Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A4566
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Nº do Documento: SJ200302110045666
Data do Acordão: 02/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4720/02
Data: 06/20/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 23-10-95, "A" instaurou, no Tribunal Judicial de Ponta do Sol, a presente acção ordinária contra os réus B e "Colégio Missionário C", pedindo:
a) - se declare que autora é dona e legítima possuidora do prédio misto identificado na petição inicial, quer por usucapião, quer por o ter adquirido por contrato de compra e venda, titulado pela escritura de 9-12-88;
b) - se assim não for entendido, se declare que é dona de metade do mesmo prédio e, em compropriedade com seus irmãos, de todo o prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 2286º, como herdeiros instituídos de D, que o construiu após a morte do marido, E;
c) - condenar-se os réus a reconhecerem tal direito de propriedade a favor da autora;
d) - declarar-se que os registos do prédio efectuados na respectiva Conservatória, a favor dos réus, são nulos e de nenhum efeito;
e) - ordenar-se o cancelamento das inscrições do mesmo prédio efectuadas na Conservatória a favor dos réus;
f) - declarar-se nula ou anulada a escritura de doação de 22-6-94, feita pelo "Colégio Missionário C" a favor da ré B.
Fundamentou a sua pretensão, em síntese, no seguinte:
- nulidade da disposição testamentária de bens comuns do casal, feita em 13-2-67, pelo indicado E, por falta de aquiescência do respectivo cônjuge, D;
- posse usucapiente da autora sobre o prédio, acrescida à da anterior proprietária D;
- aquisição do direito de propriedade sobre o prédio, por via do contrato de compra e venda celebrado entre a autora e a dita D, em 9-12-88;
- nulidade do contrato de compra e venda do direito de usufruto relativo ao mesmo prédio, outorgado em 6-4-94, entre a ré e F;
- nulidade do contrato de doação referente à nua propriedade do ajuizado prédio, efectuado em 22-6-94, pelo "Colégio Missionário C" a favor da ré.

Contestou a ré B, afirmando, em síntese:
- a validade da disposição testamentária feita pelo E, em razão da aquiescência do respectivo cônjuge;
- a nulidade do contrato de compra e venda relativas ao mencionado prédio, celebrado entre a autora e a D, por ter infringido o encargo fideicomissário de conservar o prédio e, por sua morte, o transmitir ao "Colégio Missionário C";
- a validade dos indicados contratos de compra e venda do usufruto e de doação;
- ter sofrido um prejuízo resultante da ocupação ilegal pela autora, do mesmo prédio, desde a data em que o comprou à D.
Em reconvenção, pediu:
a) - se declare que a reconvinte é proprietária e legítima possuidora da totalidade do prédio em questão e se condene a autora a reconhecer tais direitos;
b) - se condene a autora a restituir o prédio que ilicitamente ocupa;
c) - se condene a autora a pagar a quantia de 4.800.000$00, como indemnização pela ocupação abusiva do prédio desde 6-4-94, acrescidos de 3.200.000$00, por cada ano, até à efectiva entrega do mesmo prédio.
Houve réplica.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 13-3-98, que julgou parcialmente procedente a acção e procedente a reconvenção.
Apelou a autora e a Relação de Lisboa, por Acórdão de 15-12-99, anulou o julgamento para ampliação da matéria de facto.
Cumprido o determinado pela Relação, com o aditamento ao questionário do quesito 19º, foi realizado o segundo julgamento, após o que houve lugar a nova sentença, em 15-10-01, que decidiu:
Julgar a acção parcialmente procedente e, por isso:
a) - declarar que o prédio urbano, com a área coberta de 106 m2 e logradouro de 64 m2, inscrito na matriz sob o art. 2286º, propriedade outrora de D, faz parte da herança por esta deixada, de que é herdeira a autora;
b) - condenar os réus a reconhecerem o direito declarado a favor da autora;
c) - absolver os réus dos demais pedidos;
Julgar parcialmente procedente a reconvenção e, consequentemente:
a) - declarar a reconvinte proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Ponta do Sol sob o nº 00465/080591, com excepção da casa de habitação inscrita na matriz sob o art. 2286º;
b) - declarar válidos os registos efectuados, sem prejuízo da anterior declaração;
c) - condenar a autora a reconhecer a anterior declaração de propriedade, nos termos em que foi efectuada;
d) - condenar a autora a restituir à ré o prédio que ocupa (excepto a casa de habitação inscrita na matriz sob o art. 2286º);
e) - condenar a autora a indemnizar a ré pelos prejuízos decorrentes da ocupação da restante parte do prédio, desde 6-4-94, até à efectiva entrega, a liquidar em execução de sentença.

Irresignada, apelou a autora, de novo, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 20-2-2002, negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida..
Continuando inconformada, a autora recorreu de revista, cujas alegações culminam com estas sintetizadas conclusões:
1 - No domínio da vigência do Código Civil de Seabra, o consentimento para a disposição da meação de bens comuns para depois da morte, quando não fosse prestada no próprio testamento, tinha de ser dado por forma autêntica.
2 - De acordo com o disposto no art. 2482º do Código Civil de 1867, a falta de documentos autênticos não pode ser suprida por outra espécie de prova, salvo nos casos em que a lei assim o determinar expressamente.
3 - Pelo que o averbamento nº 2, constante do ajuizado testamento, é insusceptível de substituir a prova de manifestação de vontade da aquiescência do cônjuge D por forma autêntica, tal como é exigido pelo referido art. 1776º do Cód. Civil de 1867.
4 - Não foi apresentado documento autêntico pelo qual D tenha dado a sua aquiescência à disposição do bem comum do casal feita pelo testador, pelo que o quesito 19º teria de ser julgado não provado.
5 - O acórdão recorrido, ao declarar a inexistência da resposta ao quesito 19º e ao considerar assente o conteúdo externo e interno do averbamento notarial em causa, violou o disposto nos arts. 1776º, 2426º, 2427º e 2428º do Cód. Civil de 1867, os arts. 525º, 526º e 257º do Cód. Proc. Civil de 1961, os arts. 50º, 61º a 70º e 112º a 115º do Cód. Notariado de 1960 e o art. 655º, nº 2, do actual C.P.C.
6 - A recorrente, não obstante não ter intentado uma acção declarativa de falsidade do referido averbamento, nos arts. 16º e 17º da petição inicial arguiu a falsidade desse averbamento, integrando-o na causa de pedir da acção.
7 - Pelo que, integrando essa questão o objecto do processo, a mesma não pode deixar de ser conhecida e julgada, sob pena de omissão de pronúncia e, nessa medida, de nulidade, nos termos do art. 661º, nº 1, al. d) do C.P.C.
8 - Incumbia à recorrida B o ónus da prova da existência do referido documento autêntico, cuja omissão é insuprível, isto é, a prova do facto extintivo invocado pela autora e constitutivo do pedido reconvencional.
9 - Prova essa que não foi feita pela ré, pelo que devia ter-se decidido que não foi dada aquiescência, por forma autêntica, pela D, à disposição dos bens comuns no dito testamento.
10 - Por isso, também foi violado o disposto no art. 342º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil.
11 - O fideicomisso instituído no aludido testamento é nulo, por abranger a meação do cônjuge do testador, devendo a cláusula fideicomissária ter-se por não escrita.
12 - Tendo o Acórdão impugnado considerado válido o fideicomisso constante do aludido testamento, violou ainda o disposto nos arts. 1108º, 1117º, 1776º, 1866º, 1869º do Cód. Civil de 1867.
13 - Com a entrada em vigor do actual Cód. Civil, a aludida disposição de coisa pertencente ao património comum contida no referido testamento, não obstante já dever considerar-se não escrita, converteu-se de todo o modo, "ope legis", em legado de valor.
14 - Pelo que o Acórdão recorrido, ao considerar válida a aludida disposição de coisa comum, contida no testamento, também violou o art. 1685º do actual Cód. Civil e o art. 22º do dec-lei 47.344, de 25-11-66.
15 - A D podia livremente dispor do imóvel, pelo que é válida a venda que efectuou e a que se refere alínea F) da especificação.
16 - O "Colégio Missionário C" não podia doar coisa alheia, sendo essa doação nula.
17 - F não podia alienar o usufruto do referido imóvel, sendo nulo o trespasse mencionado na alínea Q) da especificação.
18 - Tendo o Acórdão recorrido decidido que não estão afectados de nulidade os citados contratos de compra e venda do direito de usufruto e de doação, violou o art. 22º do dec-lei 47.344, de 25-11-66, e os arts 1685º, 874º, 949º e 956º do Cód. Civil.
19 - Deve ser considerado como provado, porque admitido por acordo, nos termos do art. 659º do C.P.C., ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, que desde 1964 e até à celebração da escritura de 9-12-88, D sempre habitou a parte urbana, cultivou a terra e colheu e fruiu todos os benefícios e utilidades do prédio, em seu exclusivo proveito, bem como pagou as respectivas contribuições e despesas de conservação, à vista da generalidade das pessoas, sem qualquer oposição e na convicção de que era sua proprietária.
20 - A posse exercida por D durante cerca de 24 anos, à data da celebração da escritura, transformou-se num direito de propriedade definitivo, pelo que a recorrente pode invocar a usucapião.
21 - Mesmo que assim se não entendesse, dado que a D possuiu o referido imóvel na qualidade de proprietária, a referida compra e venda constitui um acto translativo de posse da transmitente para a transmissária (aqui recorrente), para efeitos do art. 1256º do C.C., tendo a recorrente juntado a sua posse à da D.
22 - Presume-se a posse da recorrente, por exercer o poder de facto sobre a coisa.
23 - Não tendo o Acórdão recorrido considerado assente, por acordo, o facto acima invocado, e tendo decidido que a recorrente não adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre o imóvel questionado, violou os arts 659º, do C.P.C. e os arts 305º, 342º, 1252º, 1253º, 1256º, 1268º, 1287º e 1292º do Cód. Civil.
24 - O Acórdão impugnado deve ser revogado.

Com as suas alegações, a recorrente juntou um douto parecer do ilustre Professor Menezes Cordeiro.
A ré contra-alegou em defesa do julgado.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

A 1ª instância considerou provados os factos seguintes:
1 - Por testamento de 13 de Fevereiro de 1967, cuja fotocópia constitui documento de fls 27 a 32, outorgado no dia da sua morte, E, perante o Notário do Cartório Notarial de Ponta do Sol, declarou:
- legar a sua mulher D, a propriedade do seu prédio rústico e urbano, sito no lugar de Baixo, freguesia de Ponta do Sol, a confinar do norte com G e outros, do sul com a estrada, do este com caminho municipal e do oeste com H e outros e ignorar o artigo matricial e se constava do registo predial e ainda não poder averiguar esses elementos perla urgência do testamento;
- ser o usufruto do referido imóvel distribuído pela sua mulher e pelo seu irmão e cunhada, I e F, na proporção de metade para a primeira e de metade para os últimos;
- passar a propriedade do referido imóvel por morte de sua mulher para o "Colégio Missionário C", no Funchal, e, se porventura esse Colégio se extinguir ou for mudado para fora da ilha da Madeira, aquela propriedade reverterá a favor da Congregação de Nossa Senhora ..., com o encargo para cada um dos ora instituídos de mandar celebrar, todos os meses, uma missa de sufrágio pelo ora autor da herança, a distribuir após a sua morte, bem como a de sua mulher, irmão e cunhada, aquando do seu falecimento e, se porventura esta última Congregação, então a propriedade do referido imóvel reverterá a favor do Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, com os mesmos encargos acima referidos;
- não poder nenhum dos ora instituídos alienar ou hipotecar o referido prédio, com excepção de sua mulher, se tiver necessidade de o fazer para se alimentar, vestir ou tratar-se de qualquer moléstia.
2 - O mencionado prédio integrava o património comum do casal de D e do testador, E.
3 - No aludido testamento, consta um averbamento, com o nº 2, datado de 4 de Março de 1967, exarado e assinado pelo notário (onde se menciona que a respectiva conta foi registada sob o nº14), com o seguinte teor:
"Foi dada aquiescência à disposição de bens comuns deste testamento, por documento avulso outorgado em treze do mês findo. O documento encontra-se arquivado no maço de documentos referente ao corrente ano ".
4 - Por sentença proferida em 19-1168, transitada em julgado, proferida pelo Juiz de Círculo do Funchal, a ré B foi declarada filha do testador E, falecido em 13 de Fevereiro de 1967.
5 - B, por um lado, e D, por outro, em escritura pública outorgada no dia 3-1-69, pelo Notário da Secretaria Notarial do Funchal, declararam, a primeira, ceder à segunda e esta aceitar a cessão, por 100.000$00, do direito e acção à herança ilíquida e indivisa que houve por óbito de seu pai, E, o testador.
6 - Em testamento de 21-4-86, lavrado pelo Notário da Secretaria Notarial do Funchal, D declarou instituir seus universais herdeiros os afilhados, J, L, M e a autora A, filhos de N e de O.
7 - Entre os dias 7 e 13 de Janeiro de 1988, D esteve internada no Centro Hospitalar do Funchal e, durante o mencionado ano, suportou despesas com medicamentos e honorários de médicos, sendo que ela auferia uma pensão de professora e os rendimentos de bananas do prédio.
8 - D, por um lado, e J e L, os últimos representados por N, por outro, declararam em escritura pública de 9-8-88, lavrada pelo Notário do Cartório notarial da Ponta do Sol, a primeira vender e a os segundos comprar, por 500.000$00 o prédio rústico e urbano, com área de 510 m2, sito no Lugar de Baixo, freguesia e município da Ponta do Sol, a confrontar do norte com terreno do Governo Regional, do sul com o caminho, do este com F e do oeste com P, inscrito na matriz sob o art. 5962 ( parte rústica ) e 1594 ( parte urbana), descrito na Conservatória do Registo Predial da Ponta do Sol sob o nº 59/11486.

9 - D, representada por Q e A, esta representada por N, declararam na escritura pública outorgada no dia 9 de Dezembro de 1988, pelo Notário do Cartório Notarial da Câmara de Lobos, a primeira vender e a segunda comprar, por dois milhões de escudos, o prédio rústico e urbano, nesta última parte composto por duas casas de habitação, a parte rústica com a superfície coberta de 5.600 m2, e aparte urbana, inscrita na matriz sob o art. 1598º, com a superfície coberta de 66 m2, e o urbano, inscrito na matriz sob o art. 2.286º, com a superfície coberta de 106 m2, e um logradouro de 64 m2, situado no lugar de Baixo, freguesia de Ponta do Sol, a confrontar do norte com G e outros, do sul com a estrada, do este com caminho municipal e do oeste com H e outros, estando aparte rústica inscrita na matriz sob o art. 5.960º, não descrito na Conservatória, prédio que veio à propriedade da vendedora como herdeira universal de seu marido, E, falecido em 13-2-67.
10 - A casa matricialmente inscrita sob o artigo urbano 2.286º foi construída por D, após a morte do testador E.
11 - Aquando da escritura de compra e venda de 9-12-88, referida em 9, a autora já habitava na parte urbana do prédio nela mencionado.
12 - D, por um lado, e F, por outro, declararam em escritura pública, lavrada pelo Notário do Cartório Notarial da Câmara de Lobos, a primeira ceder e a segunda aceitar a cessão, por 1.500.000$00, da quota na "Sociedade Comercial R, L.da", com sede no Funchal.
13 - D faleceu no dia 2 de Maio de 1993, e, desde 1964, quer ainda quando casada com o testador E, quer depois de viúva, sempre possuíra o prédio mencionado sob o nº 1, sem interrupção ou oposição, à vista de todos, na convicção de que eram os seus proprietários.
14 - F, viúva de I, falecido em 21-2-85, por um lado, e a ré B, por outro, declararam na escritura pública de 6 de Abril de 1994, lavrada pelo notário da Secretaria Notarial do Funchal, a primeira trespassar e a segunda aceitar o trespasse, por 500.000$00 do direito de usufruto relativo ao prédio mencionado em 1.
15 - Por escritura pública de 22 de Junho de 1994, lavrada pelo Notário do Cartório Notarial de Santana, representantes do "Colégio Missionário C", por um lado, e B, por outro, declararam o primeiro, doar, a segunda aceitar a doação da nua propriedade, com os encargos instituídos pelo legado, do prédio misto sito no lugar de Baixo, da freguesia de Ponta do Sol, com a área global de 2.895 m2, a confrontar do norte com S e outros, do sul com caminho, do este com T e do oeste com U, inscrito na matriz sob os artigos 5.960º (parte rústica) 1.598º e 2.286º (parte urbana), descrito na Conservatória sob o sob o nº 00465/080591.
16 - Existe um bananal no prédio identificado sob o nº 1, que se estende por cerca de 2.400 m2, com cerca de 400 unidades, em área privilegiada de condições climatéricas, orográficas e de acesso, que produz bananas de qualidade, num total anual médio de 9.000 Kg.
17 - A autora e sua família habitam numa das casas existentes no prédio mencionado em 1, gerem a exploração agrícola do bananal aí existente e fruem todos os benefícios que a terra propicia, e a primeira não paga a utilização da terra, nem presta contas dos benefícios que aufere pela gestão agrícola que realiza.
18 - Só a banana de qualidade extra é paga a 66$00 o quilograma, acrescida de 42$00 por quilograma de compensação; algumas das bananas produzidas no prédio são de segunda qualidade e as bananas de segunda são pagas a um preço inferior.
19 - O prédio identificado no nº 1 não atinge um rendimento médio, líquido, superior a cerca de 500.000$00 por ano.
20 - Relativamente ao mesmo prédio referido no nº 1, constam as seguintes descrição e inscrições, na Conservatória do Registo Predial de Ponta do Sol:
a) - desde 8-5-91, a descrição do prédio rústico sito no lugar de Baixo, terra de cultivo, com 2.895 m2, a confinar do norte com S e outros, do sul com caminho, do leste com T e do oeste com U, com o art. matricial 5960º, desanexado do nº 88; pelo averbamento nº 1, o prédio misto de terra e cultivo e uma casa de habitação com a área coberta de 66 m2 e o art. urbano 1.598º e, pelo averbamento nº 2, ter mais uma casa de habitação com a área coberta de 106 m2 e logradouro de 64 m2, artigo 2286º;
b) desde 8-5-91, por compra por E, casado com D, em regime de comunhão de bens, a inscrição da aquisição do direito de propriedade;
c) desde 8-5-91, a inscrição, por legado, da aquisição do direito de propriedade por D, com encargo fideicomissário a favor do "Colégio Missionário C";
d) desde 8-5-91, a inscrição da aquisição, por legado, do usufruto, por F;
e) desde 21-12-93, a inscrição da aquisição, por legado, do direito de propriedade pelo "Colégio Missionário C";
f) desde 15-12-94, a inscrição da aquisição, por trespasse, por B, do direito de usufruto;
g) desde 6-7-94, a inscrição da aquisição, por doação, por B, do direito de propriedade.
21 - A mulher do testador deu o seu consentimento no testamento, conforme o averbamento nº 2, constante de fls 29 (matéria resultante da resposta de "provado" que foi dada ao quesito 19º).

Consta da acta da audiência de julgamento de fls. 201, que no dia 3 de Junho de 1997, foi realizada uma diligência de inspecção judicial à Secretaria Notarial de Ponta do Sol, a fim de se conhecer da existência ou não em arquivo do instrumento público mencionado no averbamento nº 2, do aludido testamento de fls 13 de Fevereiro de 1967, tendo-se constatado o seguinte:
"- no maço de documentos arquivados a pedido das partes, rubricados e numerados de seguida, referentes ao ano de 1967, constam apenas sete procurações;
- no maço de documentos que serviram de suporte a actos notariais, rubricados e numerados de seguida, respeitante ao mesmo ano, não foi encontrado o aludido instrumento público avulso;
- a conta nº 14, referida no citado averbamento, é referenciada como dizendo respeito a um averbamento".

A Relação procedeu às seguintes alterações na matéria de facto provada:
1 - Na altura do testamento de 13 de Fevereiro de 1967, o imóvel nele referido apenas era constituído por terreno e por uma casa, hoje em ruína, à qual corresponde o artigo urbano 1.598º (fls. 527).
2 - Entre 1964 e 13 de Fevereiro de 1967, E e mulher D habitaram na casa existente no prédio, cultivaram a terra, colheram e fruíram os benefícios e utilidades do prédio, pagaram as respectivas contribuições e despesas de conservação, à vista e com conhecimento da generalidade das pessoas, sem interrupção nem qualquer tipo de oposição, na convicção de que eram os seus únicos proprietários (fls. 530).
3 - A partir de 1 de Junho de 1967 e até 9 de Dezembro de 1988, data em que D celebrou com a recorrente o contrato de compra e venda relativo ao prédio em causa, embora aquela continuasse a exercer poderes de facto sobre o mesmo prédio, a correspondente posse reportava-se ao direito de nua propriedade e de metade do usufruto, sem intenção de exercer o direito de propriedade plena sobre aquele imóvel (fls 548).
4 - Julgou não escrita a resposta ao quesito 19º, por virtude da proibição da prova testemunhal em que se fundou, declarando a inexistência dessa resposta e considerando assente "o conteúdo externo e interno do averbamento notarial em causa, embora sem ignorar que o instrumento em que se baseou não foi encontrado no maço de documentos nele referido" (fls. 534).

Vejamos agora o mérito do recurso.
Todas as questões suscitadas na revista já foram objecto de profunda análise e de correcta decisão no excelente e bem estruturado Acórdão impugnado, pelo que se justifica a confirmação da laboriosa decisão recorrida, com base na sua copiosa fundamentação de facto e de direito, com que se concorda, a que se adere e para que se remete, ao abrigo da faculdade concedida pelas disposições combinadas do artigo 25º, nº 1, do dec-lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, e dos arts 713º, nº 5 e 726º do C.P.C.
Todavia, face à delicadeza da questão jurídica da força probatória do averbamento nº 2 constante do testamento do falecido E, outorgado em 13-2-67, acrescentar-se-á algo mais.
O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - art. 722º, nº 2, do C.P.C.
O testador era casado "segundo o costume do país", então vigente, ou seja, segundo o regime da comunhão geral de bens, sendo o prédio legado um bem comum.
Dispunha o art. 1766º do Cód. Civil de 1867, aqui aplicável:
"Os casados segundo o costume do país não podem, sob pena de nulidade, dispor determinadamente de certos bens, salvo se esses bens lhes tocarem em partilha, ou não tiverem entrado em comunhão, ou se a disposição tiver sido feita por um dos cônjuges em favor de outro, ou se o outro cônjuge manifestar por forma autêntica a sua aquiescência".
Como escreve Cunha Gonçalves (Tratado de Direito Civil, Vol. X, pág. 685), "não se dizendo na lei qual o momento legal desta aquiescência, poderá esta ser anterior ou posterior à abertura da herança. Anteriormente, a forma autêntica terá de ser uma autorização prestada perante notário, segundo a regra geral do art. 1196º; posteriormente, a aquiescência pode ser dada no processo de inventário, quer na reposta sobre forma de partilhas, quer depois desta, visto que todos os actos processuais são formas autênticas".
O comentário de Cunha Gonçalves refere-se ao consentimento marital previsto no art. 1195º do Cód. Civil de Seabra, mas a sua generalização não é susceptível de dúvida, pelo que tem aplicação no caso "sub juditio".
No quadro dos documentos autênticos previstos no Código de Notariado de 1960 e no Cód. Proc. Civil de 1961, aqui aplicáveis, ficavam abrangidos os documentos exarados por funcionário público ou com a sua intervenção legalmente exigida, como se observa no Acórdão recorrido.
Assim, o documento a que alude a parte final do art. 1766º do Código Civil de Seabra será um documento que incorpore a manifestação de aquiescência do cônjuge e que seja exarado pelo notário ou com a sua intervenção.
Concretamente, impunha a lei que a mencionada aquiescência devesse operar por instrumento público ou havido como tal, isto é, por instrumento notarial autêntico avulso, ou seja, lavrado fora dos livros de notas (art. 1327º do C.C. de Seabra e art. 51º, nº 3, do C.P.C. de 1961).
Mas uma coisa é a outorga, a formação desse documento, bem como a sua conservação até aos dias de hoje.
Outra, diferente, é o teor do averbamento nº 2, que consta do testamento de 13-2-67 e a força probatória legal desse acto, exarado e assinado pelo notário, com data de 4-3-67, onde este expressa ter sido dada aquiescência à disposição de bens comuns deste testamento, por documento avulso outorgado em 13 do mês findo, e que o referido documento se encontra arquivado no maço de documentos referentes ao corrente ano, tendo havido lugar à conta registada sob o nº 14.
No âmbito dos documentos autênticos, a lei de pretérito incluía os documentos extra-oficiais, consubstanciados nos instrumentos ou actos exarados pelos notários ou com a sua intervenção, nos certificados, nas certidões e noutros documentos análogos por eles emitidos e destinados à declaração de vontade dos outorgantes (art. 50º, nºs 1 e 2 do Cód. Notariado de 1960 e art. 525º, nºs 1 a 3 do C. P. C. de 1961).
A força probatória de um documento é o valor que a lei lhe atribui como meio de prova ou a fé que lhe confere, podendo esse valor referir-se ao documento em si ou ao seu conteúdo (Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, Vol. III, pág. 362).
A eficácia probatória do documento pode ser considerada em relação à sua parte extrínseca ou relativamente à sua parte intrínseca.
O primeiro aspecto dá-nos a sua força probatória formal; o segundo, a sua força probatória material.
Os arts 2425º, 2426º e 2427º do Cód. Civil de Seabra definiam a força probatória material dos documentos autênticos nos termos seguintes:
a) - Os documentos autênticos oficiais constituíam geralmente prova plena;
b) - Os documentos autênticos extra-oficiais fazem prova plena quanto à existência do acto a que se referem, excepto naquilo em que possam envolver ofensa de direitos de terceiro;
c) - A prova que resulta dos documentos autênticos não abrange as declarações enunciativas, que se não refiram directamente ao objecto do acto.
O Código do Processo Civil de 1939 e o de 1961 deram forma diferente aos preceitos reguladores da força probatória material dos documentos autênticos.
Quanto à força probatória material dos documentos autênticos extra-oficiais, a lei aqui aplicável prescrevia fazerem prova plena quanto à sua origem e à realidade dos factos praticados pelo funcionário público respectivo e quanto à realidade dos factos ao alcance das suas percepções, com ressalva da possibilidade de se demonstrar a sua falsidade (arts. 526º, nº 2 e 528º, do Cód. Proc. Civil de 1961).
A falsidade documental pode configurar-se como a composição de um documento com o intuito de representar algo diverso da realidade por via da suposição do documento ou da menção como tendo sido praticado, no acto da sua celebração, algum facto que realmente se não verificou (art. 530º, nºs 1 e 2, al. a) e d), do C.P.C. de 1961).
Independentemente da arguição da sua falsidade, quanto aos factos que se não traduzissem em acções do funcionário público ou que ultrapassassem o alcance das suas percepções, era permitido aos interessados a demonstração, por qualquer meio, de que não correspondiam à verdade (art. 526º, do C.P.C. de 1961).
Assim, resulta dos referenciados preceitos:
- quanto à força probatória formal: que os documentos autênticos fazem prova plena da sua própria autenticidade, isto é, que o autor é a pessoa nele mencionada como tal e de que se formou no tempo e no lugar indicado;
- no plano da força probatória material: que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos praticados pelo notário, dos que se passaram na sua presença e dos que se certificou e podia certificar-se.
Numa palavra, os documentos notariais autênticos, enquanto não for arguida a sua falsidade, fazem prova plena de que provieram do respectivo notário e ainda das declarações e outros factos que ele atestou terem sido realizados na sua presença ou por ele foram praticados.
A força probatória dos documentos autênticos impõe-se não só aos sujeitos do acto jurídico, como em relação a terceiros (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 328).
A prova plena atribuída ao documento autêntico notarial é consequência da fé pública de que o notário está revestido, segundo a lei.
A fé pública do notário ou do funcionário cobre "as suas acções e as suas percepções, ou seja, os factos que ele próprio executou e os que se passaram na sua presença, que ele viu ou ouviu " (Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, Vol. III, pág. 368).
Pois bem.
Não pode sofrer dúvida que o meio directo de prova da declaração de aquiescência do mulher do testador à disposição do bem comum constante do testamento de 13-2-67 é o instrumento notarial avulso onde tal declaração foi exarada.
Mas o averbamento nº 2, constante do mesmo testamento, que é um documento autêntico, expressa a percepção do notário de ter sido emitida a declaração da referida aquiescência, em instrumento notarial avulso, e de que tal documento foi arquivado no cartório notarial.
Vale como autêntico aquilo que o notário pode verificar pelo testemunho dos seus sentidos.
O certificado da existência daquele acto notarial avulso faz prova plena da existência do acto.
É o caso típico de facto de que o notário se certificou e podia certificar-se.
Como a recorrente não instaurou, previamente, a competente acção declarativa de falsidade do ajuizado averbamento (nem por outra forma procedeu à respectiva arguição da falsidade, que, aliás, carecia também de ser dirigida contra o notário, atento o disposto no art. 361º, nº3, do C.P.C., na redacção anterior à reforma de 1995/1996, vigente ao tempo da propositura da presente acção), deve ter-se por assente o conteúdo externo e interno daquele averbamento e que se verificou a questionada declaração de aquiescência.
Com efeito, é de concluir que o mencionado averbamento nº 2 faz prova plena da citada declaração de aquiescência da mulher do testador.
Não obsta a tal conclusão o facto do respectivo instrumento notarial avulso não ter sido encontrado no cartório notarial, quando lá foi efectuada a inspecção judicial de 3-6-97.
A circunstância do instrumento notarial avulso, referenciado no mesmo averbamento nº 2, não haver sido então encontrado no arquivo notarial, quando já tinham decorrido mais de 20 anos sobre a sua discutida outorga, não significa, só por si, como é evidente, que não tenha sido formado.
Tal documento pode, entretanto, ter-se extraviado ou desaparecido, por outra causa.
A força probatória plena do averbamento mantém-se, por não ter sido arguida e demonstrada a sua falsidade.
Basta essa força probatória plena daquele averbamento para se terem por provados os factos nele certificados pelo notário e para tais factos poderem ser atendidos pelo Tribunal, ao abrigo do princípio da aquisição processual, consagrado no art. 515º do C.P.C.
Não se trata de suprir a falta do documento onde a mulher do testador deu a sua aquiescência à disposição do bem comum, mas de assumir a relevância jurídica da força probatória plena resultante do averbamento nº 2, constante do testamento.
Por outro lado, importa ainda referir que os factos a considerar, para efeito de usucapião, são apenas os que vieram a resultar apurados pela Relação.
E tais factos, nos termos em que ficaram definidos e definitivamente assentes pela 2ª instância, são insuficientes para conduzir à pretensa aquisição do questionado prédio pela autora, por não se ter demonstrado a inversão do título da posse, por parte da D, nos termos previstos no art. 1265º do Cód. Civil, e por toda a demais fundamentação já suficientemente exposta no douto Acórdão recorrido.

Consequentemente, poder-se-á sintetizar:
a) É válida e eficaz a disposição do bem comum constante do testamento de 13-2-67, salvo na parte em que foi proibida a alienação da nua propriedade pelo fideicomissário "Colégio Missionário C";
b) Está afectado de nulidade o contrato de compra e venda celebrado entre D e a autora A, referente ao dito prédio que foi objecto da disposição testamentária;
c) É válido o contrato de compra e venda do direito de usufruto outorgado entre F e a ré B;
d) É válido o contrato de doação da nua propriedade sobre o mesmo prédio, celebrado entre o "Colégio Missionário C" e a ré B;
e) A ré B é titular do direito de propriedade sobre o questionado prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta do Sol sob o nº 00465/080591, com excepção da casa de habitação inscrita na respectiva matriz sob o art. 2.286º.

Termos em que negam a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2003
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Ponce de Leão