Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A1735
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA CAMILO
Descritores: QUESTÃO NOVA
CADUCIDADE
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EMPREITEIRO
DONO DA OBRA
CONTRATO DE EMPREITADA
Nº do Documento: SJ200506220017351
Data do Acordão: 06/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA. CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1ª - Devendo, em princípio, toda a defesa ser deduzida na contestação (artigo 489º, nº1, do CPC), é vedado a um tribunal de recurso conhecer da excepção peremptória da caducidade, arguida pela primeira vez na alegação do recurso de apelação interposto da sentença , em acção que versa sobre direitos disponíveis, pois se trata de questão nova.
2ª - A nova redacção dada ao nº 1 do artigo 1225º do Código Civil pelo DL 267/94, de 25.10, veio ao encontro de imperiosas necessidades de defesa do consumidor, alargando a responsabilidade do empreiteiro face a um terceiro adquirente do imóvel.
3ª - Concomitantemente com esta responsabilização directa do empreiteiro perante o terceiro adquirente do imóvel, surgiu o nº 4 do mesmo artigo a mandar aplicar o regime da empreitada ao construtor-vendedor.
4ª - O regime deste nº 4 não é aplicável ao "dono da obra" que vendeu um imóvel destinado por sua natureza a longa duração, construído por outrem, no âmbito de uma relação jurídica consubstanciada num contrato de empreitada, pois ele não é "o vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado".
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I - No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A e mulher B, em acção com processo ordinário, intentada contra C e D e mulher E, pediram que, com a procedência da acção, sejam os Réus, em alternativa à escolha dos Autores, condenados:

a) a reparar as deficiências e suas causas, vícios e falta de qualidades do edifício, da piscina e do logradouro do prédio urbano dos Autores sito em Alcolombal ou Cabeço, Sintra, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 2988 da freguesia de Terrugem e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Terrugem sob o artigo 2492, ou

b) a pagar aos Autores a quantia de 15.280.000$00 ou 76.216,32 euro, acrescida dos juros de mora que sobre ela se vencerem à taxa legal supletiva a contar da citação dos Réus até integral pagamento, ou

c) a pagar aos Autores a quantia necessária, se for superior a 15.280.000$00 ou 76.216,32 euro, acrescida dos juros de mora que sobre ela se vencerem à taxa legal supletiva a contar da citação dos Réus até integral pagamento, para reparar as deficiências e suas causas, vícios e falta de qualidades do edifício, da piscina e do logradouro do prédio urbano acima identificado.

Nas respectivas contestações, os Réus pugnaram pela improcedência da acção, tendo o 1º Réu arguido ainda a excepção dilatória de incompetência territorial.

Houve réplica.

No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada excepção.

A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, se decidiu:
a) Condenar os 1º e 2º RR., C e D, a eliminarem os defeitos de construção de edifício, piscina e logradouro do prédio dos AA. sito em Alcolombal ou Cabeço, Terrugem, Sintra, efectuando as reparações consistentes em obras de avivar e tapar as fissuras e fendas existentes; recuperar as armaduras danificadas; pintar todas as paredes exteriores; efectuar o isolamento térmico do terraço; demolir e reconstruir as paredes e pavimentos interiores, edificando previamente as respectivas fundações, o que implicará a substituição de revestimentos, instalações eléctricas, de águas e de esgotos, e pinturas gerais; levantar uma segunda parede paralela à existente e executar um dreno adjacente ao alçado posterior para encaminhamento de águas; colmatar toda a fissuração da piscina e refazer toda a pavimentação envolvente com compactação e isolamento dos solos e adequada drenagem da água.
b) Condenar o 1º R., C, ainda, a repor o soco descolado, substituindo as peças deterioradas.
c) Absolver os 1º e 2º RR. dos demais pedidos contra si formulados.
d) Absolver a R. E de todos os pedidos contra si formulados.

Após apelação dos 1º e 2º Réus, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão a julgar improcedentes ambos os recursos e, por isso, a manter a sentença recorrida.

Ainda inconformados, vieram os referidos Réus interpor recurso de revista, tendo ambos os recursos sido admitidos.

Os recorrentes apresentaram as suas alegações e respectivas conclusões, tendo os recorridos contra-alegado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - Ao abrigo do disposto no artigo 713º, nº 6, aqui aplicável por força do artigo 726º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), remete-se para a fundamentação de facto constante do acórdão recorrido, a qual se dá por reproduzida.

III - RECURSO DO RÉU D:

1. A única questão suscitada na presente revista prende-se com a ocorrência ou não da excepção peremptória da caducidade.

No acórdão ora recorrido, depois de se demonstrar de forma inequívoca que foi cumprido o prazo do artigo 1225º, nº 1, do Código Civil, pelo que não terá ocorrido o prazo da caducidade, refere-se que, mesmo que assim não fosse, importa assinalar que o recorrente não invocou oportuna e expressamente, como lhe cabia, na contestação, a caducidade, pelo que, não o tendo feito, ficou-lhe precludida esta via de defesa, uma vez que tal excepção não é, no caso, de conhecimento oficioso.

2. Como decorre do nº 1 do artigo 333º do Código Civil, a caducidade não é apreciada oficiosamente pelo tribunal em matéria - como é a dos presentes autos - não excluída da disponibilidade das partes, ou seja, em matéria que verse sobre direitos disponíveis.

O tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não deixe dependente da vontade do interessado, ou seja, quando se trate de matéria que, por razões de interesse público, verse sobre relações jurídicas indisponíveis (cfr. artigo 496º do CPC).
Nos restantes casos, o seu conhecimento está dependente da invocação pela parte que delas pretende aproveitar.

Segundo o nº 1 do artigo 489º do CPC, "Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado".
"Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente" - nº 2 do mesmo artigo.

Lendo a contestação oferecida pelo Réu D, constata-se que não invocou a aludida excepção peremptória.

Refere o recorrente nas suas alegações da presente revista que, "tendo deduzido na sua contestação factos pertinentes à defesa susceptíveis de verificação da caducidade do direito que os AA invocam, respectivamente no art.º 8º da sua contestação, que foram levados à base instrutória, encontra-se a excepção peremptória de caducidade implícita na mesma, motivo pelo qual, não sendo de conhecimento oficioso, não consideramos, na nossa modesta opinião, depender de invocação do beneficiário, ora R na respectiva contestação, não foram factos omitidos que venham alegados em recurso".

Esta curiosa - mas completamente despropositada - argumentação faria subverter completamente o regime do já referenciado artigo 333º, nº 1, do Código Civil: estando nos autos os factos, o tribunal conheceria da excepção, isto é, a caducidade seria sempre do conhecimento oficioso do tribunal !...

3. Infere-se, assim, que, tendo o ora recorrente arguido a excepção da caducidade (a que, mesmo assim, denominou indevidamente de prescrição) apenas nas alegações que apresentou no seu recurso de apelação, interposto da sentença proferida na 1ª instância, da mesma não podia já conhecer-se, face ao disposto no citado artigo 489º, nº 1, do CPC - que lhe impunha que este meio de defesa fosse apresentado na contestação - e por se tratar de questão nova, pelo que, mesmo que os factos provados permitissem concluir - o que não é o caso, como se disse já - ter sido ultrapassado o prazo de cinco anos previsto no nº 1 do artigo 1225º do Código Civil, não poderia este STJ (como não poderia a Relação) julgar verificada a excepção da caducidade.

Improcedem, assim, as conclusões do recorrente.

IV - RECURSO DO RÉU C:

1. Também aqui estamos perante uma única questão, relacionada com a interpretação a dar ao nº 4 do artigo 1225º do Código Civil, o qual manda aplicar o regime dos números anteriores ao vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

Trata-se, assim, de saber, desde logo, se o preceituado no nº 1 do referido artigo se aplica ao ora recorrente.

Prescreve este normativo legal que "Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erro na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente".

2. Pretende o recorrente afastar a sua responsabilidade com o fundamento de que, em relação ao prédio vendido aos recorridos (permutado, melhor dizendo, o que conduz ao mesmo resultado), foi ele um vendedor, na qualidade de "dono da obra" construída pelo Réu D - empreiteiro - e não um vendedor, construtor do imóvel que o tenha construído, por gestão directa, pelo que, sendo o recorrente, em termos jurídicos, o dono da obra que a mandou executar ao Réu D, através de contrato de empreitada, não se aplica o regime jurídico previsto no nº 4 do artigo 1225º.
Refere o acórdão recorrido que os factos apurados são seguros no sentido de que o recorrente construiu, ou mandou construir (vai dar ao mesmo), e, pouco tempo depois, procedeu à sua permuta, que lhe valeu o recebimento, além de um outro prédio, ainda de uma quantia substancial em dinheiro.

Mais adiante, pode ler-se:
"O que se apurou (...) suporta bem a sua responsabilização nos termos do aludido nº 4, pois que foi ele quem o construiu/mandou construir, não importando que para o efeito tenha recorrido a terceiro empreiteiro. Mesmo que nada da construção tivesse sido por ele directamente levada a efeito, ele, no cumprimento e execução da empreitada, acompanhou e fiscalizou, ou pôde fazê-lo, a feitura da obra".

3. A nova redacção dada ao nº 1 do artigo 1225º pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, veio ao encontro de imperiosas necessidades de defesa do consumidor, alargando a responsabilidade do empreiteiro face aos terceiros adquirentes do prédio.

Como pode ler-se no respectivo preâmbulo, "a complexidade do contrato de empreitada, sempre subjacente ao desenvolvimento do mercado imobiliário, e a negligência verificada em inúmeros casos de construção, exigem a responsabilização do empreiteiro, tenha ou não sido ele o vendedor, não só perante o dono da obra, como já sucedia anteriormente, mas também perante terceiro que adquiriu o imóvel, sempre sem dependência da gravidade dos defeitos que a obra apresente".

Concomitantemente com esta responsabilização directa do empreiteiro perante o terceiro adquirente do imóvel, aditou-se (além do nº 3) ao artigo 1225º o nº 4, que veio regular uma situação até então omissa, passando-se a aplicar o regime da empreitada ao construtor-vendedor.

Ora, o ora recorrente é, em termos jurídicos, "o dono da obra" que vendeu (ou antes, alienou através de um contrato de permuta) um imóvel destinado por sua natureza a longa duração, construído pelo co-Réu D, no âmbito de uma relação jurídica consubstanciada num contrato de empreitada, e não "o vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado".

Não tendo executado a obra por gestão directa, o recorrente gozava dos mesmos direitos que aos ora recorridos (agora, face à permuta) assistem perante o Réu D.

Se não tivesse alienado o imóvel, poderia exigir deste a reparação das deficiências.
Tendo-o alienado, transmitiu-se para os recorridos o direito de efectivar a responsabilidade assumida pelo empreiteiro por força do contrato de empreitada.

Sendo assim, o aqui recorrente terá de ser absolvido.

4. À mesma solução chegaríamos se se considerasse que estamos perante uma situação de venda de coisa defeituosa, qualificação jurídica dada pelos Autores na sua petição inicial para responsabilização do Réu C.

Em tal caso, a obrigação de reparação dos defeitos não existe se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece (cfr. artigo 914º do Código Civil).

Assim, e porque se mostra provado que, "aquando da data do contrato de permuta (11.07.1996), não eram visíveis ou perceptíveis a existência das deficiências, que o Réu C desconhecia" (Facto 26.), nunca poderia ser este obrigado a reparado tais deficiências.

5. Decorre, pois, do exposto que colhem as conclusões do recorrente, tendentes ao provimento do recurso.

V - Do exposto podemos extrair as seguintes conclusões:

1ª - Devendo, em princípio, toda a defesa ser deduzida na contestação (artigo 489º, nº 1, do CPC), é vedado a um tribunal de recurso conhecer da excepção peremptória da caducidade, arguida pela primeira vez na alegação do recurso de apelação interposto da sentença, em acção que versa sobre direitos disponíveis, pois se trata de questão nova.

2ª - A nova redacção dada ao nº 1 do artigo 1225º do Código Civil pelo DL 267/94, de 25.10, veio ao encontro de imperiosas necessidades de defesa do consumidor, alargando a responsabilidade do empreiteiro face a um terceiro adquirente do imóvel.

3ª - Concomitantemente com esta responsabilização directa do empreiteiro perante o terceiro adquirente do imóvel, surgiu o nº 4 do mesmo artigo a mandar aplicar o regime da empreitada ao construtor-vendedor.

4ª - O regime deste nº 4 não é aplicável ao "dono da obra" que vendeu um imóvel destinado por sua natureza a longa duração, construído por outrem, no âmbito de uma relação jurídica consubstanciada num contrato de empreitada, pois ele não é "o vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado".

VI - Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista do Réu D e, em consequência, em confirmar, quanto a ele, a decisão recorrida, e em conceder a revista do Réu C, decidindo-se, nesta parte, revogar o acórdão recorrido e, consequentemente, julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu C dos pedidos contra si formulados.

Custas do recurso do Réu D a cargo do respectivo recorrente, sendo as do recurso do Réu C a cargo dos recorridos, os quais suportarão igualmente as custas das instâncias no tocante aos pedidos deduzidos contra este último Réu.


Lisboa, 22 de Junho de 2005
Moreira Camilo,
Lopes Pinto,
Pinto Monteiro.
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(1) Nº 205