Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99A072
Nº Convencional: JSTJ00036185
Relator: GARCIA MARQUES
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
ACORDO PARASSOCIAL
CONVENÇÃO DE VOTO
SINDICATO DE VOTO
ASSEMBLEIA GERAL
ACTAS
DIREITO ESPECIAL À GERÊNCIA
SÓCIO GERENTE
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA
PROVAS
Nº do Documento: SJ199903110000721
Data do Acordão: 03/11/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N485 ANO1999 PAG432
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 400/98
Data: 06/22/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR COM - SOC COMERCIAIS.
DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CSC86 ARTIGO 17 N1 N2 N3 ARTIGO 24 N1 ARTIGO 63 ARTIGO 64 ARTIGO 257 N1 N3 N6 ARTIGO 403.
CCIV66 ARTIGO 236 N1 ARTIGO 239 ARTIGO 396 ARTIGO 487 N2 ARTIGO 799 N1 N2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1963/07/31.
ACÓRDÃO STJ DE 1967/04/04.
ACÓRDÃO STJ PROC449/96 DE 1996/02/04 1SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC264/97 DE 1997/10/07 1SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC67/96 DE 1996/07/02 1SEC.
ACÓRDÃO STJ PROC86242 DE 1995/02/14 2SEC.
Sumário : I- As convenções de voto não são oponíveis à sociedade, a qual aparece perante elas como terceiro - respeitam apenas às relações entre os membros do sindicato de voto.
II- Com o sindicato de voto visa-se pura e simplesmente a ponderação prévia das decisões a tomar (perante o perigo dos desacertos nascidos do acaso
das reuniões), mais frequentemente, assegurar a estabilidade da gestão social (face ao risco de maiorias flutuantes) ou da manutenção de uma política comum.
III- Os pactos de voto são válidos; os pactuantes podem, dadas certas condições, subtrair-se ao cumprimento literal assumido mediante invocação - do princípio da revogabilidade unilateral ad nutum das vinculações duradouras, da regra da resolubilidade ou modificabilidade dos contratos por alteração das circunstâncias, do abuso de direito, da mera interpretação ou integração do negócio segundo critérios de normalidade ou segundo ditames da boa fé.
IV- O direito especial do sócio à gerência só pode ser criado por estipulação no contrato de sociedade, apenas podendo ser suspenso e extinto mediante deliberação social seguida de acção de destituição judicial com fundamento em justa causa.
V- As convenções do voto podem incidir sobre órgãos de administração ou de fiscalização numa dupla vertente - reportando-se à escolha dos titulares dos diversos órgãos ou à sua exoneração; visando incidir sobre a forma como estes exercem as funções em que foram investidos (mas os acordos não podem condicionar a actividade dos administradores ou dos membros do conselho fiscal).
VI- É inexigível o vínculo que imponha o voto para eleger administrador alguém que não reúna as mínimas capacidades ou idoneidade para exercer o cargo.
VII- A acta da assembleia geral da sociedade não integra a própria deliberação, mas é indispensável para sua prova.
VIII- Não constando da acta as razões da destituição do gerente, esta tem de ser havida ad nuntum.
IX- Justa causa (a lei não fornece a sua noção) é qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, todo o acto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim; na destituição de gerente, a verificação de um comportamento na actividade deste - ou a prática de actos por sua parte - que impossibilite a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe.
X- O incumprimento ilícito de acordo parassocial só gera, para quem o violou, responsabilidade civil se tiver procedido com culpa e a prova da falta de culpa por quem o violou não está limitada pelo que consta da acta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
A, intentou no Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira, acção ordinária contra B, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 48000000 escudos, a título de cláusula penal.
Alega, para o efeito, que, na sequência das relações mantidas com o R. no âmbito da sociedade "C", de que ambos são sócios, celebrou com ele um contrato em que o R. se obrigava, além do mais, a pagar-lhe, em caso de violação do convencionado sob a epígrafe "Obrigações de voto", "uma indemnização correspondente ao valor contabilístico das acções detidas" pelo A.
Mais alega que o R. incumpriu o referido clausulado contratual, em consequência do que ficou constituído na obrigação de pagar o montante da referida indemnização.
O R. contestou, invocando as seguintes excepções: (a) a ineficácia - embora trate a questão em sede de inexistência - do contrato para os efeitos pretendidos pelo A.; (b) a anulabilidade de tal contrato, gerada por alegado vício de vontade provocado por dolo do declaratário; (c) a sua ineficácia, em consequência da declaração de resolução, em 07-02-1995, e, subsidiariamente, da denúncia também comunicada na mesma data.
Contestou ainda, por impugnação, infirmando o incumprimento contratual e, por último, invocou a ausência de alegação de prejuízos por parte do A., em ordem a obstar à alegada constituição da obrigação de pagamento do montante peticionado a título de cláusula penal.
Após réplica, e depois de elaborado despacho saneador e de condensada a matéria de facto, procedeu-se a julgamento, vindo a acção, por sentença de 05-11-97, a ser julgada parcialmente procedente, tendo, em consequência, sido condenado o R. a pagar ao A. a quantia de 12836479 escudos.
Inconformado, o R. apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 22-06-98, decidido negar provimento ao recurso, confirmando a sentença da 1ª instância.
Ainda inconformado, traz o R. a presente revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões:
a. O acordo parassocial apenas impunha aos seus outorgantes votarem positivamente a respectiva recondução na administração da empresa, sendo omisso quanto à destituição;
b. Só os estatutos da sociedade e não qualquer acordo parassocial podia consagrar um direito especial à gerência;
c. As relações dos sócios com a sociedade são distintas das relações que, entre os sócios, resultem de um qualquer acordo parassocial, de tal modo que estas não podem interferir, impor-se ou prejudicar aquelas;
d. As consequências e os requisitos de umas e outras têm que ser apreciadas nos contextos que derivam daquela distinção;
e. O recorrido, responsável pelo sector contabilístico e administrativo, ao assumir um comportamento que se traduziu no abandono da administração da empresa, não podia deixar de ter como inevitável a sua destituição;
f. Ao reivindicar uma indemnização com esse fundamento, está manifestamente a "venire contra factum proprium" e a incorrer, claramente, num claro abuso do direito;
g. O acordo parassocial deve considerar-se nulo na parte que previa a manutenção do recorrido na administração da empresa porque, face ao comportamento por ele assumido, a obrigatoriedade do cumprimento do acordo, por parte do recorrente, não podia deixar de traduzir-se num elevado prejuízo para a sociedade e, de resto, numa violação da lei. (cfr. art. 64º, do Código das Sociedades Comerciais);
h. Se assim não for entendido, deve considerar-se extinto por alteração das circunstâncias, visto que o recorrente não estava em mora quando essa alteração ocorreu e porque a declaração do interessado na resolução pode ser dispensada quando for clara e flagrante, como o foi no caso, a dita alteração pela outra parte;
i. Em último caso, a não fundamentação, na acta, da destituição do recorrido, apenas a torna ilícita (à luz do acordo parassocial), transformando-a numa destituição livre ou "ad nutum", quando, face à obrigação constante do acordo, só poderia verificar-se com justa causa;
j. Porém, para que possa haver lugar à indemnização, seria preciso que o comportamento do recorrente, para além de ilícito, fosse também culposo;
k. E a sua culpa (comportamento pessoal) tem que decorrer da ponderação de todos os factos contidos no processo e não, obviamente, da consideração dos que determinaram a ilicitude, sob pena de se confundirem estes dois essenciais requisitos do direito à indemnização;
l. Ora, o processo contém factos que não só ilidem a presunção da culpa do recorrente como, pelo contrário, atestam a do recorrido;
m. O que afasta qualquer direito à indemnização por parte deste;
n. De resto, tal indemnização, a existir, sempre teria que ser reduzida, atentos os relevantes factos constantes dos autos, face aos quais se mostra excessiva;
o. Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação do Porto valorou mal os factos e fez uma incorrecta aplicação dos preceitos contidos nos artigos 334º, 437º, 798º, 799º, 570º, 572º e 812º do Código Civil.

Contra-alegando, o recorrido pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II
São os seguintes os factos que as instâncias deram como provados:
1 - O A. e o R. são ambos accionistas da sociedade C , com sede no lugar do Casal, Mozelos (alínea A) da especificação).
2 - Esta sociedade foi constituída por escritura pública de 24 de Janeiro de 1979, como sociedade por quotas, e, após várias alterações, tem hoje a forma de sociedade anónima, com um capital social integralmente realizado de 230000000 escudos (alínea B) da especificação).
3 - Nesse capital social, o A. é titular de 48.566 acções ao portador, enquanto o R. é titular de 160434 acções da mesma natureza e tipo (alínea C) da especificação).
4 - Em 12 de Março de 1992, quando a sociedade ainda constituía uma sociedade por quotas e o seu capital social era de 150000 contos, os ora A. e R. celebraram entre si um acordo, obrigando-se reciprocamente a:
a) votar favoravelmente o aumento do respectivo capital social para 230000000 escudos;
b) eleger o Conselho de Administração composto por ambos e ainda por D;
c) reconduzir esse Conselho de Administração em mandatos sucessivos, salvo havendo acordo em contrário (alínea D) da especificação e resposta ao quesito 2º).
5 - Na sequência de tal acordo, a sociedade deliberou o aumento do respectivo capital social para os actuais 230000000 escudos, tendo a escritura pública sido outorgada em 10 de Abril de 1992, no 1º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira (alínea E) da especificação).
6 - Pela mesma escritura foi a sociedade transformada em sociedade anónima, e, mais tarde, eleitos os respectivos órgãos sociais, integrando os ora A. e R. e Rui Paulo Nogueira o respectivo Conselho de Administração (alínea F) da especificação).
7 - No acordo referido sob o ponto 4, foi previsto que os outorgantes iriam adquirir as quotas até aí pertencentes aos sócios Fernando Paulo Brás Vicente e Manuel Luís Brás Vicente, e que o acordo seria extensível a essas quotas (alínea G) da especificação).
8 - Foi previsto ainda que as obrigações assumidas pelos A. e R. seriam extensivas às acções correspondentes às quotas que cada um deles deteria, quer originariamente, quer por força das aquisições daquelas quotas dos ditos sócios, e ainda às acções que a cada um deles viessem a caber, por força do aumento do capital social para 230000000 escudos, bem como às acções relativas a posteriores aumentos de capital social, por efeito de incorporação de reservas,conforme teor do respectivo documento contido a fls. 37, que aqui se dá por reproduzido (alínea H) da especificação).
9 - Houve um aumento do capital da "C" à custa de suprimentos gerados por vendas sem factura (assunto já investigado pelo fisco) (resposta ao quesito 12º).
10 - O A. ocupava-se do sector administrativo dessa sociedade (resposta ao quesito 2º).
11 - Desinteressou-se, progressivamente, das suas funções e da vida da empresa, aparecendo cada vez menos nos escritórios (resposta ao quesito 13º).
12 - A partir de certa altura, ocupava-se apenas dos levantamentos e depósitos bancários, até que acabou por nem isso fazer (resposta ao quesito 14º).
13 - Pessoas encarregadas das cobranças da empresa, como foi o caso de E, estiveram largo tempo sem prestar contas (resposta ao quesito 18º).
14 - E tinha em seu poder, à data da destituição do A., facturas por cobrar (resposta ao quesito 19º).
15 - O A. recusou sacar cheques da "C" (resposta ao quesito 20º).
16 - No primeiro semestre de 1992, a empresa teve necessidade de levar a cabo um investimento de umas centenas de milhares de contos, tendo de contrair vários empréstimos, no montante aproximado de 400000 contos (o primeiro dos quais seria de 120000), junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Concelho da Feira (alínea N) da especificação).
17 - O A. desempenhou, desde 28 de Março de 1993, as funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Caixa de Crédito Agrícola (alínea O) da especificação).
18 - O A. participava nos negócios da "C" com a Caixa de Crédito Agrícola (resposta ao quesito 2º).
19 - Em 31 de Outubro de 1994, teve lugar uma assembleia geral da sociedade referida em 1., com a seguinte ordem de trabalhos:
"Ponto Único: "Destituição do administrador Sr. A e eleição de um administrador que o substitua" (alínea I) da especificação).
20 - Nessa assembleia geral, sob proposta do R. e com os votos correspondentes às acções de que é titular, o ora A. foi destituído das funções de administrador que até aí desempenhara (alínea L) da especificação).
21 - Em caso de violação das cláusulas referidas em 4., o R. ficou obrigado a pagar ao A. "uma indemnização correspondente ao valor contabilístico das acções detidas pelo credor da indemnização" (alínea M) da especificação, conjugado com o teor global da al. H da mesma peça processual, onde se faz referência ao doc. constante de fls. 37 e segs.).
22 " Na data referida em 19., o valor contabilístico das acções possuídas pelo A. era de 12836479 escudos (resposta ao quesito 38º).
23 - No ano de 1994, em data que não foi possível apurar concretamente mas que é anterior à destituição do A., este opôs-se a que a "C" vendesse sem factura a determinados clientes que tinham uma posição privilegiada, chegando mesmo a proibir os funcionários de fazer tais vendas (resposta ao quesito 36).
24 - O R. enviou ao A. a carta datada de 07-02-1995, constante de fls. 86 e segs., onde declara a resolução do acordo referido em 4., alegando alteração das circunstâncias que presidiram à sua celebração, patente, segundo diz, nomeadamente, no "ostensivo e deliberado alheamento", por parte do A., "da administração e da vida da sociedade" (alínea P) da especificação).
25 - Nessa mesma carta, o R., "por mera cautela", denunciou o referido contrato (alínea P) da especificação).
III
1 - Postos os factos, entremos na apreciação do recurso, sabido que o objecto deste é delimitado pelas conclusões insertas na respectiva alegação (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC.
De um ponto de vista analítico, são as seguintes as questões suscitadas nas referidas conclusões, a cuja apreciação se passará a proceder, sem prejuízo da eventual não resolução daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, do CPC:

1º - Questão de saber se o acordo parassocial celebrado entre o A. e o R. é válido e se consagra um direito especial à gerência.
2º - Questão que consiste em saber se a acta da assembleia geral, constante de fls. 35 e 36, contém, ou não, a fundamentação da destituição do A. do cargo de administrador da sociedade, e quais as consequências resultantes do facto de, eventualmente, tal fundamentação não constar daquele documento.
3º - Questão de saber se o comportamento do R. na assembleia geral em que o A. foi destituído representou, ou não, o incumprimento ilícito do acordo parassocial celebrado com o A.
4º - No caso de o acordo parassocial ter sido violado pelo R., saber se tal incumprimento foi, ou não, culposo.
5º - A concluir-se pela incumprimento ilícito e culposo do acordo por parte do R., saber se ocorreu a resolução desse acordo por alteração das circunstâncias.
6º Entendendo-se que o acordo não foi validamente resolvido, decidir se o comportamento do A., ao peticionar a condenação do R. na pena convencionada, é, ou não, abusivo.
7º - Não sendo abusivo o exercício do direito de pedir a indemnização, saber se deve haver lugar à redução do montante fixado na cláusula penal constante do acordo.
A apreciação que se vai seguir não será necessariamente feita mediante uma análise, ponto por ponto, das questões sumariadas. Poderão, com efeito, algumas dessas questões ser objecto de abordagem conjunta - ou em bloco -, não se justificando, então, proceder a um minucioso exame de todos os aspectos teóricos que a respectiva problemática poderia suscitar.
2 - Sob a epígrafe "Acordos parassociais" (1) Sobre a temática dos "acordos parassociais", podem ver-se, na doutrina nacional, os seguintes Autores: Vasco Xavier, "A validade dos sindicatos de voto no direito português constituído e constituendo", na "Revista da Ordem dos Advogados", ano 45, Lisboa, 1985, págs. 639 e segs; Raúl Ventura, "Acordo de voto: algumas questões depois do Código das Sociedades Comerciais", in "O Direito", ano 124º, Lisboa, 1992, págs. 17 e segs; Mário Leite Santos, "Contratos parassociais e acordos de voto nas sociedades anónimas", Edições Cosmos, Lisboa, 1996; e Maria da Graça Trigo; "Os acordos parassociais para o exercício do direito de voto", Universidade Católica Editora, Lisboa, 1998, pág. 215.), estabelece o artigo 17º do Código das Sociedades Comerciais:
1. Os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes, nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não proibida por lei têm efeitos entre os intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade.
2. Os acordos referidos no número anterior podem respeitar ao exercício do direito de voto, mas não à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de administração ou de fiscalização.
3. São nulos os acordos pelos quais um só sócio se obriga a votar:
a) Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos;
b) Aprovando sempre as propostas feitas por estes;
c) Exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de vantagens especiais.

Recorde-se o que, a propósito, vem provado no complexo fáctico acima reproduzido:
Em 12 de Março de 1992, quando a sociedade ainda constituía uma sociedade por quotas e o seu capital social era de 150000 contos, os ora A. e R. celebraram entre si um acordo, obrigando-se reciprocamente a:
a) votar favoravelmente o aumento do respectivo capital social para 230000000 escudos;
b) eleger o Conselho de Administração composto por ambos e ainda por D;
c) reconduzir esse Conselho de Administração em mandatos sucessivos, salvo havendo acordo em contrário.
Ou seja, parece legítimo interpretar uma tal convenção como estabelecendo uma obrigação de voto subsumível à figura do acordo parassocial previsto no transcrito artigo 17º, nº 1, do CSC.
2.1. - Sabe-se quão debatida foi, na doutrina e na jurisprudência nacionais, a questão da validade de tais acordos, havendo, entre nós, antes da publicação do Código das Sociedades Comerciais, muitas vozes autorizadas que se pronunciaram em qualquer dos sentidos (2) Foi em 1954, como consequência do interesse suscitado por um importante processo judicial, que a matéria em apreço foi colocada no centro das atenções dos juristas nacionais. O Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Maio de 1955, que pôs termo a tal processo, orientou-se decididamente no sentido da nulidade dos sindicatos de voto. Igual posição adoptaram depois todas as outras decisões dos nossos tribunais superiores que se pronunciaram sobre a questão: os acórdãos do STJ de 31 de Julho de 1963 e de 4 de Abril de 1967, e da Relação de Lisboa de 19 de Junho de 1979. Também os Autores que publicaram os primeiros estudos acerca do tema começaram por se manifestar naquele mesmo sentido: foi o caso dos Profs. Barbosa de Magalhães, Cavaleiro de Ferreira, Fernando Olavo e , mais tarde, do Prof. Palma Carlos. A tese oposta principiou por ser sustentada apenas pelo Prof. Ferrer Correia, em parecer dado para o referido processo de 1954. Aderiram também à tese da validade os Profs. Vaz Serra, Raúl Ventura e Vasco Xavier, e os Drs. Amândio de Azevedo, Mário Raposo, Fernando Galvão Teles e Pinto Furtado. Para maiores detalhes, cfr. Vasco Xavier, loc. cit. na nota anterior, págs. 642 e 643.).
Dissertando, ainda antes da publicação do Código das Sociedades Comerciais, a respeito dos sindicatos de voto, modalidade mais importante das chamadas convenções de voto, escreveu Vasco Xavier:

O problema da validade das convenções de voto (e, designadamente, dos sindicatos de accionistas), tal como se tem posto em Portugal, não diz respeito à validade ou invalidade do voto emitido a favor ou contra o pactuado, pois entende-se aqui unanimemente (...) que a convenção não é oponível à sociedade, a qual aparece perante ela como terceiro: diz respeito, sim, às relações entre os membros do sindicato. O problema traduz-se, por conseguinte, em saber se o incumprimento da convenção por um votante pode fundar uma obrigação de indemnização em favor dos outros membros do grupo; ou fundar a sujeição do faltoso a uma pena convencional - pena que normalmente se haverá de estipular, pois a dificuldade do cômputo dos danos do incumprimento obstará quase sempre à praticabilidade da indemnização tendente a ressarci-los.
Foi no plano geral da contrariedade dos bons costumes e da ordem pública que os tribunais portugueses foram encontrar o fundamento da condenação dos pactos de voto.
Criticando esta orientação (3) Além de outras razões, sempre se deverá reconhecer que o voto nas sociedades comerciais não é nem pretende ser a expressão de um juízo intelectual ou moral, do género do que é formulado no voto político, mas muito simplesmente um acto que respeita à gestão de interesses meramente patrimoniais.), Vasco da Gama Lobo Xavier manifestou o entendimento segundo o qual, com os referidos pactos de voto, se quis proteger o interesse da votação unificada do grupo em questão, contra a possibilidade de o desleixo e até a deslealdade de algum ou alguns dos sócios agrupados vir a quebrar a solidez da frente comum.
Ou seja, como escreveu o Autor que ora se acompanha:

O que se pretende essencialmente com o sindicato (...) não é uma garantia contra a receada mudança de opinião - mudança essa porventura devida ao esclarecimento proporcionado pela discussão a verificar-se no seio da assembleia - mas sim uma garantia contra a eventual incúria ou má fé dos pactuantes.
Por outro lado, há que atender a que esse objectivo da votação unificada do grupo pode corresponder a situações de interesse muito variadas, e as mais delas merecedoras de tutela jurídica, porque eticamente irrepreensíveis.
Com o sindicato, pode antes de mais visar-se pura e simplesmente a ponderação prévia das decisões a tomar, perante o perigo dos desacertos nascidos do acaso das reuniões. Mais frequentemente, quer-se assegurar a estabilidade da gestão social, face ao risco de maiorias flutuantes; ou assegurar então a manutenção de uma política comum , de fundamental importância para a sociedade em determinadas circunstâncias: pense-se na hipótese de um financiamento que foi condicionado a certa orientação considerada necessária - por exemplo, ao reforço do capital social.

Era, pois, no plano da conformidade das convenções de voto com o ordenamento imperativo das sociedades comerciais que os autores favoráveis à validade de tais acordos colocavam o problema. E foi nesse plano que o problema foi equacionado e resolvido pelo já transcrito artigo 17º do CSC.
Reconhece-se, no entanto, e sem prejuízo do exposto - bem como da solução normativamente acolhida no CSC - que as convenções de voto se podem prestar a abusos e atropelos. A defesa contra tais excessos e abusos deverá encontrar-se no recurso a armas clássicas do nosso arsenal jurídico. Como preconiza Vasco Xavier, "os pactos de voto são válidos, em geral, mas os pactuantes podem, dadas certas condições, subtrair-se ao cumprimento literalmente assumido, quer mediante a invocação do princípio da revogabilidade unilateral ad nutum das vinculações duradouras, ou da regra da resolubilidade ou modificabilidade dos contratos por alteração das circunstâncias, ou ainda da doutrina do abuso do direito, quer finalmente, mediante a mera interpretação ou integração do negócio segundo critérios de normalidade ou segundo os ditames da boa fé, por aplicação dos artigos 236º, nº 1, e 239º do Código Civil".
A fim de melhor ilustrar a situação, o Autor que estamos a acompanhar figurou a hipótese exemplar em que os subscritores do pacto de voto se obrigaram a manter na administração determinado indivíduo, o qual veio, um dia, a perder qualificação para tal. Nesse caso, segundo Vasco Xavier, "ao pretensamente obrigado é possível sustentar que o contrato, interpretado ou integrado segundo as normas gerais, apenas o vinculava a votar no sentido convencionado enquanto a pessoa em causa se encontrasse em condições de desempenhar convenientemente o cargo em questão, ou sustentar, em último termo, que os outros contraentes teriam exercido abusivamente o seu direito, ao exigirem-lhe, nas circunstâncias referidas, o cumprimento do pactuado. E, de um modo geral, nos casos em que o sentido do voto a que a convenção, na aparência, o obrigaria, se antolha ao pactuante inquestionavelmente "prejudicial aos interesses da sociedade", aquele poderá furtar-se a emitir tal voto, seja com base numa interpretação ou integração adequadas do contrato, seja com base na referida ideia do abuso do direito; e isto sem necessidade de um preceito legal que expressamente afaste a validade dos acordos de voto que "puderem prejudicar o interesse da sociedade" "como, por sinal, afastava o anteprojecto de Vaz Serra, em texto que o Projecto de Código das Sociedades não acolheu" (4) Cfr. loc. cit., pág. 653.).
Dir-se-á ainda que ao incumprimento das obrigações constantes dos acordos parassociais previstos no artigo 17º, nº 1, do CSC, é de aplicar a doutrina geral do incumprimento das obrigações, assim como os princípios e regras que vigoram para a cláusula penal.

2.2. - Coloca-se no caso sub judice o problema de saber se o acordo parassocial em causa consagra um direito especial à gerência.
Como se sabe, atento o disposto no artigo 24º, nº 1, do CSC, só por estipulação no contrato de sociedade podem ser criados direitos especiais de algum sócio. E, no domínio das sociedades por quotas, a cláusula do contrato de sociedade que atribui a um sócio um direito especial à gerência não pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio, podendo, todavia, os sócios deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do gerente por justa causa - artigo 257º, nº 3, do CSC.
Ou seja, o direito especial de um sócio à gerência só pode ser criado por estipulação no contrato de sociedade, só podendo ser suspenso e extinto mediante deliberação social seguida de acção de destituição judicial com fundamento em justa causa.
Todavia, no caso ora em apreço os dois sócios pactuantes obrigaram-se a votar num certo sentido, não tendo sido criado verdadeiramente um direito especial de um sócio à gerência ou à administração, o que, como se viu, não seria legalmente admissível.
Nestes termos, tratando-se de um acordo ou convenção de voto em que os respectivos subscritores pactuaram regras próprias acerca do aumento do capital social e sobre a forma de preenchimento dos cargos sociais, nada impede que o mesmo seja subsumível à previsão do artigo 17º, já sobejamente referido, e, nessa medida, válido, se se contiver dentro dos limites normativamente consentidos.
Estando, à partida, pelos próprios termos da vinculação convencionada, excluídas as causas de nulidade previstas nas alíneas do nº 3, vejamos se será caso de verificação do requisito condicionante da parte final do nº 2 (5) Segundo o qual os acordos parassociais não podem respeitar à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de administração ou de fiscalização., ambos do artigo 17º em referência.
Como explica Mário Leite Santos, em termos que merecem a nossa concordância, citando doutrina nacional e estrangeira (espanhola e italiana), "as convenções sobre o voto podem incidir sobre os órgãos de administração ou de fiscalização numa dupla vertente: (a) Reportando-se à escolha dos titulares dos diversos órgãos, ou à sua exoneração; (b) Visando incidir sobre a forma como estes exercem as funções em que foram investidos.
"A proibição constante do nº 2 do artigo 17º respeita ao segundo destes aspectos" (6) Quer isto dizer que os acordos sobre o voto não podem incidir sobre a forma como devem ser exercidas as funções de administração ou fiscalização da sociedade, isto é, não podem condicionar a actividade dos adimistradores ou dos membros do Conselho Fiscal..
"Quanto ao primeiro, verifica-se assentimento mais ou menos generalizado na doutrina relativamente à validade das convenções com que os sócios ajustam regras sobre a forma de preenchimento dos cargos sociais (7) Cfr. loc. cit na nota (1), pág. 216.).
Como reconhece o citado Autor, o que se deixa dito não impede, no entanto, a aplicação dos princípios acima expostos acerca da delimitação do dever de cumprimento do acordo, quando a prestação, concretamente determinada, colida com o interesse social, ou, melhor dizendo, colida com o dever que o sócio tem em exercer os seus direitos sociais dentro dos limites impostos pela boa-fé.
O sócio pactuante poderá ficar, então, perante uma situação concreta de inexigibilidade da prestação (8) Como observa Mário Leite Santos, a fls. 215, nota (489), do estudo citado, a não exigibilidade traduz-se na exclusão da responsabilidade, quando o comportamento devido ou a prestação, atendendo a determinadas circunstâncias concretas da situação do devedor, não se mostram susceptíveis de serem impostas pelo ordenamento. Estamos no domínio das causas de justificação (...). Perante a colisão ou conflito de deveres que obstem ao cumprimento de um deles ou impeçam o pleno cumprimento de ambos, o devedor deverá cumprir aquele que, atendendo à sua natureza ou características, se deva considerar superior, ou, na impossibilidade de hierarquização, rateá-los na maior medida possível, podendo, para a graduação dos deveres conflituantes, o artigo 335º do CC, servir de referência legal - cfr. Fernando Pessoa Jorge, "Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil", Lisboa, 1968, págs. 167 e segs. ), uma vez que a mesma se mostra conflituante com o dever do sócio em exercer o direito de voto nos limites aceitáveis pelo direito, particularmente quanto à exigência de executar o contrato de acordo com a boa-fé.
Como nos dá conta Mário Leite Santos, na Alemanha, onde são bastante frequentes as convenções sobre o voto dirigidas à escolha dos titulares dos diversos órgãos, a doutrina e jurisprudência têm-se pronunciado pela inexigibilidade do vínculo que imponha o voto para eleger administrador alguém que não reúna as mínimas capacidades ou idoneidade para exercer o cargo (9) Cfr. loc. cit., págs. 216-217.).
3 - A segunda questão acima elencada - cfr. supra, ponto 1 - levanta problemas que se desenvolvem em torno de conceitos como o da natureza da acta da assembleia geral de uma sociedade e da justa causa para a destituição de um cargo social.
3.1. - A propósito da primeira sub-questão, escreveu-se no acórdão recorrido:
A acta é um documento particular (...), embora não integrando a forma da deliberação, é indispensável para a sua prova. Da acta resulta a prova positiva dos factos nela referidos e a prova negativa de se não terem passado os factos que ela não relata. A acta enquanto documento necessário para a validade do acto ou da deliberação tomada é um documento "ad substantiam", e sendo assim, exclui-se a sua substituição por qualquer outro meio de prova (mesmo confissão), ou por outro documento que não seja de força probatória superior - cfr. artº 364º, nº 1, do Código Civil.
A propósito da acta da assembleia geral, a jurisprudência do STJ tem sustentado, em acórdãos muito recentes, o seguinte:

- No Acórdão de 04-02-96, Procº 449/96, 1ª Secção, decidiu-se que a falta de acta da assembleia não pode ser suprida por outro meio de prova como, v. g., a confissão expressa, e postula a ineficácia da respectiva deliberação.
- No Acórdão de 07-10-97, Procº 264/97, 1ª Secção, considerou-se que, em princípio, a acta narra os factos ocorridos numa dada assembleia geral, reconstitui a historicidade da deliberação mas não é a deliberação nem integra a forma da deliberação. Em princípio, a acta certifica não só a historicidade da deliberação como ainda a sua existência e o seu conteúdo.
- No Acórdão de 02-07-96, Procº nº 67/96, 1ª Secção, entendeu-se que a acta é expressamente apresentada pelo artigo 63º, nº 1, do CSC, como um documento "ad probationem". Mas, não obstante, a sua falta, face aos termos peremptórios do dispositivo legal citado, não pode ser suprida por outro meio de prova, como a confissão expressa, ao contrário do que sucede no âmbito do direito civil e postula unicamente a ineficácia da deliberação social. Mas se a acta é imprescindível ou insubstituível para a prova das deliberações sociais, então a declaração nelas contida só pode valer com um sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto da acta.

Cotejando o entendimento que se desprende dos acórdãos citados deste Supremo Tribunal com os extractos a que procedemos do acórdão ora recorrido, fácil é constatar que se é unânime o juízo de que a acta da assembleia geral da sociedade não integra a própria deliberação, mas que é indispensável para sua prova, já o não é a conclusão de que a acta constitui uma formalidade "ad substantiam" da deliberação, havendo quem propenda a considerá-la como formalidade "ad probationem", um documento informativo testemunhal, a apreciar livremente pelo tribunal, nos termos do artigo 396º do C.C., fazendo apelo ao próprio texto do artigo 63º do CSC: a deliberação não documentada não deixaria de existir pela circunstância de não ter sido documentada, mas apenas poderia ser provada, sobrevindo litígio, pela acta.
O que significa que, em termos práticos, e no que à economia do presente caso diz respeito, não resultam consequências de relevo, independentemente da concepção que, a propósito da natureza jurídica da acta, se viesse a adoptar. Com efeito, sempre se poderia defender que, aquando da deliberação consubstanciada na acta, não se fundamentou a mesma, não será agora possível vir a fundamentá-la, o que equivaleria a uma fundamentação sucessiva. Só que tal entendimento se circunscreve ao âmbito da própria deliberação social.
3.2. - Concorda-se, assim, com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo no sentido de que, não constando da acta da assembleia geral em que o A. foi destituído as razões dessa destituição, se deverá concluir ter-se tratado de uma destituição ad nutum e não por justa causa, por apenas interessar a fundamentação constante da acta - ou dela ausente.
Razão para que, em breve excurso, ao conceito de justa causa, em sede de destituição de gerentes ou administradores de sociedades comerciais, se dedique alguma atenção.

3.2.1. - Sob a epígrafe "Destituição de gerentes", estabelece o artigo 257º do Código das Sociedades Comerciais, em alguns dos seus números:

1 - Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes.
(...)
6 - Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções.
7 - Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que for a designado.

Resulta do disposto pelo nº 1 o princípio da liberdade de destituição dos gerentes, a todo o tempo e independentemente de existir, ou não justa causa. Por outras palavras, o nº 1 do artigo 257º estatui, em termos meramente dispositivos, a livre revogabilidade da relação entre a sociedade e o gerente por acto unilateral e discricionário daquela, independentemente de justa causa.
Também o artigo 403º do CSC permite que a destituição dos administradores das sociedades anónimas se faça livremente (por deliberação da assembleia geral, a qualquer momento).
Embora o nº 6 do artigo 257º não defina o conceito de "justa causa, como bem expende o Prof. Raúl Ventura (cfr. "Sociedades por Quotas", III, pág. 91), considera, todavia, "exemplificativa e genericamente, como tal, a violação grave dos deveres dos gerentes e a sua incapacidade para o exercício normal das suas funções" (10) No anteprojecto "Vaz Serra" sobre a destituição dos gerentes (cfr. BMJ nº 418, pág. 793), lia-se que, "entre outras" seriam circunstâncias que integrariam justa causa a recusa de informações aos outros sócios, o aproveitamento em seu benefício de vantagens que devessem pertencer a todos os sócios, a utilização do cargo para satisfação de interesses pessoais em conflito com interesses de outros sócios").
Como se pondera no Acórdão deste STJ de 14-02-95, Processo nº 86242, 1ª Secção, este preceito esquiva-se a fornecer uma definição, limitando-se a fornecer dois exemplos de justa causa (11) Além dos comportamentos exemplificativamente enunciados no nº 6, constitui, verbi gratia, justa causa de destituição do gerente o facto de este, sem consentimento dos sócios, passa a exercer, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade (artigo 254º, nº 4, com referência ao nº 1, do CSC).), embora esta assuma indiscutivelmente um papel de relevo no nosso ordenamento jurídico, pelas múltiplas vezes que a ela recorre e pela importância decisiva que lhe atribui sempre que isso sucede.
O conceito de "justa causa" apresenta-se como indeterminado, não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo. Ora, como ensina Menezes Cordeiro, "os conceitos indeterminados põem em crise o método de subsunção: a sua aplicação nunca pode ser automática, antes requerendo decisões dinâmicas e criativas que facultem o seu preenchimento com valorações" ("Manual de Direito de Trabalho", 1991, pág. 819).
Como explicam Pires de Lima/Antunes Varela, não definindo a lei "justa causa", deve o seu conteúdo ser, em princípio, "apreciado livremente pelo tribunal". Observam, a propósito, estes Autores que, em Itália, é unanimemente reconhecida como causa justa não a causa subjectiva (...) mas a causa objectiva, considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante (no caso de revogação do mandato com justa causa) o prosseguimento da relação jurídica (12) Cfr. "Código Civil Anotado", volume II, 3ª edição, em anotação ao artigo 1170º, pág. 731.).
"Será justa causa", escreve a propósito Baptista Machado, "qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim (...)" (13) Cfr. "Pressupostos da resolução por incumprimento", 1979, pág. 21.).

3.2.2. - Como se escreve no acórdão deste STJ de 18-06-96, Processo nº 102/96, 1ª Secção, face à licitude genérica da destituição de gerente, o problema de haver, ou não, justa causa releva para efeitos de eventual indemnização.
Após o que ali se prossegue do seguinte modo:

E, neste paticular, para análise jurisdicional, interessam os factos trazidos ao processo e, neste comprovados, ainda que não explicitados na deliberação de destituição, embora insertos nas razões genéricas dessa deliberação.

Para uma adequada ponderação dos factos e para um equilibrado sopesar dos mesmos com vista ao preenchimento (ou não) do conceito indeterminado de "justa causa" no contexto da destituição de gerente de uma sociedade, ter-se-á ainda presente, como tábua de referência dos deveres que lhe cabe cumprir, o artigo 64º do CSC, segundo o qual os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

Resulta do exposto que o advérbio "designadamente", constante do nº 6 do artigo do artigo 257º do CSC, revela a natureza exemplificativa da enumeração ali efectuada.
Mas, como se observa no acórdão deste STJ, já citado, de 18-06-96, "temos por certo que a destituição há-de sempre encontrar raiz em algo que se reflicta, ponderosamente, no exercício concreto da gestão, para que possa preencher o conceito indefinido de justa causa".
Não será excessivo se se concluir poder elevar-se à qualidade de critério da existência de justa causa, neste domínio concreto, a verificação de um comportamento na actividade do gerente - ou a prática de actos por sua parte - que impossibilite a continuação da relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe.

4. - Já se disse não ter o R. fundamentado a sua proposta de destituição do A. em assembleia geral. A acta não refere factos passíveis de integrarem o conceito de justa causa de destituição. Resulta do artigo 63º do CSC, a propósito do valor atribuído às actas das assembleias, que os sócios deliberaram uma destituição sem justa causa.
Assim sendo, ter-se-á de concluir ter-se tratado de uma destituição livre, ad libitum ou ad nuntum.
Extrai-se, pois, a conclusão de que, não tendo o A. fundamentado, como devia, a proposta de destituição, foi a mesma, perante o convencionado no acordo parassocial, uma destituição ilícita, porque violou a obrigação aí estipulada.
Deste modo, censura alguma justificará o acórdão recorrido ao afirmar que "o apelado não foi destituído com justa causa", "uma vez que tal não consta da acta".
E, embora a lei permita que a destituição dos administradores se faça livremente (artigo 403º, nº 1, do CSC), isso não era possível no caso concreto, tendo em atenção a obrigação assumida pelas partes no acordo parassocial.
Inexistindo justa causa, em face e como consequência da omissão da acta quanto às razões que levaram à destituição do A., ainda que razões existissem efectivamente, a destituição foi ilícita.
Mas isso não é suficiente para afirmar a responsabilidade contratual do R., não bastando a referida ilicitude para que ele incorra na pena pactuada. Conforme alegado pelo R., e fundamentado em parecer por este junto aos autos, da autoria do Professor António Pinto Monteiro, "é indispensável que o devedor tenha agido com culpa".
"E a prova da falta de culpa já não está limitada pelo que consta da acta. Não se trata de o apelante vir agora invocar a justa causa, como pretende a Relação. (...) Se assim fosse, seria afastada a própria ilicitude do acto. Aceitamos que o acto foi ilícito. Mas foi feita prova que afasta a culpa do Réu. Essa prova consta dos autos. E não pode deixar de atender-se a esses factos provados para julgar o comportamento do Réu" - cfr. fls. 448 e 449 (14) Que, por lapso de paginação na inclusão nos autos, correspondem, respectivamente, a fls. 17 e 16 do parecer em referência.).
O que importa, assim, determinar é se o R. fez, ou não, prova susceptível de ilidir a presunção de culpa do artigo 799º, nº 1, do Código Civil, diploma a que pertencerão, doravante, as disposições que se indiquem sem menção da origem. Ou seja, se dos autos constam factos susceptíveis de levarem a concluir que o R., ao incumprir uma obrigação do acordo parassocial, agiu sem culpa.
Não se trata, repete-se, de apreciar se a deliberação da assembleia geral foi por justa causa; não se trata de apurar se o comportamento do R. foi, ou não, ilícito.
O que está em causa é a resposta à questão de saber se aquele incumprimento foi, ou não culposo.
Ou seja, respondida afirmativamente a terceira questão supra formulada, consistente em saber se "o comportamento do R. na assembleia geral em que o A. foi destituído representou, ou não, o incumprimento ilícito do acordo parassocial celebrado com o A.", cumpre encontrar a resposta para a quarta questão oportunamente colocada nos seguintes termos: "No caso de o acordo parassocial ter sido violado pelo R., saber se tal incumprimento foi, ou não, culposo".
Com efeito, o devedor só incorre na pena caso tenha procedido com culpa.
Elaborando a esse propósito na sua dissertação de doutoramento, escreve Pinto Monteiro:
A nosso ver, trata-se de um requisito indispensável, e isto quer se esteja perante uma simples fixação antecipada do montante da indemnização, quer a pena haja sido estipulada com finalidade coercitiva. No primeiro caso, tal como o credor, na ausência da cláusula penal, não teria direito a ser indemnizado provando o devedor a sua falta de culpa, igualmente não terá direito, pelo mesmo motivo, à indemnização previamente liquidada através do estabelecimento da pena. Esta destina-se a prefixar o quantum respondeatur, não a consagrar uma responsabilidade independente da culpa. No segundo caso, seja ela uma cláusula penal stricto sensu ou uma cláusula penal destinada exclusivamente a compelir o devedor ao cumprimento, a sua natureza sancionatória exige, de igual modo, uma censura ético-jurídica, que o requisito da culpa envolve (15) Cfr. "Cláusula Penal e Indemnização", Almedina, Coimbra, 1990, pág. 684.).

Tratando-se, pois, de uma cláusula penal (16) Concorda-se com a qualificação dada à presente cláusula penal pelo Tribunal de 1ª instância como uma cláusula de fixação antecipada da indemnização. Trata-se, no entanto, de questão irrelevante para a solução do caso concreto, uma vez que também a cláusula penal em sentido estrito ou a cláusula penal exclusivamente compulsória exigem a culpa como requisito indispensável. Pacífico é que se está perante uma cláusula penal, e não face a uma cláusula de garantia que, essa sim, poderia ser devida independentemente de culpa. ), a pena deixa de ser exigível se o devedor provar a sua falta de culpa - artigo 799º, nº 1.

4.1. - Ora, foi isso que o R. fez. Tendo alegado que o incumprimento, a existir, não era culposo, apresentou prova nesse sentido.
Provaram-se os seguintes factos - cfr. supra factos 10º a 15º:
- O A. ocupava-se do sector administrativo dessa sociedade (resposta ao quesito 2º).
- Desinteressou-se, progressivamente, das suas funções e da vida da empresa, aparecendo cada vez menos nos escritórios (resposta ao quesito 13º).
- A partir de certa altura, ocupava-se apenas dos levantamentos e depósitos bancários, até que acabou por nem isso fazer (resposta ao quesito 14º).
- Pessoas encarregadas das cobranças da empresa, como foi o caso de E, estiveram largo tempo sem prestar contas (resposta ao quesito 18º).
- E tinha em seu poder, à data da destituição do A., facturas por cobrar (resposta ao quesito 19º).
- O A. recusou sacar cheques da "C" - (resposta ao quesito 20º).

4.2. - A culpa, na responsabilidade contratual, é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (artigo 799º, nº 2). Quer isto dizer que tal apreciação é feita em abstracto, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2).
Ora, perante os factos acima recenseados, poderá censurar-se ao R. pelo facto de ter proposto a destituição do A. da Administração da "C"?
A resposta deve ser negativa. Um "bom pai de família" teria certamente agido do mesmo modo.
Como se escreve no parecer junto aos autos, "manter o Autor no Conselho de Administração, apesar do comportamento que estava a ter - "desinteressado da vida da empresa", recorde-se, ocupando-se "apenas dos levantamentos e depósitos bancários, até que acabou por nem isso fazer" -, manter o Autor no Conselho de Administração (...), apesar do comportamento gravemente lesivo do interesse da sociedade, é que seria um acto culposo, porque negligente, do Réu".
Não pode, pois, pelas razões expostas, perante os factos provados, considerar-se culposo o comportamento do R. Mais: este ilidiu a presunção de culpa, pelo que não incorreu na pena convencionada.
Recorde-se o que acima se escreveu acerca das razões justificativas do incumprimento dos acordos de voto, ou a respeito da inexigibilidade, em situação de conflito de deveres, do cumprimento das obrigações pactuadas.
Lembre-se que, segundo Vasco Xavier, os pactos de voto são válidos, em geral, mas os pactuantes podem, dadas certas condições, subtrair-se ao cumprimento literalmente assumido, quer mediante a invocação do princípio da revogabilidade unilateral ad nutum das vinculações duradouras, ou da regra da resolubilidade ou modificabilidade dos contratos por alteração das circunstâncias, ou ainda da doutrina do abuso do direito, quer finalmente, mediante a mera interpretação ou integração do negócio segundo critérios de normalidade ou segundo os ditames da boa fé.
Em face dos factos provados, reveladores do progressivo desinteresse e desleixo do A. relativamente à vida e interesses da empresa, o desrespeito do acordo parassocial por parte do R. não foi culposo. E a prova da falta de culpa, repete-se, já não está limitada pelo que consta da acta. O alcance desta restringe-se às deliberações tomadas na assembleia geral. Mas o que importa, para apurar se o Réu agiu com culpa, é valorar o seu comportamento, ou seja, é saber se, além de ilícito, o seu comportamento foi também culposo, isto é, se actuou de modo censurável ao desrespeitar uma obrigação constante do acordo parassocial. E, para apreciar a conduta do devedor, para apurar se o comportamento do Réu foi pessoalmente censurável ou reprovável, haverá que atender, nos termos gerais, a todas as circunstâncias do caso concreto. Ora, como já se disse, aplica-se ao incumprimento das obrigações constantes dos acordos parassociais a doutrina do incumprimento das obrigações, bem como as regras relativas à cláusula penal.
E o comportamento do Réu, ao desrespeitar o acordo, não foi culposo, uma vez que as finalidades visadas por tal acordo se encontravam frustradas em consequência da conduta do Autor.
Convém não esquecer que, de um ponto de vista teleológico, o acordo em causa visava a constituição, mediante a reunião de esforços dos pactuantes, traduzida no cumprimento das obrigações recíprocas nele vertidas, de "um bloco e grupo homogéneo dentro da sociedade". Mas é manifesto que os comportamentos do A. traduzem a negação desse objectivo, a ruptura desse compromisso. São elas que constituem, em abstracto, razão suficiente para explicar a reacção que o R. veio a assumir.
É certo que o procedimento mais curial que este deveria ter adoptado consistiria, em alternativa, em proceder previamente à resolução do acordo parassocial ou em fundamentar a proposta da destituição do A. na assembleia geral.
Mas não é menos certo que, pelas razões expostas, o R. agiu sem culpa, não lhe sendo, por isso, exigível o pagamento da pena convencionada, como, aliás, não lhe seria exigível indemnização a título de responsabilidade contratual.
Atento o exposto, discorda-se da decisão recorrida, dando-se provimento ao recurso.
Atingida esta conclusão, ficam obviamente prejudicadas as demais questões enunciadas supra, no ponto III, 1.

Termos em que, na procedência da revista, se revoga o acórdão recorrido, absolvendo-se o Réu/Recorrente do pedido.
Custas a cargo do Recorrido.
Lisboa, 11 de Março de 1999.
Garcia Marques,
Ferreira Ramos,
Lemos Triunfante.