Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
060970
Nº Convencional: JSTJ00004294
Relator: ALBUQUERQUE ROCHA
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196611040609701
Data do Acordão: 11/04/1966
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG Nº 278, I-S DE 1966/11/30, PÁG. 278 - BMJ Nº 161, ANO 1966, PÁG. 229
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSOS PARA O PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV867 ARTIGO 560 ARTIGO 561 ARTIGO 562 ARTIGO 563.
LULL ARTIGO 73.
LSQ ARTIGO 46 PAR1
CPC61 ARTIGO 144 N2 ARTIGO 396 N3 ARTIGO 664.
CCOM888 ARTIGO 3 ARTIGO 311 PARUNICO.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1964/12/22 IN BMJ N142 PAG305.
ACÓRDÃO STJ DE 1961/05/09 IN BMJ N107 PAG597.
Sumário :
No computo do prazo estabelecido no artigo 46, paragrafo 1 da Lei de 11 de Abril de 1901, deve observar-se o preceituado no artigo 562 do Codigo Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O agente tecnico de engenharia, A, recorre para o Tribunal Pleno do acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Dezembro de 1964 - Boletim, n. 142, pagina 305 -, invocando oposição com outro acordão do mesmo Tribunal, este datado de 9 de Maio de 1961 - citado Boletim, n. 107, pagina 597.
A secção verificou a oposição, mas a recorrida - "B, Limitada", insiste em não se verificar contradição justificativa do recurso, pois a questão suscitada pela recorrente, no recurso decidido pelo acordão recorrido, era a de saber se um prazo regulado pelo artigo 562 do Codigo Civil, permite a propositura de uma acção no dia imediato ao do seu termo, ja que o ultimo dia tem de ser completo e as Secretarias Judiciais encerram antes da meia noite, enquanto que o acordão de 1961 se não ocupou desse problema por considerar o prazo de caducidade, das acções anulatorias de deliberações sociais, regulado pelo artigo 73 da Lei Uniforme sobre Letras e não por aquele artigo 562 do Codigo Civil.
O Ministerio Publico pronuncia-se pela existencia de oposição relevante e sugere o seguinte assento:
"No computo do prazo estabelecido no artigo 46 paragrafo I, da Lei de 11 de Abril de 1901, deve observar-se o preceituado no artigo 562 do Codigo Civil".
Pois que o Tribunal Pleno não fica vinculado pelo decidido na Secção quanto ao seguimento do recurso, por oposição sobre a mesma questão fundamental de direito,
- Codigo de Processo Civil, n. 3 do artigo 766 - começar-se-a pela questão previa suscitada pela recorrida.
As acções que originaram os recursos decididos pelos acordãos que se dizem contraditorios, visavam a anulação de deliberações tomadas em assembleias gerais de sociedades comerciais por quotas. Em ambas se discutia a caducidade do prazo para a propositura dessas acções.
O acordão de 1961 entendeu que, por virtude do artigo
3 do Codigo Comercial, esse prazo deve contar-se, aplicando por analogia o artigo 73 da Lei Uniforme sobre Letras, desprezando o dia inicial por se tratar de um prazo de direito comercial.
O acordão recorrido, aludindo expressamente aquele arresto repele a sua doutrina e, aderindo ao entendimento geral, tambem defendido pelo professor Pinto Coelho, decidiu que o computo desse prazo e regulado, por analogia, pelo artigo 562 do Codigo Civil.
E certo que, antes do acordão recorrido, não fora suscitada no processo a questão da aplicabilidade do artigo 73 da Lei Uniforme, antes as partes, como as instancias, estavam de acordo quanto a aplicabilidade do artigo 562 do Codigo Civil. Discutia-se apenas a possibilidade de a acção poder ser proposta no dia imediato ao ultimo do prazo, pois este deve ser completo e as secretarias judiciais encerram muito antes da meia noite.
Esta questão, porem, e como bem nota o Ministerio Publico, implica a previa determinação do preceito legal aplicavel, para, em seguida, se interpretar ou integrar a norma escolhida.
Tanto assim que, optando-se pelo artigo 73 da Lei Uniforme, tal como sucedera na hipotese julgada pelo acordão de 1961, se desprezava o dia inicial, a acção teria sido proposta em tempo e prejudicada ficava a questão posta no recurso acerca da possibilidade de intentar a acção no dia imediato ao do termo do prazo.
E por se tratar de indagação, interpretação e aplicação da Lei a acção do Tribunal não estava condicionada a alegação das partes (Codigo de Processo Civil, artigo 664), legitima foi, portanto, a actuação do Supremo, no acordão recorrido, como expressamente o reconhece a sociedade recorrida.
Evidencia-se, assim, terem os dois acordãos assentado sobre soluções diametralmente divergentes sobre a mesma questão fundamental de direito, qual seja a da determinação da norma legal reguladora da contagem do prazo de propositura das acções anulatorias de deliberações das assembleias gerais das sociedades comerciais.
E tão opostas são essas soluções que a do acordão mais antigo levaria a concluir pela não verificação da caducidade, como, embora por outra via, pretendia o autor, ora recorrente; enquanto que a do acordão recorrido podia permitir a conclusão oposta, pois este aresto revogando o que a Relação decidira por maioria, julgou verificada a caducidade.
Confirmada portanto a oposição relevante para o prosseguimento do recurso, deste se passa a conhecer.
Preceitua o n. 3 do artigo 396 do Codigo de Processo Civil que o prazo de vinte dias, fixado pelo paragrafo I do artigo 46 da Lei de 11 de Abril de 1901, para as acções de anulação de deliberações tomadas em assembleia geral das sociedades por quotas, se conta da data dessas deliberações.
Sendo um prazo de caducidade, porque para propositura da acção, e regulado pela lei substantiva. Assim o determina o n. 2 do artigo 144 do Codigo de Processo Civil que veio consagrar a doutrina e jurisprudencia correntes.
O instituto da caducidade ainda não se encontra regulamentado na lei portuguesa que, ate ha pouco, o confundia com o da prescrição, usando ate este vocabulo para designar indistintamente a prescrição propriamente dita e a caducidade que a doutrina nacional começou por designar usando as palavras estrangeiras "decheance" e "decadenza".
Tal similitude dos institutos levou necessariamente a preencher aquela lacuna legislativa socorrendo-se, por analogia, da regulamentação legal do instituto da prescrição.
Designadamente a contagem dos prazos de caducidade sempre se tem feito em conformidade com os artigos 560 a 563 do Codigo Civil formulados para regulamentar a contagem do tempo para o efeito da prescrição e, de harmonia com o artigo 562 desse diploma, sempre se entendera que "o dia em que começa a correr a prescrição (e a caducidade, portanto) conta-se por inteiro, ainda que não seja completo...".
Supomos ter sido no acordão de 1961, aqui invocado para fundamentar o presente recurso, que pela primeira vez o Supremo afastou aquela regra decidindo que, por imperativo do artigo 73 da Lei Uniforme, e este aplicavel por força do artigo 3 do Codigo Comercial, no prazo de caducidade para propositura de acções de anulação de deliberações sociais - portanto de acções sobre questões comerciais - se não leva em conta o dia inicial.
Comentando esse acordão, na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 95, o Professor Pinto Coelho, discorda da invocação do artigo 73 da Lei Uniforme, embora entenda que, apesar de aplicavel o artigo
562 do Codigo Civil, mas porque este, mandando incluir no prazo o dia inicial contraria um principio geral consagrada no nosso direito, o dia em que começa a correr a caducidade não deve ser contado.
E certo que o citado artigo 73 da Lei Uniforme determina:
"Os prazos legais ou convencionais não compreendem o dia que marca o inicio".
Não destoa este preceito de direito cambiario do paragrafo unico do artigo 311 do Codigo Comercial onde, depois do corpo do artigo, em materia de contagem do tempo para o vencimento das letras, dando os conceitos do dia, do mes e do ano se prescrevia:
"No termo de determinado numero de dias não se conta o dia em que ele começar, mas conta-se aquele em que findar".
E ainda certo que o artigo 3 do Codigo Comercial preceitua:
"Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espirito, nem pelos casos analogos nela prevenidos, serão decididos pelo direito civil".
Não obstante, não parece de seguir a doutrina do acordão de 1961.
Sendo os prazos de caducidade, como se disse, regulados pela lei substantiva e nesta que haverão de encontrar-se as regras da sua disciplina.
"Ora - como disse o Professor Alberto dos Reis - as unicas regras que a lei substantiva nos oferece são as dos artigos 560 a 563 do Codigo Civil; são estas as que, por analogia, hão-de aplicar-se ao prazo de caducidade da acção, ao prazo fixado para o exercicio do direito de intentar determinada acção".
Desses preceitos o acordão de 1961 apenas afastou a primeira regra do artigo 562, segundo a qual deve contar-se por inteiro, ainda que não seja completo, o dia em que começa a correr o prazo.
Como lucidamente salienta o douto parecer do Ministerio Publico, o direito comercial, no seu conjunto não e um direito excepcional quando confrontado com o direito civil, nem este e um direito regra a que aquele se oponha. Antes o direito civil e o direito geral, sendo o comercial um direito especial, embora num e noutro se encontrem normas excepcionais que contrariam, essas sim, os principios regras que informam tanto o direito geral como o direito especial.
Um prazo de dias marcado pela lei para intentar uma acção, sera, na pratica mais longo de um dia quando no seu computo desprezemos o dia inicial (conforme os apontados preceitos privativos do direito cambiario - artigo 73 da Lei Uniforme e paragrafo unico do artigo 311 do Codigo Comercial) do que se a contagem se fizer incluindo naquele o dia em que o mesmo prazo se inicia, como determina o citado artigo 562 do Codigo Civil.
Portanto a doutrina do acordão de 1961 tornaria mais longo um prazo de caducidade para a instauração de uma acção sobre direitos e obrigações comerciais, do que o prazo de igual numero de dias fixado pela lei para propositura da acção que tivesse por objecto uma questão regulada pelo direito civil.
Mas uma tal solução contraria os principios gerais do direito comercial que, em confronto com os principios gerais do direito civil, visam a assegurar as relações comerciais mais rapidez, segurança e firmeza.
Tanto basta para levar a opção pela doutrina do acordão recorrido.
Nega-se, por isso, provimento ao recurso, com custas pelo recorrente.
E firma-se jurisprudencia obrigatoria atraves do seguinte assento:
"No computo do prazo estabelecido no artigo 46, paragrafo I, da Lei de 11 de Abril de 1901, deve observar-se o preceituado no artigo 562 do Codigo Civil".



Lisboa, 4 de Novembro de 1966

Albuquerque Rocha (Relator) - Torres Paulo - Ludovico da Costa - Joaquim de Melo - Fernando Bernardes de Miranda - Oliveira Carvalho - Francisco Soares - Adriano Vera Jardim - Eduardo Correia Guedes - Lopes Cardoso
- Gonçalves Pereira - Antonio Teixeira de Andrade - Jose Cabral Ribeiro de Almeida - J. S. Carvalho Junior.
Votei o assento com a declaração de que, em meu entender a aplicação do artigo 562 do Codigo Civil não conduz a resultado diferente do que se obteria com a aplicação do artigo 73 da Lei Uniforme, pois que, exigindo aquele artigo que o ultimo dia do prazo seja completo e encerrando-se as Secretarias Judiciais, antes das 24 horas, o termo do prazo transfere-se necessariamente para o diaseguinte.