Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S3919
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: ÂMBITO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento: SJ200603080039194
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - No recurso de revista não pode conhecer-se de questões novas, isto é, de questões que não hajam sido submetidas à apreciação do Tribunal da Relação e por este resolvidas, a não ser que versem matéria de conhecimento oficioso.
II - Em face do disposto nos artigos 12.º, n.os 1 e 2, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e 3.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, os usos e práticas da empresa não podem ser atendidos, quando deles decorra restrição de direitos do trabalhador estabelecidos em normas de Convenção Colectiva de Trabalho.
III - Das disposições combinadas dos n.os 4 e 5 do artigo 2.º do Regulamento de Empréstimos à Habitação, que constitui o Anexo IX do Acordo Colectivo de Trabalho do Grupo BCP, aplicáveis aos trabalhadores na situação de reforma, por força do disposto na Cláusula 140.ª do referido Acordo Colectivo de Trabalho, decorre que deve ser considerada, para efeito de determinação da capacidade de endividamento, limitativa do acesso ao crédito, além da pensão de reforma, a remuneração proveniente de contrato de trabalho celebrado com entidade terceira.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. "AA" intentou, no Tribunal do Trabalho da Maia, contra Empresa-A, acção, pedindo a condenação do Réu a:

a) Deferir-lhe o empréstimo, por ele solicitado, no valor de € 44.479,25, nos termos e condições fixados pelo IRC aplicável;

b) Pagar-lhe uma indemnização, no valor correspondente ao resultado das diferenças de juros entre o empréstimo que lhe foi indeferido e as do empréstimo que terá de contrair, caso o Réu se recuse a cumprir o aludido IRC, a liquidar em execução de sentença;

c) Pagar-lhe o valor dos juros, deixados de receber, em razão de utilizar o capital acumulado nas contas identificadas no artigo 24.º da petição, a liquidar em execução de sentença;

d) Pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos causados pelo gasto imediato das poupanças e pelos benefícios que a sua utilização futura traria; e

e) Devolver-lhe a quantia de € 125,00, indevidamente cobrada.

Alegou, em síntese, que:

- Trabalhou para o Réu desde 1 de Maio de 1968, tendo, em 29 de Junho de 1998, celebrado um acordo de cessação do contrato de trabalho por passagem à situação de reforma, com efeitos a partir de 15 de Julho de 1998;
- Em meados de 2002 o Autor efectuou um pedido de empréstimo ao Réu, através do crédito à habitação a colaboradores, no valor de € 44.479,25, e com a finalidade de efectuar obras urgentes de restauro e melhoramento na sua habitação;
- Tal empréstimo foi-lhe recusado com o fundamento de que "...o seu serviço de dívida, resultante dos diversos empréstimos que tem em curso, determinar uma responsabilidade muito superior ao grau de endividamento estabelecido pelos respectivos normativos";
- O Réu não tem fundamento para a recusa, atento o disposto nos artigos 5.º n.os 1 e 2, alínea b), do Regulamento do Crédito à Habitação para o Sector Bancário e no artigo 2.º n.os 4 e 5, alínea b), do Anexo IX do Acordo Colectivo de Trabalho do Réu.

O Réu contestou, a pugnar pela absolvição dos pedidos.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente.

2. O Réu apelou da sentença, que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.

Dessa decisão vem interposto o presente recurso de revista, cuja alegação termina com as conclusões assim redigidas:

a) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de 16.05.05 do Tribunal da Relação do Porto, que julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida que condenou o ora Recorrente a conceder o empréstimo solicitado pelo Autor AA, "no valor de 44.479,25 €, nos termos e condições fixadas pelo IRC aplicável e a pagar ao Autor uma indemnização a liquidar em execução de sentença, ...".

b) É que, salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido fez uma errada aplicação da lei aos factos provados, tal como sucedeu com a douta sentença da 1.ª instância,

Pois,

c) Ao invés do decidido, o Autor, ora Recorrido, não tem direito ao empréstimo no valor de 44.479,25 por ele solicitado através do crédito à habitação a colaboradores e com a finalidade de efectuar obras urgentes de restauro e melhoramento na sua habitação e que o Banco Recorrente recusou com o fundamento de que "... o seu serviço de dívida, resultante dos diversos empréstimos que tem em curso, determinar uma responsabilidade muito superior ao grau de endividamento estabelecido nos respectivos normativos ".

Vejamos,

d) Como se refere a pág. 5, in fine e 6, do douto acórdão "sub judice", a questão a apreciar consiste em saber:

Se no caso o Réu está obrigado a ter em conta a remuneração do Autor como docente para efeitos do disposto no art.º 2, n.º 4 do Regulamento dos Empréstimos à Habitação do Anexo IX do ACT aplicável ao caso.

e) São os seguintes os factos provados com interesse para a decisão da causa (págs. 4 e 5 do douto acórdão recorrido):

1. O Autor trabalhava para o Réu, desempenhando as funções de trabalhador bancário, na sua unidade orgânica Empresa-B- Praça da Liberdade, Porto, desde 1.5.68.

2. Em 29.6.98 o Autor celebrou com o Réu um acordo de cessação do contrato de trabalho por passagem à situação de reforma com efeitos a partir de 15.7 98, junto a fls. 8/9.

3. O Autor em meados de 2002, solicitou um pedido de crédito através do crédito à habitação a colaboradores, junto a fls. 10/11.

4. O empréstimo solicitado tinha o valor de 44.479,25 € e tinha como finalidade efectuar obras urgentes de restauro e melhoramento na habitação do Autor, ---.

5. O Autor recebeu uma carta da Direcção dos Recursos Humanos da Servibanca, datada de 4.6.02, indeferindo o pedido de crédito à habitação formulado por si, com a justificação que «o seu serviço de dívida, resultante dos diversos empréstimos que tem em curso, determinar uma responsabilidade muito superior ao grau de endividamento estabelecido pelos respectivos normativos», junta a fls. 12.

6. Os rendimentos do agregado familiar do Autor correspondem à sua pensão de reforma no valor de € 987,58, em Maio de 2002 e actual de € 1. 019,73 mensais, à sua remuneração como docente no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto no valor de € 3.187,70 mensais e à remuneração da sua mulher como assistente administrativa no Hospital de S. João, no valor de € 818,08 mensais.

7. O endividamento mensal do Autor traduz-se na soma de € 100,56 e € 253,45 referentes a empréstimos a habitação, e de € 443,93 referentes a um Leasing, já que a prestação à Renault terminou, o que perfaz a quantia mensal de € 797,94

8. O montante do empréstimo pedido pelo Autor foi de € 44.479,79,25 e o número de anos de amortização do mesmo, daria o pagamento da quantia mensal de aproximadamente € 569,66 ou € 349,51, caso o empréstimo fosse amortizado em 7 ou 12 meses, respectivamente.

..........................

14. Constitui prática corrente do Banco que a remuneração mensal efectiva para efeitos de determinação do encargo mensal a que alude o n.º 4 do art.º 2 do Regulamento de empréstimos à habitação é, quanto aos trabalhadores colocados em situação de reforma, exclusivamente a correspondente ao montante que recebem do Banco a título de pensão de reforma.

f) Com base na transcrita factualidade o douto acórdão recorrido, inicia, assim, a pág. 6 a análise da questão:

"... O Réu defende que a remuneração mensal efectiva, para efeitos da determinação do encargo mensal a que alude o artigo 2.º n.º 4, do citado Regulamento, é tão só aquele que é auferido pelos trabalhadores bancários, nessa qualidade, e para os trabalhadores reformados o que auferem a título de pensão de reforma, sendo certo que tem sido essa a prática adoptada pelo Banco que o Mm.º Juiz a quo deveria ter atendido, nos termos dos artigos 3.º n.º 1, do C. C. e 1.º do C. T. (posição que o R. mantém).

Na sentença recorrida considerou-se que nenhuma norma do Regulamento impõe que os rendimentos a considerar sejam, tão só, os que o trabalhador bancário aufere nessa qualidade ou que recebe a título de pensão de reforma".

E prossegue:

g) "Analisemos então.

Nos termos da Cláusula 140.º do ACT do Grupo Empresa-A - publicado no BTE n ° 48 de 29.12.01 -, «as entidades signatárias concedem aos respectivos trabalhadores na situação de contrato de trabalho sem termo (sublinhado nosso) e àqueles que, com menos de 65 anos de idade, tenham sido colocados na situação de reforma por invalidez ou invalidez presumível, empréstimos que viabilizem o acesso a habitação própria nos termos do presente capítulo e do regulamento dos empréstimos à habitação que constitui o Anexo IX a este acordo» ".

h) O douto acórdão recorrido aflora o problema dos direitos dos trabalhadores que prestam a sua actividade a tempo parcial, para concluir que a Cláusula 140.ª do ACT não exclui a concessão do empréstimo aos trabalhadores em regime de trabalho a tempo parcial (por força do disposto nas Cláusulas 43.ª e 44.ª), mas exclui apenas aos trabalhadores contratados a termo certo.

Quer dizer,

i) O requisito essencial e necessário para que um trabalhador possa beneficiar de um empréstimo à habitação a colaboradores é que esteja ligado ao Banco por contrato de trabalho sem termo.

Na verdade,

j) Dispõe a Cláusula 140.ª - Empréstimos à Habitação - do ACT do Grupo Empresa-A:

"As entidades patronais signatárias concedem aos respectivos trabalhadores na situação de contrato de trabalho sem termo (sublinhado nosso) e àqueles que, com menos de 65 anos de idade, tenham sido colocados na situação de reforma por invalidez ou invalidez presumível, empréstimos que viabilizem o acesso a habitação própria nos termos do presente Capítulo e do Regulamento dos Empréstimos à Habitação que constitui o Anexo IX a este acordo".

Ora,

l) É notório que o acesso dos reformados ao Crédito à Habitação só podia ser concedido nas mesmas condições em que o era aos trabalhadores no activo, ou seja, a sua remuneração para cálculo da capacidade de endividamento é exclusivamente a que lhe é paga pelo Banco,

Sob pena dos reformados poderem passar de uma situação a que não tinham acesso a nenhum benefício, a outra em que podem beneficiar de uma regalia em condições superiores aos do activo, uma vez que estes não podem exercer outra actividade.

Contudo,

m) A não se entender assim, e a admitir-se que o R. estava obrigado a ter em conta a remuneração do autor como docente, para efeitos do disposto no art.º 2.º, n.º 4 do Regulamento dos Empréstimos à Habitação do Anexo IX do ACT aplicável ao caso, então terá de concluir-se que essa obrigação só existia se o contrato de trabalho do A., como docente, fosse um contrato de trabalho sem termo.

n) Na verdade, se aos trabalhadores no activo se exige que estes estejam ligados ao Banco por contrato de trabalho sem termo para poderem beneficiar do crédito à habitação é inquestionável que a entender-se que o Banco, no caso dos reformados, está obrigado a ter em conta a sua remuneração com entidades terceiras, então tem de entender-se também que essa obrigação só existe se eles a elas estiverem ligados por contrato sem termo.

o) É que a exigência do contrato de trabalho sem termo tem como objectivo garantir a amortização do empréstimo que seja concedido, garantia que deixaria de existir se se admitissem contratos a termo.

Ora,

p) O Autor não provou e nem alegou sequer que estivesse ligado ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, por contrato de trabalho sem termo.

Assim,

q) Não tendo o Autor o invocado direito, como não tem, o douto acórdão recorrido deveria ter revogado a sentença da 1.ª Instância e absolvido o Recorrente de todos os pedidos formulados.

r) Decidindo, como decidiu, o douto acórdão recorrido violou o disposto no n.º 4 do Regulamento dos Empréstimos à Habitação, que constitui o Anexo IX do ACT do Grupo Empresa-A, publicado no B.T.E., n.º 48, 1.ª Série, de 29.12.01, e o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, do Código Civil e 1.º do Código do Trabalho e a Cláusula 140.a do citado ACT.

Não houve contra-alegação do Autor.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de não se conhecer do objecto da revista, por versar questão nova - a necessidade de alegação e prova, pelo Autor, da sua ligação ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, por contrato de trabalho sem termo -, não suscitada, nem apreciada nas instâncias, propugnando, caso assim não se entenda, a improcedência do recurso.

Tal parecer não mereceu resposta de qualquer das partes.

3. Nas conclusões da alegação, que delimitam o objecto do recurso, vêm suscitadas as questões de saber:

1.ª Se o valor da remuneração a considerar, para efeito de acesso a empréstimo à habitação, por trabalhador reformado, no regime especial consignado no Acordo Colectivo de Trabalho do Empresa-A e seu Anexo IX, é exclusivamente o correspondente à pensão da reforma, ou se deve atender-se, também, a outras remunerações auferidas em resultado de contrato de trabalho celebrado com outras entidades;

2.ª Se, resolvida a questão anterior no sentido de ser considerada, também, a remuneração proveniente de contrato de trabalho com terceiro, haveria o Autor de ter alegado e provado o carácter duradouro (sem termo) de tal contrato.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Vejamos, em primeiro lugar, se, como defende a Exma. Procuradora-Geral- -Adjunta, a circunstância de o recorrente só na impugnação do acórdão da Relação ter levantado a questão da falta de alegação e prova, por parte do Autor, do carácter duradouro (sem termo) do contrato de trabalho que o liga ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto - como pressuposto do direito a aceder ao crédito, no regime especial consignado nas normas invocadas na petição inicial -, obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

É certo que não foi suscitada na contestação - nem posteriormente, nas instâncias - a segunda questão acima enunciada, a qual, por isso, não foi apreciada nem na sentença da 1.ª instância, nem no acórdão impugnado.

Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, só sendo permitido, depois dela, deduzir as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado aquele momento, ou de que deva conhecer-se oficiosamente (1) .

É pacífica e firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que, destinando-se os recursos ao reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a proferir nova decisão sobre matéria nova - ou seja sobre questões (pontos essenciais de facto e/ou de direito em que as partes assentam as suas pretensões) que não tenham sido submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e por estes resolvidas - exceptuadas aquelas que sejam de conhecimento oficioso, não pode, em recurso, conhecer-se de questões não suscitadas pelas partes no tribunal a quo, designadamente, no Tribunal da Relação (2) .

No caso, o Réu, quer na contestação, quer na alegação de recurso de apelação, assentou a sua defesa, exclusivamente, na interpretação segundo a qual, tendo em atenção que os bancários prestam a sua actividade em regime de exclusividade, a sua remuneração mensal efectiva para efeitos de determinação do encargo mensal a que alude o n.º 4 do artigo 2.º do Regulamento constante do Anexo IX do Acordo Colectivo de Trabalho, é tão só a que é auferida como trabalhador bancário, e a dos trabalhadores colocados na situação de reforma é também, e exclusivamente, a correspondente ao montante que recebem do Banco a título de pensão de reforma.

Na alegação do presente recurso, retoma, em via principal, esse ponto de vista da defesa (3) e só, subsidiariamente, para o caso de não vingar esse entendimento, é apresentada, como obstando à procedência da pretensão do autor, a circunstância de não ter sido alegado e provado que a remuneração auferida por trabalho prestado a entidade terceira emerge de contrato sem termo (4).

Afigura-se, pois, evidente que se trata de questão nova, nunca antes suscitada pela defesa e que, por isso, não foi objecto de apreciação pelo tribunal recorrido.

Não sendo tal questão do conhecimento oficioso, não poderá dela, agora, conhecer-se.

Tal não obsta, porém, a que se conheça do objecto da revista, uma vez que subsiste para apreciação a primeira questão acima enunciada.

2. O acórdão impugnado considerou provados os seguintes factos:

[...]

1. O Autor trabalhava para o Réu, desempenhando as funções de trabalhador bancário, na sua unidade orgânica Empresa-B - Praça da Liberdade, Porto, desde 1.5.68.

2. Em 29.6.98 o Autor celebrou com o Réu um acordo de cessação do contrato de trabalho por passagem à situação de reforma, com efeitos a partir de 15.7.98, junto a fls. 8/9.

3. O Autor em meados de 2002, solicitou um pedido de crédito através do crédito à habitação a colaboradores, preenchendo um impresso próprio para o efeito - modelo Grupo BCP n.º 10050376 -, tendo sido remetido directamente pelo Autor à Servibanca/Dir. Recursos Humanos, exibido ao engenheiro mandatário da entidade bancária e tendo entregue, na mesma data, toda a documentação exigida para o efeito, junto a fls. 10/11.

4. O empréstimo solicitado tinha o valor de € 44.479,25 e tinha como finalidade efectuar obras urgentes de restauro e melhoramento na habitação do Autor, consistentes no restauro do telhado que permitia infiltrações, rebocar e pintar todo o interior da habitação devido à humidade proveniente das aludidas infiltrações, levantar a alcatifa e colocar parquet, arranjo do telhado do anexo e pintura, rebocar, pôr azulejo, interior e exteriormente e envernizar portas e janelas e alpendre, instalação nova de água e electricidade, em casa com cerca de 20 anos de construção.

5. O Autor recebeu uma carta da Direcção dos Recursos Humanos da Servibanca, datada de 4.6.02, indeferindo o pedido de crédito à habitação formulado por si, com a justificação que «o seu serviço de dívida, resultante dos diversos empréstimos que tem em curso, determinar uma responsabilidade muito superior ao grau de endividamento estabelecido pelos respectivos normativos», junta a fls. 12.

6. Os rendimentos do agregado familiar do Autor correspondem à sua pensão de reforma no valor de € 987,58, em Maio de 2002 e actual de € 1.019,73 mensais, à sua remuneração como docente no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto no valor de € 3.187,70 mensais e à remuneração da sua mulher como assistente administrativa no Hospital de S. João, no valor de € 818,08 mensais.

7 O endividamento mensal do Autor traduz-se na soma de € 100,56 e € 253,45 referentes a empréstimos à habitação, e de € 443,93 referentes a um Leasing, já que a prestação à Renault terminou, o que perfaz a quantia mensal de € 797,94.

8. O montante do empréstimo pedido pelo Autor foi de € 44.479,25 e o número de anos de amortização do mesmo, daria o pagamento da quantia mensal de aproximadamente € 569,66 ou € 349,51, caso o empréstimo fosse amortizado em 7 ou 12 anos, respectivamente.

9. O Réu cobrou ao Autor uma taxa de despesa de avaliação do imóvel, no valor de e € 125,00.

10. As obras de restauro da sua habitação revestem carácter urgente e o Autor vê-se forçado a contrair o referido empréstimo junto de uma instituição bancária.

11. Tal situação acarreta-lhe uma despesa maior, uma vez que a taxa de juro da instituição bancária junto da qual contrairá o empréstimo é, substancialmente, superior à do grupo BCP, não podendo, também, usufruir das regalias inerentes ao facto de ter sido um colaborador da referida instituição.

12. O Autor vê-se obrigado a lançar mão, de imediato, de uma conta de poupança-habitação que tem no Empresa-C sob o n.º 31.0000.01300114001 e de outra na Empresa-D, Av. dos Aliados, Porto, sob o n.º 0651 383805923, o que importa a perda dos juros e a possibilidade de aforro e de aplicação futura, para além das condições mais gravosas de acesso ao crédito quer resultante de juros superiores quer da idade do Autor.

13. Com consequente redução do período de amortização e aumento do valor da mensalidade de amortização de capital e juros.

14. Constitui prática corrente do Banco que a remuneração mensal efectiva para efeitos de determinação do encargo mensal a que alude o n.º 4 do art.º 2.º do Regulamento de empréstimos à habitação é, quanto aos trabalhadores colocados em situação de reforma, exclusivamente a correspondente ao montante que recebem do Banco a título de pensão de reforma.

[...]

3. O Acordo Colectivo de Trabalho entre o Empresa-A, e outros e o Sindicato dos Bancários do Norte e outros (5) - doravante, ACT - consagra, nas Cláusulas 140.ª a 145.ª, um regime especial de concessão de crédito à habitação, desenvolvido em Regulamento que constitui o seu Anexo IX.

Dispõe a Cláusula 140.ª do ACT:

As entidades patronais signatárias concedem aos respectivos trabalhadores, na situação de contrato de trabalho sem termo e àqueles que, com menos de 65 anos de idade, tenham sido colocados na situação de reforma, por invalidez ou invalidez presumível, empréstimos que viabilizem o acesso a habitação própria nos termos do presente capítulo e do regulamento dos empréstimos à habitação que constitui o anexo IX a este acordo.

E o artigo 2.º do Anexo IX (Regulamento dos Empréstimos à Habitação):

[...]

4 - O empréstimo a conceder não pode determinar um encargo mensal que, adicionado às restantes prestações de empréstimos em curso de qualquer natureza, ultrapasse um terço da remuneração mensal efectiva do trabalhador e cônjuge, caso exista.

5 - Para efeitos do número anterior, considera-se:

a) Agregado familiar: o trabalhador, o cônjuge ou companheiro(a) que viva com ele(a) em condições análogas às dos cônjuges e os respectivos ascendentes, descendentes e filhos adoptivos que coabitem a título permanente ou de periodicidade regular na sua dependência económica;

b) Rendimento do agregado familiar: a soma de todos os rendimentos brutos não eventuais dos seus componentes.

Na perspectiva do Réu, as normas que vêm de ser transcritas apontam no sentido de que a "remuneração mensal efectiva" do trabalhador reformado, a considerar é, apenas, a correspondente ao valor da respectiva pensão, devendo excluir-se, da operação de cálculo a que se refere o n.º 4 do referido artigo 2.º, o valor da remuneração auferida por trabalho prestado, por virtude de contrato celebrado com terceiro, pois, de outro modo, seria aos reformados concedido um benefício que não poderiam obter enquanto no activo, já que, nesta situação, em regra, os trabalhadores bancários prestam a sua actividade, em regime de exclusividade.

Nos termos da Cláusula 43.ª do ACT, "[o]s trabalhadores ficam sujeitos à prestação de trabalho em regime de tempo completo, sem prejuízo do disposto na cláusula seguinte".

Desta norma, inserida na Secção sob a epígrafe "Tempo de trabalho" não pode inferir-se, como pretende o recorrente, o regime de exclusividade, mas tão só que, em regra, o trabalho deve ser prestado de harmonia com os períodos e horários definidos nas Cláusulas 47.ª a 52.ª do ACT, que não contém qualquer disposição impondo o regime de exclusividade, ou seja, proibindo que o trabalhador, fora daqueles períodos e horários, exerça, para terceiros, outra actividade remunerada, desde que não incompatíveis com o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, consignados, designadamente, na Cláusula 6.ª do ACT e no artigo 20.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (6).

Acresce que a Cláusula 44.ª, que regula a prestação de trabalho a tempo parcial, dispõe, no seu n.º 4, que "[o]s trabalhadores em regime de prestação de trabalho a tempo parcial gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres constantes do presente acordo, com as especialidades nele previstas, designadamente as decorrentes da presente cláusula, da cláusula 89.ª e do n.º 3 da cláusula 124.ª".

Como, bem, se observa, no acórdão impugnado, a Cláusula 140.ª do ACT não exclui a concessão do empréstimo aos trabalhadores em regime de trabalho a tempo parcial.

Considera-se, pois, irrelevante, para efeito de concessão do crédito, ao abrigo do regime especial, a circunstância de, em regra, os trabalhadores do Réu prestarem trabalho em regime de tempo completo.

O que releva, para efeitos da limitação consignada no n.º 4 do artigo 2.º do Regulamento, e se infere do texto das alíneas do n.º 5 do mesmo artigo, é a soma de todos os rendimentos brutos não eventuais de todos os componentes do agregado familiar, e, pois, do próprio trabalhador reformado, independentemente da sua proveniência.

Com efeito, tendo em atenção a razão de ser das referidas normas, assinalada no acórdão recorrido - acautelar o excessivo endividamento, por forma a não pôr em risco a boa cobrança do crédito -, não teria sentido considerar, como "remuneração efectiva do trabalhador e cônjuge, caso exista", "a soma de todos os rendimentos brutos não eventuais do agregado familiar", sem restrição quanto à sua proveniência, quando auferidos pelo cônjuge ou companheiro(a) que viva com ele(a) em condições análogas às dos cônjuges e pelos respectivos ascendentes, descendentes e filhos adoptivos, e, quanto ao reformado, excluir da soma a remuneração de trabalho, por ser proveniente de contrato celebrado com terceiro.

Entender-se, como pretende o recorrente, que só o valor da remuneração efectivamente paga pelo Banco ao trabalhador, enquanto no activo - no caso de se tratar de trabalhador, em regime de tempo completo ou parcial, auferindo remunerações provenientes de outros contratos de trabalho -, ou só o valor da pensão paga pelo Banco - em caso de trabalhador reformado -, podem ser atendidos para efeito de cálculo do limite do encargo mensal referido no n.º 4 do citado artigo 2.º, seria esvaziar de sentido útil as alíneas do n.º 5 do mesmo artigo, que é o de esclarecer que rendimentos devem ser atendidos.

Havendo de interpretar-se conjugadamente as disposições daqueles n.os 4 e 5, tem de concluir-se que o acórdão impugnado não violou qualquer das referidas normas.

Como, bem, se observa na douta sentença da 1.ª instância, o Réu "não pode opor ao Regulamento do Crédito à Habitação quaisquer normas internas ou práticas correntes e uniformes que redundem, para os trabalhadores deles destinatários, em condições mais restritivas que as estabelecidas pelo Regulamento".

Com efeito, "os usos da profissão do trabalhador e das empresas" só "serão atendíveis", desde que não contrariem as normas estabelecidas nas respectivas convenções colectivas de trabalho - artigo 12.º, n.os 1 e 2, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, com correspondência no artigo 1.º do Código do Trabalho, em vigor a partir de 1 de Dezembro de 2003.

E o Código Civil, no artigo 3.º, nºos 1 e 2, limita o valor jurídico dos usos, que não forem contrários aos princípios da boa fé, aos casos em que a lei o determine e estabelece que as normas corporativas - em cujo âmbito se incluem as normas dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho - prevalecem sobre os usos.

De tudo o que vem de ser exposto, resulta que o facto de constituir prática corrente do Banco que a remuneração mensal efectiva para efeitos de determinação do encargo mensal a que alude o n.º 4 do artigo 2.º do Regulamento de Empréstimos à Habitação seja, quanto aos trabalhadores colocados em situação de reforma, exclusivamente a correspondente ao montante que recebem do Banco a título de pensão de reforma, não pode ser atendido, por, na interpretação que se nos afigura correcta, contrariar, em desfavor do trabalhador, as normas do Regulamento - que integram o ACT.

Finalmente, no que respeita à eventualidade de o trabalhador reformado vir a beneficiar de um regime mais favorável do que o concedido ao trabalhador no activo, em matéria de concessão de crédito, pela circunstância de auferir outros proventos além da pensão de reforma, e serem considerados, no cálculo da capacidade de endividamento, todos os seus rendimentos, importa ter presente que isso não se traduz em tratamento desigual, injustificado, pois, como se deixou demonstrado, as normas aplicáveis mandam atender a todos os rendimentos do agregado familiar, independentemente de se tratar de trabalhador reformado ou no activo, o que significa que o tratamento diferenciado - seja entre trabalhadores no activo, seja entre estes e os trabalhadores reformados - decorre da ponderação do encargo mensal resultante da concessão do empréstimo, somado ao de outros empréstimos em curso, com todos os rendimentos brutos não eventuais do respectivo agregado familiar, qualquer que seja a sua fonte.

Não procede, pois, a alegação de que a interpretação subjacente às decisões das instâncias ofende o princípio da igualdade de tratamento.

Excluída, pelos fundamentos acima aduzidos, a apreciação da segunda questão levantada, subsidiariamente, nas conclusões do recurso, e não tendo sido suscitadas outras questões, conclui-se pela improcedência do recurso.

III

Em face do exposto, decide-se negar a revista.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 8 de Março de 2006

Vasques Dinis

Maria Laura Leonardo

Sousa Peixoto

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(1) Artigo 489.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil.
(2) Cfr., entre outros, os Acórdãos de 18 de Junho de 2003 (subscrito pelos Exmos. Conselheiros Emérico Soares, Ferreira Neto e Manuel Pereira), 7 de Abril de 2005 (subscrito pelos Exmos. Conselheiros Ferreira Girão, Luís Fonseca e Lucas Coelho), e 17 de Novembro de 2005 (subscrito pelos Exmos. Conselheiros Salvador da Costa, Ferreira de Sousa e Armindo Luís) disponíveis, em texto integral, em www.dgsi.pt., como Documentos n.os SJ200306180040714, SJ200504070001752, e SJ200511170032967, respectivamente.
(3) Conclusão l).
(4) Conclusões m) a p).
(5) Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 48, de 29 de Dezembro de 2001.
(6) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, aplicável ao caso, em face do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho.