contrato, emitido pelos responsáveis designados para o efeito, após verificação do cumprimento das normas legais aplicáveis, nomeadamente em matéria de empreitadas e fornecimentos;”.

2 - Por conformidade legal entende-se a prévia existência de lei que autorize a despesa, dependendo a regularidade financeira da inscrição orçamental, correspondente cabimento e adequada classificação da despesa.

3 - Na autorização de despesas ter-se-á em vista a obtenção do máximo rendimento com o mínimo de dispêndio, tendo em conta a utilidade e prioridade da despesa e o acréscimo de produtividade daí decorrente.

- Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais) - Princípios e regras orçamentais:

1- Os municípios e as freguesias estão sujeitos às normas consagradas na Lei de Enquadramento Orçamental e aos princípios e regras orçamentais e de estabilidade orçamental.”.

- Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública. Este artigo está em vigor por força da Resolução da Assembleia da República n.º 86/2011, de 11/04, que faz cessar a vigência do DL nº 40/2011, de 22/03, que revogava os mencionados artigos, que o Código dos Contratos Públicos mantivera em vigor por força da alínea f) do n.º 1 do artº 14 do DL 18/2008, que aprovou o CCP) – Unidade da despesa pública

“1 - Para efeitos do presente diploma, a despesa a considerar é a do custo total da locação ou da aquisição de bens ou serviços.

2 - É proibido o fraccionamento da despesa com a intenção de a subtrair ao regime previsto no presente diploma.”.

- Art. 5.º, n.ºs 1 e 5, ambos da Lei n.º 8/2012, de 21/02 (Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso das Entidades Públicas – LCPA) - Assunção de compromissos:

"1 - Os titulares de cargos políticos, dirigentes, gestores e responsáveis pela contabilidade não podem assumir compromissos que excedam os fundos disponíveis, referidos na alínea f) do artigo 3.º 5 - A autorização para a assunção de um compromisso é sempre precedida pela verificação da conformidade legal da despesa, nos presentes termos e nos demais exigidos por lei.”

V

Plano de Empréstimo de Saneamento Financeiro/Plano de Reequilíbrio Financeiro

Verificou-se ainda que o Município de ... (MA) aprovou, por deliberação da Assembleia Municipal (AM) de 28/01/2009, ao abrigo do art. 40.º da Lei n.º 2/2007, de 15/01 ( LFL - Lei das Finanças Locais, que foi revogada pela Lei n.º 73/2013, de 3/09 ( o mesmo acontecendo com o D.L. n.º 38/2008, de 7/03, o qual prevê, no art. 86.º, que “ Para os contratos de saneamento e reequilíbrio existentes à data da entrada em vigor da presente lei, (…) aplicam-se as disposições constantes da Lei n.º 2/2007, de 15/01, e do Decreto-Lei n.º 38/2008, de 7/03 (….). ”.),e do art. 4.º do D.L. n.º 38/2008, de 7/03, o Plano de Saneamento Financeiro (PSF), com o objectivo, designadamente de “ liquidar os compromissos assumidos pelo Município relativamente aos seus credores, permitindo um esforço da confiança entre as diversas entidades envolvidas (…) ”.

Consequentemente, em 23/02/2009 foi outorgado o contrato de empréstimo com a Caixa Geral de Depósitos, no montante de € 9.300.000,00, visado pelo Tribunal de Contas em 25/05/2009.

Não obstante o Município de ... já ter recorrido, em 2009, a um empréstimo ao abrigo do PSF (M€ 9,3), em 2012 apresentou uma situação de desequilíbrio conjuntural e estrutural ou de ruptura financeira.

Deste modo, em 25/09/2012 foi declarada pela Assembleia Municipal de ... a situação de desequilíbrio financeiro estrutural e, em consequência, deliberada a aprovação do Plano de Reequilíbrio Financeiro (PRF), assente, de forma articulada, na contratação de um empréstimo de reequilíbrio financeiro e na adesão ao Programa de Apoio à Economia Local ( PAEL - aprovado pela Lei n.º 43/2012, de 28/08, e regulamentado pela Portaria n.º 281-A/2012, de 14/09),tendo por base o plano de ajustamento previsto no referido Programa.

Na sequência de tal situação os membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais, através do Despacho conjunto n.º 4370/2013 (Publicado na 2.ª série do Diário da República de 26/03/2013), aprovaram a adesão do Município de ... ao Programa I do PAEL e autorizaram a celebração de um contrato de reequilíbrio financeiro Em 5/09/2013 foi celebrado o contrato de empréstimo – Programa de Apoio à Economia Local (PAEL) ente o Estado Português, representado pela Directora-Geral do Tesouro e Finanças, FF, e o Município de ..., representada pelo presidente da Câmara Municipal de ...., o ora arguido AA, no valor de € 4.424.690,88, tendo como objetivo o pagamento de dívidas do Município, vencidas há mais de 90 dias, reportadas, no Sistema Integrado de Informação da Administração Local (SIIAL), relativamente a 31/03/2012.

Tal contrato foi visado pelo Tribunal de Contas.

Em simultâneo, o Município de ..., em articulação com a adesão ao PAEL e com base no mesmo plano de ajustamento, também celebrou, em 4/07/2013 e em 5/07/2013, dois contratos de financiamento para reequilíbrio financeiro com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, no montante de € 5.019.218,04, e com a Caixa Geral de Depósitos, no montante de € 9.999.916,41,respectivamente, que foram visados pelo Tribunal de Contas.

Os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) ao assumirem despesas e compromissos sem inscrição, cabimentação e acima da capacidade financeira do Município de ... violaram reiteradamente o princípio do equilíbrio orçamental que se traduziu numa situação de desequilíbrio financeiro estrutural ou de ruptura financeira, declarada em 2009 e em 2012.

Em 2009 o Município de ... teve de contrair um empréstimo na CGD, no montante de € 9.300.000,00, e em 2012 aderiu ao PAEL, recebendo o montante € 4.424.690,88, e contraiu dois empréstimos, um na CCAM, no montante de € 5.019.218,04, e outro na CGD, no montante de € 9. 999.916,41, com o objetivo de consolidar a dívida e promover o ajustamento financeiro.

Da situação acima descrita resultou incapacidade financeira do Município de ... para fazer face aos compromissos assumidos e a oneração indevida dos orçamentos futuros, com a transferência de dívida assumida que devia ser paga por um dado orçamento anual para os subsequentes.

Concretizando,

VI

Empreitadas/Trabalhos a mais executados pela sociedade H..., Lda

VI.1

Beneficiação de estradas -... ao ...

Contrato inicial

O arguido BB por despacho, de 9/06/2004, adjudicou à sociedade H..., Lda, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, sob proposta da Comissão de Análise, ao abrigo dos arts. 47.º, 48.º, n.º 2, al. b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), a execução da empreitada de beneficiação de Estradas do Concelho - ... ao ... – montagem e desmontagem do estaleiro, abertura e regularização de caixa, fornecimento e aplicação de betão, execução de valetas em betão -, pelo valor de € 94.375,00, acrescido de IVA.

Na sequência do referido concurso, em 18/06/2004 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG.

O preço da adjudicação (€ 94.375,00€) foi superior em 21% ao preço base do concurso (€ 77.914,00).

A consignação dos trabalhos ocorreu em 21/06/2004, com o prazo de execução de 60 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 19/08/2004, a adjudicatária/empreiteiro solicitou a prorrogação do prazo contratual por um período de 255 dias, invocando condicionalismos externos, nomeadamente, “o mau tempo (geada e frio) que se abateu no local, impedindo o normal andamento dos trabalhos”, obrigando à sua suspensão.

Tal pedido foi presente ao arguido BB, que no dia 20/08/2004 exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, sem fundamentação e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência do referido despacho o prazo inicial de 60 dias foi prorrogado em 255 dias.

Trabalhos adicionais:

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente a GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a realização de trabalhos a mais, com o compromisso de que em breve seriam pagos - abertura e regularização de caixa, fornecimento e aplicação de betão, execução de valetas em betão, execução de dreno adicional, execução de bocas de valeta -,sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de €29.994,48, acrescido de IVA, correspondente a 31,8% do valor inicial desta empreitada

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento Administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos consistiram no aumento da área a pavimentar nas Estradas do concelho - ... ao ..., consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 31,8% do valor inicial desta empreitada de obra pública, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita o arguido BB ultrapassou o limite de 25% fixado no art. 45.º, n.º 1 do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

A recepção provisória e definitiva da obra ocorreu em 22/09/2004 e em 23/09/2009, respectivamente, não tendo sido elaborada nem notificada a conta final da empreitada da obra pública de acordo com o disposto nos arts. 220.º a 222.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Do processo de empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelo arguido BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência.

VI.2

Beneficiação de estradas – ... – ...

Contrato inicial:

O arguido BB por despacho, de 20/05/2004, adjudicou à sociedade H..., Lda, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, sob proposta da Comissão de Análise, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.º 2, al. b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), a execução da empreitada de beneficiação de estradas de ... – ... – abertura e regularização da caixa, fornecimento e aplicação de camada de betão -,pelo valor de €143.000,00, acrescido de IVA

Na sequência do referido concurso, em 18/06/2004 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG.

O preço da adjudicação (€143.000,00) foi superior em 22% ao preço base do concurso (€117.000,00), pelo que deveria, assim, ter sido precedida de procedimento adequado ao seu valor, como exigia o art. 48.º, n.º 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ou seja, no caso e face aos encargos envolvidos, de concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

A consignação dos trabalhos ocorreu 21/06/2004, com o prazo de execução de 60 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 23/08/2004 e em 26/04/2005, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação do prazo de execução da empreitada, alegando condicionalismos externos, nomeadamente, “o mau tempo (geada e frio) que se abateu no local, impedindo o normal andamento dos trabalhos, obrigando mesmo à sua suspensão”, e a existência de “muitos trabalhos a mais de natureza prevista e imprevista (pavimentação e drenagem)”.

Tais pedidos foram presentes ao arguido BB, que no dia 23/08/2004 e no dia 19/06/2006, exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, respectivamente, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência dos referidos despachos o prazo inicial de 60 dias foi prorrogado em 679 dias.

Trabalhos adicionais:

O arguido BB por despacho, de 14/06/2006, autorizou a realização de trabalhos a mais – abertura e regularização de caixa, fornecimento e aplicação de camada de betão-, necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de €32.725,00, correspondente a 22,9% do valor inicial desta empreitada.

Em 18/08/2006 foi outorgado o contrato de trabalhos a mais na empreitada de beneficiação de estradas no concelho de ...) entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG.

Em 24/08/2006 foi elaborado o auto de medição de trabalhos a mais, no valor de € 32.725,00.

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente a GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro a realização de trabalhos a mais, com o compromisso de que em breve seriam pagos - execução de dreno, fornecimento e aplicação de tubos de betão, fornecimento e execução e sarjetas, colocação de caixas, execução de bocas de entrada em betão-,sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública,no valor de € 295.493,00, acrescido de IVA, correspondente a 206,6 %do valor inicial desta empreitada.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA -Velho).

Os trabalhos ordenados verbalmente consistiram no aumento da área pavimentar nas Estradas de ...– ..., consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custos final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 229,5% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbal transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita o arguido BB ultrapassou o limite de 25% fixado no art. 45.º, n.º 1 do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP), sem sujeição à concorrência e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

A recepção provisória e definitiva da obra correram em 25/08/2006 e 25/08/2011, respectivamente, não tendo sido elaborada nem notificada a conta final da empreitada da obra pública de acordo com o disposto nos arts. 220.º a 222.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Do processo da empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelo arguido BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência.

VI.3

Pavimentação do parque industrial

Contrato inicial:

O arguido BB por despacho, de 20/05/2004, adjudicou à sociedade H..., Lda, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, sob proposta da Comissão de Análise, ao abrigo dos arts. 47.º, 48º, n.ºs 1 e 2, al. b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), a execução da empreitada de pavimentação do parque industrial – limpeza do pavimento, aplicação de camada de betão, execução de dreno e colocação de caixas de visita-, pelo valor de € 94.375,00, acrescido de IVA.

Na sequência do referido concurso, em 18/06/2004 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG.

O preço da adjudicação (94.750,00€) foi superior em 7% ao preço base do concurso (88.500,00€).

A consignação dos trabalhos ocorreu em 21/06/2004, com o prazo de execução de 60 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 20/08/2004 e em 26/04/2005, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação do prazo de execução da empreitada, alegando condicionalismos externos, nomeadamente, “o mau tempo (geada e frio) que se abateu no local, impedindo o normal andamento dos trabalhos, obrigando mesmo à suspensão destes”, e “indefinições por parte do dono da obra quanto à área a pavimentar”.

Tais pedidos foram presentes ao arguido BB, que no dia 20/08/2004 e no dia 26/04/2005, exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, respectivamente, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência dos referidos despachos o prazo inicial de 60 dias foi prorrogado em 679 dias.

Trabalhos adicionais:

O arguido BB por despacho, de 14/06/2006, autorizou a proposta de trabalhos a mais – abertura e regularização de caixa, fornecimento e aplicação de camada de betão - apresentada por GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 23.100,00, acrescido de IVA, correspondente a 24,4% do valor inicial desta empreitada.

Em 18/08/2006 foi outorgado contrato de trabalhos a mais na empreitada de pavimentação do parque industrial entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG, no valor de € 23.100,00, acrescido de IVA.

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente à GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a realização de trabalhos a mais - escarificação do pavimento, execução do dreno e de sarjetas, colocação de cabeças móveis, fornecimento e aplicação de tampas, grelhas novas para as sarjetas -,sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 99.908,50,acrescido de IVA, correspondente a 105,4 % do valor inicial desta empreitada.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto no arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos consistiram no aumento da área a pavimentar no Parque Industrial, consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 129,8%do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, esem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita o arguido BB ultrapassou o limite de 25% fixado no art. 45.º do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

A recepção provisória e definitiva da obra ocorreu em 24/08/2006 e em 24/08/2011, respectivamente, não tendo sido elaborada conta final, nem a sua notificação à adjudicatária/empreiteiro de acordo com o exigido pelos arts. 220.º a 222.º, ambos do DL n.º 59/99, de 2/03, na redação à data dos factos.

Do processo da empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelo arguido BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência.

VI.4

Beneficiação de estrada entre a ... e a E.N.

Contrato inicial:

O arguido BB por despacho, de 4/06/2004, adjudicou à sociedade H..., Lda, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, sob proposta de comissão de análise, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), a execução da empreitada de beneficiação da Estrada entre a ... e a E.N. ... -montagem e desmontagem de estaleiro, fornecimento de betão e execução de valetas em betão-, pelo valor de € 27.750,00, acrescido de IVA.

A execução desta obra não foi formalizada por contrato, violando o disposto no art. 119, n.º 2 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

O preço de €27.750,00 foi superior em 18,3% ao preço base do concurso (€ 23.459,39).

A consignação dos trabalhos ocorreu em 14/07/2004, com o prazo de execução de 45 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 26/04/2005 e em 12/06/2006 a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação do prazo de execução da empreitada, invocando “condicionalismos externos, nomeadamente o mau tempo (geada e frio) que se abateu no local, impedindo o normal andamento dos trabalhos, obrigando mesmo à suspensão destes” e “indefinições quanto ao projeto de águas residuais”, o que não permitia executar a pavimentação prevista.

Tais pedidos foram presentes ao arguido BB, que no dia 14/06/2006 e no dia 19/06/2006, respectivamente, exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência dos referidos despachos o prazo inicial de 45 dias foi prorrogado em 671 dias.

Trabalhos adicionais:

Na sequência do orçamento apresentado pela adjudicatária/empreiteiro de trabalhos a mais e trabalhos não previstos - abertura e regularização da caixa fornecimento e aplicação de camada de betão - ,necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 5.775,00, acrescido de IVA, correspondente a 20,8% do valor inicia ldesta empreitada, em 14/06/2006 o arguido BB exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, e em 17/07/2006 foi elaborado o respectivo auto.

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente a GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a realização de trabalhos a mais, com o compromisso de que em breve seriam pagos - escarificação do pavimento, fornecimento, espalhamento e compactação de camada, fornecimento e aplicação de tubos de betão, escavação do terreno, fornecimento e assentamento de tubos e de caixas de visita e de ramal-, sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 31.945,53, acrescido de IVA, correspondente a 115,1 % do valor inicial desta empreitada.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos consistiram no aumento da área pavimentar nas Estradas do Concelho entre a ... e a E.N. ..., consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custo final de trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 135,9%do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita o arguido BB ultrapassou o limite de 25% fixado no art. 45.º, n.º 1 do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

A recepção provisória e definitiva da obra ocorreu em 18/07/2006 e em 18/07/2011, respectivamente, não tendo sido elaborada nem notificada a conta final da empreitada da obra pública de acordo com o disposto nos arts. 220º a 222º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Do processo da empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelo arguido BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência

VI.5

Pavimentação do Cruzamento do ... ao Lugar da ...

Adjudicação, sem redução a escrito do contrato inicial:

O arguido BB por despacho, de 1/03/2005, adjudicou à sociedade H..., Lda, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio ao abrigo do DL n.º 59/99, de 2/03, ao abrigo dos arts. 47.º e 48º, n.ºs 1 e 2, al. b), ambos do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP), a execução da empreitada de pavimentação do Cruzamento do ... ao Lugar da ... – montagem e desmontagem de estaleiro, fornecimento e aplicação de betão, guias de betão, cubo em granito azul-, pelo valor de € 30.750,00, acrescido de IVA.

A execução desta obra não foi formalizada por contrato, violando o disposto no art. 119.º, n.º 2 do D.L. n.º 59/99 (RJEOP).

O preço de € 30.750,00 foi superior em 23,5% ao preço base do concurso (€24.900,00).

A consignação dos trabalhos ocorreu 20/04/2005, com o prazo de execução de 120 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 13/07/2005 e em 24/03/2006, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação do prazo de execução da empreitada, alegando condicionalismos externos, nomeadamente, “o mau tempo (geada e frio) que se abateu no local, impedindo o normal andamento dos trabalhos, obrigando mesmo à suspensão destes”.

Tais pedidos foram presentes ao arguido BB, que no dia 13/07/2005 e no dia 11/04/2006,exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, respectivamente, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência dos referidos despachos o prazo inicial de 120 dias foi prorrogado em 671 dias.

Trabalhos adicionais:

Por despacho do arguido BB, de 14/07/2006 foram ainda autorizados trabalhos a mais - abertura e regularização de caixa e fornecimento de camada de betão -,necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 6.825,00, acrescido de IVA, correspondente a 22,2% do valor inicial desta empreitada.

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente a GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a realização de trabalhos a mais, com o compromisso de que em breve seriam pagos -colocação de caixas, fornecimento e aplicação de tubos, execução de sarjetas e pavimento, levantamento e reposição de calçada, fornecimento e aplicação de tampa metálica-, sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 2.173,25, acrescido de IVA, correspondente 7,1 % do valor inicial desta empreitada.

Em 17/07/2006 foi elaborado o respectivo auto de medição, naquele montante.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos consistiram no aumento da área pavimentar no Cruzamento do ... ao Lugar da ..., consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigia a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 29,3%do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita o arguido BB ultrapassou o limite de 25% fixado no art. 45.º, n.º 1 do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

A recepção provisória e definitiva da obra ocorreu em 18/07/2006 e em 18/07/2011, não tendo sido elaborada nem notificada a conta final da empreitada da obra pública de acordo com o disposto nos arts. 220.º a 222.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Do processo da empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelo arguido BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência.

VI.6

Pavimentação de ... ao

Contrato inicial:

O arguido BB por despacho, de 10/03/2005, adjudicou à sociedade H..., Lda, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, sob proposta da Comissão de Análise, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), a execução da empreitada de pavimentação de ... ao ... - abertura e regularização da caixa, fornecimento e aplicação de camada de betão, execução de valetas em betão, montagem e desmontagem de do estaleiro-, pelo valor de € 56.050,00, acrescido de IVA.

Na sequência do referido concurso, em 27/05/2004 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG.

O preço de € 56.050,00 foi inferior em 29,8% ao preço base do concurso (€ 79.845,00), correspondente ao total dos valores dos autos de medição n.ºs 1 e 2 dos trabalhos contratuais, elaborados em 13/06/2005 (14.600,00€) e 22/08/2005 (41.450,00€).

A consignação dos trabalhos ocorreu em 3/06/2005 com o prazo de execução de 15 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 10/06/2005 e em 24/03/2006, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação legal do prazo de execução da empreitada, alegando condicionalismos externos, nomeadamente, “o mau tempo (geada e frio) que se abateu no local, impedindo o normal andamento dos trabalhos, obrigando mesmo à suspensão destes”.

Tais pedidos foram presentes ao arguido BB, que no dia 10/06/2005 e no dia 11/04/2006, exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado” respectivamente, sem fundamentação, sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência dos referidos despachos o prazo inicial de 15 dias foi prorrogado em 375 dias.

Trabalhos adicionais:

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente a GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a realização de trabalhos a mais, com o compromisso de que em breve seriam pagos- fornecimento e aplicação de camadas de betão-, sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 41.490,00, acrescido de IVA, correspondente a 74,0 % do valor inicial desta empreitada.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos consistiram no aumento da área a pavimentar de ... ao ..., consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 74,0%do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita o arguido BB ultrapassou o limite de 25% fixado no art. 45.º, n.º 1 do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP), sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

A recepção provisória e definitiva da obra ocorreu em 23/08/2005 e em 24/08/2010, respectivamente, não tendo sido elaborada nem notificada a conta final da empreitada da obra pública de acordo com o disposto nos arts. 220.º a 222.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Do processo da empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelo arguido BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência.

VI.7

Construção do caminho agrícola de ... ao ... Contrato inicial:

A Construção do caminho agrícola de ... ao ... foi uma obra financiada 100% pelo programa AGRIS, tendo sido elaborado e aprovado o projecto por deliberação da CM... de 20/09/2004, prevendo a beneficiação de um caminho agrícola entre a freguesia de ... e a estação ferroviária de ..., numa extensão prevista de 6.278,94 metros (+ ligações), com uma plataforma com largura total de 4 metros, cuja faixa de rodagem pavimentada ocuparia 3 metros de largura e bermas com 0,50 m cada.

A obra foi adjudicada à sociedade H..., Lda, por deliberação da CM... de 13/04/2005, no âmbito de concurso público ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, nº 2, al. a), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP)(conforme anúncio publicado no DR, III-Série, n.º 259, de 4/11/2004),pelo valor de € 165.792,13, acrescido de IVA.

O valor de € 165.792,13 foi inferior em 19,56% ao preço base (€ 206.100,45).

Na sequência do referido concurso, em 27/05/2005 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG.

A consignação dos trabalhos ocorreu 2/06/2005, com o prazo de execução de 180 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 12/08/2005 e em 24/03/2006, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação legal do prazo de execução da empreitada, alegando condicionalismos externos, nomeadamente, “o mau tempo (geada e frio) que se abateu no local, impedindo o normal andamento dos trabalhos, obrigando mesmo à suspensão deste”, e a existência de “muitos trabalhos a mais de natureza prevista e imprevista (pavimentação e drenagem)”.

Tais pedidos foram presentes ao arguido BB, que no dia 12/08/2005 e no dia 11/04/2006, exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, respectivamente, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência dos referidos despachos o prazo inicial de 60 dias foi prorrogado em 210 dias

Trabalhos adicionais:

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente a GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro a realização de trabalhos a mais, com o compromisso de que em breve seriam pagos – execução de dreno, fornecimento e aplicação de betão, fornecimento e assentamento de tubagem e cubos, e movimentação de terras para alargamento da faixa de rodagem de 3 para 4 metros -,sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 32.304,44, acrescido de IVA, correspondente a 19,5 % do valor inicial desta empreitada.

Tal decisão revelou falta ainda de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos consistiram no aumento da área pavimentar no Caminho Agrícola de ... ao ..., consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 19,5 % do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbal de trabalhos a mais transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

A recepção provisória e definitiva ocorreu em 3/07/2006 e em 04/07/2011, respectivamente, não tendo sido elaborada nem notificada a conta final da empreitada da obra pública de acordo com o disposto nos arts. 220.º a 222º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

VI.8

Beneficiação das estradas no Conselho - ...– ...

Contrato inicial O arguido BB por despacho, de 20/05/2004, adjudicou à sociedade H..., Lda, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, sob proposta da Comissão de Análise, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), a execução da empreitada de beneficiação das Estradas do Concelho - ...- ... - montagem e desmontagem de estaleiro, abertura e regularização da caixa, fornecimento e aplicação de camada de betão, execução de valetas em betão e drenos-, pelo valor de € 118,200,00, acrescido de IVA.

Na sequência do referido concurso, em 20/07/2005 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG.

O preço de €120.500,00, acrescido de IVA, foi superior em 1,95% ao preço base (€ 118.200,00).

No entanto, os valores dos autos de medição dos trabalhos contratuais, datados de 07/09/2005 e 18/08/2006, apenas totalizaram o valor de € 118.250,00 (€ 8.875,00+ € 109.375,00).

A consignação dos trabalhos ocorreu em 16/08/2005, com o prazo de execução de 60 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 7/10/2005, 24/03/2006 e 3/07/2006, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação legal do prazo de execução da empreitada até ao final de dezembro de 2006, alegando condicionalismos externos, “nomeadamente o mau tempo (geada e frio) que se abateu no local, impedindo o normal andamento dos trabalhos, obrigando mesmo à suspensão destes”, bem como a existência de “ muitos trabalhos a mais de natureza prevista e imprevista (pavimentação, drenagem e muros)” e também “algumas indefinições quanto ao projeto”.

Tais pedidos foram presentes ao arguido BB, que no dia 7/10/2005, no dia 11/04/2006 e no dia 4/07/2006,exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, respectivamente, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência dos referidos despachos o prazo inicial de 60 dias foi prorrogado em 442 dias.

Trabalhos adicionais:

Por despacho do arguido BB, de 19/12/2006, foi autorizado o orçamento de trabalhos a mais apresentado pela adjudicatária/empreiteiro -abertura e regularização de caixa, fornecimento e aplicação de camada de betão -, necessários à conclusão da referida obra, no valor de € 26.840,00, acrescido de IVA, correspondente a 23,4 % do valor inicial desta empreitada.

Em 16/02/2007 foi outorgado o contrato de trabalhos a mais da referida obra, no valor de € 26.840,00, entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente a GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a execução de trabalhos a mais, com o compromisso que em breve seriam pagos - pavimentação, saneamento, abastecimento de água, drenagens, muros e movimento de terras-, sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 183.782,00, correspondente 172,5 % do valor inicial desta empreitada.

Tal decisão revelou falta ainda de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos consistiram no aumento da área a pavimentar nas Estradas do Concelho - ... – ..., consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 197,1 %do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbal de trabalhos a mais transmitida à adjudicatária/empreiteiroem contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita o arguido BB ultrapassou o limite de 25% fixado no art. 45º do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

A recepção provisória e definitiva da obra ocorreu em 22/02/2007 e em 17/12/2015, respectivamente, não tendo sido elaborada nem notificada a conta final da empreitada da obra pública de acordo com o disposto nos arts. 220.º a 222.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Do processo da empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelo arguido BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência.

VI.9

Beneficiação das estradas no Concelho - ... – ...

Contrato inicial:

O arguido BB por despacho, de 5/07/2005, adjudicou à sociedade H..., Lda, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, sob proposta da Comissão de Análise, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), a execução da empreitada de beneficiação das estradas do concelho -... – ... - montagem e desmontagem de estaleiro, abertura e regularização de caixa, fornecimento e aplicação de camada de betão e execução de valetas em betão-, pelo valor de € 118.375,00, acrescido de IVA.

Na sequência do referido concurso, em 20/07/2005 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG.

O preço de €118.375,00 foi superior em 1,65% ao preço base (€116.450,00), mas o total dos valores referentes aos autos de medição dos trabalhos contratuais, datados de 07/09/2005 e 19/07/2006, ascendeu a € 117.250,00 (€ 7.125,00+ € 110.125,00).

A consignação dos trabalhos ocorreu em 16/08/2005, com o prazo de execução de 60 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 7/10/2005, 24/03/2006 e 03/07/2006, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação legal do prazo de execução da empreitada, invocando “condicionalismos externos, nomeadamente o mau tempo (geada e frio) que se abateu no local, impedindo o andamento normal dos trabalhos”, obrigando mesmo à suspensão destes, e de “existirem muitos trabalhos a mais de natureza prevista e imprevista (pavimentação, drenagem e muros) ” e também “algumas indefinições quanto ao projecto”.

Tais pedidos foram presentes ao arguido BB, que no dia 7/10/2005, no dia 11/04/2006 e no dia 4/07/2006, exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, respectivamente, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência dos referidos despachos o prazo inicial de 60 dias foi prorrogado em 442 dias.

Trabalhos adicionais:

Por despacho, de 18/12/2006, do arguido BB foram adjudicados trabalhos a mais -abertura e regularização de caixa, fornecimento e aplicação de camada de betão-, necessários ao acabamento desta obra pública, no montante de € 27.324,00, acrescido de IVA, correspondente a 23,1% do valor inicial desta empreitada.

Em 16/02/2007 foi outorgado contrato de trabalhos a mais na empreitada de beneficiação das estradas do concelho - ...– ... entre O Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade H..., Lda, representada por GG, no valor de € 27.324,00.

Em 21/02/2007 foi elaborado o respectivo auto de medição de trabalhos a mais, no valor de € 27.324,00.

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente a GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a execução de trabalhos a mais, com o compromisso de que em breve seriam pagos,- pavimentação, saneamento, abastecimento de água, drenagens, muros e movimento de terras -,sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 131.814,25, acrescido de IVA, correspondente a 111,4 % do valor inicial desta empreitada.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos consistiram no aumento da área a pavimentar nas Estradas do Concelho -... – ..., consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 133,44% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbal de trabalhos a mais transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

A recepção provisória e definitiva da obra ocorreram em 22/02/2007 e em 17/12/2015, respectivamente, não tendo sido elaborada nem notificada a conta final da empreitada da obra pública de acordo com o disposto nos arts. 220.º a 222.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP Do processo de empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelo arguido BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência.

Sob a mesma resolução, nas empreitadas de obras públicas acima descritas o arguido BB:

- Decidiu e ordenou a execução da obra de empreitada de obra pública de beneficiação da Estrada entre a ... e a E.N. .... sem celebrar contrato, conforme exigido pelo art. 119, n.º 1 do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP) - Formalidades dos contratos: “1 - O contrato será sempre reduzido a escrito, entendendo-se, quando a lei dispense todas as formalidades na sua celebração, que pode ser provado por documentos.”.

- regime legal de trabalhos a mais, cujo montante se situava no limite legal, sem fundamentação que permitisse aferir a sua legalidade, nos termos do disposto no art. 26.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP)- Execução de trabalhos a mais:

“1 - Consideram-se trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não hajam sido previstos ou incluídos no contrato, nomeadamente no respectivo projecto, se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista, desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

a) Quando esses trabalhos não possam ser técnica ou economicamente separados do contrato, sem inconveniente grave para o dono da obra;

b) Quando esses trabalhos, ainda que separáveis da execução do contrato, sejam estritamente necessários ao seu acabamento.”

- Decidiu e ordenou verbalmente a execução de trabalhos a mais, sem prévia adopção do procedimento de contratação aplicável e ultrapassou o limite de 25%, desrespeitando o disposto:

- Art. 26.º, n.ºs 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 - Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP) - Execução de trabalhos a mais: “2 - O empreiteiro é obrigado a executar os trabalhos previstos no n.º 1 caso lhe sejam ordenados por escrito pelo dono da obra e o fiscal da obra lhe forneça os planos, desenhos, perfis, mapa da natureza e volume dos trabalhos e demais elementos técnicos indispensáveis para a sua perfeita execução e para a realização das medições. 7 - A execução dos trabalhos a mais deverá ser formalizada como contrato adicional ao contrato de empreitada.”,

- Art. 45.º, n.ºs 1, 4 e 5 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 - Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP)- Controlo dos custos de obras públicas:

1 - O dono da obra não poderá, em caso algum, autorizar a realização de trabalhos a mais previstos no artigo 26.º, alterações do projecto da iniciativa do dono da obra ainda que decorrentes de erro ou omissão do mesmo ou trabalhos resultantes de alterações ao projecto, variantes ou alterações ao plano de trabalhos, da iniciativa do empreiteiro, caso o seu valor acumulado durante a execução de uma empreitada exceda 25% do valor do contrato de empreitada de obras públicas de que são resultantes.

4 - Os trabalhos previstos no n.º 1 que excedam a percentagem nessa disposição prevista só poderão ser adjudicados mediante a aplicação do procedimento que ao caso couber, nos termos previstos no artigo 47.º e demais legislação aplicável. 5 - No cálculo do montante global dos valores acumulados constantes do n.º 2 são incluídos os custos acrescidos ao preço global de uma empreitada de obras públicas decorrentes do incumprimento pelo dono da obra de disposições legais e regulamentares aplicáveis.”

Peso dos Trabalhos a Mais (H..., Lda):

Obs. Ponto 8: onde consta 28 182 deverá constar 26 840; e onde consta 175,9, deverá constar 174,99.

Tal como resulta do quadro antecedente os montantes de trabalhos a mais decididos e transmitidos verbalmente excedeu, em média, cerca de 100% o valor inicialmente adjudicado, e respeitaram a trabalhos idênticos aos contratados (com os mesmos preços unitários) e a trabalhos de natureza diversa, o que implicava a abertura obrigatória de novo procedimento concursal, em cada um dos processos em que tal ocorreu, nos termos conjugados dos arts. 45.º, n.ºs 1 e 4 e 48.º, n.º 1, 2, als. a) e b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

- Não garantiu que o Município de ... tinha capacidade financeira para assumir despesas, não inscritas e sem dotação orçamental, desrespeitando:

- Princípios de execução orçamental previstos no art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO): “6 - Nenhuma despesa pode ser autorizada ou paga sem que, cumulativamente: a) O facto gerador da obrigação de despesa respeite as normas legais aplicáveis; b) A despesa em causa disponha de inscrição orçamental, tenha cabimento na correspondente dotação, esteja adequadamente classificada e obedeça ao princípio da execução do orçamento por duodécimos, salvas, nesta última matéria, as exceções previstas na lei; c) A despesa em causa satisfaça o princípio da economia, eficiência e eficácia. 8 - O respeito pelos princípios da economia, eficiência e eficácia, a que se refere a alínea c) do n.º 6, deverá ser verificado, em particular, em relação às despesas que, pelo seu elevado montante, pela sua continuidade no tempo, uma vez iniciadas, ou por qualquer outro motivo envolvam um dispêndio significativo de dinheiros públicos.”,

- Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL):

“2.3.4.2, alínea d) - “As despesas só podem ser cativadas, assumidas, autorizadas e pagas, se, para além de serem legais, estiverem inscritas no orçamento e com dotação igual ou superior ao cabimento e ao compromisso, respectivamente.”; “2.9.2 - Os métodos e procedimentos de controlo devem visar os seguintes objectivos: a) A salvaguarda da legalidade e regularidade no que respeita à elaboração, execução e modificação dos documentos previsionais, à elaboração das demonstrações financeiras e ao sistema contabilístico; (…); d) A aprovação e controlo de documentos; e) A exactidão e integridade dos registos contabilísticos e, bem assim, a garantia da fiabilidade da informação produzida; (…); g) A adequada utilização dos fundos e o cumprimento dos limites legais à assunção de encargos; (…); i) A transparência e a concorrência no âmbito dos mercados públicos; j) O registo oportuno das operações pela quantia correcta, nos documentos e livros apropriados e no período contabilístico a que respeitam, de acordo com as decisões de gestão e no respeito das normas legais.” “2.9.10.4.2 - As aquisições de imobilizado se efectuam de acordo com o plano plurianual de investimentos e com base em deliberações do órgão executivo, através de requisições externas ou documento equivalente, designadamente contrato, emitido pelos responsáveis designados para o efeito, após verificação do cumprimento das normas legais aplicáveis, nomeadamente em matéria de empreitadas e fornecimentos;”.

- Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais) - Princípios e regras orçamentais:

1- Os municípios e as freguesias estão sujeitos às normas consagradas na Lei de Enquadramento Orçamental e aos princípios e regras orçamentais e de estabilidade orçamental.”.

- art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública. Este artigo está em vigor por força da Resolução da Assembleia da República n.º 86/2011, de 11/04, que faz cessar a vigência do DL nº 40/2011, de 22/03, que revogava os mencionados artigos, que o Código dos Contratos Públicos mantivera em vigor por força da alínea f) do n.º 1 do artº 14 do DL 18/2008, que aprovou o CCP) – Unidade da despesa pública:

“1 - Para efeitos do presente diploma, a despesa a considerar é a do custo total da locação ou da aquisição de bens ou serviços.

2 - É proibido o fraccionamento da despesa com a intenção de a subtrair ao regime previsto no presente diploma- Não colheu informação suficiente sobre o acompanhamento e fiscalização das obras, circunscrita a autos de medição, muitos dos quais não foram assinados, apesar de feitos conjuntamente pela adjudicatária/empreiteiro e trabalhadores ao serviço do Município de ... afectos a essa tarefa, em desconformidade com o disposto nos arts. 180.º e 182.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP);

- Não solicitou ou mandou elaborar projectos, plantas de localização e outros elementos identificadores da obra em concreto, violando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), com violação dos princípios da concorrência e da transparência, fragilizando, ou impossibilitando, o controlo e fiscalização dos trabalhos realizados, quer em termos de quantidades, como de qualidades dos mesmos, nos termos exigidos pelos arts. 178.º e ss. do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

- Autorizou sucessivos e reiterados pedidos de prorrogação dos prazos de execução das empreitadas formulados pela adjudicatária/empreiteiro, nos casos em que foram objeto de procedimento pré-contratual, insuficientemente fundamentados, que provocaram a dilatação no tempo e dos prazos contratuais inicialmente previstos, conforme ilustra o quadro infra, sem recorrer à aplicação de multas contratuais previstas no art. 201º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), quando eram imputáveis à adjudicatária/empreiteiro.

Com efeito, os pedidos de prorrogação começaram por invocar condições climatéricas gravosas, que evoluíram para a alegação de erros nos projectos, indefinição dos trabalhos ou dos locais de implantação ou dos materiais a aplicar, que fundamentaram a ordens verbais e consequente realização de trabalhos a mais, superando as percentagens legalmente admitidas, tal como evidencia o quadro infra:

Desvio dos prazos de execução (H..., Lda) - Não mandou elaborar e notificar a conta final de empreitada, em violação do disposto nos arts. 220.º e 221.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), impossibilitando, deste modo, a adjudicatária/empreiteiro de apresentar a reclamação dos pagamentos em falta, nos termos do art. 222.º do mesmo diploma legal.

Ao ordenar verbalmente os trabalhos a mais descritos nos pontos VI.1. a VI.9, o arguido BB actuou livre, voluntária e conscientemente, executando os actos que lhe competia, no âmbito das respectivas funções, bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e despesa pública, as quais decidiu deliberadamente não acatar ao ordenar verbalmente a execução de trabalhos adicionais nas empreitadas de obras públicas acima descritas.

Visando, durante toda a actuação supra descrita em cada um dos indicados trabalhos a mais, fraccionar e aumentar a despesa pública do Município de ..., e beneficiar os seus interesses pessoais para ser sucessivamente reeleito e a adjudicatária/empreiteiro, em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios da legalidade, transparência, igualdade, concorrência e imparcialidade e de prossecução dos interesse público, e normativos que norteiam a contratação pública e a despesa pública.

O arguido actuou bem sabendo que as respectivas condutas eram adequadas a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade e transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir.

Mais actuou bem sabendo que as referidas condutas eram lesivas dos interesses públicos de natureza patrimonial que bem sabia estar incumbido de defender no âmbito das ordens verbalmente transmitidas.

Com o procedimento adoptado pelo arguido ficou arredado qualquer exercício da concorrência (potencial e efectiva) garantida pelo concurso de outros eventuais adjudicatários.

O arguido agiu sabia que tal actuação era proibida e punida por lei criminal.

Empreitadas/Trabalhos a mais executadas pela Construtora..., Lda.

VII.1

Obras na Escola de ...

Adjudicação inicial, sem celebração de contrato:

O arguido BB por despacho, de 22/11/2006, adjudicou à sociedade Construtora..., Lda., representada por DD, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, sob proposta da Comissão de Análise, ao abrigo dos arts. 47.º e 48º, n.º 2, al. b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), a execução de empreitada na Escola de ... – montagem e desmontagem de estaleiro, escavação de terreno, betão de limpeza em sapatas, armado, execução de laje pré-fabrica, revestimento de paredes exteriores, tectos, fornecimento e assentamento de soleiras/, pintura de paredes exteriores e tectos interiores, fornecimento e colocação de caleiras, de tubos, execução de caixas, recuperação/tratamento de portas e janelas, substituição/recuperação de vidros -,pelo valor de € 24.483,18, acrescido de IVA.

O valor de € 24.483,18 foi inferior em 40% ao preço base do concurso (€ 40.776,50).

A execução desta obra não foi formalizada por contrato, violando o disposto no art. 119, n.º 1 do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

A consignação dos trabalhos ocorreu em 30/11/2006, com o prazo de execução de 90 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 1/02/2007, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação legal do prazo de execução da empreitada até dezembro de 2007, sem apresentar qualquer justificação.

Tal pedido foi presente ao arguido BB, que no dia em 1/02/2007 exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência do referido despacho o prazo inicial de 90 dias foi prorrogado em cerca de 11 meses.

Trabalhos adicionais:

Por despacho, de 7/11/2007, o arguido BB autorizou, com o conhecimento e anuência do arguido AA, a realização de trabalhos a mais– betão de limpeza em sapatas, betão armado, execução de laje pré-fabricada e coberturas, paredes exteriores duplas, regularização de pavimento, revestimento de paredes exteriores, revestimento de tectos, fornecimento e assentamento soleiras/peitoris, pintura de paredes exteriores e interiores -,necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 5.750,95, correspondente a 23,5% do valor inicial desta empreitada.

No decurso dos trabalhos de execução desta empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB, com o conhecimento e anuência do arguido AA, decidiu e ordenou verbalmente a DD, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, trabalhos a mais -demolição do interior de uma casa implantada junto à escola e posterior reconstrução -,sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública,no valor € 107.571,00, correspondente a 439% do valor inicial desta empreitada.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

O legal representante da adjudicatária/empreiteiro, DD, executou tais trabalhos a mais por os arguidos lhe terem assegurado que iriam ser formalizados e liquidados.

Tais trabalhos consistiram na remodelação da escola do ..., localizada junto da Escola de ..., consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

Ao actuar da forma descrita os arguidos AA e BB ultrapassaram o limite de 25% fixado no art. 45º do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

No ofício n.º 1753, de 14/05/2008, enviado à Construtora..., Lda. o arguido AA referiu que “Existe procedimento que está a ser acompanhado pelos serviços municipais. Aqui o que será necessário é fazer um auto de medição dos trabalhos feitos pela Construtora..., Lda. e apurar o saldo a favor de quem o tiver”.

O custo final dos trabalhos mais, no seu conjunto, ascendeu a 462,5% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelos arguidos AA e BB, e sem formalizar a ordem verbal transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

A recepção provisória da obra ocorreu em 9/11/2007

Do processo da empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelos arguidosJosé AA e BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência.

VII.2

Obras na Escola...

Contrato inicial:

O arguido BB por despacho, de 18/07/2005, adjudicou à sociedade Construtora..., Lda., representada por DD, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, sob proposta da Comissão de Análise, ao abrigo dos arts. 47.º e 48º, n.º 2, al. b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), a execução da empreitada na Escola... - montagem e desmontagem de estaleiro, demolições e movimento de terras, estrutura de betão armado, pavimento térreo, lajes aligeiradas, alvenarias, revestimentos, electricidade, revestimentos, isolamento e impermeabilizações, carpintarias, caixilharias, pinturas, louças sanitárias, rede de abastecimento de água, rede de esgotos domésticos, arranjos exteriores, aquecimento -, no valor de € 111.806,90, acrescido de IVA.

Na sequência do referido concurso, em 7/11/2005 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade Construtora..., Lda., representada por DD.

O valor da adjudicação (111.806,90€) foi inferior em 9,67% ao preço base do concurso (123.782,75€).

O prazo contratual de execução dos trabalhos foi de 90 dias, a contar da data de consignação que ocorreu em 17/11/2005, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 9/01/2006, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação legal do prazo de execução da empreitada até Dezembro de 2007 (cerca de 22 meses), sem apresentar qualquer justificação.

Tal pedido foi presente ao arguido BB, que no dia 9/01/2006 exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Na sequência do referido despacho o prazo inicial de 90 dias em cerca de 22 meses.

Trabalhos adicionais:

O arguido BB por despacho, de 15/11/2007, autorizou, com o conhecimento e anuência do arguido AA, a realização de trabalhos a mais - estrutura de betão simples e armado, colocação de vigas e muros de suporte, fornecimento e assentamento de paredes interiores duplas, revestimento de paredes interiores, fornecimento e aplicação de azulejos, revestimento de tectos interiores, pinturas de paredes exteriores e arranjos exteriores -, necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 25.871,42, correspondente a 23,1% do valor inicial desta empreitada.

Em 20/11/2007 foi outorgado contrato de trabalhos a mais na empreitada de obras de restruturação na Escola... entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade Construtora..., Lda., representada por DD, no valor de € 25.871,42, acrescido de IVA.

Na sequência da informação datada de 9/04/2008, o arguido BB, com o conhecimento e anuência do arguido AA, decidiu e ordenou verbalmente a DD, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a execução de trabalhos a mais – mudança de quadros, isolamento e cobertura de placa com colocação de telhado, transferência de pavilhões para ... -,sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que não pudessem ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor €120.000,00, acrescido de IVA, correspondente a 107% do valor inicial desta empreitada.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto no arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA -Velho).

O legal representante da adjudicatária/empreiteiro, DD, executou tais trabalhos a mais por os arguidos lhe terem assegurado que iriam ser formalizados e liquidados.

Tais trabalhos consistiram no aumento da área a pavimentar e consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

Ao actuar da forma descrita os arguidos AA e BB ultrapassaram o limite de 25% fixado no art. 45.º do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

No ofício n.º 1753, de 14/05/2008, enviado à Construtora..., Lda. pelo arguido AA referiu que “Existe procedimento que está a ser acompanhado pelos serviços municipais. Aqui o que será necessário é fazer um auto de medição dos trabalhos feitos pela Construtora..., Lda. e apurar o saldo a favor de quem o tiver”.

O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 130,1% do valor inicial desta empreitada de obra pública, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelos arguidos AA e BB, e sem formalizar a ordem verbal transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Não consta do processo de empreitada a recepção provisória da obra, nem a conta final, bem como a notificação à adjudicatária/empreiteiro, conforme previam, respectivamente, os arts 219.º, 220.º e 222.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Esta escola foi demolida cerca de 2 anos após a conclusão das referidas obras, tendo sido edificada outra no mesmo local na sequência do contrato outorgado em 30/06/2009, no montante de 1.980.071,77 € (Publicitado na www.basegov.pt.)

Sob a mesma resolução, nas empreitadas de obras públicas acima descritas os arguidos AA e BB decidiram:

- Ordenar a execução de obra de empreitada de obra pública na Escola de ... sem celebrar contrato, conforme exigido pelo art. 119.º, n.º 1 do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP) - Formalidades dos contratos: “1 - O contrato será sempre reduzido a escrito, entendendo-se, quando a lei dispense todas as formalidades na sua celebração, que pode ser provado por documentos.“.

- Recorrer ao regime legal de trabalhos a mais, cujo montante se situava no limite legal, sem fundamentação que permitisse aferir a sua legalidade, nos termos do disposto no art. 26.º, n.º 1 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP)- Execução de trabalhos a mais:

“1 - Consideram-se trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não hajam sido previstos ou incluídos no contrato, nomeadamente no respectivo projecto, se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista, desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

a) Quando esses trabalhos não possam ser técnica ou economicamente separados do contrato, sem inconveniente grave para o dono da obra;

b) Quando esses trabalhos, ainda que separáveis da execução do contrato, sejam estritamente necessários ao seu acabamento.”

- Ordenar e transmitir verbalmente a execução de trabalhos a mais, sem prévia adopção do procedimento de contratação aplicável, desrespeitando o disposto:

- Art. 26.º, n.ºs 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 - Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP) - Execução de trabalhos a mais: “2 - O empreiteiro é obrigado a executar os trabalhos previstos no n.º 1 caso lhe sejam ordenados por escrito pelo dono da obra e o fiscal da obra lhe forneça os planos, desenhos, perfis, mapa da natureza e volume dos trabalhos e demais elementos técnicos indispensáveis para a sua perfeita execução e para a realização das medições. 7 - A execução dos trabalhos a mais deverá ser formalizada contrato adicional ao contrato de empreitada.”, “2 - O empreiteiro é obrigado a executar os trabalhos previstos no n.º 1 caso lhe sejam ordenados por escrito pelo dono da obra e o fiscal da obra lhe forneça os planos, desenhos, perfis, mapa da natureza e volume dos trabalhos e demais elementos técnicos indispensáveis para a sua perfeita execução e para a realização das medições. 7 - A execução dos trabalhos a mais deverá ser formalizada como contrato adicional ao contrato de empreitada.”,

- Art. 45º., n.ºs 1 e 4 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 - Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP)- Controlo dos custos de obras públicas:

1 - O dono da obra não poderá, em caso algum, autorizar a realização de trabalhos a mais previstos no artigo 26.º, alterações do projecto da iniciativa do dono da obra ainda que decorrentes de erro ou omissão do mesmo ou trabalhos resultantes de alterações ao projecto, variantes ou alterações ao plano de trabalhos, da iniciativa do empreiteiro, caso o seu valor acumulado durante a execução de uma empreitada exceda 25% do valor do contrato de empreitada de obras públicas de que são resultantes.

4 - Os trabalhos previstos no n.º 1 que excedam a percentagem nessa disposição prevista só poderão ser adjudicados mediante a aplicação do procedimento que ao caso couber, nos termos previstos no artigo 47.º e demais legislação aplicável. 5 - No cálculo do montante global dos valores acumulados constantes do n.º 2 são incluídos os custos acrescidos ao preço global de uma empreitada de obras públicas decorrentes do incumprimento pelo dono da obra de disposições legais e regulamentares aplicáveis.”

- Os montantes correspondentes a trabalhos a mais decididos e transmitidos verbalmente excederam mais de 100% o valor inicialmente adjudicado, o que implicava a abertura obrigatória de novo procedimento concursal, em cada um dos processos em que tal ocorreu, nos termos conjugados dos arts. 45.º, n.ºs 1 e 48.º, n.º 1 e 2, al. b), ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

- Não garantir que o Município de ... tinha capacidade financeira para assumir despesas, não inscritas e sem dotação orçamental, desrespeitando:

- Princípios de execução orçamental previstos no art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO): “6 - Nenhuma despesa pode ser autorizada ou paga sem que, cumulativamente: a) O facto gerador da obrigação de despesa respeite as normas legais aplicáveis; b) A despesa em causa disponha de inscrição orçamental, tenha cabimento na correspondente dotação, esteja adequadamente classificada e obedeça ao princípio da execução do orçamento por duodécimos, salvas, nesta última matéria, as exceções previstas na lei; c) A despesa em causa satisfaça o princípio da economia, eficiência e eficácia. 8 - O respeito pelos princípios da economia, eficiência e eficácia, a que se refere a alínea c) do n.º 6, deverá ser verificado, em particular, em relação às despesas que, pelo seu elevado montante, pela sua continuidade no tempo, uma vez iniciadas, ou por qualquer outro motivo envolvam um dispêndio significativo de dinheiros públicos.”,

- Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL):

“2.3.4.2, alínea d) - “As despesas só podem ser cativadas, assumidas, autorizadas e pagas, se, para além de serem legais, estiverem inscritas no orçamento e com dotação igual ou superior ao cabimento e ao compromisso, respectivamente.”; “2.9.2 - Os métodos e procedimentos de controlo devem visar os seguintes objectivos: a) A salvaguarda da legalidade e regularidade no que respeita à elaboração, execução e modificação dos documentos previsionais, à elaboração das demonstrações financeiras e ao sistema contabilístico; (…); d) A aprovação e controlo de documentos;

e) A exactidão e integridade dos registos contabilísticos e, bem assim, a garantia da fiabilidade da informação produzida; (…); g) A adequada utilização dos fundos e o cumprimento dos limites legais à assunção de encargos; (…); i) A transparência e a concorrência no âmbito dos mercados públicos; j) O registo oportuno das operações pela quantia correcta, nos documentos e livros apropriados e no período contabilístico a que respeitam, de acordo com as decisões de gestão e no respeito das normas legais.” “2.9.10.4.2 - As aquisições de imobilizado se efectuam de acordo com o plano plurianual de investimentos e com base em deliberações do órgão executivo, através de requisições externas ou documento equivalente, designadamente contrato, emitido pelos responsáveis designados para o efeito, após verificação do cumprimento das normas legais aplicáveis, nomeadamente em matéria de empreitadas e fornecimentos;”.

- Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais) - Princípios e regras orçamentais:

1- Os municípios e as freguesias estão sujeitos às normas consagradas na Lei de Enquadramento Orçamental e aos princípios e regras orçamentais e de estabilidade orçamental.”.

- Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública. Este artigo está em vigor por força da Resolução da Assembleia da República n.º 86/2011, de 11/04, que faz cessar a vigência do DL nº 40/2011, de 22/03, que revogava os mencionados artigos, que o Código dos Contratos Públicos mantivera em vigor por força da alínea f) do n.º 1 do artº 14 do DL 18/2008, que aprovou o CCP) – Unidade da despesa pública:

“1 - Para efeitos do presente diploma, a despesa a considerar é a do custo total da locação ou da aquisição de bens ou serviços.

2 - É proibido o fraccionamento da despesa com a intenção de a subtrair ao regime previsto no presente diploma.”.

- Não colher informação suficiente sobre o acompanhamento e fiscalização das obras, circunscrita a autos de medição, muitos dos quais não foram assinados, apesar de feitos conjuntamente pela adjudicatária/empreiteiro e trabalhadores ao serviço do Município de ... afectos a essa tarefa, em desconformidade com o disposto nos arts. 180.º e 182.º, ambos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP). - Autorizar pedido de prorrogação de prazo de execução da empreitada formulado pela adjudicatária/empreiteiro, nos casos em que foi objecto de procedimento pré-contratual, sem fundamentação, que provocou a dilatação no tempo e do prazo contratual inicialmente previsto, conforme acima descrito, sem recorrer à aplicação de multas contratuais previstas no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), quando eram imputáveis à adjudicatária/empreiteiro.

- Não mandar elaborar e notificar a conta final de empreitada, em violação do disposto nos arts. 220.º e 221.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), impossibilitando, deste modo, a adjudicatária/empreiteiro de apresentar a reclamação dos pagamentos em falta, nos termos do art. 222.º do mesmo diploma legal.

Ao ordenar verbalmente os trabalhos adicionais descritos no ponto VII.1 e VII.2, os arguidos AA e BB actuaram livre, voluntária e conscientemente, ao abrigo do acordo estabelecido entre si, em que cada um deles executou, em comunhão de intentos e conjugação de esforços, os actos que lhe competia, no âmbito das respectivas funções, bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e despesa pública, as quais decidiram deliberadamente não acatar ao ordenar verbalmente a execução de trabalhos a mais nas empreitadas de obras públicas acima descritas.

Visando, durante toda a actuação supra descrita em cada um dos indicados trabalhos adicionais, fracionar e aumentar a despesa pública do Município de ..., em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios da legalidade, transparência, igualdade, concorrência e imparcialidade e de prossecução do interesse público, e normativos que norteiam a contratação pública e a despesa pública.

Os arguidos actuaram bem sabendo que as respectivas condutas eram adequadas a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade, transparência e da boa gestão dos dinheiros públicos, a mesma não reuniria condições de auferir.

Os arguidos actuaram sabendo que as referidas condutas eram lesivas dos interesses públicos de natureza patrimonial que bem sabiam estarem incumbidos de defender no âmbito das ordens verbalmente transmitidas.

Com o procedimento adoptado pelos arguidos ficou arredado qualquer exercício da concorrência (potencial e efectiva) garantida pelo concurso de outros eventuais adjudicatários/empreiteiros.

Os arguidos agiram bem sabendo que tal actuação era proibida e punida por lei criminal.

VIII

Empreitada/Trabalhos a mais executados pela sociedade M..., Lda.

Requalificação da Rua .../Rua Eng.º ...

Para a requalificação da Rua ...Rua Eng.º ... foram abertos e adjudicados à sociedade M..., Lda dois procedimentos de empreitada: concurso público e ajuste directo.

Concurso público:

No projecto aprovado por deliberação da Câmara Municipal de ...., em 3/10/2007, o concurso público visou a intervenção em cinco arruamentos e duas rotundas, devendo os arruamentos com larguras de faixas de rodagem, passeios e tipo de lancis diferenciados respeitar, nos trabalhos a realizar, as características pré-existentes.

Além de trabalhos de pavimentação foram previstas intervenções nos passeios, locais de estacionamento, grades de proteção, caldeiras de árvores, valetas em terra, sinalização horizontal e vertical e infraestruturas de águas pluviais e elétricas.

O concurso público foi aberto por deliberação da Câmara Municipal de .... de 6/05/2009, adjudicado pelo mesmo órgão em 15/07/2009, sob proposta do Júri do concurso (Conforme Anúncio de Procedimento n.º 2142/2009, publicado no DR, II- Série, n.º 94, de 15/05/2009), à sociedade M..., Lda, pelo valor de € 520.386,85, e foi financiado no âmbito do Programa Operacional Regional do Norte – ON2, conforme contrato de financiamento assinado em 9/06/2010.

Na sequência do referido concurso, em 15/10/2010 foi outorgado o contrato de empreitada da requalificação da Rua .../Rua Eng.º ... entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade M..., Lda, representada por HH, tendo por objecto a execução da referida obra pública.

Tal contrato foi objecto de visto pelo Tribunal de Contas em 9/04/2010, prevendo o prazo de execução de 150 dias.

O preço da adjudicação foi inferior em 1,81% ao preço base (€ 530.000,00).

O prazo de execução da empreitada foi de 150 dias, a contar da data de consignação, que ocorreu em 13/01/2010, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP), mas não foi cumprido por a obra ter sido suspensa de 18/01/2010 a 4/04/2010, por alegada falta de condições de segurança para executar os trabalhos devido a condições climatéricas adversas, e de 31/05/2010 a 31/03/2011 “devido à necessidade do dono da obra proceder à reformulação de alguns pormenores da empreitada e da respectiva candidatura”.

Em 31/05/2011, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação legal do prazo de execução da empreitada até 30/11/2011, invocando “recentes alterações introduzidas no projecto inicial”.

Tal pedido foi presente ao arguido BB, que no dia 1/06/2011 exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, sem fundamentação.

Na sequência do referido despacho o prazo inicial de 150 dias foi prorrogado em 150 dias.

Em 29/11/2011 foi elaborado o auto de trabalhos a menos, no valor de € 74.506,08, referente a trabalhos previstos de pavimentação e de rede de iluminação pública que não foram executados.

A recepção provisória e definitiva da obra ocorreu em 30/11/2011 e em 17/11/2016, respectivamente, constando do processo da empreitada a conta final, elaborada em 6/09/2012 (art. 399.º, n.º 1 do CCP, aprovado pelo D.L. n.º 18/2008, de 29/01), com o registo dos valores de seis autos de medição dos trabalhos realizados, entre 30/04/2010 e 29/11/2011, no total de € 445.875,04, e o montante da revisão de preços de € 28.607,18.

Tal conta foi aprovada pelo arguido AA por despacho de 6/07/2012, encontrando-se assinada pelos representantes do dono da obra e da adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto nos arts. 400.º e 401.º do CCP.

Ajuste directo:

Por despacho do arguido AA, de 14/07/2011, com o conhecimento e anuência do arguido BB, e com convite enviado à sociedade M..., Lda, foi aberto procedimento de ajuste directo para a realização da empreitada de requalificação da Rua .../Rua Eng.º ..., nos termos do disposto na alínea a) do art. 19.º do CCP, para a realização de trabalhos de escavação, fornecimento e colocação de tubagem, regularização e acerto de tampas e caixas de esgotos, pavimentação (incluindo fornecimento e assentamento de guias de granito), no montante de € 149.391,46, acrescido de IVA.

Por despacho do arguido AA, de 4/10/2011, tal empreitada foi adjudicada à sociedade M..., Lda

Na sequência do referido ajuste directo, em 7/10/2011 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade M..., Lda, representada por HH, tendo por objecto a execução da referida obra pública, devendo os trabalhos ser executados no prazo de 90 dias a contar da data de consignação, a qual ocorreu no mesmo dia, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 30/11/2011, foi elaborado o auto de medição dos trabalhos contratuais, no valor de € 149.391,46, bem como o auto de recepção provisória da obra.

Em 2/12/2011 a sociedade M..., Lda emitiu a factura n.º ....49, datada de 2/12/2011, no valor de € 158.354,95 (IVA incluído, à taxa de 6%), correspondente ao auto de medição, que foi devolvida, várias vezes, pela DOSU e pela Divisão Financeira da Câmara Municipal de ..., alegando haver lapso na data do auto de medição dos trabalhos.

Em resposta a sociedade M..., Lda - carta Ref.ª F-.....12, de 5/03/2012 -, referiu que não existia qualquer engano na data do auto por ser a data acordada para a sua elaboração, por conveniência dos Serviços do Município, que os trabalhos foram realizados meses antes da elaboração do auto e que, em termos contabilísticos, tratava-se de um trabalho realizado e contratualizado em 2011 e, por isso, tinha de ser facturado nesse ano.

A conta final desta empreitada relevou o valor dos trabalhos contratuais de € 149.391,46, datada de 16/01/2012, e foi anterior à data indicada como sendo da emissão do documento (16/01/2013).

Tal como no processo de concurso público, o auto de recepção definitiva da obra, datada de 17/11/2016, foi assinado por representantes do dono da obra e da adjudicatária/empreiteiro.

As obras que foram objecto do ajuste directo resultaram de ausência de planeamento e controlo da execução desta obra pública, originando a realização de trabalhos a mais e alterações substanciais ao projecto, decididas de forma ad-hoc; ou seja, como no sector privado, pelos arguidos AA e BB.

Com a abertura do procedimento de ajuste directo, não obstante estar a decorrer um procedimento de concurso público para o mesmo local, os arguidos AA e BB visaram formalizar alterações ao projecto inicial, quanto ao tipo e quantidades de trabalhos realizados e materiais aplicados (substituição de guias de cimento por guias de granito, outro tipo de candeeiros), não sendo enquadráveis em trabalhos a mais (art. 370.º do CCP) ou trabalhos de suprimento de erros e omissões do projecto (art. 376.º do CCP).

As alterações ao projecto inicial agravaram o custo final desta empreitada de obra pública, a suportar pelo Município de ..., em € 74.885,38 (595.266,50-520.381,12), correspondente a 14,39% do valor inicial desta empreitada (€74.885,38 : € 520.381,12).

Os arguidos AA e BB ao celebrar o contrato de ajuste directo acima referido, no valor de € 149.391,46, desobedeceram aos seguintes dispositivos legais:

- Art. 286.º do CCP-Princípios fundamentais:

“O contrato constitui, para o contraente público e para o co-contratante, situações subjetivas activas e passivas que devem ser exercidas e cumpridas de boa-fé e em conformidade com os ditames do interesse público, nos termos da lei.”.

- Art. 312.º do CCP–Fundamentos:

“O contrato pode ser modificado com os seguintes fundamentos:

a) Quando as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal e imprevisível, desde que a exigência das obrigações por si assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato;

b) Por razões de interesse público decorrentes de necessidades novas ou de uma nova ponderação das circunstâncias existentes.”.

- Art. 313.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CCP– Limites “1 - A modificação não pode conduzir à alteração das prestações principais abrangidas pelo objecto do contrato nem configurar uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência garantida pelo disposto no presente Código relativamente à formação do contrato.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, salvo quando a natureza duradoura do vínculo contratual e o decurso do tempo o justifiquem, a modificação só é permitida quando seja objectivamente demonstrável que a ordenação das propostas avaliadas no procedimento de formação do contrato não seria alterada se o caderno de encargos tivesse contemplado essa modificação.

3 - Nos contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos, o fundamento previsto na alínea a) do artigo anterior não pode conduzir à modificação do contrato por decisão judicial ou arbitral, quando esta interfira com o resultado do exercício da margem de livre decisão administrativa subjacente ao mesmo ou implique a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa.” - art. 61.º do CCP – Erros e omissões no caderno de encargos: “1 - Para os efeitos do disposto no presente Código, são erros e omissões do caderno de encargos: a) Os que digam respeito a: i) Aspetos ou dados que se revelem desconformes com a realidade; ii) Espécie ou quantidade de prestações estritamente necessárias à integral execução do objeto do contrato a celebrar; ou iii) Condições técnicas de execução do objeto do contrato a celebrar que o interessado não considere exequíveis;”.

- Art. 370.º, n.ºs 1 e 4 do CCP– Trabalhos a mais:

1 - São trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não esteja prevista no contrato e que:

a) Se tenham tornado necessários à execução da mesma obra na sequência de uma circunstância imprevista; e b) Não possam ser técnica ou economicamente separáveis do objecto do contrato sem inconvenientes graves para o dono da obra ou, embora separáveis, sejam estritamente necessários à conclusão da obra.

4 - Não são considerados trabalhos a mais aqueles que sejam necessários ao suprimento de erros ou omissões, independentemente da parte responsável pelos mesmos.”.

- Art. 376.º do CCP – Obrigação de execução de trabalhos de suprimento de erros e omissões:

“1 - O empreiteiro tem a obrigação de executar todos os trabalhos de suprimento de erros e omissões que lhe sejam ordenados pelo dono da obra, o qual deve entregar ao empreiteiro todos os elementos necessários para esse efeito, salvo quando o empreiteiro tenha a obrigação pré-contratual ou contratual de elaborar o programa ou o projecto de execução. 2 - Salvo quando o empreiteiro tenha a obrigação de elaborar o projecto de execução, o dono da obra deve entregar ao empreiteiro todos os elementos necessários à realização dos trabalhos referidos no número anterior.

3 - Só pode ser ordenada a execução de trabalhos de suprimento de erros e omissões quando o somatório do preço atribuído a tais trabalhos com o preço de anteriores trabalhos de suprimento de erros e omissões e de anteriores trabalhos a mais não exceder 50 do preço contratual.

4 - O empreiteiro não está sujeito à obrigação prevista no n.º 1 nos casos previstos no n.º 2 do artigo 371.º, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 372.º.

5 - Sempre que o dono da obra ordene a execução de trabalhos de suprimento de erros e omissões que, apesar de terem sido detectados na fase de formação do contrato, não tenham sido por si expressamente aceites, deve o mesmo justificar a razão pela qual os considera essenciais à conclusão da obra e fazer constar esse facto no relatório final da obra.

6 - Quando estejam em causa erros e omissões que prejudiquem o normal desenvolvimento do plano de trabalhos, o empreiteiro propõe ao dono da obra as modificações necessárias ao mesmo, devendo este pronunciar-se sobre o plano de trabalhos modificado e comunicar a sua posição ao empreiteiro, até 15 dias após a notificação da proposta do empreiteiro, equivalendo o silêncio a aceitação.

7 - As modificações ao plano de trabalhos referido no número anterior destinam-se estritamente a compatibilizar o plano em vigor com os trabalhos de suprimento de erros e omissões ordenados e apenas podem ter por efeito a alteração do prazo de execução da obra ou do preço contratual nos termos previstos, respectivamente, no n.º 2 do artigo 377.º e no artigo 378.º.“.

Ao actuar conforme o acima descrito os arguidos AA e BB não garantiram que o Município de ... tinha capacidade financeira para assumir tal despesa, não inscrita e sem dotação orçamental, violando:

- Art. 5º, n.ºs 1 e 5 da Lei n.º 8/2012, de 21/02 (Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso das Entidades Públicas – LCPA) - Assunção de compromissos:

"1 - Os titulares de cargos políticos, dirigentes, gestores e responsáveis pela contabilidade não podem assumir compromissos que excedam os fundos disponíveis, referidos na alínea f) do artigo 3.º.

5 - A autorização para a assunção de um compromisso é sempre precedida pela verificação da conformidade legal da despesa, nos presentes termos e nos demais exigidos por lei.”

- Princípios de execução orçamental previstos no art. 42º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO): “6 - Nenhuma despesa pode ser autorizada ou paga sem que, cumulativamente: a) O facto gerador da obrigação de despesa respeite as normas legais aplicáveis; b) A despesa em causa disponha de inscrição orçamental, tenha cabimento na correspondente dotação, esteja adequadamente classificada e obedeça ao princípio da execução do orçamento por duodécimos, salvas, nesta última matéria, as exceções previstas na lei; c) A despesa em causa satisfaça o princípio da economia, eficiência e eficácia. 8 - O respeito pelos princípios da economia, eficiência e eficácia, a que se refere a alínea c) do n.º 6, deverá ser verificado, em particular, em relação às despesas que, pelo seu elevado montante, pela sua continuidade no tempo, uma vez iniciadas, ou por qualquer outro motivo envolvam um dispêndio significativo de dinheiros públicos-

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL):

“2.3.4.2, alínea d) - “As despesas só podem ser cativadas, assumidas, autorizadas e pagas, se, para além de serem legais, estiverem inscritas no orçamento e com dotação igual ou superior ao cabimento e ao compromisso, respectivamente.”; “2.9.2 - Os métodos e procedimentos de controlo devem visar os seguintes objectivos: a) A salvaguarda da legalidade e regularidade no que respeita à elaboração, execução e modificação dos documentos previsionais, à elaboração das demonstrações financeiras e ao sistema contabilístico; (…); d) A aprovação e controlo de documentos; e) A exactidão e integridade dos registos contabilísticos e, bem assim, a garantia da fiabilidade da informação produzida; (…); g) A adequada utilização dos fundos e o cumprimento dos limites legais à assunção de encargos; (…); i) A transparência e a concorrência no âmbito dos mercados públicos; j) O registo oportuno das operações pela quantia correcta, nos documentos e livros apropriados e no período contabilístico a que respeitam, de acordo com as decisões de gestão e no respeito das normas legais.”. “2.9.2 - Os métodos e procedimentos de controlo devem visar os seguintes objectivos: a) A salvaguarda da legalidade e regularidade no que respeita à elaboração, execução e modificação dos documentos previsionais, à elaboração das demonstrações financeiras e ao sistema contabilístico; (…); d) A aprovação e controlo de documentos; e) A exactidão e integridade dos registos contabilísticos e, bem assim, a garantia da fiabilidade da informação produzida; (…);

g) A adequada utilização dos fundos e o cumprimento dos limites legais à assunção de encargos; (…); i) A transparência e a concorrência no âmbito dos mercados públicos; j) O registo oportuno das operações pela quantia correcta, nos documentos e livros apropriados e no período contabilístico a que respeitam, de acordo com as decisões de gestão e no respeito das normas legais. “2.9.10.4.2 - As aquisições de imobilizado se efectuam de acordo com o plano plurianual de investimentos e com base em deliberações do órgão executivo, através de requisições externas ou documento equivalente, designadamente contrato, emitido pelos responsáveis designados para o efeito, após verificação do cumprimento das normas legais aplicáveis, nomeadamente em matéria de empreitadas e fornecimentos;”.

- Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL- Lei das finanças locais):

Princípios e regras orçamentais

1 - Os municípios e as freguesias estão sujeitos às normas consagradas na Lei de Enquadramento Orçamental e aos princípios e regras orçamentais e de estabilidade orçamental.”.

- Art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública. Este artigo está em vigor por força da Resolução da Assembleia da República n.º 86/2011, de 11/04, que faz cessar a vigência do DL nº 40/2011, de 22/03, que revogava os mencionados artigos, que o Código dos Contratos Públicos mantivera em vigor por força da alínea f) do n.º 1 do artº 14 do DL 18/2008, que aprovou o CCP) – Unidade da despesa pública:

“1 - Para efeitos do presente diploma, a despesa a considerar é a do custo total da locação ou da aquisição de bens ou serviços.

2 - É proibido o fraccionamento da despesa com a intenção de a subtrair ao regime previsto no presente diploma.”.

Ao celebrar o contrato de Ajuste directo, descrito no ponto VIII, os arguidos AA e BB actuaram livre, voluntária e conscientemente, ao abrigo do acordo estabelecido entre si, em que cada um deles executou, em comunhão de intentos e conjugação de esforços, os actos que lhe competia, no âmbito das respectivas funções, bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e despesa pública, as quais deliberadamente decidiram não acatar ao executar uma obra nova na empreitada acima descrita.

Visando, durante a actuação supra descrita, fracionar e aumentar a despesa pública do Município de ..., em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios da legalidade, transparência, igualdade, concorrência e imparcialidade e de prossecução do interesse público, e normativos que norteiam a contratação pública e a despesa pública.

Mais actuaram sabendo que a referida conduta era lesiva dos interesses públicos de natureza patrimonial que bem sabiam estar incumbidos de defender no âmbito do ajuste directo em que intervieram.

Com o procedimento adoptado pelos arguidos ficou ainda arredado qualquer exercício da concorrência (potencial e efectiva) garantida pelo concurso de outros eventuais adjudicatários/empreiteiros.

Os arguidos agiram bem sabendo que tal actuação era proibida e punida por lei criminal.

IX

Empreitadas/trabalhos a mais executados pela sociedade J..., Lda

IX.1

Pavimentação e Arruamentos no Concelho (Freguesia de ...)

Contrato inicial:

Por despacho do arguido AA, de 4/09/2007, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP), foi autorizada a execução da empreitada de pavimentação e arruamentos no Concelho (Freguesia de ...), com a execução dos seguintes trabalhos – instalação, limpeza e desmontagem do estaleiro, execução de muros e murete em betão, levantamento da calçada, fornecimento e assentamento de paralelo em granito azul, execução de escadaria, pinturas de habitações e muros exteriores, execução do troço de saneamento, de rede de águas pluviais, sarjetas, fornecimento e assentamento de bancos de jardim, bebedouro, árvores, palmeiras, grade com corrimão, corte e regularização de talude, enchimento de canteiros de jardim, reparação do vão de escada existente e levantamento da tijoleira nas entradas das habitações.

Por despacho do arguido AA, de 2/11/2007, tal empreitada foi adjudicada à sociedade J..., Lda, pelo valor de € 84.431,20, acrescido de IVA.

Na sequência do referido concurso, em 3/12/2007 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade J..., Lda, representada por EE.

O prazo previsto de execução dos trabalhos foi de 150 dias, a contar da data de consignação, a qual ocorreu em 4/12/2007, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 14/04/2008, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação do prazo de execução da empreitada até 30/04/2009, alegando alterações ao projecto inicial.

Tal pedido foi presente ao arguido BB, que no dia 14/04/2008 exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, sem fundamentação.

Na sequência do referido despacho o prazo contratual foi alargado em 363 dias.

Trabalhos adicionais:

Em 15/10/2008, a adjudicatária/empreiteiro apresentou uma proposta de trabalhos a mais no valor de € 20.584,00, acrescido de IVA, para a construção de 166m3 de muros em betão ciclópico e pavimentação, tendo sido autorizada por despacho, de 20/10/2008, do arguido AA, necessários ao acabamento da referida obra pública.

Em 15/04/2009 foi outorgado o contrato de empreitada de trabalhos a mais da referida obra entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade J..., Lda, representada por EE, o qual previa um prazo de execução de 37 dias, a contar desta data.

Tais trabalhos a mais corresponderam a 24,4% do valor inicial desta empreitada.

Em 12/12/2007 (22.501,20€), 04/03/2008 (23.460,00€), 10/10/2008 (38.470,00€) e 04/05/2009 (20.584,00€) foram elaborados autos de medição.

Trabalhos a mais:

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta desta obra pública, o arguido AA decidiu e ordenou verbalmente a EE, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, em área de implantação e de intervenção diversa, a construção de um muro de suporte e alargamento, tendo em vista a construção de um miradouro por cima do Bairro Social de ..., sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 25.000,80, acrescido de IVA, correspondente a 29,6% do valor da empreitada.

EE acedeu a tal pedido e executou tais trabalhos a mais por o arguido AA lhe ter assegurado o pagamento.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos art. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

A construção do miradouro decorreu da proposta do arguido AA, consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 54,0% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas e consubstanciaram uma obra nova ordenada pelo arguido AA, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita o arguido AA ultrapassou o limite de 25% fixado no art. 45.º, n.º 1 do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

IX.2

Construção e reparação de Muros Degradados em ...

Adjudicação inicial:

Por despacho do arguido AA, de 19/02/2008, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP), foi autorizada a execução da empreitada de construção e reparação de Muros Degradados em ... - trabalhos de escavação de terreno, execução de fundação em betão, execução de muro (66 m2), capeamento (22 un), fornecimento e assentamento de cubo de granito azul (320 m2) e guias em granito amarelo (6 un).

Por despacho do arguido AA, de 16/04/2008, tal empreitada foi adjudicada à sociedade J..., Lda, pelo valor de € 19.685,00, acrescido de IVA.

O preço da adjudicação foi superior em 19,48% ao preço base (€ 16.475,00).

A execução desta obra não foi formalizada por contrato, violando o disposto no art. 119.º, n.º 1 do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

O prazo previsto de execução dos trabalhos foi de 90 dias, a contar da data de consignação, a qual ocorreu em 26/07/2008, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 3/03(RJEOP).

Trabalhos adicionais:

Por despacho, de 29/08/2008, o arguido AA autorizou trabalhos a mais - fornecimento e colocação de pedras de granito amarelo serrado e bujardado, pilares de granito, execução de muro de granito, materiais e trabalhos de saneamento -, necessários ao acabamento desta obra pública, no valor € 4.660,00€, acrescido de IVA, correspondente a 23,7% do valor inicial desta empreitada.

Durante a execução desta obra pública, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido AA decidiu e ordenou verbalmente a EE, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a execução de trabalhos a mais - elevação de muro, com pedra em granito amarelo, capeamento da pedra, bujardada, fornecimento e assentamento de cubo de granito azul, reparação de grades e pilares da capela, sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 4.560,00, acrescido de IVA, correspondente a 23,0% do valor inicial desta empreitada.

EE acedeu a tal pedido e executou tais trabalhos a mais por o arguido AA lhe ter assegurado o pagamento.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos arts. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos consubstanciaram uma obra nova – construção de um muro – e envolveram encargos que exigiam a abertura de concurso público limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

Em 17/09/2008 e 11/12/2009 foram elaborados os autos de medição, respectivamente, dos trabalhos contratuais e dos trabalhos imprevistos, nos valores de € 19.685,00 e € 4.660,00€, acrescidos de IVA.

O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 47,3% do valor inicial desta empreitada de obra pública, alterando a adjudicação inicial e o preço inicialmente fixado, consubstanciando uma obra nova e sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido AA, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita o arguido AA ultrapassou o limite de 25% fixado no art. 45.º, n.º 1 do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

Em 14/12/2009 e 13/01/2010 foram elaborados, respectivamente, o auto de receção provisória da obra e a conta final da empreitada, a qual registou os valores dos autos de medição supra referidos, nos termos do disposto no art. 222.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03.

IX.3

Construção do Muro na Rua da ..., em ...

Contrato inicial:

Por despacho do arguido AA, de 16/01/2008, no seguimento de concurso limitado sem publicação de anúncio, ao abrigo dos arts. 47.º e 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP), foi autorizada a execução da empreitada de construção do Muro na Rua da ..., em ...– montagem e desmontagem de estaleiro, escavação de terreno, execução de fundação em betão, execução de muro em pedra de granito amarela rachada, capeamento, reparação geral de calçada, limpeza a jacto de água ou areia.

Por despacho do arguido AA, de 6/05/2008, tal empreitada foi adjudicada à sociedade J..., Lda, pelo valor de € 32.560,00, acrescido de IVA.

O preço da adjudicação foi inferior em 29,55% ao preço base do concurso (€ 46.220,00).

A execução desta obra não foi formalizada por contrato, violando o disposto no art. 119.º, n.º 1 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP).

O auto de consignação, de 6/6/2008, definiu o prazo de execução de 60 dias, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP).

Em 17/07/2008, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação legal do prazo de execução da empreitada, alegando alterações ao projecto inicial.

Tal pedido foi presente ao arguido AA, que no dia 17/07/2008 exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, sem fundamentação.

Na sequência do referido despacho o prazo inicial de 60 dias foi prorrogado em 220 dias.

Trabalhos adicionais:

O arguido AA, por despacho de 29/08/2008, autorizou trabalhos a mais, no valor de € 8.000,00, acrescido de IVA, necessários ao acabamento desta obra pública, correspondente a 24,6% do valor inicial desta empreitada (compensando trabalhos a mais de € 14.500,00 com trabalhos a menos no valor de € 6.500,00) - 52 m2 de pedras de granito amarelo, fornecimento e colocação de cubo de granito azul (100 m2),

Tal valor correspondeu à diferença de preços dos materiais aplicados no muro, sendo € 14.500,00, referente ao fornecimento e colocação de 52m2 de pedras de granito amarelo serrado e bujardado e 100m2 de cubos de granito azul 11x11, e 6.500,00€, relativo à pedra não aplicada e prevista inicialmente.

Em 30/10/2009 foi elaborado o auto de medição dos trabalhos a mais, no valor de € 8.000,00

Trabalhos adicionais:

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB, com o conhecimento e anuência do arguido AA, decidiu e ordenou verbalmente a EE, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, que o muro passasse a ter um metro de altura e fosse construído em granito amarelo cerrado e bujardado, em substituição de pedra rachada que fazia parte do objecto inicial da empreitada, sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de €10.755,00, acrescido de IVA, correspondente a 33% do valor inicial desta empreitada.

Este valor correspondeu ao fornecimento e colocação de 33m2 de pedras de granito amarelo cerrado e bujardado e de 167m2 de cubos de granito azul 11x11.

EE acedeu a tal pedido e executou tais trabalhos a mais por o arguido AA lhe ter assegurado o pagamento.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto no art. 125.º, n.º 1, do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

A ampliação de tal muro consubstanciou uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de concurso público ou limitado, ao abrigo do disposto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do D.L n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).

Tais trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 57,6% valor inicial desta empreitada, alterando a adjudicação inicial e o preço inicialmente fixado, consubstanciaram uma obra nova, e sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelos arguidos AA e BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.

Ao actuar da forma descrita os arguidos AA e BB ultrapassaram o limite de 25% fixado no art. 45º do D.L. 59/99, de 2/03 (RJEOP) sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

Em 3/11/2009 foram elaborados o auto de receção provisória da obra e a conta final da empreitada, a qual não registou o valor de € 10.755,00.

Do processo da empreitada desta obra pública não consta qualquer planta de localização e projecto da obra, contrariando o disposto nos arts. 10.º, 61.º, 62.º e 63.º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), revelando falta de preparação e estudo da obra pelos arguidos AA e BB, subvertendo os princípios da concorrência, igualdade e transparência.

IX.4

Requalificação da Zona Central de ...

Por despacho do arguido AA, de 28/07/2009, foi autorizada a abertura do procedimento de Ajuste Directo, nos termos do disposto na alínea a) do art. 19.º do CCP, para a execução da empreitada de requalificação da Zona Central de ... - montagem de desmontagem estaleiro, plano de segurança da obra, levantamento de pavimento existente, demolição de paragem de autocarro e posterior reconstrução, limpeza de nicho com jacto de água, revestimento de muros existentes com pedra de xisto, execução de muro em betão, fornecimento e assentamento de lancis em xisto, cubo em granito azul, microcubo em granito amarelo, fornecimento e colocação de papeleiras, de sinalética, de bancos de granito cinzento, de postes de iluminação, de projectores, fornecimento e implantação de árvores e arbustos.

Por despacho, de 7/10/2009, do arguido AA, tal empreitada foi adjudicada à sociedade J..., Lda, pelo valor de € 49.659,40, acrescido de IVA.

Na sequência do referido concurso, em 1/02/2009 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade J..., Lda, representada por EE, tendo por objecto a execução da referida obra pública, prevendo um prazo de execução de 30 dias, a contar da data de consignação, e o respectivo auto não registou reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro.

O preço de € 49.659,40 foi inferior em 15,22% ao montante previsto na data de abertura do procedimento (€ 58.575,00).

Trabalhos adicionais:

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido AA autorizou a realização de trabalhos a mais – fornecimento e colocação de cabos LSVAV, abertura e fecho de vala –, sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que tais trabalhos não podiam ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, ou para corrigir erros e suprir omissões, no valor de € 13.762, 90, correspondente a 27,7% do valor inicial desta empreitada.

EE executou tais trabalhos a mais por o arguido AA lhe ter assegurado o pagamento

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos art. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Tais trabalhos foram ordenados pelo arguido AA após terem sido detectados erros e omissões de trabalhos relativos ao fornecimento e colocação de cabo, bem como a abertura e fecho de vala, os quais não foram identificados em momento anterior à adjudicação, nem à consignação dos trabalhos, uma vez que as peças do procedimento se limitaram a um mapa de quantidade e preços unitários dos trabalhos a realizar, não sendo acompanhados de peças desenhadas que permitissem a sua identificação.

O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 27,7% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, por razões de conveniência ou de aperfeiçoamento (melhoria) do arguido AA e não na necessidade de trabalhos a mais necessários à conclusão da referida obra previstos no arts. 370.º do CCP, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 370º, n.º 5 do CCP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 19º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma legal – ajuste directo.

Ao actuar da forma descrita o arguido AA ultrapassou o limite de 5% fixado no art. 370.º, n.º 2, al. c) do CCP, sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

Os autos de consignação, sem registo de reclamação ou reserva apresentada pela adjudicatária/empreiteiro, nos termos do disposto no art. 222.º do DL. 59/99, de 2/03 (RJEOP), e de recepção provisória têm datas, de 5/03/2010 e 5/04/2010, respectivamente, e a conta final de empreitada, elaborada em 9/04/2010, com registo de trabalhos executados no montante de € 49.659,40.

IX.5

Construção de Balneários no Concelho (...)

Contrato Inicial:

Por despacho do arguido AA, de 16/06/2010 foi aberto procedimento de ajuste directo, nos termos do disposto na alínea a) do art. 19.º do CCP (D.L. n.º 278/2009, de 27/10), para a execução da empreitada de construção de Balneários no Concelho (...) - montagem e desmontagem de estaleiro, movimento de terras, fornecimento e colocação de betão, sapatas, cofragem, alvenarias, paredes, coberturas e impermeabilização, cantarias, tectos, revestimento de paredes interiores e exteriores, revestimento de pavimentos, serralharias/caixilharia.

Por despacho do arguido AA, de 15/07/2010, tal empreitada foi adjudicada à sociedade J..., Lda, pelo valor de € 31.412,23, acrescido de IVA.

Na sequência do referido concurso, em 6/09/2010 foi outorgado o contrato de empreitada entre o Município de ..., representado pelo arguido AA, e a sociedade J..., Lda, representada por EE.

O auto de consignação, de 21/10/2010, definiu o prazo de execução de 45 dias, não tendo sido observado o prazo não superior a 30 dias após a data da celebração do contrato, como previa o art. 359.º, n.º1 do CCP (D.L. n.º 278/2009, de 27/10).

Trabalhos adicionais:

No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido AA ordenou verbalmente a EE a realização trabalhos a mais - escavação de terreno e transporte, abertura e tapamento de valas, execução de caixa de saneamento, de muro em betão, de muro em bloco e colocação de betão em passeios-, sem demonstração do surgimento de circunstâncias imprevistas na execução e que não pudessem ser separados do contrato inicial e/ou eram necessários ao acabamento desta obra pública, no valor de € 20.000,00, acrescido de IVA, correspondente a 63,7% do valor inicial desta empreitada.

EE acedeu a tal pedido e executou tal obra por o arguido AA lhe ter assegurado o pagamento.

Tal decisão revelou ainda falta de transparência pela não menção dos fundamentos (de facto e de direito) subjacentes à aprovação dos trabalhos a mais, contrariando o disposto nos art. 124.º e 125.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento administrativo (CPA-Velho).

Não foi elaborado o auto de medição dos trabalhos realizados por não ter sido aberto o procedimento de ajuste directo.

Tais trabalhos destinaram-se à conclusão da construção de Balneários no Concelho (...), consubstanciando uma obra nova e envolveu encargos que exigiam a abertura de ajuste directo, ao abrigo do art. 19º, al. a) do CCP.

O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 63,7% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, por razões de conveniência e aperfeiçoamento (melhoria) do arguido AA e não na necessidade de trabalhos a mais para corrigir erros e suprir omissões previstos nos arts. 370.º e 376.º, ambos do CCP, sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (arts. 370.º, n.º5 e 376.º, n.º 8 do CCP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento de ajuste directo, nos termos do disposto na alínea a) do art. 19.º do CCP.

Ao actuar da forma descrita o arguido AA ultrapassou o limite de 5% fixado no art. 370.º, n.º 2, al. d) e art. 376.º, n.º 3, ambos do CCP sem sujeição à concorrência, e sem que a despesa correspondente tivesse sido previamente inscrita e orçamentada/cabimentada, fraccionando e aumentando a despesa do Município de ....

A conta final da empreitada, elaborada em 14/01/2011, foi assinada pelos representantes do dono da obra e da adjudicatária/empreiteiro e não registou qualquer reclamação deste último, ao abrigo do previsto no art. 401º do CCP.

Sob a mesma resolução, nas empreitadas de obras públicas acima descritas o arguido AA decidiu:

(Obra - Construção e reparação de Muros Degradados em .../ Construção do Muro na Rua da ...)

- Executar verbalmente empreitada de obra pública, sem observar o exigido pelo:

- Art. 119.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 - Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP) - Formalidades dos contratos:

“1 - O contrato será sempre reduzido a escrito, entendendo-se, quando a lei dispense todas as formalidades na sua celebração, que pode ser provado por documentos.”

(Obras - Pavimentação e Arruamentos no Concelho (Freguesia de ...)/Construção e reparação de Muros Degradados em ...)

- Recorrer, nos procedimentos formalizados, ao regime legal de trabalhos a mais, sem fundamentação e sem celebração de contrato adicional que permitisse aferir a sua legalidade, nos termos do disposto no:

- Art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 - Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP) - Execução de trabalhos a mais:

“1 - Consideram-se trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não hajam sido previstos ou incluídos no contrato, nomeadamente no respectivo projecto, se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários na sequência de uma circunstância imprevista, desde que se verifique qualquer das seguintes condições:

a) Quando esses trabalhos não possam ser técnica ou economicamente separados do contrato, sem inconveniente grave para o dono da obra;

b) Quando esses trabalhos, ainda que separáveis da execução do contrato, sejam estritamente necessários ao seu acabamento.”

2 - O empreiteiro é obrigado a executar os trabalhos previstos no n.º 1 caso lhe sejam ordenados por escrito pelo dono da obra e o fiscal da obra lhe forneça os planos, desenhos, perfis, mapa da natureza e volume dos trabalhos e demais elementos técnicos indispensáveis para a sua perfeita execução e para a realização das medições. 7 - A execução dos trabalhos a mais deverá ser formalizada como contrato adicional ao contrato de empreitada.”,

- Art. 45.º, n.ºs 1 e 4 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 - Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP)- Controlo dos custos de obras públicas

1 - O dono da obra não poderá, em caso algum, autorizar a realização de trabalhos a mais previstos no artigo 26.º, alterações do projecto da iniciativa do dono da obra ainda que decorrentes de erro ou omissão do mesmo ou trabalhos resultantes de alterações ao projecto, variantes ou alterações ao plano de trabalhos, da iniciativa do empreiteiro, caso o seu valor acumulado durante a execução de uma empreitada exceda 25% do valor do contrato de empreitada de obras públicas de que são resultantes.

4 - Os trabalhos previstos no n.º 1 que excedam a percentagem nessa disposição prevista só poderão ser adjudicados mediante a aplicação do procedimento que ao caso couber, nos termos previstos no artigo 47.º e demais legislação aplicável.

5 - No cálculo do montante global dos valores acumulados constantes do n.º 2 são incluídos os custos acrescidos ao preço global de uma empreitada de obras públicas decorrentes do incumprimento pelo dono da obra de disposições legais e regulamentares aplicáveis.”

(Obras–Requalificação da Zona Central de .../Construção de Balneários no Concelho (...):

- art. 286.º do CCP - Princípios fundamentais:

“O contrato constitui, para o contraente público e para o co-contratante, situações subjetivas activas e passivas que devem ser exercidas e cumpridas de boa-fé e em conformidade com os ditames do interesse público, nos termos da lei.”.

- Art. 312.º do CCP– Fundamentos:

“O contrato pode ser modificado com os seguintes fundamentos:

a) Quando as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal e imprevisível, desde que a exigência das obrigações por si assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato;

b) Por razões de interesse público decorrentes de necessidades novas ou de uma nova ponderação das circunstâncias existentes.”.

- Art. 313.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CCP– Limites:

“1 - A modificação não pode conduzir à alteração das prestações principais abrangidas pelo objecto do contrato nem configurar uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência garantida pelo disposto no presente Código relativamente à formação do contrato.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, salvo quando a natureza duradoura do vínculo contratual e o decurso do tempo o justifiquem, a modificação só é permitida quando seja objectivamente demonstrável que a ordenação das propostas avaliadas no procedimento de formação do contrato não seria alterada se o caderno de encargos tivesse contemplado essa modificação.

3 - Nos contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos, o fundamento previsto na alínea a) do artigo anterior não pode conduzir à modificação do contrato por decisão judicial ou arbitral, quando esta interfira com o resultado do exercício da margem de livre decisão administrativa subjacente ao mesmo ou implique a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa.”

- Art. 370.º, n.ºs 1 a 4 do CCP (redação dada pela Lei n.º 131/2010, de 14/12) – Trabalhos a mais:

1 - São trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não esteja prevista no contrato e que:

a) Se tenham tornado necessários à execução da mesma obra na sequência de uma circunstância imprevista; e b) Não possam ser técnica ou economicamente separáveis do objecto do contrato sem inconvenientes graves para o dono da obra ou, embora separáveis, sejam estritamente necessários à conclusão da obra.

2 - Só pode ser ordenada a execução de trabalhos a mais quando se verifiquem as seguintes condições: c) O preço atribuído aos trabalhos a mais, somado ao preço de anteriores trabalhos a mais e deduzido do preço de quaisquer trabalhos a menos, não exceder 5 do preço contratual; e d) O somatório do preço atribuído aos trabalhos a mais com o preço de anteriores trabalhos a mais e de anteriores trabalhos de suprimento de erros e omissões não exceder 50 do preço contratual.

4 - Não são considerados trabalhos a mais aqueles que sejam necessários ao suprimento de erros ou omissões, independentemente da parte responsável pelos mesmos.

5 - Caso não se verifique alguma das condições previstas no n.º 2, os trabalhos a mais devem ser objecto de contrato celebrado na sequência de procedimento adoptado nos termos do disposto no título I da parte II.”,

- Art. 376.º, n.ºs 1, 2, 3, 5 e 8 do CCP -Obrigação de execução de trabalhos de suprimento de erros e omissões:

“1 - O empreiteiro tem a obrigação de executar todos os trabalhos de suprimento de erros e omissões que lhe sejam ordenados pelo dono da obra, o qual deve entregar ao empreiteiro todos os elementos necessários para esse efeito, salvo quando o empreiteiro tenha a obrigação pré-contratual ou contratual de elaborar o programa ou o projecto de execução. 2 - Salvo quando o empreiteiro tenha a obrigação de elaborar o projecto de execução, o dono da obra deve entregar ao empreiteiro todos os elementos necessários à realização dos trabalhos referidos no número anterior.

3 - Só pode ser ordenada a execução de trabalhos de suprimento de erros e omissões quando o somatório do preço atribuído a tais trabalhos com o preço de anteriores trabalhos de suprimento de erros e omissões e de anteriores trabalhos a mais não exceder 50 do preço contratual.

5 - Sempre que o dono da obra ordene a execução de trabalhos de suprimento de erros e omissões que, apesar de terem sido detectados na fase de formação do contrato, não tenham sido por si expressamente aceites, deve o mesmo justificar a razão pela qual os considera essenciais à conclusão da obra e fazer constar esse facto no relatório final da obra.

8 - Caso não se verifique a condição prevista no n.º 3, os trabalhos de suprimento de erros e omissões devem ser objecto de contrato celebrado na sequência de procedimento adoptado nos termos do disposto no título I da parte II.”. - Não garantir que o Município de ... tinha capacidade financeira para assumir despesas, não inscritas e sem dotação orçamental, desrespeitando:

- Princípios de execução orçamental previstos no art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO): “6 - Nenhuma despesa pode ser autorizada ou paga sem que, cumulativamente: a) O facto gerador da obrigação de despesa respeite as normas legais aplicáveis; b) A despesa em causa disponha de inscrição orçamental, tenha cabimento na correspondente dotação, esteja adequadamente classificada e obedeça ao princípio da execução do orçamento por duodécimos, salvas, nesta última matéria, as exceções previstas na lei; c) A despesa em causa satisfaça o princípio da economia, eficiência e eficácia. 8 - O respeito pelos princípios da economia, eficiência e eficácia, a que se refere a alínea c) do n.º 6, deverá ser verificado, em particular, em relação às despesas que, pelo seu elevado montante, pela sua continuidade no tempo, uma vez iniciadas, ou por qualquer outro motivo envolvam um dispêndio significativo de dinheiros públicos.”,

- Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL):

“2.3.4.2, alínea d) - “As despesas só podem ser cativadas, assumidas, autorizadas e pagas, se, para além de serem legais, estiverem inscritas no orçamento e com dotação igual ou superior ao cabimento e ao compromisso, respectivamente.”; “2.9.2 - Os métodos e procedimentos de controlo devem visar os seguintes objectivos: a) A salvaguarda da legalidade e regularidade no que respeita à elaboração, execução e modificação dos documentos previsionais, à elaboração das demonstrações financeiras e ao sistema contabilístico; (…); d) A aprovação e controlo de documentos; e) A exactidão e integridade dos registos contabilísticos e, bem assim, a garantia da fiabilidade da informação produzida; (…); g) A adequada utilização dos fundos e o cumprimento dos limites legais à assunção de encargos; (…); i) A transparência e a concorrência no âmbito dos mercados públicos; j) O registo oportuno das operações pela quantia correcta, nos documentos e livros apropriados e no período contabilístico a que respeitam, de acordo com as decisões de gestão e no respeito das normas legais.” “2.9.10.4.2 - As aquisições de imobilizado se efectuam de acordo com o plano plurianual de investimentos e com base em deliberações do órgão executivo, através de requisições externas ou documento equivalente, designadamente contrato, emitido pelos responsáveis designados para o efeito, após verificação do cumprimento das normas legais aplicáveis, nomeadamente em matéria de empreitadas e fornecimentos;”.

- Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais) - Princípios e regras orçamentais:

1- Os municípios e as freguesias estão sujeitos às normas consagradas na Lei de Enquadramento Orçamental e aos princípios e regras orçamentais e de estabilidade orçamental-

Art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública. Este artigo está em vigor por força da Resolução da Assembleia da República n.º 86/2011, de 11/04, que faz cessar a vigência do DL nº 40/2011, de 22/03, que revogava os mencionados artigos, que o Código dos Contratos Públicos mantivera em vigor por força da alínea f) do n.º 1 do artº 14 do DL 18/2008, que aprovou o CCP) – Unidade da despesa pública:

“1 - Para efeitos do presente diploma, a despesa a considerar é a do custo total da locação ou da aquisição de bens ou serviços.

2 - É proibido o fraccionamento da despesa com a intenção de a subtrair ao regime previsto no presente diploma.”.

Sob a mesma resolução, ao adoptar as condutas supra descritas nos pontos IX.1, IX.2, IX.4 e IX.5, o arguido AA actuou livre, voluntária e conscientemente, executou os actos que lhe competia, no âmbito das respectivas funções, bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e despesa pública, as quais deliberadamente decidiu não acatar ao ordenar verbalmente a execução de trabalhos a mais, ou para corrigir omissões ou suprir erros nas empreitadas de obras públicas acima descritas.

Visando, durante toda a actuação supra descrita em cada um dos indicados trabalhos adicionais, fracionar e aumentar a despesa pública do Município de ..., em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios da legalidade, transparência, igualdade, concorrência e imparcialidade e de prossecução do interesse público, e normativos que norteiam a contratação pública e a despesa pública.

Mais actuou sabendo que as referidas condutas eram lesivas dos interesses públicos de natureza patrimonial que bem sabia estar incumbido de defender no âmbito das ordens verbalmente transmitidas e adjudicações em que interveio.

Com o procedimento adoptado pelo arguido ficou arredado qualquer exercício da concorrência (potencial e efectiva) garantida pelo concurso de outros eventuais adjudicatários/empreiteiros.

O arguido agiu bem sabendo que tal actuação era proibida e punida por lei criminal.

(Obra: Construção do muro na Rua da ..., em ... - IX.3)

Os trabalhos a mais na empreitada de obra pública de construção do muro na Rua da ..., em ..., foram decididos pelo arguido AA em conluio com o arguido BB, ao abrigo do acordo estabelecido entre si, em que cada um deles executou, em comunhão de intentos e conjugação de esforços, os actos que lhe competia, no âmbito das respectivas funções com violação do disposto nos:

-Arts. 26.º, 45.º, 48.º, n.º 1 e 2, al. b), 119.º, n.º 1, 180.º, 182.º, 201.º, 220.º a 222.º, todos do DL n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP);

-Art. 42.º, n.ºs 6, alíneas a), b), e c) e 8, da Lei n.º 91/2001, de 20/08, na redação dada pela Lei n.º 48/2004, de 24/08 - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO;

Considerações técnicas, regras e procedimentos de controlo financeiro do Município de ... previstos no Anexo do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), aprovado pelo D.L. n.º 54-A/99, de 22/02 - Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL):pontos 2.3.4.2, alínea d), 2.9.2, alíneas a), d), e), g), i) e j); 2.9.10.4.2.;

-Art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (LFL - Lei das Finanças Locais);

-Art. 16º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 197/99, de 8/06 (Regime Jurídico da realização despesas públicas e da contratação pública).

Actuaram bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e despesas públicas, as quais deliberadamente decidiram não acatar ao ordenar verbalmente a execução de trabalhos a mais na empreitada da obra pública descrita no ponto IX.3.

Visando, durante toda a actuação supra descrita, nos indicados trabalhos adicionais, fracionar e aumentar a despesa pública do Município de ..., em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios da legalidade, transparência, igualdade, concorrência e imparcialidade e de prossecução do interesse público, e normativos que norteiam a contratação pública e a despesa pública.

Mais actuaram sabendo que a referida conduta era lesiva dos interesses públicos de natureza patrimonial que bem sabiam estarem incumbidos de defender no âmbito da ordem verbalmente transmitida.

Com o procedimento adoptado pelos arguidos, ficou arredado qualquer exercício da concorrência (potencial e efectiva) garantida pelo concurso de outros eventuais adjudicatários.

Os arguidos agiram bem sabendo que tal actuação era proibida e punida por lei criminal.


*


(Contestação arguido BB)

Por despacho de 1 de Agosto de 2007, o presidente da câmara avocou a competências relativa a obras públicas municipais, mantendo competência delegada no arguido BB para os fins acima aludidos até ao montante de € 24,939,89.


*


Contestação AA:

Logo após o inicio das suas funções, o Presidente da Câmara de ..., passou a dirigir grande parte do seu esforço na captação de investimentos comunitário, dentro do quadro comunitário de apoio, para a realização de obras públicas, seja na rede viária, seja em infra-estruturas urbanísticas, seja até na dotação de equipamentos absolutamente essenciais para o concelho.

As populações do concelho de ..., afastadas dos centros urbanos, eram das mais carenciadas e das que mais podiam recuperar melhores condições de vida, dignidade de cidadania e desenvolvimento cultural e económico através dos fundos de coesão proporcionados pelos quadros comunitários de apoio então aprovados e cujo acesso e utilização era prioritário e absolutamente necessário.

O Presidente da Câmara de ... logo direccionou os seus maiores esforços, o seu tempo, o seu saber e a sua força para junto da CCRN e para junto dos Ministérios – todos eles localizados em Lisboa… - estudar, obter informação sobre os meios para ter acesso aos fundos comunitários e tratar de encontrar equipas e ajuda para a elaboração dos projectos de investimento.

A Divisão de Obras e Serviços Urbanos foi dirigida por um muito experimentado e antigo chefe de divisão Municipal a quem competia:

a) Assegurar, organizar, controlar e executar todos os processos relativos a obras municipais e executar por empreitadas de acordo com as opções do plano e face às orientações superiores, promovendo o lançamento e acompanhamento total dos respectivos concursos e processos;

b) Planear e executar os projectos de construção, conservação ou renovação das obras constantes nas opções do plano que os órgãos municipais deliberem realizar por administração directa;

c) Assegurar, organizar e executar as actividades e projectos de ampliaçãod) Promover e assegurar a defesa e protecção do meio ambiente nas suas várias vertentes;

e) Coordenar, assegurar e gerir o sistema de recolha e tratamento dos resíduos sólidos urbanos na área do Município;

f) Gerir e assegurar a manutenção e conservação de jardins e espaços verdes, cemitérios, parques de campismo e de outros equipamentos ou infra -estruturas de idêntica natureza não afectos a outros serviços;

g) Gerir de forma racional e eficiente as oficinas municipais e o parque automóvel municipal;

h) Acompanhar os projectos de informatização municipal, na parte que diz respeito à Divisão, devendo propor melhorias nas aplicações no sentido de garantir a satisfação e qualidade dos serviços.

Na dependência da Divisão de Obras e Serviços Urbanos funcionavam os seguintes serviços:

a) Secção de Apoio Administrativo;

b) Gabinete de Obras Municipais;

c) Sector de Rede Viária;

d) Sector de Saneamento Básico;

e) Sector de Construções Diversas;

f) Sector de Ambiente;

g) Sector de Oficinas e Parque Auto.

Competindo à Secção de Apoio Administrativo da Divisão de Obras e Serviços Urbanos:

a) Executar o expediente da Divisão e assegurar o processamento administrativo de todos os processos administrativos que por ela sejam tramitados;

b) Proceder à organização, arquivo e conservação dos documentos eà instrução de todos os processos administrativos da divisão com vista à sua apreciação e decisão superiores;

c) Solicitar pareceres de outras entidades, quando tal se mostre necessário

d) Emitir as licenças e alvarás relativos a processos que corram pela Divisão de Planeamento Urbanístico;

e) Fazer a recolha e informar a Divisão Administrativa dos assuntos para a reunião da Câmara Municipal que lhe competem;

f) Organizar e classificar os processos existentes e considerados concluídos, para remessa ao arquivo geral;

g) Executar as tarefas relativas ao serviço da Divisão, desde que não sejam atribuições de nenhum outro sector ou serviço.

Ao Gabinete de Obras Municipais competia:

a) Promover a adjudicação de obras por empreitada, constantes das opções do plano e fiscalizar o cumprimento dos respectivos contratos;

b) Promover a organização dos processos relativos à realização de concursos para execução de obras por empreitada, instruindo os mesmos com orçamentos, caderno de encargos, programa de concurso e outros documentos que sejam necessários;

c) Controlar todos os procedimentos administrativos relativos à adjudicação e consignação de obras municipais;

d) Acompanhar, controlar e fiscalizar a realização de obras municipais por empreitada, fiscalizando o cumprimento de contratos, regulamentos e demais legislação aplicável.

e) Intervir no controlo técnico — financeiro das obras municipais, nomeadamente na elaboração de autos de medição e de revisão de preços;

f) Prestar as informações superiormente solicitadas acerca da execução das obras municipais, designadamente, acerca daquelas situações que careçam de despacho, ou deliberação;

g) Proceder à recepção da obra e promover o inquérito administrativo;

h) Elaborar e formalizar processos de candidatura de projectos municipais a fundos comunitários, de acordo com instruções superiores;

i) Elaborar os pedidos de pagamento às entidades respectivas, relativamente às obras comparticipadas.

Finalmente e no que às obras concerne, ao Sector de Construções Diversas competia:

a) Estudar, projectar, orçamentar obras diversas não afectas a outro sector, constantes das opções do plano, promovendo a sua execução por administração directa ou por empreitada.

b) Assegurar a conservação e manutenção dos edifícios municipais, mediante uma planificação aprovada superiormente.”

II.1.2. Factos dados como provados em acrescento da Relação, na sequência do recurso apresentado pelo Ministério Público:

“Os arguidos praticaram os factos acima descritos com o intuito de serem sucessivamente reeleitos para cargos nas eleições autárquicas de ... de 2001/2005, 2005/2009 e 2009/2013 e de beneficiar as adjudicatárias/empreiteiros;

Nos casos acima descritos os arguidos actuaram bem sabendo que a respectiva conduta era adequada a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade e transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir.

“A alteração introduzida nos muros de ..., no que se referiu ao capeamento, para além de destoar do conjunto em que se inseriu, não teve subjacente qualquer defesa do interesse público ou mais-valia para o local de implantação, traduzindo-se numa melhoria ainda que indirecta de um parque de estacionamento de uma empresa existente no local.”

II.2. A Relação aditou a matéria de facto acabada de transcrever com base na seguinte motivação1:

“Diferentemente, se passa com os vícios previstos nas als. b) e c) do mesmo preceito legal em referência.

Vejamos.

Em relação à al. b) do nº 2 do artº 410º do CPP – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – constata-se que no acórdão recorrido, na página 74, 2º e 3º parágrafos (referente aos trabalhos a mais da empresa H..., Lda – grupos fácticos VI.1 a VI.9), e na página 88, último parágrafo (referente aos trabalhos a mais da Construtora..., Lda. – grupo fáctico VII.1 e VII.2) o Tribunal a quo dá como provado os seguintes factos:

Página 74:

1º parágrafo (que aqui se cita para cabal compreensão dos 2º e 3º parágrafos):

Ao ordenar verbalmente os trabalhos a mais descritos nos pontos VI.1. a VI.9, o arguido BB actuou livre, voluntária e conscientemente, executandoos actos que lhe competia, no âmbito das respectivas funções, bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e despesa pública, as quais decidiu deliberadamente não acatar ao ordenar verbalmente a execução de trabalhos adicionais nas empreitadas de obras públicas acima descritas.

2º parágrafo:

Visando, durante toda a actuação supra descrita em cada um dos indicados trabalhos a mais, fraccionar e aumentar a despesa pública do Município de ..., e beneficiar os seus interesses pessoais para ser sucessivamente reeleito e a adjudicatária/empreiteiro, em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios da legalidade, transparência, igualdade, concorrência e imparcialidade e de prossecução dos interesse público, e normativos que norteiam a contratação pública e a despesa pública.

3º parágrafo:

O arguido actuou bem sabendo que as respectivas condutas eram adequadas a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade e transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir.

- sublinhados nosso

Página 88:

3º parágrafo

Os arguidos actuaram bem sabendo que as respectivas condutas eram adequadas a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade, transparência e da boa gestão dos dinheiros públicos, a mesma não reuniria condições de auferir.

Sendo que, nas páginas 127, in fine (último parágrafo) e 128 proemio (primeiro parágrafo) subordinado ao título “Factos não provados” o Tribunal a quo considera que não se provaram os seguintes dois factos:

Último parágrafo da página 127:

- que os arguidos tenham praticado os factos acima descritos com o intuito de serem sucessivamente reeleitos para cargos nas eleições autárquicas de ... de 2001/2005, 2005/2009 e 2009/2013 e de beneficiar as adjudicatárias/empreiteiros;

1º parágrafo da página 128: - que nos casos acima descritos os arguidos actuaram bem sabendo que a respectiva conduta era adequada a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade e transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir.

- sublinhados nosso

Do simples confronto entre aqueles factos provados e estes factos não provados se constata que existe uma clara contradição pois que o Tribunal a quo dá simultaneamente por provado e não provado os mesmos factos.

Pelo que o acórdão recorrido padece do vício constante da al. b) do nº 2 do artº 410º do CPP.

Afigura-se-nos, contudo, dada a posterior fundamentação oferecida pelo Tribunal a quo, bem como a decisão absolutória, que o mesmo terá querido manter como não provados os factos em referência, tendo o Tribunal a quo dado como provado os mesmos factos que deu como não provados, a nosso ver, pela extensão da matéria de facto conjugada pela sua difícil identificação por falta de adequada numeração, por lapso.

De facto, da cuidada análise dos vários considerandos tecidos pelo Tribunal a quo e pelo facto do mesmo ter considerado que não se verificava o dolo específico do crime de prevaricação, que se consubstancia nos factos dados por não provados, motivo pelo qual absolveu os arguidos, podemos concluir, com a segurança necessária, que o Tribunal a quo quis dar como não provados os factos que delimitou.

Motivo pelo qual, não se justifica a remessa dos presentes autos à 1ª instância para correcção do vício em apreço.

Contudo, a nosso ver, o acórdão ora sob escrutínio também padece do vício previsto na al. c) do nº 2 do artº 410º do CPP, ou seja, constata-se a existência de erro notório na apreciação da prova.

Vejamos.

Como enquadramento prévio, e porque a matéria é, de facto, muito extensa, convém fazer um breve resumo deste “pedaço de vida” que foi julgado.

Os arguidos, AA e BB, respectivamente, Presidente e Vice-Presidente da Câmara Municipal de .... nos quadriénios de 2002 a 2005, 2005 a 2009 e 2009 a 2013, durante os seus mandatos (que exerceram de forma ininterrupta) e no exercício das suas respectivas funções encetaram várias relações contratuais, que se traduziram em empreitadas/trabalhos a mais, com as seguintes empresas de construção civil:

a) H..., Lda (9 empreitadas ao todo) – ponto VI da matéria de facto:

- Execução de beneficiação de estradas do Concelho:

- ... ao ...

- ...

- ... à ...

- ...

- ... – ...

- Pavimentações:

- do Parque Industrial

- do ... ao Lugar da ...

- de ... ao ...

- Construção do Caminho Agrícola de ... ao ...

b) Construtora..., Lda. Lda. (2 empreitadas) – ponto VII da matéria de facto:

- Obras na Escola de ...

- Conservação reparação de edifícios escolares (Escola ... em ...)

c) Sociedade M..., Lda. (uma empreitada) – ponto VIII da matéria de facto

- Requalificação urbana da Rua .../Engº ...

d) Sociedade J..., Lda – (5 empreitadas ao todo) – ponto IX da matéria de facto

- Pavimentação de arruamentos no Concelho – freguesia de ...

- Construção e Reparação de muros degradados (...)

- Construção do Muro da Rua da Estrada ...

- Requalificação da Zona Central de ...

- Construção de Balneários (...).

O modus operandi era essencialmente igual para com todas as empresas: autorizar trabalhos a mais (pois que o que era colocado a concurso não era rigoroso) sem sujeição a novo concurso, com aprovação meramente verbal, sem cabimento orçamental e em violação das várias regras legais aplicáveis, gerando uma despesa muito superior ao que estaria prevista e com excessivo prolongamento dos prazos sem aplicação de multa.

Assim, e numa primeira fase o Tribunal a quo deu como provado, em relação aos arguidos, que:

“Daí que os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....), como responsáveis conscienciosos, não podiam ter ordenado a execução de a mais ou trabalhos de suprimento por erros e omissões quando as circunstâncias que os justificaram eram conhecidas ou reconhecíveis, antes da abertura do concurso, e, por maioria de razão quando os trabalhos, pela sua natureza, consubstanciaram uma obra nova, não correspondendo à execução da mesma empreitada, e, por isso, não podiam ser executados sem a abertura de novo procedimento de escolha de co-contratante.

Os trabalhos adicionais ordenados verbalmente pelos arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) resultaram de decisões erradas, que podiam e deviam ter sido acauteladas, de deficiências na concepção dos projectos de execução e das suas vontades de executarem obras novas, que não podiam, em caso algum fundamentar a realização de trabalhos adicionais, colocando em causa o fundamento do concurso e da adjudicação e deveriam ter sido submetidos à concorrência.” - Último parágrafo da página 20 e primeiro e segundo parágrafos da página 21 (III.3)

“Acresce que, os montantes globais dos trabalhos adicionais, ordenados verbalmente pelos arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) que excederam o limite percentual de 25%, não foram propositadamente contratualizados como trabalhos adicionais decorrentes de erros e omissões e de trabalhos a mais, e não foram incluídos no cálculo do montante global dos valores acumulados e submetidos a novos procedimentos prévios que lhes coubessem, como exigiam os arts. 45.º, n.ºs 4 e 5, 47º e 48º, todos do D.L. n.º 59/99, de 2/03 -RJEOP), com o consequente fraccionamento e derrapagem financeira nas empreitadas de obras públicas abaixo descritas.” - 3º parágrafo da p. 23 (III.5)

“Nos procedimentos concursais abaixo descritos os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) definiram os prazos de execução das empreitadas, contudo deferiram pedidos de prorrogação graciosa com fundamento em climatéricas adversas e erros dos projectos ou indefinições dos trabalhos a realizar e locais de implantação, alargando os prazos contratuais, sem fundamentação e aplicação de multas, violando o disposto no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RGEOP).” - 1º parágrafo da p. 27 (III.7)

Em relação a cada empresa o Tribunal a quo ainda deu por provado, com relevância para o vício que ora se discute, os seguintes factos:

Em relação a todos os trabalhos a mais efectuados pela empresa H..., Lda (grupo fáctico VI):

Beneficiação de estradas – ... ao ... (VI.1)

“O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 31,8% do valor inicial desta empreitada de obra pública, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.” - 2º parágrafo p. 38

Beneficiação de estradas – ...– ... (VI.2)

“O custos final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 229,5% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbal transmitida à adjudicatária/empreiteiroem contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.” - 2º parágrafo p. 52

Pavimentação do parque industrial (VI.3)

“O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 129,8% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, esem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiroem contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio”. - 1º parágrafo p. 46

Obra beneficiação da estrada entre ... e a EN ... (VI.4)

“O custo final de trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 135,9% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio”. - 4º parágrafo p. 49

Pavimentação do Cruzamento do ... ao Lugar da ... (VI.5)

“O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 29,3% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.” - 3º parágrafo, p. 53

Pavimentação de ... ao ... (VI.6)

“O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 74,0%do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.” - último parágrafo, p. 56

Construção do caminho agrícola de ... ao ... (VI.7)

“O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 19,5 % do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbal de trabalhos a mais transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio”. - 4º parágrafo, p. 60

Beneficiação das estradas no Concelho – ... – ... (VI.8

“O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 197,1 % do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbal de trabalhos a mais transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio”.- 1º parágrafo, p. 64

Beneficiação das estradas no Concelho – ... – ... (VI.9)

“O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 133,44 % do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido BB, e sem formalizar a ordem verbal de trabalhos a mais transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio”.- 2º parágrafo, p. 68

Em todas estas obras resultou ainda provado que:

“No decurso dos trabalhos de execução da empreitada, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre o início e o fim desta obra pública, o arguido BB decidiu e ordenou verbalmente a GG, legal representante da adjudicatária/empreiteiro, a execução de trabalhos a mais, com o compromisso de que em breve seriam pagos.”15

15 4º parágrafo, p. 37; 4º parágrafo, p. 41; último parágrafo, p. 48; 3º parágrafo, p. 52; 1º parágrafo, p. 56; último parágrafo, p. 59; 3º parágrafo, p. 63; 3º parágrafo, p. 67. “(o arguido BB) Autorizou sucessivos e reiterados pedidos de prorrogação dos prazos de execução das empreitadas formulados pela adjudicatária/empreiteiro, nos casos em que foram objeto de procedimento pré-contratual, insuficientemente fundamentados, que provocaram a dilatação no tempo e dos prazos contratuais inicialmente previstos, conforme ilustra o quadro infra, sem recorrer à aplicação de multas contratuais previstas no art. 201º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), quando eram imputáveis à adjudicatária/empreiteiro.” - último parágrafo de p. 72

Empreitadas/trabalhos a mais executadas pela Construtora..., Lda. (grupo fáctico VII):

Obras na Escola de ... (VII.1)

“O custo final dos trabalhos mais, no seu conjunto, ascendeu a 462,5% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelos arguidos AA e BB, e sem formalizar a ordem verbal transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio”. - último parágrafo, p. 78

Obras na escola ... em ... (VII.2)

“Em 9/01/2006, a adjudicatária/empreiteiro solicitou, por ofício dirigido à Câmara Municipal de ...., a prorrogação legal do prazo de execução da empreitada até Dezembro de 2007 (cerca de 22 meses), sem apresentar qualquer justificação

Tal pedido foi presente ao arguido BB, que no dia 9/01/2006 exarou despacho de deferimento, escrevendo “Autorizado”, sem fundamentação, e sem aplicação de multa por violação do prazo contratual prevista no art. 201.º do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP)”. - 5º e 6º parágrafos, p. 80

“O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 130,1% do valor inicial desta empreitada de obra pública, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelos arguidos AA e BB, e sem formalizar a ordem verbal transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio.” - último parágrafo, p. 82

Empreitada executada pela sociedade M..., Lda (grupo fáctico VIII):

Requalificação da Rua .../Rua Engº ...

“Com a abertura do procedimento de ajuste directo, não obstante estar a decorrer um procedimento de concurso público para o mesmo local, os arguidos AA e BB visaram formalizar alterações ao projecto inicial, quanto ao tipo e quantidades de trabalhos realizados e materiais aplicados (substituição de guias de cimento por guias de granito, outro tipo de candeeiros), não sendo enquadráveis em trabalhos a mais (art. 370.º do CCP) ou trabalhos de suprimento de erros e omissões do projecto (art. 376.º do CCP).” - 4º parágrafo p. 93

Trabalhos a mais/empreitadas sociedade J..., Lda (grupo fáctico IXPavimentação e Arruamentos no Concelho - Freguesia de ... – (IX.1)

“Na sequência do referido despacho o prazo contratual foi alargado em 363 dias.” - 6º parágrafo, p. 100

“O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 54,0% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas e consubstanciaram uma obra nova ordenada pelo arguido AA, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio”. - 4º parágrafo, p. 102

Construção e Reparação de Muros degradados em ... (IX.2)

“O custo final dos trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 47,3% do valor inicial desta empreitada de obra pública, alterando a adjudicação inicial e o preço inicialmente fixado, consubstanciando uma obra nova e sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelo arguido AA, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio”. - 4º parágrafo, p. 105

Construção do Muro na Rua da ... em ... (IX.3

“Tais trabalhos a mais, no seu conjunto, ascendeu a 57,6% valor inicial desta empreitada, alterando a adjudicação inicial e o preço inicialmente fixado, consubstanciaram uma obra nova, e sem justificação das circunstâncias que podiam e deveriam ter sido previstas pelos arguidos AA e BB, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 26.º, n.ºs 1, 2 e 7 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 48.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP), ex vi art. 45.º, n.º 4, do mesmo diploma legal – concurso público ou limitado com publicação de anúncio”. - 4º parágrafo p. 109

Requalificação da Zona Central de ... (IX.4)

“O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 27,7% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, por razões de conveniência ou de aperfeiçoamento (melhoria) do arguido AA e não na necessidade de trabalhos a mais necessários à conclusão da referida obra previstos no arts. 370.º do CCP, e sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (art. 370º, n.º 5 do CCP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento concursal previsto no art. 19º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma legal – ajuste directo”. - 3º parágrafo, p. 102

Construção de Balneário no Concelho - ... (IX.5)

“O custo final dos trabalhos a mais ascendeu a 63,7% do valor inicial desta empreitada, alterando o contrato inicial e o preço inicialmente fixado, por razões de conveniência e aperfeiçoamento (melhoria) do arguido AA e não na necessidade de trabalhos a mais para corrigir erros e suprir omissões previstos nos arts. 370.º e 376.º, ambos do CCP,sem formalizar a ordem verbalmente transmitida à adjudicatária/empreiteiro em contrato adicional (arts. 370.º, n.º5 e 376.º, n.º 8 do CCP), omitindo deliberadamente a abertura do procedimento de ajuste directo, nos termos do disposto na alínea a) do art. 19.º do CCP.” - 3º parágrafo, p. 115

Ficou ainda provado em relação a todos os trabalhos a mais/ajustes directos das várias empresas supra identificadas os seguintes factos

i) “Ao ordenar verbalmente os trabalhos adicionais (descritos nos pontos VI.1 a VI.9, VII.1 e VII.2, VIII, VIII, e IX.3)17 os arguidos AA e BB actuaram livre, voluntária e conscientemente, ao abrigo do acordo estabelecido entre si, em que cada um deles executou, em comunhão de intentos e conjugação de esforços, os actos que lhe competia, no âmbito das respectivas funções, bem conhecendo e sabendo das leis aplicáveis à contratação pública e despesa pública, as quais decidiram deliberadamente não acatar ao ordenar verbalmente a execução de trabalhos a mais nas empreitadas de obras públicas acima descritas.”

ii) “Visando, durante toda a actuação supra descrita em cada um dos indicados trabalhos adicionais, fracionar e aumentar a despesa pública do Município de ..., em detrimento dos interesses públicos tutelados pelos princípios da legalidade, transparência, igualdade, concorrência e imparcialidade e de prossecução do interesse público, e normativos que norteiam a contratação pública e a despesa pública.”

iii) “Os arguidos actuaram sabendo que as referidas condutas eram lesivas dos interesses públicos de natureza patrimonial que bem sabiam estarem incumbidos de defender no âmbito das ordens verbalmente transmitidas

iv) “Com o procedimento adoptado pelos arguidos ficou arredado qualquer exercício da concorrência (potencial e efectiva) garantida pelo concurso de outros eventuais adjudicatários/empreiteiros.”

v) “Os arguidos agiram bem sabendo que tal actuação era proibida e punida por lei criminal.”

Sendo que os factos acabados de citar – e que para agilidade na exposição numeramos de i) a v) – foram dados por provados somente em relação ao arguido BB no que tange ao grupo fáctico VI (empresa H..., Lda.)18 e somente em relação ao arguido AA em relação aos grupo fáctico IX, nºs 1, 2, 4 e 5

No entanto, o Tribunal a quo dá como Não Provados os seguintes 3 factos, que para agilização do que ora se expõe iremos numerar de 1, 2 e 3:

1) “que os arguidos tenham praticado os factos acima descritos com o intuito de serem sucessivamente reeleitos para cargos nas eleições autárquicas de ... de 2001/2005, 2005/2009 e 2009/2013 e de beneficiar as adjudicatárias/empreiteiros;”

2) “que nos casos acima descritos os arguidos actuaram bem sabendo que a respectiva conduta era adequada a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade e transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir.”

3) “A alteração introduzida nos muros de ..., no que se referiu ao capeamento, para além de destoar do conjunto em que se inseriu, não teve subjacente qualquer defesa do interesse público ou mais-valia para o local de implantação, traduzindose numa melhoria indirecta de um parque de estacionamento de uma empresa existente no local.”

Ou seja, o Tribunal a quo, que considera que os arguidos, agindo contra a lei, com dolo directo, violando uma série de normas legais impostas pelos respectivos cargos e responsabilidades com que se viram investidos, atropelando concursos para fazer contratar trabalhos a mais, com aumento dos prazos sem aplicação de multas, e com o aumento, quase sempre de mais de 100% do preço originariamente concursado, entende que não se mostra provado que os arguidos agiram com o dolo específico de quererem beneficiar os empreiteiros e/ou de terem intenções eleitoralistas.

E assenta a sua leitura dos factos no seguinte raciocínio:

“Quanto ao elemento subjectivo especial da ilicitude que presidiu à actuação dos arguidos (intenção de beneficiar e prejudicar), deve começar por recordar-se que a pronúncia alega uma dupla intenção de benefício: o benefício dos empreiteiros/adjudicatários e o benefício pessoal da reeleição.

Previamente deve afirmar-se que o tribunal ficou plenamente convencido que os arguidos actuaram com dolo directo: conheciam as normas legais aplicáveis à contratação pública, sabiam muito bem que só podiam ordenar trabalhos a mais em determinadas circunstâncias, quais os procedimentos a adoptar para tal, e quiseram actuar sempre pelo modo descrito na pronúncia, fraccionando despesa, acumulando dívida e incumprindo sistematicamente.

Todavia, no respeitante ao elemento subjectivo especial da ilicitude (intenção), e quanto ao primeiro acima identificado, o tribunal ficou convencido de que a ilegalmente descontrolada e desenfreada febre construtiva não teve o intuito de beneficiar os empreiteiros/adjudicatários. Na verdade, pode afirmar-se que alguns tiveram prejuízos com estes procedimentos, tendo de recorrer a tribunal para receber os pagamentos respetivos – os autos até demonstram transacções no TAF de ... por valores inferiores aos reclamados, o que não tem o efeito pretendido pela defesa, no sentido da inveracidade dos mesmos, mas antes a aplicação do velho princípio de que mais vale receber algum já do que esperar anos sabe-se lá pelo quê. Portanto, não se pode concluir que se quis beneficiar um empreiteiro quando se lhe dá uma ordem para fazer uma obra para cujo pagamento não há dinheiro, nem se sabe quando vai haver – também se não pode concluir que tal foi feito para o prejudicar, apenas se podendo dizer que certamente não foi com a intenção de o beneficiar. Basta recordar o azedume e amargura da testemunha EE em julgamento por ter aceitado as ordens para fazer aquelas obras a mais, por causa dos problemas financeiros e patrimoniais que aquilo lhe causou, para concluir pela impossibilidade de a intenção de o beneficiar (a ele ou aos outros) ter presidido ao comportamento dos arguidos.

Quanto ao outro elemento imputado na pronúncia, deve ter-se presente, em primeiro lugar, que, embora isto não possa ser pacificamente dito de uma perspectiva do “politicamente correcto”, o primeiro objectivo da actuação de qualquer político é manter-se no poder. Assim, qualquer comportamento consciente contra direito por parte de um político constituiria um crime de prevaricação. Como este raciocínio não é aceitável, é necessário, nestas situações, perscrutar no comportamento dos agentes e nos factos praticados se existe uma especial tónica eleitoralista para poder concluir pela intenção específica de actuar para ser reeleito. Por um lado, poderíamos afirmar que sim caso dos autos resultasse uma sistemática aprovação de obras pedidas, sem qualquer crivo ou filtro de recusa – todavia, todos os presidentes de junta afirmaram que faziam uma lista de pedidos de obras e só algumas eram aceites pela câmara, o que desde logo inculca recusas, e, portanto, decisões não eleitoralistas. Por outro lado, podemos afirmar que não, se atendermos ao tipo de obras aqui em causa: pavimentações de ruas/estradas, beneficiação de escolas, saneamento, muros de suporte de terras, equipamentos desportivos, ou seja, despesas que não encerram em si, desde logo, o anátema do eleitoralismo (como, por exemplo, fontes, estátuas ou outras obras de arte, concertos, festas, banquetes, subsídios para equipas de futebol, passeios gratuitos), antes procuram melhorar a circulação de pessoas e bens, a salubridade e a segurança, bem como o desenvolvimento educativo e físico dos munícipes. Note-se que não houve uma testemunha a apelidar de eleitoralistas as obras em causa, ou a afirmar que em seu entender foi essa a intenção que presidiu ao comportamento dos arguidos, tendo até sido ouvido um vereador da oposição que negou terminantemente essa qualificação (testemunha referida em cc), supra – é certo que não seria necessário que houvesse testemunhas a dizê-lo para o dar como provado, mas não deixa de ser sintomático que todos o neguem! Por outro lado, o tribunal entende que há um argumento invocado pelo arguido AA nas suas declarações que deve será acolhido a este respeito, por ser do conhecimento comum: grande parte do período dos mandatos dos arguidos diz respeito a um período em que a Europa e os seus governos defendiam o investimento público, designadamente na construção, como factor multiplicador da economia e como estímulo ao desenvolvimento, procurando assim ultrapassar as dificuldades sentidas em geral neste início de século – não é por acaso que Portugal atravessou um período desenfreado de construção de obras públicas (auto-estradas e escolas, designadamente), que provocou um enorme aumento da dívida pública, que levará gerações a pagar, tendo-o feito, com o beneplácito da Europa, que, pouco tempo depois, inverteu a orientação, e espalhou austeridade a esmo pelos países a que tinha aconselhado gastar. Ora, é possível que este argumento de cariz económico veiculado pelas principais instâncias europeias e nacionais tenha contribuído decididamente para convencer os arguidos que estavam a proceder bem, de acordo com o interesse público, estimulando a actividade económica do seu concelho, melhorando as condições de vida dos munícipes, e não propriamente a gastar “à tripa-forra” só para ganharem as eleições. Assim, o tribunal tem dúvidas de que este segmento da factualidade corresponda à verdade – até pode corresponder; mas também pode acontecer que não corresponda. Assim sendo, só pode ser dado como não provado.

É certo que se têm presentes as mui doutas afirmações constantes do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães a este respeito, com que se concorda. Todavia, há que recordar que a prova produzida em julgamento não é a que consta do inquérito e da instrução, e que, mesmo assim, muita dela só foi produzida devido ao esforço inquisitório do tribunal – estranha-se que a acusação (e também a pronúncia, claro) seja uma cópia do relatório da IGF, que algumas das testemunhas só tenham sido ouvidas no âmbito da inspecção efectuada por aquela entidade, e que nenhuma testemunha com conhecimento directo dos factos tenha sido ouvida perante magistrado no inquérito, o que, consabidamente, limita muito a prova a produzir em julgamento. Esta diferença de conteúdo probatório tem as suas implicações na decisão, naturalmente – quanto à circunstância de a acusação/pronúncia conter muita matéria de direito misturada com matéria de facto, entendeu-se por bem manter esse formulação, quer porque muitas vezes a explicitação do facto violador da norma sem a remissão para o teor desta dificulta a compreensão do texto, quer porque na apreciação que fez da acusação, que mandou transformar em pronúncia, o Venerando TRG não parece ter censurado este procedimento.


*


O tribunal pretende ainda esclarecer que deu como provado que os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei, não obstante não se ter dado como provado o elemento subjectivo especial da ilicitude do crime de prevaricação porque, conforme se explicará adiante, a conduta dos arguidos poderia, eventualmente, integrar, em abstracto, outra infracção criminal que eles bem conhecem.”

Vamos por partes.

O crime de prevaricação, aplicável ao caso, vem previsto no artº 11º da Lei nº 34/87 de 16-07 que diz o seguinte:

“O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos.”

Conforme bem explanado no Acórdão da Relação de Lisboa de 09-11-2011:

“I – Os elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo de ilícito do crime de prevaricação p. e p. pelos arts. 11.º da Lei n.º 34/84, de 16 de Julho, por referência aos arts. 1.º, 2.º e 3.º, n.º 1, al. i), do mesmo diploma legal são:

a) A qualidade de membro de órgão representativo de autarquia local do agente;

b) A condução ou decisão contra direito de um processo por parte do agente, no exercício das respectivas funções;

c) A vontade consciente por parte do agente em assim proceder, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém.

II – Desde logo, o agente deve ser membro de órgão representativo de uma assembleia municipal, uma câmara municipal, uma assembleia de freguesia ou uma junta de freguesia – cf. art. 2.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.

III – Depois, em procedimento administrativo inerente às suas funções, o agente deve cometer actos ou omissões contrárias ao direito, entendido este como conjunto de princípios e normas jurídicas vinculativas ao processo e à decisão respectiva.

IV – Finalmente, o tipo subjectivo só admite dolo directo, sendo que neste contexto, o agente deve:

a) Bem saber da sua qualidade de membro de órgão representativo de autarquia local;

b) Bem saber que a acção ou omissão em causa é cometida no exercício das funções inerentes àquela qualidade;

c) Bem saber que tal acção ou omissão é contrária ao direito;

d) Agir com o propósito de prejudicar ou beneficiar alguém.”

Ora, o Tribunal a quo deu como provado todos os factos integrantes do referido crime de prevaricação à excepção dos factos tendentes a demonstrar o tal dolo específico, isto é, a vontade de querer beneficiar ou prejudicar alguém. E assim concluiu porque, no seu entender, uma vez que os empreiteiros acabaram por ter de exigir em Tribunal as verbas acordadas, ficando tempos sem nada auferir, acabando também por ter de parar as obras para poderem encetar outros projectos de forma a angariar verba, que não se pode falar em qualquer benefício. Embora também não se possa falar em prejuízo – entenda-se deliberado por parte dos arguidos.

Salvo o devido respeito, é precisamente neste ponto que se entende que o Tribunal a quo labora em erro, uma vez que o benefício não só não tem de ser concretizável em ganho monetário como, no caso em concreto, esse benefício efectivamente existiu.

Vejamos.

Se a lei exige o recurso a concurso para efectuar determinadas obras, e os arguidos, atropelando essa imposição, verbalmente acordam com o respectivo empreiteiro a realização de obras que implicariam a realização de concurso, então os arguidos já estão a beneficiar esse empreiteiro que, vendo o seu lugar assegurado por um primeiro concurso, acaba por beneficiar da isenção de fazer novo concurso para uma outra obra que nasce da primeira e que deveria ir a concurso.

Ou seja, esse empreiteiro “passou à frente”, por assim dizer, de todos os outros possíveis candidatos pois, tendo entrado pela porta para realizar uma determinada obra acaba por lá ficar para fazer todas as demais.

Não realizar um concurso quando a lei o exige é beneficiar o candidato que fica com a obra adjudicada fora de concurso e é prejudicar todos aqueles outros candidatos a quem se negou a possibilidade de concorrer.

É certo que não consta da matéria de facto a identificação de candidatos que pudessem ter sido concretamente prejudicados pela não realização de concurso mas está provado que os empreiteiros, que ficaram com as obras a mais, num primeiro momento, foram beneficiados.

Quanto ao facto dos empreiteiros terem de reclamar em Tribunal as respectivas verbas, o que na óptica do Tribunal a quo significa um não benefício, temos de compreender que essas verbas não faziam parte do concurso primitivo, sendo fruto dos trabalhos a mais com que os empreiteiros foram efectivamente beneficiados, podendo reclamar em Tribunal muito mais do que o preço concursado.

Ou seja, embora com demora, os empreiteiros ficaram com o um crédito superior ao que resultaria do valor concursado.

É certo que também tiveram mais despesas, mas na realidade tiveram acesso a reclamar uma quantia que, tivesse havido concurso, talvez não poderiam reclamar.

Por outro lado, se os empreiteiros saíram prejudicados com os atrasos nos pagamentos e assim, como o Tribunal a quo afirma, “não se pode concluir que se quis beneficiar um empreiteiro quando se lhe dá uma ordem para fazer uma obra para cujo pagamento não há dinheiro, nem se sabe quando vai haver”21 porque motivo então os empreiteiros pura e simplesmente não recusaram fazer os trabalhos a mais sem a adequada e pronta recompensa?

As “ordens” aqui referidas não traduzem um dever de obediência pois não está em causa uma relação laboral.

Porque motivo os empreiteiros, anos após ano, obra após obra foram aceitando um pagamento algures num tempo futuro, sem data marcada, prometido apenas por “boca” dos arguidos e sem quaisquer garantias?

É porque, dita a lógica, que tinham interesse, e consequentemente benefícios, em manterem uma relação com a respectiva autarquia ao ponto de se sujeitarem a serem pagos dessa maneira.

Por outro lado, é de notar que os arguidos não tiveram quaisquer preocupações se os projectos apresentados eram ou não viáveis, tendo permitido a “correcção” das empreitadas ao nível que se iam percebendo da sua inviabilidade.

Mas isto só demonstra que as respectivas empresas apresentaram projectos com pouca ou nenhuma viabilidade, ou pelo menos irrealistas para o tempo e preço concursados, levando a crer que, tivessem os arguidos cumprido as suas funções com zelo e responsabilidade, aquelas empresas nunca poderiam ter ganho um concurso com as propostas oferecidas.

Como muito bem refere o MºPº no seu recurso são sempre as mesmas empresas e o modus operandi é sempre o mesmo.

Aliás, há que perguntar, porque motivo, então, tendo os arguidos violado de forma reiterada e flagrante as várias normas indicadas nos autos, o fizeram se não para beneficiar os empreiteiros e, como de seguida iremos ver, os seus próprios interesses eleitoralistas?

Como é que se explica, então, que os arguidos:

“AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) conduziram e decidiram ordenar verbalmente a execução de trabalhos adicionais: - Não cumprindo a obrigação legal e gestionária de aprovar projectos de obras públicas rigorosos, que definissem, com a máxima precisão, as finalidades e características das obras a realizar e as características dos respectivos terrenos de implantação.

- Não zelando para que os projectos cumprissem as exigências legais e regulamentares aplicáveis ao tipo de obra em causa.

- Não acompanhando a elaboração dos projectos, mesmo quando realizados por entidades externas, e procedendo à sua avaliação crítica, à luz do respectivo ajustamento às efectivas necessidades.

- Não promovendo a cuidada revisão dos projectos antes da sua colocação a concurso, designadamente actualizando os projectos antigos e compatibilizando os projectos das várias especialidades ou de empreitadas relacionadas entre si.

- Não adoptando, quando aplicável, o procedimento de revisão de projectos.

- Não garantindo um adequado acompanhamento e uma cuidada avaliação crítica dos projectos apresentados pelas adjudicatárias/ empreiteiros, para serem que compatíveis com o programa base e com as necessidades a satisfazer.

- Não procedendo à expressa autorização dos trabalhos adicionais, e fundamentação da decisão de forma suficiente e adequada, o que incluía a explicitação das circunstâncias de facto que justificaram os trabalhos e a qualificação legal que os legitimou.

- Não observando os requisitos legais fixados nos arts. 26.º e 45.º do D.L. n.º 99/99, de 2/03 (RJEOP)/arts. 370.º e 376.º, ambos do Código dos Contratos Públicos (CPP) para a realização dos trabalhos adicionais e proceder à sua verificação rigorosa antes da respectiva autorização.

- Não atendendo, para esse efeito, que “circunstâncias imprevistas” eram apenas aquelas que fossem qualificáveis como inesperadas ou inopinadas, ou seja, como circunstâncias que o decisor público normal, colocado na posição do real decisor, não podia nem devia ter previsto.

- Não estando cientes de que só podiam ser qualificados como suprimentos de erros e omissões ou como trabalhos a mais prestações estritamente necessárias à integral execução da obra contratada, o que excluía as modificações resultantes das alterações das suas vontades e as melhorias dos projectos.

- Não identificando de forma clara os autores dos actos de autorização dos trabalhos adicionais e das despesas deles resultantes.

- Não formalizando sempre, em adicional aos contratos de empreitada, as alterações por trabalhos aditados ou suprimidos.

- Não celebrando atempadamente esses contratos adicionais.

- Não tendo presentes as regras de autorização e realização de despesas públicas, que incluíam a cabimentação prévia das mesmas.

- Não observando o princípio da unidade da despesa e a inerente proibição do seu fracionamento, atendendo ao disposto no art. 16.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8/06, bem como ao disposto no art. 45.º, n.ºs 1 e 4 do D.L. n.º 59/99, de 2/03 (RJEOP)/arts. 22.º, 370.º, n.º 2, alíneas c) e d), e n.º 5, e 376.º, n.º 3, todos do Código dos Contratos Públicos (CCP).” – 2º parágrafos e seguintes do grupo fáctico III (p. 12 a 14)

E não se venha com o argumento que o respectivo município estava muito atrasado, a necessitar de muitas intervenções a nível de infraestruturas e que havia interesse, mesmo pressão, em investir os fundos europeus pois que, a ser assim, então e por maioria de razão, se fariam obras com pés e cabeça, com bom aproveitamento de fundos europeus, com cuidado para finalmente apetrechar a respectiva autarquia com o que havia de melhor.

Ao invés, obra após obra, os arguidos, atropelando as normas vigentes de forma flagrante e descarada mesmo, foram verbalmente autorizando trabalhos a mais, em valores quase sempre mais de 100% do preço originariamente concursado, com atrasos que duraram centenas de dias sem aplicação de multas em prejuízo da tesouraria da autarquia.

Não pode haver dúvida que o prejuízo para a autarquia traduzida na lesão dos interesses públicos de ordem patrimonial pode e deve integrar o conceito de prejuízo para efeitos de subsunção na referida norma penal. Como se afirma no supra referido acórdão da Relação de Lisboa:

“…o «alguém» de que se fala pode ser uma pluralidade de pessoas, singulares ou colectivas, desde que concretamente determinadas.”

E, ao contrário do crime de prevaricação previsto e punido no artº 369º do Código Penal, em que o lesar ou beneficiar alguém apenas serve de agravante do crime, no caso previsto no artº 11º da Lei nº 34/87, o lesar ou beneficiar alguém faz parte do próprio tipo legal, daí falar-se em dolo específico.

Ora, se a autarquia de ..., em virtude da deliberada má gestão dos arguidos, foi demandada em Tribunal para pagar os créditos que os empreiteiros aqui identificados se tornaram titulares e que não seriam devidos, tivessem as obras se cingido ao valor concursado, dúvidas não podem restar de que a referida autarquia foi gravemente lesada.

E foi lesada em vários momentos:

Primeiro, quando a obra concursada não é completada. Todos nós sabemos o quanto a realização de obras nas vias públicas incomoda o dia-a-dia do respectivo habitante e os transtornos que causam sempre.

Depois, quando a obra, entretanto tão alterada, continua a ser realizada pelo mesmo empreiteiro que não a soube realizar bem da primeira vez, a prolonga e atrasa no tempo, sem que a autarquia se possa ver compensada desse atraso, por exemplo, através de multa.

Por fim, quando a obra parecer ter sido finalmente concluída – e desconhecemos se todas as obras em causa foram efectivamente e adequadamente terminadas – a autarquia é demandada em Tribunal para pagar valores que, em termos legais, nunca poderiam ser exigidos

Não há a menor dúvida que a actuação deliberada dos arguidos levou a graves prejuízos para a respectiva autarquia.

E é isso que a imputação penal visa acautelar.

A utilização do respectivo cargo político para favorecer alguém ou para prejudicar alguém, incluindo, a própria autarquia, ou melhor dizendo, a entidade adjudicante.

Por outro lado, afigura-se-nos que dos factos dados como provados é perfeitamente possível concluir-se pela vontade eleitoralista dos arguidos e, portanto, o seu próprio benefício.

Pois que, os mesmos iam prometendo pagar aos empreiteiros, mesmo quando não havia verba, o que os mantinha a trabalhar e sem reclamar, assim demonstrando o empenho dos arguidos na gestão autárquica.

Imagine-se que os empreiteiros todos começassem a verbalizar de forma pública que não estavam a ser pagos?

A imagem gerada seria negativa e contrária a uma vontade de re-eleição.

Quem é que quereria eleger um candidato que, quando no poder, não honrou os seus compromissos?

A manutenção das obras quase ad infinitum também serviria para demonstrar o quão empenhado estariam os arguidos no melhoramento da autarquia.

Ora, o dolo, quer seja genérico quer seja especial, traduz um elemento interno apenas apreensível pela exteriorização de outros factos objectivamente apreensíveis.

Pois que ninguém pode verdadeiramente saber o que se passa no pensamento íntimo de um arguido.

Mas pode-se inferir, da prova de outros factos objectivamente fornecidos o que, de acordo com as regras da experiência comum, aquele arguido deveria ter admitido e desejado.

Ora, não é concebível que, em face de todas as flagrantes e repetidas ilegalidades cometidas pelos arguidos durante anos a fio, ao longo de 3 mandatos, que conseguiram assegurar para si, que os mesmos não actuassem com o intuito de serem re-eleitos, tanto mais que algumas das obras implicaram anos de realização.

E a verdade é que os arguidos beneficiaram de 3 mandatos seguidos o que significa que concorreram para esses mandatos revelando, assim, os seus interesses eleitoralistas. Não tivessem essa vontade e ter-se-iam quedado por um simples mandato.

Como também não é credível que a violação de regras de concorrência ao ponto de verbalmente adjudicar obras (a mais) a quem não foi escolhido por concurso para as realizar não seja objectivamente favorecer esse alguém.

São nestes pontos que se nos afigura que o Tribunal a quo erra notoriamente na apreciação que fez da prova.

Salvo o devido respeito, não se pode dizer, como o diz o Tribunal a quo, que os arguidos agiram com dolo directo na violação das infindáveis normas legais, com a qual prejudicaram o respectivo interesse público, assumindo compromissos financeiros que sabiam não podiam ser respeitados pela autarquia, e arredando qualquer exercício de concorrência (potencial e efectiva) garantida pelo concurso de outros eventuais adjudicatários e depois concluir que, por os empreiteiros terem ido a tribunal demandar o pagamento de créditos que não lhes seriam devidos se as normas legais tivessem sido cumpridas, que os mesmos não foram beneficiados, ou que os outros candidatos não fossem prejudicados.

Prejudicada foi a autarquia, sem dúvida alguma, pois teve de assumir compromissos financeiros que nunca seriam seus para assumir tivessem os arguidos agido de acordo com as suas responsabilidades.

E não se pode dizer, como o Tribunal a quo diz, que não haveriam intuitos eleitoralistas concretos (já que é normal que todo o autarca queira ser re-eleito) por as obras realizadas não serem “eleitoralistas” na sua essência – parece-nos que a população mais depressa vota num autarca que lhe compõe a estrada, constrói uma escola ou lhe melhora o saneamento do que num autarca que manda fazer uma fonte ou erguer uma estátua como parece ser o entendimento do Tribunal a quo – quando depois afirma que houve uma “ilegalmente descontrolada e desenfreada febre construtiva”.

Conforme já referido no acórdão de 25-10-2021 (p. 70) prolatado por esta mesma Relação a propósito do recurso interposto pelo MºPº da decisão instrutória proferida nestes mesmos autos (acórdão com a refª .....73).

“Ora, se do ponto de vista político é legítimo que alguém procure ser reeleito, do ponto de vista da legalidade, é exigível que o não queira ser a qualquer preço. E não é o facto de não haver indícios de corrupção entendida como recebimento/oferta de contrapartidas financeiras, que torna aceitável o procedimento de quem gere desrespeitosamente o dinheiro público. E sobretudo de quem o faz não em situações pontuais e justificadas, mas reiterada e sistematicamente, chegando ao ponto de aceitar invocar despesas ficcionadas, sem transparência, sem verdade

Não se ignora que o exercício do poder autárquico é exigente sobretudo quando o dinheiro de que dispõem os municípios não é suficiente para garantir a satisfação do bem estar das populações, mas tal não justifica que, com indiferença pelas dificuldades financeiras e até com indiferença pelo efetivo não pagamento dos trabalhos em algumas circunstâncias, procurassem agradar aos munícipes a todo o custo, o que permite a conclusão de que se mostra suficientemente indiciado que o verdadeiro objetivo seria a manutenção nos cargos.”

No fundo, o que se pretende para ganhar votos é mostrar obra feita, tanto mais que por este País fora, o notável aumento de obras públicas surge sempre à porta de eleições.

Mesmo que os arguidos tivessem sido incentivados a efectuar obras por causa dos fundos europeus tal só mostra um “querer ficar bem na fotografia” tanto mais que, segundo o texto do próprio acórdão, os arguidos jamais admitiram alguma participação, por mínima que fosse, nas inúmeras violações legais cometidas e devidamente documentadas, revelando que, até hoje, não demonstram assumir as suas responsabilidades.

Não há outra forma de explicar a razão plausível para os arguidos, que até têm formação académica superior e, por isso, bem conhecem a necessidade de ter um comportamento conforme com o Direito, terem violado de forma sistemática e descarada tantas normas legais durante um período tão longo de tempo, sempre da mesma maneira em todas as obras referidas nos autos.

Quem é que no seu juízo perfeito viola leis da forma e com a insistência com que os arguidos o fizeram se não queriam obter para si algum benefício e, no caminho, beneficiar as adjudicatárias?

Repare-se que só a empresa H..., Lda, ficou “incumbida” de realizar 9 empreitadas diferentes e a sociedade J..., Lda. foi atribuída 5 empreitadas diferentes.

Pergunta-se, sempre de acordo com o que consta do texto do acórdão recorrido, porque motivo o legal representante desta empresa, ouvido em julgamento e a quem o Tribunal a quo atribui ter deposto com “azedume e amargura … por ter aceitado as ordens para fazer aquelas obras a mais”23 aceitou então aquelas ordens se não viu nisso, pelo menos ao tempo, um benefício para si?

Ninguém obrigou estes empreiteiros com uma pistola a aceitar ordens para fazer obras a mais sem saber quando iriam ser pagos.

É ingénuo achar que uma empresa comercial, cujo fim é sempre lucrativo, aceita fazer inúmeras obras para uma autarquia, especialmente depois de perceber que esta não tem como pagar, de forma abnegada e por puro interesse do bem comum.

É seguro concluir-se das regras da experiência comum que o intuito destes empreiteiros aceitarem continuar a fazer as obras (a mais) pelas quais teriam sido originariamente aceites, foi por interesse em ganhar mais do que o concurso previa, em ganhar notoriedade e favoritismo junto da respectiva câmara municipal.

O simples facto de terem sido escolhidos de forma não legal, em preterição de outros candidatos, traduz já de si um benefício ainda que, na prática, o caminho para o recebimento dos proventos esperados tenha sido mais amargo do que previsto ou esperado.

No momento, os empreiteiros viram uma oportunidade de assegurar mais obras para si, com isso ganhar mais dinheiro, ficar bem vistos pela autarquia para, num futuro próximo, serem chamados de novo, enquanto que os arguidos viram a oportunidade de mostrar “serviço” de serem visíveis na sua actuação, já que o cidadão comum não vê o que os autarcas fazem dentro de cada Câmara mas vêem as infindáveis obras espalhadas pela região podendo concluir que o representante camarário, de certeza que está a trabalhar para todos.

Repare-se que o facto dado por não provado diz “a respectiva conduta era adequada a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade e transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir”.

Ser adequado a abonar não significa que haja uma efectiva concretização da entrega desse valor pecuniário.

Salvo o devido respeito, mas afigura-se-nos que o Tribunal a quo fez uma análise superficial da prova, quedando-se pelo resultado final – falta de pagamento aos empreiteiros – em vez de enquadrar numa moldura maior e mais consentânea com a vida e a experiência o que realmente subjaz a estes negócios.

Aliás, é o próprio Tribunal a quo que, aquando da análise jurídica dos factos diz o seguinte:

“Apesar de só no final da obra se poder verificar em que medida as quantidades previstas no mapa de quantidades corresponderam às efectivamente realizadas, os arguidos AA (Presidente da Câmara Municipal de ....) e BB (Vice-Presidente da Câmara Municipal de ....) não podiam ter concedido um “cheque em branco” às adjudicatárias/empreiteiros quanto às quantidades de trabalho a realizar.”

Pergunta-se, então, porque motivo o Tribunal a quo concluiu – e bem – que os arguidos efectivamente deram um “cheque em branco” aos empreiteiros para depois chegar à ideia (contrária) de que, afinal não beneficiou os empreiteiros (pelos vistos só não os terá beneficiado no momento do pagamento) que, ao que tudo indica, tiveram total liberdade de indicar, a seu bel prazer, o que achavam ser necessário para fazer a obra, acabando por condicionar os preços.

Face a tudo quanto temos vindo a referir, afigura-se-nos, assim, que assiste razão ao digno recorrente, sendo notório, isto é, apreensível pelo homem comum e fruto do texto do acórdão ora sob escrutínio, o erro de raciocínio em que o Tribunal a quo caiu.

Ora, a prova indirecta, – cuja admissibilidade em processo penal não se questiona, pressupõe que a factualidade conhecida permite adquirir ou alcançar a realidade de um facto não directamente demonstrado24 – bem como as presunções, são admitidas no processo penal, devendo o Tribunal ter o cuidado de explicar como chegou às respectivas premissas, e constatando-se o percurso como lógico e respeitador das regras da experiência comum, trata-se de uma técnica jurídica admitida.

Conforme se explica no Acórdão da Relação de Lisboa de 03-03-202025:

“A prova indirecta ou indiciária é um meio válido de aquisição de prova sempre que, de acordo com as regras de experiência comum, se verifique que o facto base é indício seguro para concluir pelo facto acusado, porque do primeiro se retira a conclusão, firme, segura e sólida sobre a ocorrência do segundo e os demais factos provados são consonantes com a conclusão alcançada.

Essa conclusão é legitima, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º/CPP), sempre que seja admissível e seguro, segundo as regras de experiência e da vida, estabelecer, entre um e outro, um nexo preciso e directo porque, segundo essas mesmas regras, e considerados os demais factos que intervêm no mesmo “pedaço de vida” relativos às circunstâncias da ocorrência, o facto acusado se prova e não pode ser atribuído a outrem.”

Sendo o dolo específico um elemento a apreender de forma indirecta e a partir dos factos concreta e objectivamente provados em relação à actuação dos arguidos, desses factos, incluindo do próprio dolo genérico em querer violar as leis e em querer violar uma série de princípios legais, que o Tribunal a quo deu como provado, dúvidas não podem restar que o dolo específico também teria de resultar provado sob pena de não fazer qualquer sentido aquelas violações flagrantes e reiteradas.

Conforme já referido pelo acórdão de 25-10-2021 prolatado nestes autos a propósito da decisão instrutória (p. 72)

“O dolo, já se disse, porque pertence ao mundo interior, ao território do pensamento, do coração, da vontade, das emoções, nem sempre é apreensível por prova direta. As mais das vezes é necessário ir buscar às regras da lógica e da experiência da vida a certeza da sua verificação. A jurisprudência, desde há muito, vem entendendo que o apuramento da intenção colocada numa atuação há-de extrair-se dos contornos do comportamento adotado: (Cfr. Ac. STJ in CJ, 1990, I.6: “O apuramento da intenção do agente é, normalmente, uma conclusão que o tribunal pode e deve fazer a partir da avaliação da conduta do réu, na medida em que seja uma consequência ou prolongamento dos factos a este imputáveis”). É, portanto, partindo da atitude exterior que se há-de chegar à atitude interior.

Quer pelas funções exercidas e experiência profissional adquirida, quer pela capacidade intelectual de ambos os arguidos, quer pela forma de atuar reiterada e deliberadamente pouco transparente, como é a concreta atuação informal, tudo conjugado com as regras da experiência comum, leva necessariamente à convicção de que há intenção que ultrapassa a satisfação do fim nobre que é o interesse público.” – sublinhado nosso

Nestes termos, os factos nºs 1 e 2 dos factos não provados têm de ser dados como provados, o que ora se determina.

Pelo que está provado que:

Os arguidos praticaram os factos acima descritos com o intuito de serem sucessivamente reeleitos para cargos nas eleições autárquicas de ... de 2001/2005, 2005/2009 e 2009/2013 e de beneficiar as adjudicatárias/empreiteiros;

Nos casos acima descritos os arguidos actuaram bem sabendo que a respectiva conduta era adequada a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade e transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir.

Quanto ao terceiro facto, afigura-se-nos que o mesmo terá de ser analisado a partir do erro de julgamento que o digno recorrente também invoca uma vez que não se nos afigura viável concluir-se pela prova do terceiro facto (não provado) apenas a partir do texto do acórdão.

Assim:

II) Do Erro de Julgamento:

O terceiro facto dado por não provado e que o digno recorrente entende que deveria ter sido julgado positivamente diz o seguinte:

“A alteração introduzida nos muros de ..., no que se referiu ao capeamento, para além de destoar do conjunto em que se inseriu, não teve subjacente qualquer defesa do interesse público ou mais-valia para o local de implantação, traduzindo-se numa melhoria indirecta de um parque de estacionamento de uma empresa existente no local.”

A impugnação da matéria de facto segue o disposto no artº 412º nº3 do Código de Processo Penal que dispõe o seguinte:

“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.”

Tendo a prova sido gravada diz o nº 5 do citado artº 412º do CPP que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Sendo que, nos termos do nº 6 do artº 412º do CPP “no caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”

No que se refere às declarações dos arguidos, aos depoimentos das testemunhas e à sua articulação com os documentos, vigora o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do artº 127º do CPP, que assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no artº 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição

Assim, “O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida” (Prof. Germano Marques da Silva, Registo da Prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001. No mesmo sentido, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393).

“Por outro lado diremos também que, dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise da gravação áudio onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo.

Ou seja, a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”

Conforme se esclarece ainda no Acórdão da Relação de Lisboa (9ª secção) de 08-10-2015, proferida no procº nº 220/15.3PBAMD.L1-9, in dgsi.pt:

“III- O recurso em matéria de facto, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, relativamente à decisão sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgado, fazendo referência expressa às concretas passagens/excertos das declarações, que, no seu entendimento, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer;

IV- Não basta ao recorrente enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito (v.g. da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou não se provou o crime, pelo que deve ser absolvido), de tal modo que fosse o tribunal superior, oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à sua pretensão final e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra, uma vez que o recurso da matéria de facto fundado em erro de julgamento não visa a realização, pelo tribunal “ad quem”, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros relevantes (evidentes e óbvios) na apreciação e ou aquisição da prova produzida em sede de primeira instância.”

Por isso é que é absolutamente fundamental que no recurso interposto da matéria de facto, nos termos do artº 412º nº 3 do CPP, o recorrente identifique os concretos factos cuja alteração pretende e as concretas provas que impunham a requerida alteração, não cabendo a este Tribunal de recurso refazer o julgamento, ouvir toda a prova e voltar a decidir.

É que a alteração da matéria de facto em sede de recurso só deve ocorrer se, após cumprimento do disposto no artº 412º do CPP, o Tribunal de recurso constatar que o Tribunal a quo nunca poderia ter decidido como decidiu face à concreta prova produzida e tendo em atenção as regras da experiência comum, da lógica, etc.

Se apenas se constatar que o Tribunal a quo seguiu uma possível solução de entre várias possíveis interpretações válidas resultantes da prova produzida, então, deve ser dada prevalência à convicção do Tribunal a quo por ser o tribunal mais bem colocado para avaliar toda a prova atendendo ao princípio da imediação da prova.

Conforme se esclarece de forma clara no Acórdão da Relação de Guimarães de 23-03-2015:

“I. O recurso visa apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham uma decisão diferente.

II. Tem-se entendido que impor decisão diferente quanto á matéria de facto provada e não provada (artigo 412º nº 3 alínea b) do CPP) não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida.

III. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.

IV. A circunstância de alguém, seja por erro de percepção ou por outro motivo, acabar por efectuar declarações inverosímeis ou contraditórias não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa, pelo que o tribunal não se encontra adstrito á inutilização de todo um depoimento ou declaração por uma incompletude ou por uma contradição com outros elementos probatórios.” – sublinhado nosso

Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque na sua anotação ao artº 412º do Código de Processo Penal:

“A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de «voltas» do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento. (…)

Por fim, e como explicado de forma muito clara e compreensiva no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 3/2012 de 08-03-2012 (in DR 1ª Série, nº 77 de 18-04-2012):

“Pede -se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.

Esta limitação da capacidade cognitiva da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação sempre esteve presente, como desde logo esclareceu o primeiro diploma legal onde se estabeleceu a documentação das declarações orais.

Com efeito, como foi afirmado no preâmbulo do Decreto -Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, «o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)».

O Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros. (…)

Como se refere no acórdão de 27 de Janeiro de 2009, processo n.º 3978/08 -3.ª «O julgamento efectuado pela Relação é de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas, confinadamente a pontos específicos, concretamente indicados, não valendo uma impugnação genérica, repousando em considerações mais ou menos alargadas ou simplesmente abrangentes da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas e do resultado a que devam chegar».

Os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão em matéria de facto, a exemplo do que ocorria com o artigo 690.º -A, e actualmente do artigo 685.º -A do CPC e artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, decorrem dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, com vista a assegurar a seriedade do recurso e obviar que os poderes da Relação sejam utilizados para fins dilatórios.”

Ora, no caso em apreço, constata-se que o digno recorrente cumpriu com os três ónus, cumulativos, que tinha de realizar para que esta Relação se pudesse debruçar sobre a matéria de facto e um eventual erro de julgamento, motivo pelo qual iremos analisar, no que tange ao terceiro facto dado por não provado, se lhe assiste razão.

Entende o digno recorrente que houve erro de julgamento quanto ao facto em apreço porquanto o Tribunal a quo ignorou por completo o depoimento da testemunha II, inspectora da Inspeção Geral das Finanças, que elaborou o relatório do IGF, atribuindo-lhe os seguintes trechos para prova do facto em questão:

24-01-2022

4:31min-6:24min-11:46min

8:12-10:23

“Em duas obras beneficiaram alguém: na dos muros da estrada de ... e na dos muros de ...”[a testemunha refere que se deslocou ao local e viu isso mesmo]

“o terreno fica numa cota inferior à estrada, terreno esse que é propriedade de uma pessoa…nas obras a mais houve intenção de favorecer”

32:47-34:36 [quanto ao muro de ...]

“O muro fica numa cota inferior à estrada e proprietário/particular favorecido era um amigo da vereadora JJ.”

Da audição do respectivo depoimento, que encetamos, se constata que a referida testemunha confirmou que o muro destoava com a área e que beneficiava um particular amigo da vereadora JJ.

No acórdão ora sob escrutínio o Tribunal a quo diz, essencialmente isto acerca da referida testemunha:

“Depoimento da testemunha II, inspectora de finanças, que efectuou a auditoria à CM... no âmbito dos presentes autos, cujo relatório se encontra junto aos mesmos, que reflecte a sua atividade inspectiva: seu trabalho incidiu na análise da documentação referente a cada uma das obras referidas na pronúncia, com base nos processos respectivos, que constituem os anexos aos presentes autos, referindo, essencialmente, o que, em seu entender, faltava nesses procedimentos, contrariando assim a lei, bem como o que foi reclamado por cada um dos empreiteiros em cada uma dessas obras a título de trabalhos a mais…”

Em parte alguma é posto em causa a idoneidade ou integridade desta testemunha cujo depoimento se revelou objectivo e conhecedor de pormenores específicos, fruto do facto de ter sido esta testemunha a inspectora das finanças no caso, tendo tomado conhecimento directo de muitos dos factos na inspecção que realizou.

Ora, não havendo motivos para duvidar desta testemunha, e tendo dado fé aos anexos juntos com o relatório pela mesma realizado, e também não questionado pelo Tribunal a quo, não se compreende porque motivo este efectivamente deu como não provado o terceiro facto referente ao muro quando esta testemunha foi clara quanto o facto do muro não estar conforme com o restante ambiente e de ter beneficiado um terceiro.

E, do relatório junto, resulta, tal como esta Relação já havia dado conta aquando da elaboração de decisão do recurso intercalar que se pronunciou acerca do despacho de não pronuncia, que esse muro destoava com o que já lá havia e beneficiava um particular.

Aliás, o Tribunal a quo não se pronuncia directamente sobre este facto, nem porque motivo o deu como não provado, tendo a sua argumentação se cingido aos factos referentes ao dolo específico e o motivo pelo qual esses não se mostram provados.

Constata-se, assim, que assiste razão ao digno recorrente, havendo erro de julgamento na fixação do terceiro facto dado por não provado, devendo, face ao exposto, dar-se tal facto por provado:

“A alteração introduzida nos muros de ..., no que se referiu ao capeamento, para além de destoar do conjunto em que se inseriu, não teve subjacente qualquer defesa do interesse público ou mais-valia para o local de implantação, traduzindo-se numa melhoria ainda que indirecta de um parque de estacionamento de uma empresa existente no local

III) Do enquadramento jurídico e da medida concreta da pena:

Chegados aqui, com a alteração da matéria de facto nos termos propugnados pelo digno recorrente temos de concluir que os arguidos cometeram os crimes de prevaricação pelo qual vinham pronunciados.

De notar que o Tribunal a quo, numa exaustiva e bem elaborada exposição, explicou de forma clara o motivo pelo qual entendia estarem preenchidos todos os elementos do tipo legal em causa, à excepção do elemento subjectivo do dolo específico, elemento esse em relação ao qual entende faltar a prova de que os arguidos tivessem agido com vontade de beneficiar e/ou prejudicar.

Com a alteração dos factos em referência, operada supra, passam também a estar provados os factos que demonstram aquele elemento subjectivo do dolo específico, isto é, está provado também que os arguidos agiram com o intuito de beneficiar terceiros, incluindo a si mesmos.

Assim, e considerando que são elementos constitutivos do tipo de ilícito e de culpa do crime de prevaricação em causa:

1. A qualidade de membro de órgão representativo de autarquia local do agente,

2. A condução ou decisão contra direito de um processo por parte do agente, no exercício das respectivas funções,

3. A vontade consciente por parte do agente em assim proceder, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém,

4. A ilicitude da respectiva conduta, o que implica que o agente actue sem uma causa de justificação do facto,

5. A culpa do agente fundada na sua liberdade de decisão, no conhecimento do carácter proibido da sua conduta e na inexistência de uma causa de exclusão de culpa.

Dúvidas não podem restar quanto ao preenchimento integral daqueles elementos por parte dos arguidos em relação às sociedades identificadas nos autos e constante da matéria de facto.

Assim, os arguidos cometeram:

a) o arguido AA:

- 3 crimes de prevaricação;

b) o arguido BB:

- 4 crimes de prevaricação.

Chegados a este ponto há que determinar as penas parcelares, e a pena única em cúmulo, que deve ser aplicada a cada um dos arguidos.

Para isso é necessário complementar a matéria de facto com os seguintes factos que esta Relação pôde obter dos autos e da audição que efectuou das declarações dos arguidos.

Assim:

- nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais – cfr. certificados de registo criminal de fls. 1674 e 1675.

- o arguido AA nasceu a ...-...-1961, portanto irá fazer os 62 anos em ... deste ano e é casado;

- o arguido BB, nasceu a ...-...-1951, portanto já fez 72 anos, e é viúvo.

- ambos os arguidos têm formação académica superior sendo que o arguido AA é formado em ... e o arguido BB foi ...

Vejamos, agora, o quadro legal, doutrinal e jurisprudencial aplicáveis.

O artº 40º do Código Penal (CP), cuja epígrafe é "finalidades das penas e das medidas de segurança" dispõe o seguinte:

"1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente."

O artº 70º do CP, cuja epígrafe é "critério de escolha da pena" dispõe o seguinte:

"Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."

E o artº 71º CP, subordinado à epígrafe "determinação da medida da pena" diz o seguinte:

"1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena."

Em termos doutrinais, ensina-se nos Figueiredo Dias32 que "as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução da medida da pena."

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 24-05-1995, procº nº 47386/333:

"Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, como seu limite máximo. A pena concreta deve ser fixada entre um limite mínimo, já adequado à culpa, e um limite máximo, ainda adequado à culpa, intervindo os outros fins das penas dentro desses limites. A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo." Ora, o crime de prevaricação p. e p. pelo artº 11º da Lei nº 34/87 de 16-07 prevê uma pena de 2 a 8 anos de prisão.

Em relação ao arguido AA há que atender aos seguintes factores:

- a ilicitude dos factos situa-se num patamar de elevada censura uma vez que o arguido, estando investido em altas funções de gestão camarária, na qualidade de Presidente da Câmara de ..., violou de forma reiterada e durante mais de 10 anos (foram 3 mandatos ao todo desde 2002 até 2013) os inerentes deveres do seu cargo colocando em causa, repetidamente, o princípio da legalidade, da transparência, da concorrência, o que levou ao prejuízo financeiro do respectivo município, obrigando, inclusive, a autarquia a ter de responder em Tribunal pela falta de pagamento dos créditos devidos aos empreiteiros;

- o dolo é intenso por se manifestar na sua forma directa;

- a culpa é elevada atendendo ao facto do arguido deter formação académica superior e, portanto, de lhe ser exigível de forma mais vincada, o conhecimento da gravidade da sua actuação, que repetiu durante anos a fio e a coberto do seu cargo, o máximo de uma autarquia;

- a finalidade do comportamento foi principalmente para benefício próprio (pretender re-eleição) o qual se sobrepôs ao superior interesse da respectiva comunidade para o qual havia sido eleito;

- o arguido não tem antecedentes criminais e não revela qualquer comportamento de índole criminoso entre a prática dos factos e esta decisão;

- o arguido tem formação académica superior e mostra-se inserido na sociedade;

- o arguido não revelou arrependimento nem tomada de consciência da gravidade dos seus actos.

Em relação ao arguido BB há que atender aos seguintes factores: - a ilicitude dos factos situa-se num patamar de elevada censura uma vez que o arguido, estando investido em altas funções de gestão camarária, na qualidade de Vice-Presidente da Câmara de ..., violou de forma reiterada e durante mais de 10 anos (foram 3 mandatos ao todo desde 2002 até 2013) os inerentes deveres do seu cargo colocando em causa, repetidamente, o princípio da legalidade, da transparência, da concorrência, o que levou ao prejuízo financeiro do respectivo município, obrigando, inclusive, a autarquia a ter de responder em Tribunal pela falta de pagamento dos créditos devidos aos empreiteiros;

- o dolo é intenso por se manifestar na sua forma directa;

- a culpa é elevada atendendo ao facto do arguido deter formação académica superior e, portanto, de lhe ser exigível de forma mais vincada, o conhecimento da gravidade da sua actuação, que repetiu durante anos a fio e a coberto do seu cargo, o segundo responsável, a seguir ao Presidente, de uma autarquia;

- a finalidade do comportamento foi principalmente para benefício próprio (pretender re-eleição) o qual se sobrepôs ao superior interesse da respectiva comunidade para o qual havia sido eleito;

- o arguido não tem antecedentes criminais e não revela qualquer comportamento de índole criminoso entre a prática dos factos e esta decisão;

- o arguido tem formação académica superior e mostra-se inserido na sociedade;

- o arguido não revelou arrependimento nem tomada de consciência da gravidade dos seus actos.

Face a todos estes factores e considerando ainda as finalidades da prevenção geral, que são muito elevadas nestes casos que envolvem altos cargos das autarquias, havendo da parte da sociedade em geral um desgaste com sucessivas envolvências de titulares de cargos públicos em situações de clara ilegalidade, e que as finalidades de prevenção especial, neste caso em específico, se revelam mitigadas pelo facto dos arguidos não terem revelado quaisquer comportamentos, posteriores ao seu termo de mandato, aptos a integrar a tipicidade penal e estão inseridos fixa-se: - ao arguido AA uma pena (parcelar) de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses por cada um dos três crimes de prevaricação cometidos.

- ao arguido BB uma pena (parcelar) de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses por cada um dos 4 crimes de prevaricação cometidos.

Nos termos do disposto no artº 77º do Código Penal há que proceder ao cúmulo jurídico das várias penas parcelares ora fixadas, e determinar a pena única que cada arguido deve cumprir, tendo em atenção os factos e as respectivas personalidades.

Nos termos do nº 2 do referido artigo 77º do Código Penal a moldura concursal tem como limite mínimo a pena parcelar mais elevada e como limite máximo a soma de todas as penas.

Assim, e em relação ao arguido AA a moldura concursal é 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 7 (sete) anos e 6 (seis) meses.

Atendendo a todos os factos constantes dos autos, bem como o facto de não resultar do processo que o arguido em causa tenha revelado uma personalidade inerentemente contrária à ordem jurídica e aos valores prezados pela sociedade, afigura-se-nos que ao mesmo deve ser fixada uma pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses.

Em relação ao arguido BB a moldura concursal é de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 10 (dez) anos.

Atendendo a todos os factos constantes dos autos, bem como o facto de não resultar do processo que o arguido em causa tenha revelado uma personalidade inerentemente contrária à ordem jurídica e aos valores prezados pela sociedade, afigura-se-nos que ao mesmo deve ser fixada uma pena única de 5 (cinco) anos. Sendo estas as penas concretas fixadas, vejamos agora se as mesmas podem e devem ser suspensas na sua execução, atendendo ao facto de se situaram no patamar legalmente previsto (não superior a 5 anos).

O artº 50º do Código Penal subordinado à epígrafe "Pressupostos e duração" (da suspensão da execução da pena de prisão) diz o seguinte:

"1. O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3. Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.

5. O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos." – sublinhado nosso

Ora, a suspensão da execução de uma pena de prisão exige dois pressupostos, conforme bem explicitado no Ac. da Relação de Coimbra de 29-11-2017 (procº nº 202/16.8PBCVL.C1)34:

“O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.

As finalidades das penas, designadamente das penas de substituição, é « a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.» (art.40.º, n.º1 do Código Penal).

A proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais, implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, positiva ou de integração, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.

A reintegração do agente na sociedade, outra das finalidades da punição, está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

Todavia, no entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (art. 50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que «só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…».

A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos. Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido.” – sublinhado nosso

Como vimos já, tendo em conta que os arguidos AA e BB vão condenados numa pena de 4 anos e 3 meses de prisão e 5 anos de prisão, respectivamente, portanto em penas não superiores a 5 anos de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.

Há, agora, que avaliar da existência do pressuposto material que se traduz na possibilidade de se obter um prognóstico favorável, isto é, uma previsão, embora não sem risco, de que a simples ameaça da pena seja suficiente para afastar os arguidos de futuramente voltarem a delinquir.

Pese embora nenhum dos arguidos tenha manifestado qualquer tipo de arrependimento ou revelado qualquer tomada de consciência da gravidade dos seus actos – mesmo que entendessem que estariam a actuar no interesse da colectividade e que não quiseram beneficiar ninguém, a verdade é que os arguidos não deixaram de cometer inúmeras e graves ilegalidades, de forma reiterada e que levou à derrapagem dos dinheiros públicos, pelo que, no mínimo, poderiam ter admitido essas ilegalidades e como as mesmas jamais poderiam justificar as respectivas actuações – a verdade é que a actuação dos mesmos cingiu-se a um momento temporal há muito terminado sem que nenhum dos arguidos tenha demonstrado, desde então, ou seja, desde o respectivo fim dos mandatos em 2013, qualquer comportamento penalmente relevante.

Os factos ocorridos nos autos datam, na sua expressão mais longínqua, de 2004 (beneficiação de estradas – ... ao ...), sendo a mais recente de 2010 (construção de balneários – ...), sendo que desde então para cá não se mostram indiciados quaisquer factos de índole criminal perpetrados pelos arguidos.

Os arguidos assim foram constituídos em Julho de 2016 e o julgamento, que teve o seu início, em 2021 ficou terminado em 2022.

Desde o termo dos respectivos mandatos, em 2013, até hoje, decorreram praticamente 10 anos, sem que haja notícia da prática por parte dos arguidos de novos crimes.

Considerando as respectivas idades de ambos os arguidos, 61 e 71 anos, o longo período sem cometimento de novos crimes, a sua inserção social, a sua falta de antecedentes, levando a crer que a actuação dos autos foi isolada e em virtude dos cargos especificamente exercidos pelos arguidos, afigura-se-nos viável fazer uma prognose favorável em relação a ambos no sentido de considerar que a mera ameaça da pena seja suficiente para acautelar as necessidades da punição.

Por isso, entende-se adequado suspender a execução das respectivas penas por um período de 4 anos para cada arguido.”

II.3. Admissibilidade e objetos dos recursos

Os recursos são admissíveis ao abrigo da al. e), do nº 1, do artigo 400º do CPP, dado que houve condenações dos arguidos pela Relação depois de absolvições dos mesmos na 1ª Instância.

A alteração trazida a lume pela L. 94/2021, de 21/12, na decorrência do acórdão do Tribunal Constitucional nº 595/2018, não deixa margem para dúvidas.

Os recursos têm por objeto o acórdão do tribunal da Relação condenatório que revogou, em recurso, o acórdão absolutório proferido pelo tribunal da 1.ª instância.

O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é, assim, um segundo recurso da decisão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação que conheceu do recurso daquela decisão

Com a alteração introduzida na al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP pelo artigo 11.º da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, passou a ser admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelo tribunal da Relação sempre que estes apliquem penas não privativas da liberdade em caso de absolvição em primeira instância. Como sucedeu no caso sub judicio em que os arguidos, absolvidos em 1.ª instância, interpuseram recursos da decisão condenatória da Relação de Guimarães.

Nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP (diferentemente do que sucede com os recursos interpostos diretamente das decisões da 1.ª instância, a que se referem as al, a) e c) do mesmo preceito), os vícios ou nulidades da decisão recorrida (artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP) não podem, neste caso, constituir fundamento do recurso; o que não impede o STJ de, oficiosamente, conhecer destes vícios e nulidades se e na medida do necessário à boa decisão de direito das questões suscitadas no recurso.

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

Mas, repita-se, é limitado ao reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP).

Citando o ac. de 25/10/2023, 96/16.3T9ALD.C1.S1, Lopes da Mota, “Como tem sido sublinhado, o regime de recursos vigente efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Em «jurisprudência ampla, sucessiva e reiterada», na expressão do tribunal, vem o Tribunal Constitucional reafirmando que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição» ou de «um duplo grau de recurso», em relação a quaisquer decisões condenatórias (cfr., de entre os mais recentes, o acórdão n.º 57/2022, de 20.01.2022: «(…) não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição o direito a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, dispondo o legislador de liberdade de conformação na definição dos casos em que se justifica o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (…), posto que os critérios consagrados não se revelem arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. Acresce que este Tribunal tem também reiteradamente entendido não ser arbitrário, nem manifestamente infundado, reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (cfr., entre outros, os acórdãos n.º 189/2001, 451/2003, 495/2003, 640/2004, 255/2005, 64/2006, 140/2006, 487/2006, 682/2006, 645/2009, e 174/2010).»

Os recursos são, pois, admissíveis.

Só serão cognoscíveis, porém, em matéria de direito. E qualquer alegação relativa à matéria de facto será tida como irrelevante, sem prejuízo da verificação dos erros-vício a partir da decisão recorrida e de qualquer nulidade não sanada ou da sentença. Fora disso, o Supremo Tribunal de Justiça tem de se conter dentro dos factos dados como provados no acórdão recorrido. Sedimentada a matéria de facto o STJ não tem poderes para, em nova reapreciação da matéria de facto, reverter a matéria de facto provada em não provada ou o inverso. (cfr ac. do STJ de 02/10/2019, proc. nº 3622/17.7JAPRT.P1.S1, Lopes da Mota).

O que se enfatiza já que o grosso dos dois recursos interpostos do acórdão da Relação, em comparativo persistente das duas decisões, visa a alteração da matéria de facto, no fundo com o desiderato de repristinação do acórdão da 1ª instância.

II.4. Sinalizemos as diversas questões suscitadas pelo arguido AA

1.Omissão de pronúncia sobre a pretendida reapreciação da prova no que tange às seis conclusões apresentadas a final das contra-alegações o que, afirma, gera nulidade de sentença, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 412º e 379º, nº 1, al. c), do CPP.

2.Indevido uso de “formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções ou valorações de factos”,

3. Erro de julgamento no que toca às “contas” feitas nos quadros apresentados pelo MºPº, quanto à intenção de beneficiar os empreiteiros ou benefício eleitoral intentado, dados como provados; desrespeito do princípio da livre apreciação da prova e dos princípios da imediação e da oralidade, com errada alteração da valoração efetuada na 1ª instância, afastamento das regras de experiência comum, e com argumentação e mau uso de poderes que “não permite compreender por que razões foi alterada essa parte da decisão do tribunal de 1ª instância e foi declarada como “Não Provada”, supra transcrita, passando na decisão “a quo” para “Provada”, e consideração errada da verificação da intenção, como elemento subjetivo do tipo.

4. Erro notório na apreciação da prova, vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão por verificação de “uma falha evidente na utilização de uma presunção judicial ou natural que resulte do texto da fundamentação de uma decisão da matéria de facto.”; violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo.

5. Errada subsunção dos factos ao direito, não se configurando crime de prevaricação.

E concluiu: “O Acórdão recorrido por um lado, violou e, ou, aplicou erradamente o conjugadamente disposto nos arts. 2º, 20º e 32º da Constituição e os arts. 379º n.º1 al. c), 412º, 413º e 425º n.º4 do CPP e, por outro, violou e, ou aplicou erradamente o conjugadamente disposto nos arts. 2º, 20º e 32º da CRP, 352º, 355º, 356º, 358º, 371º e 383º do Código Civil e os arts. 127º, 412º n.ºs 3 e 4 e 413º n.º4 do CPP, art. 1º n.º 1 da Lei 46/2005 de 29 de Agosto e, o próprio art. 11º da Lei n.º 34/87.”

II.5. Discriminemos as diversas questões suscitadas pelo arguido BB:

1.“inconstitucionalidade da interpretação de que o recurso do acórdão proferido em recurso pelas relações nos termos do art 400º, nº 1, al. e) do CPP apenas pode ter como fundamento o disposto no artº 434º, quando a decisão condenatória apenas se fundamenta na diferente apreciação do preenchimento do elemento subjetivo específico do crime de prevaricação, não entrando numa efetiva reapreciação da matéria de facto, fixada pela 1ª instância, por violação do artº 32, nº 1 da CRP.” (Conclusões I a XIII).

2. Vícios decisórios do artigo 410º, nº 2, als a), b), e c), do CPP, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, “decisão de direito incorreta por se apoiar em matéria de facto insuficiente, fundada em erro de apreciação ou até em premissas contraditórias e infundadas.”; discordância quanto aos factos dados como provados e erro de julgamento, afronta do in dubio pro reo e erro notório na apreciação da prova. (XIV a XLV e L a LIX).

3. Nulidade do acórdão por incumprimento do disposto no artigo 374º, nº 2, por ter dado como provados factos que queria dar como não provados a fls 163 e 164;

4. Desconsideração da excepção da prescrição de procedimento criminal relativamente à tipificação penal dos factos das empreitadas “H..., Lda”, o que, defende, acarreta vício da insuficiência da matéria de facto, art. 410º, nº 2, al. a), e acaba a afrontar o in dubio. (XX a XXVII).

6. Invocada incorreção da incriminação, por falta do elemento subjetivo do tipo (XLIV , LX a XCIX).

7. Transcrição de normas legais que não preenchem o conceito de factos ou não estavam em vigor (XLVI a XLIX).

8. Medida da pena (XCIII a XCVII).

II.6. A conhecer: na limitação ao reexame da matéria de direito, serão apreciadas as seguintes questões:

Quanto ao recurso de AA

Repita-se que se exclui do conhecimento as questões relativas à matéria de facto e a erro de julgamento, já que o Recorrente o que primacialmente pretende é que o STJ opte pela manutenção do acórdão da 1ª instância em revogação do da Relação. Certo é que o acórdão recorrido é o da Relação, só esse, e os poderes de cognição do STJ estão restritos à matéria de direito.

II.6.1. Quanto à invocada omissão de pronúncia - conclusões “1” a “21”:

Invoca o Recorrente que apesar de, ao abrigo dos artigos 412º, nºs 3 e 4, e 413º, nº 4, do CPP e 2º, 20º e 32º da CRP, ter exercitado nas contra-alegações o direito a um segundo e efetivo grau de jurisdição sobre o resultado de facto tal como vinha descrito na 1ª instância, falhou no acórdão recorrido “uma verdadeira, fundamentada e análise crítica, sobre a matéria de facto impugnada pelo arguido/recorrente e nenhuma pronúncia sobre ou a propósito das 6 conclusões que foram apresentadas no final daquelas supra citadas contra-alegações e motivações de recurso.” Tal omissão de pronúncia, conclui, gera nulidade de sentença, como imposto pelo artigo 379º, nº 1, al. c), ex vi do disposto no artigo 425º, nº 4, ambos do CPP.

São estas as supracitadas seis conclusões:

“«1 - É manifesto que a pretensão exposta no recurso da Recorrente não tem boa fundamentação e não existem elementos quer na prova documental, quer na prova testemunhal, devidamente ponderada e criticamente analisada, que permita dar por adequado ou até por razoável a proposta de alteração dessa parte da decisão proferida no tribunal “a quo” quando decretou e decidiu incluir no elenco da matéria dos factos “Não Provados”:

“- que os arguidos tenham praticado os factos acima descritos com o intuito de serem sucessivamente reeleitos para cargos nas eleições autárquicas de ... de 2001/2005, 2005/2009 e 2009/2013 e de beneficiar as adjudicatárias/empreiteiros;

- que nos casos acima descritos os arguidos atuaram bem sabendo que a respetiva conduta era adequada a abonar à adjudicatária/empreiteiro quantias pecuniárias que, em condições de estrita observância dos princípios da legalidade e transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o mesmo não reuniria condições de auferir.” (sublinhados nossos) ;

- A alteração introduzida nos muros de ..., no que se referiu ao capeamento, para além de destoar do conjunto em que se inseriu, não teve subjacente qualquer defesa do interesse publico ou mais-valia para o local de implantação, traduzindo-se numa melhoria indireta de um parque de estacionamento de uma empresa existente no local-.”

2 - O que, desde logo, evidência a falta de fundamento para o recurso e obstinação da recorrente, devendo ser julgadas improcedentes as 92 conclusões que a mesma enuncia no seu articulado.

SEM PRESCINDIR E POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO,

3 - Tendo presente o supra invocado e alegado no capítulo V do corpo destas contra-alegações, terá de ser dado por não escrito o que, no elenco da matéria de facto declarada como “Provada”, se mostra escrito nos capítulos e números que a seguir se identifica:

- Capitulo III, a partir do 2.º parágrafo, por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo III.1 por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo III.3 por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo III.4 por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo III.5 a partir do 2.º parágrafo, por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo III.6 por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo III.8 por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo III.9 por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo III.10, a partir do 2.º parágrafo, por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo IV por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo V por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo VII, parte final, por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo VIII, parte final, por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

- Capitulo IX, parte final, por se tratar de matéria correspondente a formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções e valorações de factos;

4 - Alteração esta à decisão respeitante à matéria de facto no que aos pontos ou capítulos supra identificados deverá ser acolhida pelo tribunal “ad quem”, dando aquelas formulações, transcrições de normas legais, juízos de valor e outras ilações, por não escritas, que a fórmula(s) utilizada(s) são iminentemente genéricas e conclusivas.

5 - Sendo certo que a matéria de facto, repete-se, deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como ali sucede na maioria das situações, elas próprias preenchem, por si, a hipótese legal, parecendo dispensar qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzem “uma afirmação ou uma valoração de facto que se insere na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões” Ac. STJ de 14/05/2015.

AINDA SEM PRESCINDIR E POR MERA CAUTELA DE PATROCINIO,

6 - Atendendo aos elementos documentais juntos aos autos e à prova testemunhal produzida ao longo das diversas sessões da audiência de julgamento, parece resultar que a[s] supra citada[s] partes do escrito na relação da matéria de facto declarada “Provada”, designadamente:

- no 1.º parágrafo do capitulo III (pág. 12 da Sentença);

- no 1.º parágrafo do capitulo III.5 (pág. 23 da sentença); - no 1.º parágrafo do capitulo III.7 (pág. 27 da Sentença);

- no capitulo VII, sem prejuízo da parte que deve ser declarada não escrita (pág. 77 da Sen-tença);

- no capitulo VIII, sem prejuízo da parte que deve ser declarada não escrita (pág. _ da Sen-tença);

- no capitulo IX, sem prejuízo da parte que deve ser declarada não escrita (pág. _ da Senten-ça);

Deverá transitar desse elenco da matéria de facto declarada “Provada” e passar para o elenco da matéria de facto declarada “Não Provada” – art. 410.º do CPP».”

Ora, lido e relido o acórdão recorrido, não se evidencia que o mesmo enferme de omissão de pronúncia. Quanto às conclusões “1” e “2”, reportadas à verificação, ou não, do elemento subjetivo do tipo e à falta de qualquer interesse público na obra de ..., foram exaustivamente discutidas dado que por aí passava a procedência ou improcedência do recurso. E, da página 168 a 183 o acórdão recorrido fundamentou a conclusão de ter afirmado quer a verificação do elemento subjetivo do tipo quer a ausência de interesse público da referida obra. O cerne da questão era exatamente esse.

E, fundamentando como fundamentou, prejudicado estava o que em contrário se afirmasse. (cfr artigo 608º, nº 2, do CPC, ex vi do artigo 4º do CPP).

O que o Recorrente pretende é que se considere que a correta apreciação da prova foi efetuada pela 1ª instância e não pela Relação. Todavia, não cabe ao STJ em sede recursória comparar os dois acórdãos. Compete-lhe sim, dentro das limitações legais de conhecimento, apreciar o acórdão recorrido, o da Relação, e só, no que tange aos erros-vício, nulidades não sanadas e da sentença e subsunção jurídica dos factos.

Como se sublinhou no recente ac. do STJ de 08/11/2023, proc. nº 52/18.7GBSLV.E2.S1, Carmo Dias, “I.Os recorrentes não devem confundir o erro na subsunção dos factos ao direito com o erro de julgamento, nem tão pouco esquecer os poderes de cognição do STJ, definidos no art. 434.º do CPP, que visam exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º, o que significa que o recurso para o STJ é um recurso de revista, ainda que ampliado, ao contrário do que sucede com o recurso para a Relação que é um recurso de apelação, que conhece de facto e de direito (art. 428.º CPP). II. Ou seja, é à Relação que incumbe, atentos os seus poderes de cognição (e não ao Supremo Tribunal de Justiça), conhecer do chamado erro de julgamento previsto no art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, do CPP.”

Não estamos, pois, perante omissão de pronúncia.

II.6.2.O Recorrente invoca, indicando partes de capítulos, indevido uso de “formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções ou valorações de factos”, sem as especificar (conclusão 20).

Mas não tem razão. As partes que identifica nos citados capítulos evidenciam primacialmente factos.

E se é verdade que no relato da matéria de facto dada como provada se surpreendem, tão só como adjuvantes do relato, algumas “formulações genéricas, citações ou transcrições de normas legais, matéria conclusiva e, ou, juízos de valor, induções ou valorações de factos”, certo é que não vem demonstrado que tais formulações ou conclusões tenham tido interferência no sentido da decisão.

Sempre se deverá dizer, aliás, que num processo com este tipo de factualidade, além de com frequência se confundirem ou misturarem os conceitos utilizados no dia a dia e os conceitos de direito, certo é que não se vislumbra, nem o Recorrente o defende, que tal indevido uso tenha prejudicado a defesa do arguido Recorrente ou que tenha afrontado o contraditório ou que tenha sido decisivo para a sua condenação ou que a tenha agravado.

Empreitada, contrato, trabalhos a mais, adjudicação, é verdade, são conceitos jurídicos, mas, outrossim, têm um significado corrente que o comum dos mortais, não juristas, usa em léxico quotidiano e em semântica bem perceptível.

Por isso, não envolve matéria de direito a inclusão na matéria de facto de conceitos que assumindo significado técnico-jurídico tem também um sentido corrente, vulgar ou comum de uso generalizado ligado à concretização de certos factos, como é empreitada, trabalhos a mais, etc

Mas mesmo verificando-se a situação de inclusão de formulações de direito na matéria de facto, devem as mesmas ser consideradas não escritas, à semelhança do que dispunha o anterior CPC no seu art.º 646.º, n.º 4. E se é verdade que nem o CPP nem o Novo Código de Processo Civil contém norma correspondente, a mesma conclusão se impõe por imperativo do disposto no seu art.º 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, ou juízos de valor ou conclusivos.

A distinção entre matéria de facto e matéria de direito tem sido controversa, quer na doutrina quer na jurisprudência.

Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos.

Cruzamento entre os conceitos que acaba por ser inafastável. E que, como no caso, não tendo impedido a plena e cabal defesa, nem se tendo traduzido em agravamento da posição do arguido, nem tendo afrontado o princípio do contraditório e tendo sido respeitada a correspondência com a prova, tendo-se por não escritos, tem-se por inócuos para a validade do acórdão recorrido.

Deve reconhecer-se, por outra banda, que, integrando a prevaricação uma ação contra direito é natural que na descrição que se pretende factual acabe a enfatizar-se o direito que com a ação se torceu e necessariamente se dê destaque e se realce todo o bloco de legalidade afrontado. Inafastável também por aqui as transcrições de toda a panóplia de normas, artigos, dispositivos ou princípios, integrantes do direito afrontado.

II.6.3. Erro de julgamento no que toca às “contas” feitas nos quadros apresentados pelo MºPº; erro na consideração da intenção de beneficiar os empreiteiros e no benefício eleitoral intentado; desrespeito do princípio da livre apreciação da prova e dos princípios da imediação e da oralidade, com errada alteração da factualidade e da valoração efetuada na 1ª instância; afastamento das regras de experiência comum e da lógica, falta de fundamentação, défice de argumentação e mau uso de poderes que “não permite compreender por que razões foi alterada essa parte da decisão do tribunal de 1ª instância e foi declarada como “Não Provada”, supra transcrita, passando na decisão “a quo” para “Provada”, consideração errada da verificação da intenção de beneficiar, como elemento subjetivo do tipo; (conclusões 22 a 109).

O recorrente insiste no comparativo dos acórdãos e na compita prefere naturalmente o primeiro.

Ora, salvaguardada a sedimentação e consolidação factual vinda da Relação, certo é que, concorde-se ou não com a fundamentação apresentada, se percebe qual a prova que esteve na base da convicção do julgador para dar cada facto como provado. E para clareza da fundamentação da matéria de facto o Tribunal exprimiu-se com exaustividade em considerandos bastantes e suficientes.

“E o certo é que a alegação da inexistência de exame crítico da prova não impõe ao Tribunal que reanalise a prova para aferir da exatidão (ou não) daquele exame, bastando que verifique que o exame foi realizado e se encontra na fundamentação da decisão. O que fez, após transcrição dessa fundamentação” (in ac. do STJ de 25/05/2023, 1027/19.4PBEVR.E2.S1, Helena Moniz)

Consideramos, pois, que, também por aqui, não há nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação.

E quanto ao invocado erro de julgamento e pretendida alteração da matéria de facto, em tal conspecto não entramos, por proibição de conhecimento da matéria de facto.

Porque também aqui “deve salientar-se que este Supremo Tribunal de Justiça tem os seus poderes de cognição restritos a matéria de direito. Qualquer alegação relativa à matéria de facto é irrelevante, a não ser que a partir do texto da decisão recorrida se verifique a existência de algum dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou qualquer nulidade que deva considerar-se não sanada, nos termos do art. 410.º, n.º 3, do CPP. Não ocorrendo nenhum destes vícios, este Supremo Tribunal de Justiça necessariamente se tem que ater aos factos dados como provados e sedimentados com a decisão prolatada no Tribunal da Relação, apenas se podendo analisar a subsunção jurídica dos factos provados, caso se integre no âmbito do recurso interposto. Este Supremo Tribunal de Justiça não tem poderes para apreciar a matéria de facto provada e considerar não provada a dada como provada, ou entender como provada a matéria de facto não provada, apenas podendo, unicamente a partir do texto da decisão recorrida, concluir (ou não) por uma eventual insuficiência da matéria de facto provada, por um erro notório na apreciação da prova ou ainda uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.” (in ac. do STJ de 07/06/2023, 8013/19.2T9LSB.L1.S1 Helena Moniz)2.

Assim sendo, o alegado inserido na matéria de facto provada pelo Tribunal da Relação constituindo discussão da matéria de facto não poderá ser do conhecimento deste Supremo Tribunal de Justiça.

II.6.4. O recorrente invoca também erro notório na apreciação da prova e vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão por verificação de “uma falha evidente na utilização de uma presunção judicial ou natural que resulte do texto da fundamentação de uma decisão da matéria de facto.” (conclusões 110 a 113 e 138 a 143).

Despiciendo se torna aqui insistir que quando se analisam os vícios do art. 410.º do CPP, o tribunal apenas pode ater-se ao texto da decisão impugnada e não pode recorrer a elementos exteriores, nomeadamente, ao teor de certidões juntas, de depoimentos testemunhais, de gravações, etc. E que mister é sempre ter presente os poderes de cognição do STJ definidos no art. 434.º do CPP não devendo confundir qualquer dos vícios elencados no art. 410.º do CPP, (que tem de resultar do texto da decisão, e só dele, ou do texto conjugado com as regras da experiência), com o erro do julgamento (art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, do CPP), sendo este último da esfera do conhecimento da Relação.

No que respeita à insuficiência da matéria de facto para a decisão, “a formulação legal é abrangente “para a decisão” e compreende toda e qualquer que seja a natureza da decisão. Assim para ser “insuficiente para a decisão” a matéria de facto apurada no seu conjunto há de ser incapaz de a suportar em abstrato, isto é, seja ela condenatória ou absolutória.” (in “CPP Comentado”, Henriques Gaspar et alii, nota ao artigo 410º)

E, por isso, apenas quando da própria decisão não decorrem elementos fácticos suficientes para que se possa adotar aquela solução jurídica, em virtude de o Tribunal ter deixado de dar resposta a um facto essencial que integre o objeto do processo, é que se poderá considerar estarmos perante uma insuficiência da matéria de facto. (cfr ac. do STJ de 06/02/2019, proc. nº 1074/15.5PAOLH.E1.S1, Manuel Matos)

Nesta medida, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para a matéria de facto dada como provada: ali, o que se critica é o facto de o tribunal não ter investigado e apreciado todos os factos que podia e devia, carecendo a decisão de direito de suporte fáctico bastante; aqui, censura-se o facto de o tribunal ter dado como provados factos sem prova suficiente” (cfr ac. do STRJ de 10/01/2023, proc. nº 586/15.5TDLSB.S3, Sénio Alves)

Ora, in casu, não se verifica tal vício. Na verdade, vista a matéria de facto aí dada como provada, com os três acrescentos factuais aí inseridos pelo Tribunal da Relação, o acórdão recorrido mostra que os factos pertinentes ao objecto do processo obtiveram resposta do tribunal, sendo a matéria de facto bastante para a decisão. Estão aí suficientemente respondidos exaustivamente quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivos do tipo.

Em face do exposto, e independentemente de se concordar ou não com a conclusão final alcançada pelo Tribunal da Relação, não se vislumbra existir qualquer insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, ao invés do que vem alegado. Os factos que resultaram assentes, com os sobreditos acrescentos, são suficientes para a decisão de condenação do arguido.

O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista no nº 2, al b), do artº 410º do C.P.P apenas se verificará, quando analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição ocorre entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

Ora analisada a decisão recorrida e como melhor se explicará infra, não se vislumbra sinal de qualquer destas situações acabadas de referir, pelo que é manifesto que o Acórdão condenatório não padece de qualquer contradição subsumível à alínea b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P.

O erro notório na apreciação da prova inclui, para além das hipóteses de erro evidente e manifesto, as que “numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada. Certo que o erro tem de ser «notório». Mas basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – ainda que para além das percepções do homem comum – e sopesado à luz de regras da experiência” (in “CPP Comentado”, Henriques Gaspar et alii, nota ao artigo 410) .

O acórdão recorrido sustentou que, além do mais, se verificava o elemento subjetivo, na intenção de beneficiar quer os empreiteiros quer os próprios arguidos. E justificou-o em larga fundamentação e exaustividade de páginas 168 a 183.

Efetivamente, o elemento subjetivo do tipo legal de crime, tratando-se de matéria respeitante à intenção, refere-se ao foro interno do agente, pelo que apenas poderá ser inferido através do recurso a presunções naturais, extraindo-se tais conclusões da demais factualidade objetiva que resulta provada. Só assim não será, naturalmente, no caso da confissão, em que o arguido transmite ao Tribunal o seu propósito e vontade interior, que estiveram subjacentes à prática dos factos ilícitos-típicos. (cfr ac. do STJ de 20/04/2016, proc. nº 20/15.0PDOER.S1, Oliveira Mendes).

No caso, o Tribunal indagou, de modo exaustivo e adequado, a factualidade relevante para a solução de direito encontrada. De facto, o Tribunal da Relação, fazendo uso de presunções, extraiu da factualidade que havia sido dada como provada os elementos factuais referentes ao tipo subjetivo do crime de prevaricação, justificando a sua decisão, o que conduziu à condenação do aqui recorrente, não sendo necessária a produção de qualquer outro tipo de prova, razão pela qual o Tribunal da Relação entendeu estar em condições para alterar a decisão de facto, nos termos em que o fez.

E “Não é através de uma diferente apreciação da prova que haja sido produzida e depois de uma diferente – porque modificada em conformidade com essa outra perspectiva de avaliação – matéria de facto que se conclui haver erro notório na apreciação da prova. É considerando a exacta maneira como essa prova foi apreciada e valorada que depois, perante os factos provados se conclui que há (ou não) erro notório na apreciação da prova. Uma diferença da apreciação não é a que possibilita ou permite a conclusão sobre erro notório.” (in ac. do STJ de 06/10/2016, proc. nº 535/13.5JACBR.C1.S1, Nuno Gomes da Silva).

Assim sendo, não podemos concluir que a decisão recorrida padeça de qualquer um dos vícios constantes do disposto no art. 410.º, n.º 2, do CPP.

II.6.5. Estando definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto. não se verificando os vícios aludidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP e não havendo nulidades de conhecimento oficioso entremos então na subsunção jurídica dos factos. (conclusões 114 a 137).

Tendo-se em conta a factualidade dada como provada pela Relação configura-se a prática dos crimes de prevaricação imputados.

O crime de prevaricação visa a punição daquele que se torna infiel ao próprio cargo, em assumida violação dos deveres ao mesmo inerentes, como se extrai da construção do tipo legal do artigo 11º da L. 34/87, de 16/07, que sob a epígrafe “Prevaricação”, dispõe:

«O titular de cargo político que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos».

A razão material que preside à criação de um regime jurídico específico para os titulares de cargos políticos prende-se com a especial intensidade e importância dos deveres de zelo e promoção de bens jurídico-constitucionais, em sentido estrito, a que se encontram adstritos os titulares de cargos políticos, em razão das suas funções e da sua particular legitimidade democrática. (cfr Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, II, 2006, 322)

O sentido de praevaricator “evoluiu para uma dimensão mais abrangente, passando a designar aquele que se torna infiel ao próprio cargo, violando os deveres ao mesmo inerentes (Hungria, 1959, 375 segs). Como veremos, é ainda esta dimensão que se projeta na construção do tipo legal do artigo 11º, da Lei nº 34/87, de 16 de Julho.” (in “O crime de prevaricação, no âmbito da responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos”, Sílvia Marques Alves, RPCC, nº 1, 2015).

Resumindo, o bem jurídico protegido é “a fidelidade á lei e ao direito, no exercício de funções públicas.” (in “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, I, Carmo Silva Dias, UCE, 2010, pag. 751)

Com autarca como agente, artigo 3º, nº 1, al. i), do citado diploma legal, deparam-se-nos como seus elementos constitutivos (i) a sua qualidade de membro de órgão representativo de autarquia local do agente; (ii) A condução ou decisão contra direito de um processo no exercício das respectivas funções; (iii) o dolo direto, como atuação voluntária, livre e consciente em assim agir; (iv) com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém.

“O crime de prevaricação é, manifestamente, doloso, exigindo o conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito objetivo. Porém, acresce ao dolo do facto a descrição de especiais elementos subjetivos do tipo, que caracterizam, de forma mais precisa, a vontade que preside ao comportamento objetivo típico, restringindo assim a conduta incriminada a uma espécie delimitada.” E “De facto, o legislador considerou necessária a verificação de um especial grau de consciência dos factos e a consagração de um desvalor de resultado como elemento referencial da intencionalidade, no sentido da não exigência da sua produção, mas da demonstração de factos objetivos que externalizem essa específica orientação da conduta. (…) O tipo legal em análise pode classificar-se como um delito de intenção ou de tendência interna transcendente, no sentido de que o agente persegue um resultado, que determina internamente a sua conduta, sem que, contudo, o preenchimento do tipo dependa da efetiva produção desse resultado.” (in “O crime de prevaricação, no âmbito da responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos”, Sílvia Marques Alves, RPCC, nº 1, 2015).

No caso sub judicio, se a factualidade relativa aos elementos objetivos do tipo não comportará contestação, já a factualidade relativa ao dolo e sobretudo ao elemento subjetivo do tipo vem fortemente contestada.

Mas da factualidade dada como provada se extraem todos os elementos do tipo, quer objetivos quer subjetivos. Deu-se como provada a qualidade de autarca; deu-se como provado o exercício de funções e, nesse exercício, a condução e decisão contra direito de vários processos de obras; deu-se como provada a actuação consciente, no seu significado de entender e querer, e deu-se como provada intencionalidade de beneficiar quer terceiros, os empreiteiros, quer a si próprio autarca. Mas deu-se igualmente como provado que “os arguidos (…) no exercício das suas funções, formularam o desígnio de gerir como bem entendiam o planeamento e a gestão, nas datas abaixo indicadas das empreitadas de obras públicas, conduzindo e decidindo, de forma contrária à lei e com plena consciência disso, a execução de trabalhos adicionais, fraccionando e agravando a despesa pública do Município de ....”

Além dos três acrescentos factuais, os dois primeiros decorrentes da verificação de erros-vício (dolo específico) e o terceiro decorrente de verificado erro de julgamento (ausência de interesse público), que, em legítima intromissão da Relação no julgamento da matéria de facto, no âmbito dos seus poderes, obrigaram à revogação da absolvição, em juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância. (cfr “Decisão”, I),).

Estamos aqui, num caso e noutro, perante violações dolosas dos deveres dos cargos que afetam a relação de confiança entre os titulares do poder político e os cidadãos, por visarem a alteração das condições de funcionamento dos órgãos autárquicos e porem em causa o livre exercício de direitos3.

Violações essas que visaram beneficiar terceiros. Mas também os próprios, mesmo considerando que o benefício não se apresente com dimensão económica, pois, como a doutrina o vem entendendo, “os conceitos de benefício ou prejuízo, convocados pelo tipo legal, não apresentam uma dimensão necessariamente económica.” (Silvia Marques Alves, ibidem)

E se é certo que a Relação deu como provado quer os benefícios, o preenchimento do tipo não depende sequer da efetiva produção desse resultado, basta a intenção para o preencher.

Com o que não pode deixar de se concluir que tal factualidade integra a prática de crime de prevaricação por que foi condenado.

E, adite-se, não merece intervenção corretiva a medida das penas parcelares e única aplicadas.

Tendo em conta o que ficou dito, forçoso é concluir que, ao contrário do concluído pelo Recorrente AA, o acórdão recorrido não violou ou aplicou erradamente o conjugadamente disposto nos arts. 2º, 20º e 32º da Constituição e os arts. 379º n.º1 al. c), 412º, 413º e 425º n.º4 do CPP e não violou ou aplicou erradamente o conjugadamente disposto nos arts. 2º, 20º e 32º da CRP, 352º, 355º, 356º, 358º, 371º e 383º do Código Civil e os arts. 127º, 412º n.ºs 3 e 4 e 413º n.º4 do CPP, art. 1º n.º 1 da Lei 46/2005 de 29 de Agosto nem o próprio art. 11º da Lei n.º 34/87.

II.7. A conhecer: na limitação ao reexame da matéria de direito, serão apreciadas as seguintes questões:

Quanto ao recurso de BB

II.7.1. “inconstitucionalidade da interpretação de que o recurso do acórdão proferido em recurso pelas relações nos termos do art 400, nº 1 e) do CPP apenas pode ter como fundamento o disposto no artº 434, quando a decisão condenatória apenas se fundamenta na diferente apreciação do preenchimento do elemento subjetivo específico do crime de prevaricação, não entrando numa efetiva reapreciação da matéria de facto, fixada pela 1ª instância, por violação do artº 32, nº 1 da CRP.” (Conclusões I a XIII)

Como se disse já no ac. do STJ de 21/06/2023, 743/20.2PAPVZ.P1.S1, Ana Brito, relembrando o importante acórdão do TC n.º 595/2018,:

“À luz da então redacção do art. 400.º (anterior às alterações dadas pela Lei n.º 94/2021, que veio ampliar os casos de recorribilidade e de acesso ao Supremo), o Tribunal Constitucional censurou a irrecorribilidade da decisão da Relação que revertia a absolvição em condenação, mas apenas na parte relativa à determinação da sanção. Desse acórdão retira-se a destrinça clara entre a “questão da culpabilidade” e a da “determinação da sanção”, na fase do recurso e no exercício do direito ao recurso.

No regime anterior, em que na al. e) era vedado o acesso ao Supremo mesmo em caso de decisão absolutória de 1.ª instância, o Tribunal Constitucional circunscrevia o problema da (des)conformidade constitucional à parte da decisão relativa à determinação da sanção. E fazia-o nos moldes seguintes:

“(…) para se aferir sobre a respetiva conformidade constitucional importa determinar em que medida a norma sub judicio afecta as garantias de defesa do arguido. Neste plano, na linha do que acima se deixou consignado a respeito da relação existente entre direito ao recurso e duplo grau de jurisdição, é imprescindível verificar se a norma permite a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto, para depois determinar se corresponde a uma tutela suficiente das garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

(…) Nos casos em que existe uma absolvição da primeira instância revogada por decisão condenatória em pena de prisão da segunda instância, não é assegurada no julgamento do recurso uma reapreciação das consequências jurídicas do crime. Trata-se, pelo contrário, de uma decisão inovadora com consequências fundamentais na posição jurídica do arguido, designadamente na sua liberdade, relativamente à qual é negado o acesso a uma reapreciação por um tribunal superior.

Na verdade, uma situação em que a uma absolvição de primeira instância sucede a condenação em pena de prisão, no tribunal de recurso, implica necessariamente o surgimento de uma parte da decisão que se apresenta como integralmente nova: o processo decisório concernente à determinação da medida da pena a aplicar. A decisão que define a pena de prisão é proferida pelo Tribunal da Relação sem que anteriormente, designadamente em primeira instância, haja qualquer apreciação sobre a pena a impor ao arguido. O arguido vê-se confrontado com uma pena de privação de liberdade cujo fundamento e medida não tem oportunidade de questionar em sede alguma. Existem, portanto, nesta situação, dimensões do juízo condenatório que não são objeto de reapreciação. Pelo menos quanto a estas matérias, existe uma apreciação pela primeira vez apenas na instância de recurso, sem que exista a previsão legal de um segundo grau de jurisdição.

(…) Neste contexto, aceitar a irrecorribilidade da decisão condenatória, em situações como a configurada pela norma em apreciação, seria admitir que o direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, não garante sequer a reapreciação por uma segunda instância da decisão que define a pena de prisão efetiva. Esta seria, assim, uma decisão do juiz que se apresentaria como livre de qualquer controlo».

(…) Nestas circunstâncias, a irrecorribilidade do acórdão do tribunal de 2.ª instância tem como consequência que a tão relevante matéria da determinação da espécie e medida da pena seja apreciada uma única vez – pelo tribunal de recurso – e escape, assim, ao controlo de uma segunda instância (…) Nessa parte, não se encontra garantindo, na verdade, um duplo grau de jurisdição.

(…) Essa parte da decisão da 2.ª instância é, por definição, inovatória. Desta forma, não é assegurada no julgamento do recurso uma reapreciação das consequências jurídicas do crime.

(…) esse sacrifício do direito ao recurso não é compensado pela possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto pelo Ministério Público ou assistente da decisão absolutória da 1.ª instância ou através da garantia do contraditório. Nestes casos de reversão no tribunal de recurso de uma absolvição em condenação as consequências jurídicas do crime só são definidas no julgamento do recurso. Assim, apesar de o duplo grau de jurisdição facultar ao arguido a possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto da sentença absolutória, esta faculdade não lhe assegura a possibilidade de sindicar o processo decisório subjacente à escolha e à determinação da medida concreta da pena de prisão que será aplicada no futuro e a consequente reapreciação dos respetivos fundamentos. Na verdade, o arguido vê-se confrontado com uma pena de privação de liberdade cujo fundamento e medida não tem oportunidade de questionar em sede alguma. Neste caso, os critérios judiciais de determinação, em concreto, da medida adequada da pena escapam a qualquer controlo.” (itálicos do acórdão citado)

Como se vê, o Tribunal Constitucional censurou a negação da possibilidade de “poder recorrer de uma parte da decisão, precisamente aquela que acarreta o maior potencial de lesão dos direitos fundamentais do arguido”, ou seja, a parte relativa à determinação da sanção, distinguindo-a claramente da outra parte da decisão, que o arguido pôde já discutir e debater no contraditório do recurso.

Em suma, o Tribunal nunca considerou desconforme à Constituição a irrecorribilidade do acórdão da Relação inovatoriamente condenatório na parte em que decidiu sobre matéria de facto, desde logo porque, como o afirmou expressamente em vários acórdãos (designadamente em quatro acórdãos do Pleno) as garantias de defesa se consideram suficientemente asseguradas pelo duplo grau de jurisdição e a possibilidade de alegar e contra-alegar em recurso (no recurso para a Relação) sobre a matéria de facto. E no que respeita à garantia constitucional do direito ao recurso, sempre o Tribunal Constitucional destrinçou a parte da decisão referente à culpabilidade, da parte relativa à determinação da sanção.”

Com o que, reafirmamos nós aqui, na linha da jurisprudência constitucional citada e acolhida pelo STJ, não enferma, pois, de inconstitucionalidade “a interpretação de que o recurso do acórdão proferido em recurso pelas relações nos termos do art 400º, nº 1 e) do CPP apenas pode ter como fundamento o disposto no artº 434º, quando a decisão condenatória apenas se fundamenta na diferente apreciação do preenchimento do elemento subjetivo específico do crime de prevaricação, não entrando numa efetiva reapreciação da matéria de facto, fixada pela 1ª instância, por violação do artº 32, nº 1 da CRP.”

II.7.2. Repetindo-nos, quando se analisam os vícios do art. 410.º do CPP, o tribunal apenas pode ater-se ao texto da decisão impugnada e não pode recorrer a elementos exteriores, nomeadamente, ao teor de certidões juntas, de depoimentos testemunhais, de gravações, etc. E que mister é sempre ter presente os poderes de cognição do STJ definidos no art. 434.º do CPP não devendo confundir os vícios elencados no art. 410.º do CPP, que tem de resultar do texto da decisão, com o erro do julgamento (art. 412.º, n.º 3 e n.º 4, do CPP), sendo este último da esfera do conhecimento da Relação.

Não se conhecerá, por isso, de matéria de facto.

No que respeita à insuficiência da matéria de facto para a decisão, “a formulação legal é abrangente “para a decisão” e compreende toda e qualquer que seja a natureza da decisão. Assim para ser “insuficiente para a decisão” a matéria de facto apurada no seu conjunto há-de ser incapaz de a suportar em abstrato, isto é, seja ela condenatória ou absolutória.” (in “CPP Comentado”, Henriques Gaspar et alii, nota ao artigo 410)

Assim, apenas quando da própria decisão não decorrem elementos fácticos suficientes para que se possa adotar aquela solução jurídica, em virtude de o Tribunal ter deixado de dar resposta a um facto essencial que integre o objeto do processo, é que se poderá considerar estarmos perante uma insuficiência da matéria de facto. (cfr ac. do STJ de 06/02/2019, proc. nº 1074/15.5PAOLH.E1.S1, Manuel Matos)

Nesta medida, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para a matéria de facto dada como provada: ali, o que se critica é o facto de o tribunal não ter investigado e apreciado todos os factos que podia e devia, carecendo a decisão de direito de suporte fáctico bastante; aqui, censura-se o facto de o tribunal ter dado como provados factos sem prova suficiente” (cfr ac. do STRJ de 10/01/2023, proc. nº 586/15.5TDLSB.S3, Sénio Alves)

Ora, in casu, não se verifica tal vício. Na verdade, vista a matéria de facto aí dada como provada, com o acrescento aí inserido pelo Tribunal da Relação, o acórdão recorrido mostra que os factos pertinentes ao objecto do processo obtiveram resposta do tribunal, sendo a matéria de facto bastante para a decisão. Estão aí suficientemente respondidos quer os elementos objetivos quer os elementos subjetivos do tipo (v. pags 168 a 183).

Em face do exposto, e independentemente de se concordar ou não com a conclusão final alcançada pelo Tribunal da Relação, não se vislumbra existir qualquer insuficiência da matéria de facto provada nos termos alegados.

O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista no nº 2 al b) do artº 410º do C.P.P apenas se verificará, quando analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição ocorre entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

Ora analisada a decisão recorrida e como melhor se explicará infra, não se vislumbra sinal de qualquer destas situações acabadas de referir, pelo que é manifesto que o Acórdão condenatório não padece de qualquer contradição subsumível à alínea b) do nº 2 do artº 410º do C.P.P.

O erro notório na apreciação da prova inclui, para além das hipóteses de erro evidente e manifesto, as que “numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada. Certo que o erro tem de ser «notório». Mas basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – ainda que para além das percepções do homem comum – e sopesado à luz de regras da experiência” (in “CPP Comentado”, Henriques Gaspar et alii, nota ao artigo 410) .

O acórdão recorrido sustentou que, além do mais, se verificava o elemento subjetivo, na intenção de beneficiar quer os empreiteiros quer os próprios arguidos. E justificou-o desde a página 168 à página 183 em larga e profunda fundamentação.

Efetivamente, o elemento subjetivo do tipo legal de crime, tratando-se de matéria respeitante à intenção, refere-se ao foro interno do agente, pelo que apenas poderá ser inferido através do recurso a presunções naturais, extraindo-se tais conclusões da demais factualidade objetiva que resulta provada. Só assim não será, naturalmente, no caso da confissão, em que o arguido transmite ao Tribunal o seu propósito e vontade interior, que estiveram subjacentes à prática dos factos ilícitos-típicos. (cfr ac. do STJ de 20/04/2016, proc. nº 20/15.0PDOER.S1, Oliveira Mendes).

Ora, o Tribunal indagou, de modo exaustivo e adequado, a factualidade relevante para a solução de direito encontrada. De facto, o Tribunal da Relação, fazendo uso de presunções, extraiu da factualidade que havia sido dada como provada os elementos factuais referentes ao tipo subjetivo do crime de prevaricação, justificando a sua decisão, o que conduziu à condenação do aqui recorrente, não sendo necessária a produção de qualquer outro tipo de prova, razão pela qual o Tribunal da Relação entendeu estar em condições para alterar a decisão de facto, nos termos em que o fez.

E “Não é através de uma diferente apreciação da prova que haja sido produzida e depois de uma diferente – porque modificada em conformidade com essa outra perspectiva de avaliação – matéria de facto que se conclui haver erro notório na apreciação da prova. É considerando a exacta maneira como essa prova foi apreciada e valorada que depois, perante os factos provados se conclui que há (ou não) erro notório na apreciação da prova.

Uma diferença da apreciação não é a que possibilita ou permite a conclusão sobre erro notório.” In ac. do STJ de 06/10/2016, proc. nº 535/13.5JACBR.C1.S1, Nuno Gomes da Silva

II.7.3. Quanto à invocada violação do princípio in dubio pro reo importará assinalar que, como tem sido sublinhado na jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente no ac. de 25/10/2023, proc. nº 96/16.3T9ALD.C1.S1, Lopes da Mota, e no aí citado de 22/04/2020, proc. nº 68/18.3SWLSB.S1, devendo este ser configurado «como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova», certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma «íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática». Nesta perspetiva, a violação do princípio in dubio pro reo só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, «resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP» – só se verifica quando «seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção».

No caso sub judice, não se revelando do texto da decisão recorrida que o Tribunal da Relação enfrentou uma situação de non liquet na apreciação da prova que teve de levar em conta para a decisão em matéria de facto e que ficou na dúvida ou que a decisão proferida não se encontra fundada em provas de modo a não deixar dúvidas inultrapassáveis sobre o sentido da decisão, não se pode afirmar ter-se verificado uma violação deste princípio.

Assim sendo, não podemos concluir que a decisão recorrida padeça de qualquer um dos vícios constantes do disposto no art. 410.º, n.º 2, do CPP, confirmando-se, nesta parte, o acórdão recorrido.

II.7.4. Nulidade do acórdão por incumprimento do disposto no artigo 374º, nº 2, por ter dado como provados factos que queria dar como não provados (fls 163 e 164).

Diz o Recorrente que “o acórdão recorrido, apesar de ter detetado vícios na matéria de facto, acabou por replicar a descrição da 1ª instância, pelo que incumpriu o disposto no artº 374º, nº 2, de modo que em obediência ao disposto no artº 370, nº 1, face ao disposto no artº 425, nº 4 do CPP deve ser considerado nulo.” (conclusão XVII)

Dispõe o artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, que “é nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F”.

O artigo 379º é aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, como manda o artigo 425, nº 4, do CPP.

Por sua vez, o artigo 374.º, n.º 2 desse diploma estabelece que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Tal normativo reflete, assim, o princípio da fundamentação, “consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República, o qual se traduz na obrigatoriedade do tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão – nº 4 do artigo 97º deste Código. Tal princípio, relativamente à sentença penal concretiza-se, porém, mediante uma fundamentação reforçada, que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a actividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória […]. A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e os não provados, para o que os deve enumerar, ou seja, indicar um a um, mas também […] o tratamento jurídico dos factos apurados, com subsunção dos mesmos ao direito aplicável […]”, in “CPP Comentado” Oliveira Mendes.

Mas, não tem razão o Recorrente. Da simples réplica da factualidade provada, o que, aliás é frequente, e do todo, depois do acrescento pela Relação de mais três itens factuais provados, não se retira, sem mais, o incumprimento do artigo 374º.

O tribunal da Relação pronunciou-se sobre todas as questões que a lei lhe impunha que tomasse posição expressa.

Visto o acórdão nele consta a pronúncia sobre as questões suscitadas pelas partes e as demais de conhecimento oficioso e a exigida fundamentação, traduzida na enumeração os factos provados, onde se acrescentaram (sem dúvidas ou equívocos) três novos factos àqueles que provados tinham sido dados na 1ª instância, se mantiveram os não provados (à excepção dos transmutados em provados), se explicitou a discordância com o acórdão da 1ª instância, quer com base nos erros-vício detetados quer por erro de julgamento, se consagrou a respetiva motivação, aliás de forma exaustiva no que tange aos factos acrescentados.

Fundamentação essa que se mostra autossuficiente, completa e exaustiva.

Ora, como resulta claro da leitura do acórdão recorrido, particularmente do excerto supra transcrito, é mais do que evidente que o tribunal a quo se pronunciou, de modo particularmente desenvolvido, sobre a questão suscitada pelo recorrente, a verificação ou não do elemento subjetivo do tipo. O que, aliás, foi decisivo para a condenação.

Para chegar á conclusão de que os factos não provados deviam ser dados como provados a Relação, de forma exaustiva e esclarecedora, debruçou-se sobre toda a factualidade dada como provada e que assim manteve e aditou mais aqueles três itens factuais.

Efectivamente, não na forma e com o resultado pretendidos pelo recorrente. Porém, a discordância do recorrente quanto ao resultado da apreciação efectuada pelo Tribunal da Relação de Guimarães à questão por si suscitada, sendo naturalmente legítima, não se traduz nem significa ausência de apreciação e pronúncia.

De todo o modo, adite-se que “apenas a falta absoluta de fundamentação (fáctica ou jurídica) conduz à nulidade da decisão, não integrando tal vício, uma fundamentação deficiente”, não se verifica qualquer nulidade que deva ser declarada. (cfr acs do Supremo Tribunal de Justiça, de 7/09/2020, proc. n.º 2774/17.0T8STR.E1.S1, e de 24/01/ 2018, proc. n.º 388/15.9GBABF.S1.)

II.7.6. O recorrente afirma que o tribunal violou o princípio in dubio pro reo ao não considerar verificada a prescrição do procedimento criminal relativamente às empreitadas e obras levadas a cabo pela sociedade “H..., Lda” apesar de ter dado como provado que a ordem para a realização de trabalhos adicionais foi dada «em data não concretamente apurada entre o início e o fim da obra».

A verificação da prescrição é de conhecimento oficioso e pode ter lugar a todo o tempo, pois que é causa de extinção do procedimento criminal.

Mas não se verifica prescrição do procedimento criminal no que tange ao crime de prevaricação assente nos contratos em que foi empreiteiro “H..., Lda”. Em termos de factualidade dada como provada pelo acórdão recorrido e que sedimentada está, o arguido cometeu um só crime por via da suas nove acções, em outras tantas empreitadas adjudicadas àquela firma, unificadas por via da “mesma resolução”. Acções essas que persistiram no tempo desde a primeira empreitada (beneficiação de estradas de Vale de ... ao ...), com início em 09/06/2004, por via do despacho de adjudicação, até 17/12/2015, data de recepção da última obra (beneficiação de estradas ... - ...) (cfr pags 49 a 73 do acórdão recorrido).

A consumação, enquanto estado de compressão do bem jurídico, só deve ter-se, pois, por terminada em 17/12/2015.

Com o que, manifesto é, ainda nem o prazo normal de prescrição, de dez anos, ut artigo 118, nº 1, al. b), do CP, se atingiu.

II.7.7. Transcrição na factualidade da legislação e de legislação revogada

Pode considerar-se um princípio processual adquirido que incursões de matéria de direito em sede de descrição de matéria de facto se devem ter como não escritas. Se é verdade que, hoje, nem o CPC nem no CPP nos deparamos com uma norma de teor semelhante ao do artigo 646, nº 4, do CPC, segundo o qual tais incursões se devem ter como não escritas, não menos certo é que tal princípio vige e decorre da necessidade de separação das duas matérias.

Não se discute que no processo penal a exigência da separação das matérias se mostra com ainda maior acutilância do que no processo civil, dada a premência do acusatório, a instância do contraditório e a necessidade de defesa que a posição de arguido demanda.

Mas, mesmo detetando-se dentro da matéria de facto alguns necessariamente espúrios segmentos de legislação ou de elementos de direito, além de, por força da aplicação daquele princípio se deverem considerar como não escritos, só teriam relevância em termos de eventual invalidade de acto se, interessando à decisão da causa, a detetada inserção tivesse vulnerado ou afrontado a defesa do arguido, o que nem se vislumbra e nem sequer vem alegado.

Não obstante, importa ter em atenção que, como ensina Anselmo de Castro - in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, Almedina, 1982, página 270 -, “…a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.”
Em rigor, “torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos.
Aliás, não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas”. ( cfr. ac. do STJ, de 13/11/2007, proc. nº 07 A3060, Nuno Cameira).

E o mesmo se dirá relativamente a eventual segmento de legislação já revogada ou ainda não em vigor citada pelo acórdão recorrido. Tal só teria relevância se tal legislação tivesse sido determinante para a condenação. E não o foi. Nem sequer vem alegado.

Como diz o MºPº, essa falta de rigor veio a ser ultrapassada com a indicação dos demais conjuntos normativos infringidos acabando por tal errada chamada de legislação ainda não em vigor ou já revogada se afigurar inócua para o efeito da subsunção jurídico-criminal e da decisão condenatória, que se sustentam no demais normativo convocado, devendo tal chamada ter-se por não escrita. E, repita-se, não vem alegado que tal tenha afrontado os direitos de defesa do arguido, ou tenha penalizado ou agravado a sua posição, ou tenha determinado a ou sido decisiva na condenação.

II.7.8. Em termos de subsunção jurídico-penal remetemos aqui para o que supra ficou dito em relação à incriminação do Recorrente AA pela prática de três crimes de prevaricação. Também aqui, por iguais razões, procede a incriminação por quatro crimes de prevaricação pelo Recorrente BB.

II.7.9. Medida da pena. O Recorrente não esclarece se são as penas parcelares ou a única que merecem correção em baixa.

De todo o modo, sempre se dirá que a moldura penal abstrata para o crime de prevaricação vai de 2 a 8 anos, peso sancionador que bem reflete quer o desvalor da ação tipificada quer o valor do bem jurídico protegido. Em concreto a pena para cada um dos crimes quedou-se junto do mínimo, em 2 anos e 6 meses. E cremos que mais abaixo não poderia ir. Por sua vez, em cúmulo, com pena abstrata de 2 anos e seis meses a 10 anos, a pena única foi fixada em 5 anos, no meio da pena, com suspensão da sua execução. Também aqui cremos que não se mostra excessiva.

E manifesto é que, atentando no número de crimes praticados, no lapso de tempo em que as actuações persistiram em prolongada ilicitude, no assumido persistente dolo direto e intenso, nas consequências financeiras para a autarquia, na ausência de arrependimento e na falta de tomada de consciência da gravidade dos seus actos, forçoso é concluir que quer as penas parcelares quer a pena única se quedaram naquelas expressões punitivas por, às sobreditas circunstâncias, terem sido contrapostas (favoravelmente) a idade do arguido, a sua ausência de antecedentes criminais, o decurso do tempo, a boa inserção social e o juízo de prognose favorável.

Não se olvide que o titular de cargo político, aqui autarca, está constituído num dever funcional qualificado, cuja violação se traduz em elevado grau de desvalor e em grave afronta à sua acrescida responsabilidade social.

Mostram-se tais penas necessárias, adequadas e em justa medida, em respeito pelas três vertentes do princípio da proporcionalidade. E estão de acordo com as necessidades de protecção do bem jurídico, de prevenção geral, de prevenção especial, visando a reintegração do agente na sociedade, e cabem na medida da respectiva culpa. Mais, se quisermos ajuizar a medida da pena única tendo em conta o factor de compressão veremos que este se ficou na proporção de 1/3, o que se mostra adequado, não excedente da medida da culpa e de acordo com o referente jurisprudencial.

Com o que intervenção corretiva do STJ se não justifica.

III. DECISÃO

Termos em que acordam em negar provimento aos recursos mantendo-se o acórdão recorrido.

Taxa de justiça pelos recorrentes, tributando-se cada um em cinco UC’s.

STJ, 31 de janeiro de 2024

Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)

Pedro Branquinho (Juiz Conselheiro Adjunto)

Ana Barata Brito (Juíza Conselheira Adjunta)

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1. Retirámos as notas de rodapé.

2. Trata-se de aresto que se debruça sobre questão similar, em que a Relação reverte decisão absolutória da 1ª instância e o arguido interpõe recurso do acórdão condenatório para o STJ.

3. Para uma aproximação à responsabilidade penal dos titulares de cargos políticos, v. “Responsabilidade penal e responsabilidade política”, Fernanda Palma, in “Anatomia do Crime”, Nº 1.