Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
344/07.0TTEVR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SAMPAIO GOMES
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
Data do Acordão: 01/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - A impossibilidade de o trabalhador prestar o trabalho, ou de o empregador o receber, a que se reporta o artigo 387.º, alínea b), do Código do Trabalho de 2003, deve ser entendida nos termos gerais de direito, ou seja, em moldes similares ao regime comum da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor, constante do artigo 790.º e seguintes, do Código Civil.

II - A impossibilidade a que se refere o citado artigo do Código do Trabalho tem que ser superveniente – a caducidade do contrato pressupõe a prévia constituição e desenvolvimento de uma relação laboral válida – definitiva – em contraposição a impossibilidade temporária, uma vez que, neste caso, apenas pode haver lugar à suspensão do contrato de trabalho – e absoluta – no sentido de que não pode corresponder a uma situação de mera dificuldade na prestação da actividade laboral ou do seu recebimento.

III - Numa situação em que haja sido reconhecida à trabalhadora uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual com uma incapacidade permanente parcial de 10% para o desempenho de outra profissão, decorrente de doença profissional, é ao empregador que cabe encontrar, no seio da empresa, para a trabalhadora afectada, ocupação e função compatíveis com a sua incapacidade, por apelo ao disposto no artigo 9.º, da RLAT.

IV - É à empregadora que compete alegar e provar a inexistência, no seio da empresa, de posto de trabalho compatível com a incapacidade diminuída do trabalhador, por se tratar de facto constitutivo do seu direito de declarar caduco o contrato de trabalho (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

V - Resultando provado que a trabalhadora contraiu doença profissional que, definitiva e absolutamente, a impediu de desempenhar as tarefas para as quais foi contratada e resultando apurado que a entidade empregadora não dispunha de outros postos de trabalho onde a pudesse colocar ou de postos de trabalho onde não estivesse sujeita aos riscos que, justamente, lhe determinaram a doença profissional que padecia, é de concluir pela caducidade do seu contrato de trabalho.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:        

I)

1.

AA propôs acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra Matadouro Regional do BB, S.A. com sede em S....

Para o efeito alegou, em síntese:

-Ter sido admitida ao serviço da Ré em 17 de Dezembro de 1990, para exercer funções de magarefe, auferindo ultimamente o salário base mensal de € 545,00, e desempenhando também funções de natureza administrativa;

-Ao serviço da Ré, contraiu doença profissional (brucelose), que lhe determinou uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e uma incapacidade permanente parcial de 10% para profissões não sujeitas ao risco de contacto e manuseamento de carnes;

- Tendo do facto informado a Ré, a quem solicitou a atribuição de outras tarefas, foi informada, por carta datada de 27 de Outubro de 2006, de que o seu contrato de trabalho caducava nos termos do art°. 387°, al. b), do Código do Trabalho, por não haver posto de trabalho compatível, o que não corresponde à verdade e se traduz num despedimento ilícito.

Termina pedindo que seja decretada a nulidade do seu despedimento, declarando-se que subsiste o vínculo laboral celebrado com a Ré, e esta condenada pagar-lhe:

a)         € 2.452,00, de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação;

b)         € 13.075,20 de indemnização de antiguidade;

c)         As prestações pecuniárias vencidas e vincendas que deixou de auferir desde a data do despedimento;

d)        Uma indemnização por danos não patrimoniais, decorrentes do despedimento ilícito, de valor não inferior a € 1.500,00;

e)         Tudo acrescido de juros, à taxa legal, até integral pagamento.

Na contestação, a Ré impugnou os fundamentos da acção, dizendo, em síntese, que, estando a Autora impossibilitada de prestar o trabalho para o qual havia sido contratada e tendo ela recusado todo e qualquer tipo de funções que não fossem de secretariado ou de apoio à contabilidade, serviços cujo quadro se achava preenchido, ocorreu fundamento para a cessação do contrato por caducidade, pelo que conclui pela absolvição dos pedidos, com excepção dos créditos emergentes da cessação do contrato.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

-           Declarou a caducidade do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré por impossibilidade superveniente e absoluta da primeira prestar o seu trabalho;

-           Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 454,16, a título de subsídio de férias do ano da cessação do contrato de trabalho.

Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Évora decidido:

a)         Reconhecer a ilicitude da desvinculação contratual da Autora, promovida pela Ré, sob a invocação de caducidade do contrato de trabalho, que nessa medida correspondeu a um despedimento ilícito;

b)         Pagar à Autora, a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato, uma quantia equivalente a 20 dias de retribuição base, referenciada ao valor mensal de € 545,00, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, computada na data do trânsito em julgado da decisão judicial, e em montante a apurar em incidente de liquidação de sentença;

c)         Pagar à Autora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde a data do despedimento, e até trânsito em julgado da decisão judicial, deduzidas dos valores referidos no art. 437° n° 2 e 4, do C.T., e em montante a apurar em incidente de liquidação de sentença;

d) Pagar à Autora os juros de mora à taxa supletiva legal, sobre as importâncias referidas em a) e b), desde que as mesmas se mostrem liquidadas e até integral pagamento.

Não se conformando com o Acórdão, a Ré interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu ordenar a ampliação da matéria de facto.

Cumprindo a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, o tribunal de primeira instância, após a realização da audiência de julgamento, proferiu decisão julgando a acção parcialmente procedente e em consequência:

a)         Declarou a caducidade do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, por impossibilidade superveniente e absoluta da Autora prestar o seu trabalho;

b)         Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 456,16 a título de subsídio de férias do ano da cessação do contrato de trabalho.

2.

Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, que, julgando a apelação improcedente, manteve a sentença da 1ª instância.

É contra esta decisão da Relação que a A. não se conforma e agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido, proferindo-se Acórdão condenando a R. a reconhecer a ilicitude da desvinculação contratual da A., promovida sob a invocação de caducidade do contrato de trabalho, considerando ter ocorrido despedimento ilícito, formulando as seguintes conclusões:

1.            Em primeira instância o Meritíssimo Juiz do Tribunal de Trabalho de Évora proferiu sentença que declarou a caducidade do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré por impossibilidade superveniente e absoluta da autora prestar o seu trabalho, tendo condenado a Ré a pagar à autora apenas a quantia de € 456,16 a título de subsídio de férias do ano da cessação do contrato de trabalho.

2.            Desta sentença interpôs a recorrente recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

3.            Vem o presente recurso do douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora que julgou a apelação improcedente e, consequentemente, manteve a decisão do Tribunal de primeira instância.

4.            Este acórdão, com o devido respeito, violou a lei substantiva aplicável e fez errada aplicação do direito à factualidade apurada nos autos, da qual foi extraído efeito jurídico contrário ao que aquela matéria de facto impunha.

5.            A matéria de facto apurada não permitia que se concluísse, como concluíram os Venerandos Desembargadores, que a R. não tinha posto de trabalho para oferecer à autora ora recorrente.

6.            Como não autoriza a factualidade dada como provada que se conclua que a Ré tenha oferecido à Autora qualquer posto de trabalho, nomeadamente no bar, cantina, portaria, segurança ou limpeza das instalações e que esta tenha desprezado.

7.            Da factualidade provada, ao contrário do que afirmam os Venerandos Desembargadores da Relação de Évora, não resulta que estavam ocupados todos os postos de trabalho fora da zona do abate, nomeadamente na área administrativa.

8.            Nada se apurou quanto à suficiência ou não dos trabalhadores que estão nessas áreas, muito menos se apurou a sua suficiência à data em que a arguida foi privada do seu posto de trabalho em 27/10/2006.

9.            É à data de 27/10/2006, quando foi declarada a caducidade do contrato da A. ora recorrente, que deve aferir-se da capacidade que a R. tinha para a colocar num posto de trabalho compatível com a sua incapacidade para o trabalho.

10.          Não foi considerado demonstrado que não havia então posto de trabalho afastado do risco que pudesse ter sido ocupado pela recorrente.

11.          Manifestamente, os Venerandos Desembargadores aplicaram o Direito a uma factualidade que, de facto, não foi a apurada nos presentes autos, o que resultou em manifesta violação da lei substantiva e erro de interpretação e aplicação do direito aos factos.

12.          Erraram os Venerandos Desembargadores quando concluíram que "perante este quadro" estávamos "efectivamente, perante uma situação de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, que configura uma causa de caducidade do contrato de trabalho".

13.          A causa de caducidade em análise e a norma jurídica cuja interpretação e aplicação foi erradamente levada a efeito no acórdão sub judice é a prevista no art. 387° do CT que prevê que o contrato de trabalho caduque, nos termos gerais de direito, quando se verifique a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber.

14.          A impossibilidade absoluta há-de resultar do facto de a prestação não poder, de todo, ser efectuada, não bastando uma mera difficulta praestandi, e sendo uma impossibilidade definitiva deverá consistir num impedimento não meramente temporário.

15.          A jurisprudência tem vindo a interpretar a impossibilidade absoluta como sendo uma incapacidade para todo o tipo de trabalho, de tal modo que se a entidade patronal puder colocar o trabalhador a exercer outras funções, o contrato não caduca, mas mantém-se ainda que com eventual modificação do seu objecto (acórdãos do STJ de 23 de Maio de 2001, Processo n° 2956/00 e de 07/03/2007, Processo 06S4277).

16.          Não foi nos autos demonstrada matéria factual que permitisse aos Tribunal recorrido concluir que ocorreu impossibilidade definitiva e absoluta da execução do contrato por parte da Autora.

17.          Foi dado como provado que no exercício da sua actividade profissional que implicava o contacto e manuseamento de carnes, a A. contraiu doença profissional - Brucelose - na sequência da qual foi reconhecida à A. uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (100% de incapacidade para a sua profissão) e uma Incapacidade Permanente Parcial de 10% para profissões não sujeitas ao mesmo risco (4º e 5º pontos da matéria considerada provada).

18.          A declaração de incapacidade absoluta permanente da apelante para o seu trabalho habitual e da sua incapacidade permanente parcial de apenas 10% para profissões não sujeitas ao mesmo risco torna manifesta a aptidão da recorrente para o exercício de funções afastadas do referido risco e para as quais deveria ter sido reconvertida.

19.          Aproveitou a R. a comunicação que a própria apelante lhe fizera da mencionada declaração de incapacidade para, sem mais diligências, declarar a caducidade do contrato de trabalho aqui em causa.

20.       Não resultou demonstrado que a R., ora recorrida, tenha realizado quaisquer diligências para encontrar para a recorrente quaisquer funções ou trabalho afastado do risco.

21.       Da factualidade provada não resulta ter sido proposto à recorrente qualquer posto de trabalho, nomeadamente no bar, cantina, portaria, segurança ou limpeza das instalações, resultando antes que "A Ré não ofereceu a Autora qualquer posto de trabalho na área administrativa, portaria, segurança e limpeza de instalações".

22.          Não resultou provado nos autos que foram realizadas pela recorrida quaisquer esforços no sentido de reconverter a trabalhadora na empresa.

23.          Resulta dos factos apurados que a ré tinha várias zonas da empresa onde o risco de contrair a brucelose era reduzido.

24.          A impossibilidade superveniente susceptível de determinar a caducidade do contrato é, nos termos da lei, uma impossibilidade absoluta e definitiva e, portanto, deverá traduzir-se numa incapacidade total e irreversível para todo e qualquer trabalho dentro da empresa.

25.       Com efeito, se a lei admitia a caducidade do contrato de trabalho nos termos do disposto no artigo 387°, al.b) do Código de Trabalho em vigor à data da cessação do contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de a A. prestar o trabalho para que fora contratada e de a Ré receber essa prestação em termos compatíveis com a capacidade daquela, a jurisprudência vem definindo a admissibilidade dessa declaração de caducidade em termos exigentes no que toca à verificação dos pressupostos tácticos que configuram tal instituto.

26.          No caso dos autos, a exigência na verificação desses pressupostos punha-se com especial acuidade já que a incapacidade resultava directamente do exercício dessas funções, por ter, ao trabalhar por conta, sob direcção e fiscalização da ré e no interesse desta, contraído a doença profissional determinante da incapacidade que gerou a impossibilidade superveniente acima mencionada.

27.        No caso dos autos não devia a reabilitação funcional da autora ser feita à margem da ré.

28.        No caso dos autos era aplicável o disposto no artigo 9º do Dec-Lei n° 248/99, de 2/7 (que regulamentou a lei 100/97, de 13/9), devendo a ré recorrida, em face da doença profissional contraída pela autora, assegurar no seu seio a ocupação e função compatível com a capacidade residual da autora e com o seu estado.

29.        A regra do art-° 9º do Dec.-Lei n° 248/99, de 2/7, (diploma que regulamentou a Lei n° 100/97, de 13/09, relativamente à protecção da eventualidade de doenças profissionais, a par do que para os acidentes de trabalho sucedeu com o Dec.-Lei n° 143/99, de 30/04), é inequívoca: "aos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho em consequência de doença profissional será assegurada, na empresa ao serviço da qual ocorreu a doença, a ocupação e função compatíveis com o respectivo estado e a respectiva capacidade residual."

30.          A lei impõe como regra, em caso de trabalhador afectado de doença profissional, que o empregador proceda à sua reconversão funcional, garantindo-lhe emprego compatível com a sua capacidade de trabalho residual.

31.          Essa era, inequivocamente, a situação da recorrente.

32.          Os supra referidos preceitos legais e jurisprudência deviam ter sido aplicados ao caso dos autos e não foram.

33.          Assim, em face de todos os factos demonstrados nos autos, impunha-se que, radicalmente ao invés do que decidiram os Senhores Desembargadores, se desse como improcedente a caducidade invocada e que, em consequência, foi ilícita a desvinculação contratual da A. promovida pela Ré e que, assim, configurou um despedimento ilícito, com as legais consequências.

34.          Os Venerandos Desembargadores da Relação de Évora, ao decidir como decidiram, violaram direito substantivo, nomeadamente os preceitos dos artigos 9º do Dec-Lei n° 248/99, de 2/7 (que regulamentou a lei 100/97, de 13/9), 387°, 435° a 439° do Código do Trabalho.

35.      A aplicação do direito que os Senhores Desembargadores fizeram à matéria factual apurada consubstancia igualmente, afinal, violação das regras da repartição do ónus da prova, o que também constitui fundamento de recurso de revista (Acs. STJ, de 24.03.1950 e de 04.02.1958).

36.       A A. alegou e demonstrou toda a factualidade que lhe competia alegar e demonstrar para ver reconhecido que a declaração de caducidade do seu contrato de trabalho consubstanciou verdadeiro despedimento sem justa causa e, logo, ilícito.

37.          Deveria a R. ter alegado e provado que não tinha a possibilidade de colocar a autora em lugar compatível com a sua actual situação, o que não ocorreu, atenta a factualidade apurada.

38.          Cabia à R. entidade patronal o ónus de alegar e provar os factos em que se fundou a alegada impossibilidade superveniente de a A., trabalhadora, prestar trabalho (que inclui a inexistência, no seio da empresa, de um posto de trabalho compatível com a capacidade residual da trabalhadora, quando esta não se encontre incapacitada para todo e qualquer serviço, o que é o caso da recorrente).

39.          Perante um non liquet probatório sobre os factos materiais da causa - conclusão a que em concreto deveriam ter chegado os Senhores Desembargadores - o Juiz teria de desfazer a dúvida, na apreciação do direito, em desfavor da parte sobre quem impendia esse ónus (art. 346° in fine do CC e 516° do CPC).

40.          Incumbia à R., ora recorrida o ónus da prova dos factos integradores da impossibilidade superveniente para o trabalho, e esta não logrou efectuar essa prova, porquanto não trouxe ao processo os elementos que pudessem consubstanciar o juízo conclusivo em que alicerçou a alegada inaptidão da trabalhadora para a manutenção de um posto de trabalho na empresa.

41.          Convém não esquecer que a factualidade com relevância para a decisão da causa que o Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso de revista, determinara dever ser, de novo, submetida a julgamento e que cabia à R. demonstrar não foi considerada provada.

42.          Nomeadamente, não provou que a autora desprezou postos de trabalho afectos ao bar e à cantina, à portaria, à segurança e à limpeza das instalações;

43.          Como não provou a ré que apenas dispunha de menos de 5 postos de trabalho cujo leque de funções se coaduna com as que a Autora pretendia desempenhar;

44.          Como não provou que ao tempo da cessação do contrato de trabalho da recorrente, por alegada caducidade do mesmo, o quadro de pessoal da R. era mais do que suficiente para fazer face às necessidades de carácter administrativo.

45.          Recorrentemente tem a jurisprudência sublinhado que é sobre a entidade patronal que impende o ónus de alegar e provar, quer os factos caracterizadores da impossibilidade, quer os factos que revelem a inexistência no seio da empresa, de um posto de trabalho compatível com a capacidade diminuída do trabalhador, por se tratar, em qualquer dos casos, de factos constitutivos do direito de declarar a caducidade (acórdãos do STJ de 23 de Maio de 2001 e de 07/03/2007, citados e de 28 de Junho de 2001 no processo 375/01).

46.          Os Senhores Desembargadores deviam ter sido particularmente exigentes, no caso da recorrente que contraiu doença profissional ao serviço da R., no reconhecimento da presença dos requisitos para a caducidade do contrato de trabalho, e não foram.

47.          Assim, em face de todos os dados constantes dos autos e dos factos considerados como provados e factos não provados, impunha-se que, radicalmente ao invés do que declarou, se declarasse no douto acórdão recorrido que, cabendo à R. alegar e provar os factos integradores da invocada caducidade do contrato e impossibilidade de colocar a recorrente em posto de trabalho compatível com a sua capacidade residual e não o tendo feito, improcedia a excepção de caducidade alegada.

48.       O douto acórdão recorrido violou, entre os já mencionados artigos 9º do Dec-Lei n° 248/99, de 2/7 (que regulamentou a lei 100/97, de 13/9), 387°, 435° a 439° do Código do Trabalho, os preceitos constantes do art. 346° in fine do CC e acessoriamente do 516° do CPC.

Termina, pedindo que a presente Revista seja julgada inteiramente procedente e, em consequência, se revogue o Acórdão recorrido proferindo-se Acórdão condenando a R. a reconhecer a ilicitude da desvinculação contratual da A., promovida sob a invocação de caducidade do contrato de trabalho, considerando ter ocorrido despedimento ilícito. 

               Apresentadas contra-alegações, a recorrida protesta a manutenção do julgado, com a improcedência do recurso.

Neste Supremo Tribunal, a Ex. Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a revista deve ser negada.

Notificado às partes este parecer, não suscitou qualquer resposta.

Atentas as conclusões das respectivas alegações, é a seguinte a questão que se coloca à apreciação deste Supremo Tribunal:     

- Saber se ocorreu uma situação de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, e como tal, se se verifica a caducidade do contrato de trabalho.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

I I)

1.

As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

1- A A. foi admitida em 17/12/1990 para exercer as funções de magarefe sob as ordens, direcção e fiscalização da R., no âmbito de contrato de trabalho individual sem termo.

2- Auferia ultimamente a remuneração mensal de base, ilíquida, de € 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco euros).

3- A A. detinha ultimamente e formalmente a categoria profissional de magarefe de 3ª, mas certo é que vinha desempenhando funções correspondentes à sua categoria profissional, mas, igualmente, desempenhava tarefas correspondentes a funções de natureza administrativa.

4- No exercício da sua actividade profissional que implicava o contacto e manuseamento de carnes, actividade essa desenvolvida ao serviço e no interesse da R. a A. contraiu doença profissional — Brucelose.

5- Na sequência de tal doença profissional foi reconhecida à A. uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (100% de incapacidade para a sua profissão) e uma Incapacidade Permanente Parcial de 10% para profissões não sujeitas ao mesmo risco.

6- Tal facto foi comunicado à A. por ofício datado de 22/09/2006 do Centro Nacional de Protecção Contra Os Riscos Profissionais, recebido pela A. em 28/09/2006.

7- Por carta datada de 27 de Outubro de 2006, a R. informou a A. de que considerava que o seu contrato de trabalho caducava nos termos do disposto no art. 387° a. b) do Código do Trabalho, por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de a A. prestar a actividade para que fora contratada e por alegadamente não se verificar a existência de nenhuma actividade de que a R. carecesse e que fosse compatível com o estado de saúde daquela.

8- A A. trabalhou por conta da R., ininterruptamente, desde 17/12/1990 e até 30/10/2006.

9- A A. contraiu brucelose quando trabalhava ao serviço e no interesse da R.

10- A A. possui o 12° ano de escolaridade.

11- A Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto a prestação de serviços de abate de gado, desmancha e preparação de carnes.

12- A única tarefa que a Autora desempenhou diferente daquela para a qual foi contratada foi a recolha e processamento de análises clínicas aos animais abatidos para despiste da BSE e da SCRAPIE.

13- A Autora após a cessação do contrato dirigiu-se, pelo menos duas vezes, aos escritórios da Ré.

14- A Autora entrou de baixa, por efeito de doença prolongada e omitiu por completo a questão da suspensão do contrato.

15- A autora estava interessada em desempenhar funções na área administrativa.

16- A Ré tinha entregue a exploração do bar e cantina a uma entidade terceira que dispunha de trabalhadores próprios e alheios à Ré.

17- Na área administrativa a Ré dispunha de cinco trabalhadores afectos, um à recepção e telefonista, dois ao departamento financeiro, um ao departamento de recursos humanos e um de apoio à contabilidade exercido por uma contabilista.

18- Actualmente a Ré tem vindo a reduzir o pessoal administrativo por dificuldades financeiras e por diminuição dos períodos de laboração.

19- A Ré não ofereceu à Autora qualquer posto de trabalho na área administrativa, portaria, segurança e limpeza de instalações.

20- A portaria é assegurada por 4 trabalhadores que nos dias em que o matadouro está fechado são quem recebe os animais e os coloca nos currais.

21- A limpeza é efectuada por 4 trabalhadores que limpam os escritórios, laboratório e as salas de abate e desmancha dos animais.

22- A A. exercia funções no laboratório na elaboração das análises e na área administrativa, sector de expedição onde efectuava preenchimento de guias.

23- A área administrativa e da cantina são os locais em que é menor o risco de contrair a doença encontrando-se quer a área administrativa, quer a cantina em edifícios afastados do edifício de abate e desmancha onde é efectuada a expedição e análises.

2.

Alegou a Recorrente que a decisão recorrida não poderia ter declarado a caducidade do contrato de trabalho entre a Autora e a Ré, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da Autora prestar o seu trabalho, sob pena de violação do disposto nos arts. 9º do Decreto-Lei n° 248/99, de 02 de Julho, e 387°, 435° a 439° do Código do Trabalho.

Contudo, e a apreciar como questão prévia, importa referir que a recorrente se fundamenta em “factualidade erradamente apurada e em omissões da matéria de facto”, o que pode conduzir-nos a pretensa ampliação da matéria de facto.

De acordo com o disposto no artº 729º, nº3 do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal pode, quando entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ordenar que os autos voltem ao tribunal recorrido.

Todavia, a ampliação só pode ser ordenada quando as instâncias não se tenham pronunciado sobre factos relevantes do litígio, oportunamente alegados pelas partes, destinando-se a ampliação a averiguar tais factos.

Ora, sobre esta questão, cumpre referir que, após a realização do 2º julgamento por decisão deste S.T.J. (fls. 325 e sgs.) a matéria de facto foi efectivamente ampliada, constituindo agora, contrariamente ao alegado pela recorrente, base suficiente para a decisão de direito.

Assim, será com base na factualidade apurada que se apreciará a questão essencial em causa, isto é, se se verifica a caducidade do contrato de trabalho.

“O contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito, nomeadamente, verificando-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber” - assim estabelece a al. b) do artº 387º do CT de 2003.

A impossibilidade de o trabalhador prestar o trabalho, ou de o empregador o receber, a que se reporta aquele dispositivo, deve ser entendida nos termos gerais de direito, ou seja, em moldes similares ao regime comum da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor constante do artigo 790.º e seguintes do Código Civil.

A impossibilidade a que se refere aquela norma reveste, pois, as características de:

- superveniente: a caducidade do contrato pressupõe a prévia constituição e desenvolvimento de uma relação laboral válida;

- definitiva: em contraposição a impossibilidade temporária de prestar ou de receber o trabalho; em caso de impossibilidade temporária, apenas pode haver lugar à suspensão do contrato de trabalho;

- absoluta: no sentido de que não pode corresponder a uma situação de mera dificuldade na prestação da actividade laboral ou no seu recebimento.

De entre aquelas exigências, no caso concreto, é a última que suscita mais dificuldades e onde se situa o cerne da questão a apreciar.

Na verdade, para a impossibilidade ser superveniente pressupõe-se que o contrato de trabalho, aquando da sua celebração, podia ser cumprido, tendo surgido, posteriormente, um impedimento que obsta à realização da prestação laboral ou ao seu recebimento.

É o caso dos autos.

A factualidade apurada não contradiz esta exigência.

Também não é temporária a impossibilidade — no que diz respeito à função que exercia — porquanto se encontra como provado que a Autora,

- “No exercício da sua actividade profissional que implicava o contacto e manuseamento de carnes, actividade essa desenvolvida ao serviço e no interesse da R. a A. contraiu doença profissional — Brucelose (ponto 4).

- Na sequência de tal doença profissional foi reconhecida à A. uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (100% de incapacidade para a sua profissão) […]”(ponto 5).

E a este propósito importa referir que deve considerar-se definitiva se a impossibilidade “vai durar tanto tempo que não será exigível à empresa aguardar futura e sempre incerta viabilização das relações contratuais”.

O reconhecimento de uma IPA com 100% de incapacidade para a sua profissão traduz aquele pressuposto de impossibilidade definitiva.

            É, pois, o requisito da impossibilidade absoluta que, no caso concreto, maior dificuldade suscita, porquanto, embora na sequência de doença profissional tenha sido reconhecida à A. uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (100% de incapacidade para a sua profissão), certo é que lhe foi reconhecida uma Incapacidade Permanente Parcial de 10% para profissões não sujeitas ao mesmo risco.

            É que se é certo que a prestação se torna impossível para a A. para a sua profissão, operando aí, a caducidade, o que é certo é que não está vedada a possibilidade de poder ser-lhe atribuída outra função no seio da organização da Ré empregadora.           

            O art.° 9º da RLAT (Dec.-Lei n° 248/99, de 2/7, diploma que regulamentou a Lei n° 100/97, de 13/09, relativamente à protecção da eventualidade de doenças profissionais, reporta-se "aos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho em consequência de doença profissional”, aos quais “será assegurada, na empresa ao serviço da qual ocorreu a doença, a ocupação e função compatíveis com o respectivo estado e a respectiva capacidade residual".

            E cabe ao empregador encontrar, no seio da empresa, para o trabalhador afectado, ocupação e função compatíveis com a sua incapacidade, assim como lhe cabe o ónus de provar essa impossibilidade (artº 342º nº1 do Cód. Civil).

É, pois, à empregadora que compete alegar e provar a inexistência, no seio da empresa, de posto de trabalho compatível com a capacidade diminuída do trabalhador, por se tratar de facto constitutivo do seu direito de declarar caduco o contracto de trabalho, sob pena de não poder invocar a caducidade do contrato nos termos dos artigos 384º, al.a) e 387º, al.b) do CT de 2003.

Nesta parte, escreveu-se no Acórdão recorrido:

“A Autora foi admitida em 17/12/1990 para exercer as funções de magarefe sob as ordens, direcção e fiscalização da R., no âmbito de contrato de trabalho individual sem termo. Detinha, ultimamente, a categoria profissional de magarefe de 3ª, desempenhando, efectivamente, as funções correspondentes à sua categoria profissional e para além disso efectuava a recolha e processamento de análises clínicas aos animais abatidos para despiste da BSE e da SCRAPIE.

No exercício da sua actividade profissional, que implicava o contacto e manuseamento de carnes, contraiu doença profissional — Brucelose.

Na sequência de tal doença profissional foi reconhecida à Autora uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (100% de incapacidade para a sua profissão) e uma Incapacidade Permanente Parcial de 10% para profissões não sujeitas ao mesmo risco.

Tal facto foi comunicado à A. por ofício datado de 22/09/2006 do Centro Nacional de Protecção Contra Os Riscos Profissionais, recebido pela A. em 28/09/2006.

Por carta datada de 27 de Outubro de 2006, a Ré informou a Autora de que considerava que o seu contrato de trabalho caducava nos termos do disposto no art. 387° al. b) do Código do Trabalho, por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de a A. prestar a actividade para que fora contratada e por alegadamente não se verificar a existência de nenhuma actividade de que a R. carecesse e que fosse compatível com o estado de saúde daquela.

A Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto a prestação de serviços de abate de gado, desmancha e preparação de carnes.

A Autora, após a cessação do contrato, dirigiu-se, pelo menos duas vezes, aos escritórios da Ré, estando interessada em desempenhar funções na área administrativa.

A Ré tinha entregue a exploração do bar e cantina a uma entidade terceira que dispunha de trabalhadores próprios e alheios à Ré.

Na área administrativa a Ré dispunha de cinco trabalhadores afectos, um à recepção e telefonista, dois ao departamento financeiro, um ao departamento de recursos humanos e um de apoio à contabilidade exercido por uma contabilista.

Actualmente a Ré tem vindo a reduzir o pessoal administrativo por dificuldades financeiras e por diminuição dos períodos de laboração.

A Ré não ofereceu à Autora qualquer posto de trabalho na área administrativa, portaria, segurança e limpeza de instalações.

A portaria é assegurada por 4 trabalhadores que nos dias em que o matadouro está fechado são quem recebe os animais e os coloca nos currais.

A limpeza é efectuada por 4 trabalhadores que limpam os escritórios, laboratório e as salas de abate e desmancha dos animais.

A Autora exercia funções no laboratório na elaboração das análises e na área administrativa, sector de expedição onde efectuava preenchimento de guias.

A área administrativa e da cantina são os locais em que é menor o risco de contrair a doença encontrando-se quer a área administrativa, quer a cantina em edifícios afastados do edifício de abate e desmancha onde é efectuada a expedição e análises.

Perante esta factualidade, temos de concluir que a principal actividade da Ré se desenvolve na prestação de serviços de abate de gado, desmancha e preparação de carnes. Para assegurar essa actividade principal tem uma área administrativa, bar e cantina, portaria, serviços de limpeza e um laboratório para elaborar análises à carne.

A Autora, dada a doença profissional que contraiu, só poderia ser colocada num posto de trabalho afastado da zona do abate e da desmancha das carcaças dos animais.

Considerando que todos os postos de trabalho fora da zona do abate e da desmancha estavam ocupados, nomeadamente a área administrativa, temos de concluir que a Ré não dispunha de posto de trabalho compatível que pudesse atribuir à Autora.

Na verdade, não podemos esquecer que a Ré tinha entregue a exploração do bar e cantina a uma entidade terceira que dispunha de trabalhadores próprios.

Por seu turno, na área administrativa a Ré dispunha de cinco trabalhadores afectos, um à recepção e telefonista, dois ao departamento financeiro, um ao departamento de recursos humanos e um de apoio à contabilidade exercido por uma contabilista.

De referir ainda que a limpeza era efectuada por 4 trabalhadores que limpavam os escritórios, laboratório e as salas de abate e desmancha dos animais”.

Sufraga-se este entendimento.

Na verdade, resulta dos pontos 15 e 18 dos factos provados, que, estando a A. interessada em desempenhar funções na área administrativa da Ré, entenda-se “escritórios”, onde nunca trabalhou, aí nenhuma vaga havia, estando ocupados todos os respectivos lugares, tendo a Ré, inclusive, vindo a reduzir o pessoal que aí trabalha, por dificuldades financeiras e por diminuição dos períodos de laboração.

Compreende-se, assim, com também refere a Exª Procuradora Geral Adjunta no seu Parecer, que a Ré não lhe tenha oferecido aí qualquer posto de trabalho (ponto 19), o mesmo acontecendo quanto à portaria, segurança e limpeza das instalações dado que estas tarefas implicam , pontual ou sistematicamente, contacto com os animais, vivos ou mortos (pontos 20 e 21), o que está desaconselhado à A. por via da doença que contraiu e que teve origem precisamente nesse contacto.

Quanto à cantina ou ao bar, está dado como provado que a Ré tinha entregue a exploração respectiva a entidade terceira, que dispunha de trabalhadores próprios e que eram alheios à Ré, pelo que esta não dispunha da possibilidade de aí colocar a A.

Resulta, pois, daqui, estarem alegados e provados factos cujo ónus era da Ré, que se traduzem em não dispor, no seio da empresa, de qualquer lugar para a A. ora recorrente (comportando ou não ocupação e função compatíveis com a incapacidade da A.).

Perante este quadro, estamos, efectivamente, perante uma situação de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, que configura uma causa de caducidade do contrato de trabalho.

Não se vê, assim, motivo para dissentir desta linha de orientação, pelo que bem andou o Ac. recorrido.

I I I)

Pelo exposto, decide-se negar a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2012

Sampaio Gomes (Relator)

Pereira Rodrigues

Pinto Hespanhol