Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
381/20.0PCSTB-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ PEREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O fundamento de revisão consagrado na al. d) do nº 1 do artigo 449º do CPP exige, primeiro, a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova. E, a seguir, que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Esta alínea admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou novos meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

II. Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados até ao fim do mesmo. Se o arguido conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, devia ter requerido a investigação desses factos e a produção desses meios de prova.

III. O recorrente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (artigo 453º, nº 2, do CPP).

IV. No caso, as testemunhas eram conhecidas do arguido ao tempo, tanto assim que chegou a indicá-las ao órgão de polícia criminal.

V. Mas se, em termos de convocação, com inércia, falha ou omissão do órgão do polícia criminal, ou do Ministério Público ou até do próprio tribunal fosse confrontado, nada impedia que o arguido, por si, indicasse as testemunhas em sede de contestação ou no decurso da audiência de julgamento, justificando a sua relevância para a descoberta da verdade material, nos termos do disposto no artigo 340.º, do Código de Processo Penal (e não o fez). Mais, o facto de as mesmas alegadamente se terem ausentado do território nacional também não impedia a sua inquirição, concretamente ao abrigo do disposto no artigo 318.º, n.º 8, do Código de Processo Penal.

VI. Se aquilo que vem adiantado como sendo do conhecimento das testemunhas “novas” não tiver a virtualidade de contrariar os depoimentos recolhidos em sede de julgamento, todos presenciais, uniformes e concordantes com os demais meios de prova, falecerá desde logo o requisito das “graves dúvidas”.

VII. É que quanto à gravidade das dúvidas sobre a justiça da condenação, não releva que o facto e/ou meio de prova seja capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação pois o conceito reclama para tais dúvidas um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que tais factos ou meios de prova novos hão de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª secção, criminal, do STJ


I - RELATÓRIO

I.1. AA foi condenado, por decisão do Tribunal da Relação de Évora de 05/04/2022, transitado em julgado em 11/05/2022 (acórdão que alterou a decisão de 1ª instância quanto à inicialmente determinada suspensão de execução da pena), pela prática de um crime de violência doméstica, p, e p. pelo artº 152º, nºs 1, al. b), 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efetiva, pena que se encontra atualmente a cumprir, com final de cumprimento previstos para o dia 21/09/2027.

Vem agora interpor recurso de revisão, invocando para tanto a alínea d) do nº 1 do artº 449º do Código de Processo Penal, fundamento da descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscita graves dúvidas sobre a Justiça da condenação.

Em síntese, afirma que

(i) o tribunal a quo deu como verificadas pelo menos duas agressões à sua companheira, “factos que jamais aconteceram”.

(ii) existindo elementos probatórios que, caso tivessem sido analisados nos autos, teriam afastado a convicção formada quanto à sua culpabilidade, antes se tendo provado que foi ele a vítima de agressão por parte da ofendida, sua ex-companheira.

(iii) E “Mais declarou em audiência que tinha testemunhas que presenciaram os factos, designadamente a outra mulher com quem estava no carro, não tendo a mesma sido identificada sequer pela polícia que acudiu ao local.”

(iv) Quanto aos factos passados em Cabo Verde não é o tribunal português territorialmente competente para deles conhecer.

No texto da motivação, no seu final, refere que os factos em causa e atrás referidos serão novos, e também novos serão os factos de a ofendida possuir carta de condução estrangeira, a sua real situação pessoal, o facto de se tratar de motorista profissional, o único sustentáculo do agregado familiar, bem como a sua situação socioeconómica, e ainda o facto não ter sido interveniente em nenhum acidente de viação na determinação da sanção aplicada, referindo-se aqui, ao que se entende ser excessiva a condenação em 5 meses de proibição de conduzir veículos automóveis.

A final indicou duas pessoas para serem ouvidas com testemunhas.

I.2. Na primeira instância o Recorrente foi notificado para indicar a razão de ciência das testemunhas arroladas, bem como a matéria acerca da qual deveriam depor, para efeitos do Tribunal poder aferir da indispensabilidade da sua inquirição nos termos do artigo 453.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e ainda para justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão, e que haviam estado estiveram impossibilitadas de depor, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal.

I.3. A tal convite respondeu o recorrente:

“1. Os depoimentos das testemunhas arroladas serão relevantes para poder provar a sua inocência quanto os factos pelos quais está condenado e a injustiça desta sua condenação, na medida em que presenciaram os factos directamente, designadamente a testemunha BB. Pelo que,

2. Deverão depor sobre a seguinte matéria factual: se estiveram ou não presente no dia, hora e local dos factos; Quem efectivamente agrediu quem se foi a denunciante ou o arguido, se presenciaram as agressões ou não; se presenciaram a chegada da policia, se tiveram ou não conhecimento da agressão da ofendida pelo arguido em Cabo Verde e como, e se sabem quem agrediu quem nessa data; se tiveram conhecimento de alguma agressão ou outro tipo de violência do arguido contra a pessoa da ofendida e quando.

3. Aquando da decisão o arguido ignorava a existências das testemunhas ora arroladas, porquanto tendo comunicado a existência das mesmas a PSP convenceu-se de que as seriam oficiosamente inquiridas ou arroladas pelo Ministério Publico, o que não sucedeu de todo, ao que acresce o factos das mesmas nessa data se tinham ausentado de Portugal para Cabo Verde e França.”

I.4.Na sequência proferiu a mma juíza o seguinte despacho:

“Em síntese, por um lado, nega as agressões do Arguido à Ofendida e, por outro lado, alega que determinados factos e provas não foram tidos em conta no julgamento, designadamente, o facto de ter sido o próprio a ser agredido pela Ofendida, e bem assim a existência de uma mulher que estava na viatura com o Arguido, e que não foi arrolada como testemunha. Termina, requerendo a audição das testemunhas CC e BB.

O tribunal de 1ª instância, tendo em conta que o recorrente não deu cabal cumprimento ao disposto no artigo 453.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, notificou-o nesse sentido, tendo o condenado alegado que ambas as testemunhas são relevantes na medida em que presenciaram os factos, acrescentando que «Aquando da decisão o arguido ignorava a existências das testemunhas ora arroladas, porquanto tendo comunica da existência das mesmas a PSP convenceu-se de que as seriam oficiosamente inquiridas ou arroladas pelo Ministério Publico, o que não sucedeu de todo, ao que acresce o factos das mesmas nessa data se tinham ausentado de Portugal para Cabo Verde e França».

No caso concreto, o Arguido subsume os factos invocados no seu recurso à alínea d) acima citada, requerendo, como diligência probatória, a audição das duas testemunhas que indica, que nunca foram ouvidas, referindo, por um lado, que ignorava a sua existência, mas, por outro lado que a comunicou à PSP, convencido de que seriam oficiosamente inquiridas ou arroladas pelo Ministério Publico, ao que acresce o facto de as referidas testemunhas se terem ausentado de Portugal para Cabo Verde e França.

Ora, tais argumentos, salvo melhor opinião, carecem de sentido.

De facto, se o Arguido alega que já as havia indicado à PSP, então não podia desconhecer a identidade das testemunhas, pelo que, mesmo não tendo sido inquiridas oficiosamente pelo Tribunal ou arroladas na acusação pelo Ministério Público, nada impedia que as mesmas fossem indicadas pelo Arguido em sede de contestação (que, aliás, não apresentou) ou inclusivamente no decurso da audiência de julgamento, por entender por relevante para a descoberta da verdade material, nos termos do disposto no artigo 340.º, do Código de Processo Penal (o que não fez).

Ademais, e em conformidade com a Douta Promoção que antecede, o facto de as mesmas se terem ausentado do território nacional também não impede a sua inquirição, concretamente ao abrigo do disposto no artigo 318.º, n.º 8, do Código de Processo Penal.

Mas, repita-se, tal nunca foi requerido pela Defesa.

Desta forma, não tendo sido trazida prova nova e indispensável para a descoberta da verdade, não sendo atendível o motivo pelo qual as referidas testemunhas não foram ouvidas nos autos – porquanto, por um lado, o Arguido já conhecia a sua existência, e por outro, não se encontravam impossibilitadas de depor –, não resta outra alternativa que não indeferir a realização das diligências de prova solicitadas pelo Arguido.”.

I.5. O Sr PGA emitiu exaustivo parecer onde sublinhou, em síntese, o seguinte:

A invocação de incompetência territorial não é fundamento de revisão.

É deslocado querer discutir no recurso extraordinário de revisão a medida da pena de prisão e o quantum da pena acessória de proibição de contactos.

Não são novos os meios de prova apresentados.

Nunca o apport trazido pelos meios de prova indicados como vem alegado seria suficiente para gerar “graves dúvidas”.

1.6. Foi cumprido o contraditório no que toca ao parecer do Sr PGA. Veio resposta do Recorrente a manter a sua posição.

I.7. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência.

I.8. Admissibilidade e objeto do recurso

Verifica-se que estão preenchidos os pressupostos formais do recurso:

A decisão revidenda transitou em julgado (art. 449º, nº 1, do CPP).

O recurso foi introduzido pelo condenado, com legitimidade (art. 450º, nº1, alínea c) do CPP) e assistido por defensor.

O tribunal de revisão é o competente (arts 451º, 452º e 455ºdo CPP)

Foi prestada a informação judicial sobre o mérito do pedido prevista no artº 454º do CPP.

A tramitação do recurso foi a adequada.

O objeto do recurso é a pretensão de revisão da sentença supra referida com fundamento em novos factos ou novos meios de prova, nos termos da al. d) do nº 1 do artigo 449º do CPP.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Factos

II.1.1. O recorrente foi condenado pela prática dos seguintes factos:

1. O arguido e a ofendida DD, iniciaram relação análoga à dos cônjuges, com comunhão de cama e mesa, há cerca de 4 anos, mais concretamente no ano de 2017, fixando a casa de morada de família, na Rua ..., n.º 11, 5º B, ....

2. Deste relacionamento, resultou o nascimento da filha comum do casal, EE, nascida em ........2017.

3. Em Maio de 2019, em data e hora não apuradas, encontrando-se o casal de Férias em Cabo Verde, o arguido atingiu pela primeira vez o corpo da ofendida, desferindo-lhe um golpe com a mão, na face.

4. Em Novembro de 2019, a ofendida descobriu que o arguido mantinha uma relação amorosa com uma outra mulher e, no interior da casa de morada de família, gerou-se uma discussão entre ambos, tendo o arguido atingido DD na face desferindo-lhe uma pancada com uma das suas mãos.

5. Ainda em Novembro de 2019, numa segunda ocasião, a ofendida descobriu que a pessoa com a qual o arguido mantinha uma relação amorosa estaria grávida, confrontando-o com esta informação.

6. Gerou-se então uma discussão entre ambos, no interior da casa de morada de família, no decurso da qual, o arguido, munindo-se de um pau de características não concretamente apuradas, desferiu várias pancadas com este objecto, na cabeça, membros superiores e tronco da ofendida.

7. Em resultado destas condutas do arguido, a ofendida sofreu dor e marcas de tom azulado nas zonas corporais atingidas.

8. No dia 20 de Abril de 2020, pelas 11.30 horas, na Av.ª ..., junto ao n.º 48, o arguido e a ofendida iniciaram discussão, motivada pela circunstância de aquele seguir na companhia de uma outra mulher.

9. Durante esta discussão, o arguido puxou os cabelos da ofendida e desferiu-lhe vários socos, chapadas e pontapés por todo o corpo.

10. Acto continuo, a ofendida arremessou um saco do lixo na direcção do arguido, o qual acabou por atingir o veículo marca Audi, sua propriedade.

11. Seguidamente, a ofendida voltou as costas ao arguido, com intenção de abandonar o local, altura em que este lhe desferiu vários pontapés no tronco.

12. A violência destes pontapés, levou a que a ofendida se desequilibrasse e caísse, embatendo com a cabeça no solo e perdendo os sentidos.

13. Com a ofendida caída no chão, e inconsciente, o arguido continuou a atingir o seu corpo, nomeadamente com pontapés no dorso, zona lombar e cabeça.

14. Em resultado desta conduta do arguido, a ofendida DD, sofreu escoriação com crosta na região malar direita e equimose azulada na face posterior do antebraço direito, lesões estas que lhe determinaram 7 ( sete ) dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral ou profissional.

15. As condutas do arguido supra descritas em 4. e 5. ocorreram no interior da residência da ofendida.

16. O arguido agiu da forma supra descrita, bem sabendo que de forma reiterada, atingia o corpo e a saúde da sua companheira DD, fazendo-a temer pela sua integridade física, debilitando-a psicologicamente, cerceando a sua liberdade pessoal, prejudicando-a no seu bem-estar psicossocial e pondo em causa a sua paz e sossego.

17. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente em todas as suas acções, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, não se coibindo de agir como agiu.»

II.1.2. Com a motivação de facto que se passa a transcrever:

“(…)

No caso vertente o Tribunal teve em consideração as declarações do arguido que confirmou que manteve uma relação análoga à dos cônjuges com DD nos termos que agora se assinalam em 1. do elenco dos factos provados, sendo que a referida testemunha talqualmente confirmou esse circunstancialismo e, daí, a demonstração, precisamente da factualidade em alusão, importando assinalar que a confluência de relatos entre a versão do arguido e da ofendida igualmente foi verificada a propósito da matéria que agora se exara em 2., não subsistindo qualquer controvérsia acerca da mesma.

Tal como não se aferiu de qualquer celeuma no tocante à deslocação então casal a Cabo Verde por altura de Maio de 2019, pois que ambos asseveraram esse circunstancialismo, referindo que foram a esse país para passarem férias na companhia da sua filha comum.

A matéria a respeito da qual subsistiu controvérsia refere-se à circunstância de o arguido

ter agredido ou não DD durante o mencionado período de férias, pois que o primeiro enjeitou a imputação contida na acusação quanto a esta temática, dando nota que foi a sua então companheira que lhe rasgou uma camisa durante uma determinada ocasião de molde a que o mesmo não saísse de casa. Por seu turno, a testemunha em alusão explicou que se deslocaram a Cabo Verde também com o propósito de alterarem a titularidade de um imóvel de que a mesma é proprietária nesse país para o nome do arguido, dando nota que como descobriu que AA mantinha todos os seus bens em co-titularidade com a ex-mulher, acabou por se recusar a fazê-lo, tendo o arguido reagido batendo-lhe na face, ainda que a mesma reconheça não se ter percebido se foi golpeada com uma chapada ou com um murro, mas aduzindo que o foi nessa parte do corpo mediante um golpe desferido pelo arguido com a respectiva mão.

Importa salientar que a versão da testemunha aferiu-se por verosímil, pois que ao contrário da oferecida por banda do arguido, a mesma aferiu-se por explicativa, apresentando um motivo específico subjacente à actuação de AA, sucedendo que este, contrariamente, apresentou um relato contido e lacónico, não explicando, nomeadamente, o motivo específico que determinou que DD lhe rasgasse a camisa e, em especial e com maior significado, não explicando que atitude ele próprio tomou em relação a essa pretensa actuação da sua companheira.

Prosseguindo, importa sinalizar que a testemunha DD asseverou novas condutas

agressivas prosseguidas por sua referência por banda do arguido, situando-as no mês de Novembro de 2019 e, cabendo clarificar, compartimentando-as em duas situações distintas, pese embora ambas ocorridas dentro da residência comum do casal, explicando que a primeira delas coincidiu com a descoberta, por si, que o arguido mantinha uma relação amorosa simultaneamente com outra mulher, quando nota que confrontou AA acerca desse circunstancialismo, reagindo este golpeando-a na face com uma mão.

Por outro lado, no que tange ao segundo episódio ocorrido em Novembro de 2019, a testemunha em menção circunscreveu-o à circunstância de, a propósito da mesma mulher, ter descoberto que a mesma engravidou de AA, confrontando-o com este circunstancialismo adicional, mencionando que nesta ocasião o mesmo muniu-se de um pau que a depoente asseverou que não se tratava de um cabo de uma vassoura (e daí o que se fez consignar de entre os factos provados e não provados a esta parte) e atingiu-a na cabeça, nos braços e nas costas, o que lhe provocou hematomas, explicando que ficou com dores e marcas, que inclusivamente foram percepcionadas no respectivo local de trabalho quando para aí se deslocou, circunstancialismo que foi afiançado pela testemunha FF, conhecida de arguido e ofendida, a qual, mediante um relato distanciado, explicou que DD era sua colega de trabalho e que a data altura viu-a cabisbaixa no local de trabalho, tendo a mesma confidenciado que tinha sido agredida com um pau por banda de AA, sendo que evidenciava marcas na zona do pescoço (até à orelha) e braço (entre cotovelo e ombro), conferindo, pois, respaldo ao depoimento da ofendida, a qual aludiu ter sido atingida nessas partes do corpo.

É de salientar que também a esta parte DD apresentou sempre um relato que se aferiu por sequencial, não se lhe denotando qualquer tentativa de majorar os episódios em apreço, explicando inclusivamente que a respeito da segunda agressão em alusão (ou seja, a atinente à utilização do pau), ainda que tenha ficado magoada e com dores, ainda assim logrou conseguir trabalhar, não se lhe denotando, portanto, o intento de empolar as sequelas que o referido evento lhe determinou, tudo não perdendo de vista que, ainda que a título complementar, a sua versão surgiu afiançada pelo teor do depoimento de FF.

Relativamente à situação ocorrida em 20 de Abril de 2020, importa reter que afere de um novo ponto de contacto entre as declarações do arguido e o depoimento de DD, pois que ambos confirmaram ter interagido entre si a respeito do contexto de tempo e de lugar discriminado na acusação por referência à situação ocorrida naquela data. De resto, ambos assinalaram que subjazeu a essa interacção uma discussão motivada pela circunstância de o arguido seguir na companhia de outra mulher.

Os termos da referida interacção é que se aferiram por descritos por arguido e DD em moldes divergentes, pois que o primeiro aduziu que efectivamente seguia com uma mulher dentro do seu automóvel e que aquela se abeirou desta e agarrou-a pelo pescoço, limitando-se o declarante a segurar aquela pela cintura, tendo esta reagido desferindo-lhe uma bofetada e puxando-lhe um fio que trazia ao pescoço, dando nota que até pensou que a certa altura DD se teria ausentado do local, mas asseverando que afinal esta acabou por arremessar um saco de lixo contra ao veículo e que na sequência acabou por tropeçar, cair e desmaiar.

Acontece, porém, que o relato da mencionada DD diverge da versão do arguido, aproximando-se da que surge narrada na acusação, a qual, afigura-se, foi asseverada pelo teor da prova testemunhal na parte em que esta não coincide apenas com a referida depoente.

Não obstante, tendo presente primeiramente o relato de DD, importa salientar que esta testemunha confirmou que abriu a porta do lado passageiro atinente ao veículo do arguido, mas sem que tivesse tocado na mulher que AA fazia transportar, pretendendo confrontar o então seu companheiro com essa circunstância, explicando que o fez por esse lado porque era aquele que confrontava com o passeio. Aduziu que nessa sequência o arguido saiu da viatura, contornou-a, tendo-a atingido na cabeça, não se recordando se a puxou ou não pelo cabelo, acabando a depoente por arremessar um saco do lixo na direcção de AA, mas atingindo antes o veículo deste, partindo o farol e, sequentemente, tentou fugir do local, virando costas ao arguido, sentido, precisamente, um golpe nessa parte do corpo, o que lhe motivou a queda, não se lembrando de mais nada na medida em que perdeu os sentidos, importando assinalar que mais uma vez esta testemunha apresentou um relato que se pode considerar contido, isto é, não pretendendo agravar a situação do arguido.

Porém, mais significativas do que a versão da própria depoente DD, porque se trata de observadoras externas e, assim, sem interferência no evento em questão, correspondendo, de resto, a pessoas que nem são sequer conhecidas do arguido ou da ofendida, não revelando qualquer interesse do desfecho da lide penal, foram as testemunhas GG, HH e II, todas elas cidadãs que se encontravam nas estabelecimento, aguardando no exterior mercê da situação pandémica, conforme foram explicando ao Tribunal.

Ora, a testemunha GG assinalou que viu o arguido a sair do carro, a correr até DD, agarrando-a pelo cabelo e desferindo socos, chapadas e pontapés pelo corpo da mesma, acabando por derrubá-la e, já com a ofendida caída no chão, ainda assim AA pontapeou-a pelo corpo, nomeadamente na zona da barriga e costas, aludindo a referida depoente que a ofendida chegou a estar inanimada.

Convergente com o teor do depoimento de GG e, assim, também com o asseverado por banda de DD, foi ainda o relato da já referida testemunha II, a qual aduziu ter aferido a ofendida a atirar um saco na direcção do veículo do arguido, acertando-lhe, aduzindo que nessa altura a mesma começou a correr e que AA seguiu no respectivo encalço, acabando por atingi-la com pontapés e determinando-lhe a queda no solo, continuando a atingi-la quando a mesma já se mostrava deitada, pontapeando-a.

Mais impressivo foi o depoimento de HH, pois que se aferiu que a mesma logrou percepcionar a interacção de arguido e ofendida com maior acuidade e, de resto, numa maior extensão, explicando que viu DD ainda a caminhar pela rua, aproximando-se do veículo do arguido, dando nota que foi este que se abeirou da ofendida, puxando-lhe o cabelo, dando-lhe ainda socos e palmadas (ou seja, chapadas), atingindo-a na zona da cara, ventre e braços, asseverando que nessa sequência DD fugiu, acabando por atirar um saco de molde a atingir AA mas acabando por acertar no veículo deste, o que motivou que o arguido corresse atrás da mesma, dando-lhe pontapés, derrubando-a através desse tipo de golpe, continuando a pontapeá-la mesmo quando se encontrava já prostrada no chão e mesmo quando esta ficou inanimada.

Em suma, da conjugação dos referidos depoimentos reiterando-se que os mesmos foram prestados por depoentes sem qualquer vínculo com arguido ou ofendida e, assim, sem qualquer interesse no desfecho do processo, o que lhes confere verosimilhança foi possível extrair a demonstração de toda a factualidade que surgia narrada na acusação acerca da intervenção do arguido a respeito de DD a propósito do dia 20 de Abril de 2020.

É certo que os depoimentos em alusão não se constituíram como meros decalques uns dos outros. Não era expectável que o fossem, não apenas ante o hiato já decorrido desde a produção do evento sobre o qual incidiram, mas também porque abordaram uma situação de natureza dinâmica e, ainda assim, se é certo que não se lhes aferiu relatos decalcados, a verdade é que os mesmos não se aferiram por dissonantes entre si, mas sim complementares. Por outro lado, não se nos afigura inusitado que os mencionados depoimentos transcendam o próprio conteúdo do relato de DD, não se descurando, precisamente, que partiram de pessoas que não eram intervenientes no referido evento, podendo percepcioná-lo a partir de uma posição externa e, com maior relevância, não se descurando que ofendida perdeu a consciência, como o próprio arguido havia reconhecido, ainda que justificasse esse circunstancialismo da forma já referida supra e, diga-se, sem credibilidade porque infirmada pela convergência da prova testemunhal.

Ainda complementarmente aos mencionados depoimentos, o Tribunal também considerou o relato da testemunha JJ, agente da Polícia de Segurança Pública, o qual talqualmente confirmou o local da prática dos factos e o seu enquadramento temporal, explicando que quando aí chegou DD encontrava-se no chão, inconsciente e a receber tratamento, estando ainda o arguido nas imediações.

A fotografia de fls. 75 acabou por não ter um efeito relevante na formação da convicção do Tribunal na medida que se achou conformidade de relatos relativamente ao enquadramento de espaço do episódio em apreciação, o que é extensível a respeito das próprias declarações do arguido.

No tocante às lesões sofridas por DD e respectivo período de doença, o Tribunal teve em consideração o teor do relatório de exame pericial de avaliação em dano corporal de fls. 40.

A factualidade referente ao elemento subjectivo e à consciência da ilicitude foi considerada provada tendo-se presente a apreciação da demais factualidade provada (ou seja, a referente ao elemento objectivo) em consonância com as regras da experiência comum.

As condições pessoais e económicas do arguido surgiram provadas tendo-se presente o teor do relatório social de fls.175-177.

As condenações já sofridas por banda do arguido surgem comprovadas pelo teor do certificado de registo criminal que se lhe refere e que consta de fls. 179-182.

No tocante às condutas do arguido se terem produzido na residência da ofendida, importa salientar que somente as que ocorreram em Novembro de 2019 aí se produziram, conforme DD asseverou, sendo que as demais, conforme se enquadrou a propósito de cada uma, produziram noutros locais (i.e., numa habitação em Cabo Verde e na via pública). Por outro lado, não se aferiu, ainda que com recurso ao depoimento de DD, situações específicas em que a sua filha estivesse presente, nomeadamente não tendo sido transmitido ao Tribunal o concreto contexto em que a mesma surgia inserida a respeito de cada episodio.

A propósito das condições económicas de DD o Tribunal teve em consideração o respectivo depoimento que também a esta parte se nos afigurou verosímil.

Relativamente à circunstância de DD ter beneficiado de assistência hospitalar a propósito de 20 de Abril de 2020, o Tribunal considerou o respectivo depoimento e, bem assim, aquele que foi prestado por JJ. Por outro lado, o custo associado à prestação de tais cuidados de saúde surge asseverado pelo teor da factura de fls. 132.


*


Uma nota final a respeito do depoimento de DD para consignar, uma vez mais, que não se lhe denotou qualquer tentativa de majorar cada um dos episódios a que se reporta a factualidade agora consolidada, nem sequer se lhe denotou qualquer rancor em relação ao arguido.

Bem pelo contrário, a depoente reconheceu inclusivamente que, previamente aos referidos eventos, o arguido era uma pessoa calma e, mesmo no que toca ao pós-separação, aduziu que presentemente não se verifica qual não houve qualquer tentativa por banda da referida testemunha de colorir uma história sem que utilizasse as cores da verdade e, por isso, a credibilidade que se lhe foi reconhecendo supra.”

II.2. Direito

II.2.1. Estabelece o artigo 29º, nº 6 da CRP que “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e indemnização pelos danos sofridos.”

O recurso extraordinário de revisão constitui assim uma exceção ou restrição ao princípio da intangibilidade do caso julgado, que por sua vez deriva do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, que constitui um elemento integrante do próprio princípio do estado de direito, princípio estrutural do nosso sistema jurídico-político (art. 2º da Constituição).

Na verdade, o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado. (cfr J.J. Canotilho, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Almedina, 1998, pp. 256-257)

A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, pois também elas comportam valores relevantes que são igualmente condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, e afinal daquela mesma paz jurídica.

Por outras palavras: se a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança intolerável para a comunidade, a intangibilidade, em obediência ao caso julgado, de uma decisão que vem a revelar-se claramente injusta perturbaria não menos o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias.

O recurso de revisão, afastando assim o princípio de utilidade e não de justiça da res judicata pro veritate habetur constitui, pois, um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado. Mas essa derrogação, para não envolver nenhum dano irreparável na confiança da comunidade no direito, terá de ser circunscrita a casos excecionais, taxativamente indicados, e apenas quando um forte interesse material o justificar. Àqueles casos julgados que Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, pag 158, considerava terem sido formados “em condições anormais”, em que “ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa.”

Citando o acórdão do STJ de 07-04-2021, proc. n.º 921/12.8TAPTM-J.S1, Nuno Gonçalves,: “Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário e no regime, substantivo e procedimental, especial. Por isso, somente os fundamentos firmados pelo legislador podem legitimar a admissão da revisão da condenação transitada em julgado. Regime normativo excecional que admitindo interpretação extensiva não comporta aplicação analógica –art.11º do Código Civil.

E como se sustenta no ac. de 26-09-2018, deste Supremo Tribunal, “do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários”.

A revisão de sentença, com consagração constitucional (artº 29º, nº 6 da CRP), tem natureza excepcional, na pura e exacta medida em que constitui uma restrição evidente ao princípio da segurança jurídica. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do CPP”, 1206, “só circunstâncias “substantivas e imperiosas” (substancial and compelling) devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que este recurso extraordinário se não transforme em uma “apelação disfarçada” (appeal in disguise, na expressão do acórdão do TEDH Ryabykh v. Rússia (…)”. (No mesmo sentido o ac. do STJ de 20/01/2021, Proc. 374/11.8FAMD-B.S1, Manuel Matos)

É o art. 449º do CPP que, na decorrência da norma constitucional, fixa de forma taxativa os casos em que a revisão pode ter lugar.

No para aqui pertinente, dispõe o artigo 449º, nº 1, al. d), do CPP, que “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”

O fundamento de revisão consagrado na mencionada al. d), exige, primeiro, a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova. E, a seguir, que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Esta alínea admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Dois são os requisitos enunciados pela lei. É necessário, antes de mais, que apareçam factos ou elementos de prova novos. Mas isso não é suficiente. É necessário ainda que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação. Ou seja, as dúvidas têm que ser suficientemente fortes e consistentes para pôr a condenação seriamente em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado.

Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão implica.

Assim, antes do mais, temos de saber aquilo que se considera a descoberta do “novo”, do facto novo. A questão resume-se, portanto, a saber se estamos perante descoberta de facto novo. E é na delimitação do que é a descoberta de um facto novo que se iniciará a resolução do caso.

É unânime que “descobrir” é a ação de vislumbrar algo que, até aí, era desconhecido.

Mas a jurisprudência divide-se no que toca à caracterização do que, para o aqui relevante, é facto novo.

Quanto à novidade elencou o ac. do STJ de 09/12/2021, proc. nº 3103/15.3TDLSB-E.S1, Orlando Gonçalves, as várias teses que se vêm perfilando na jurisprudência do STJ. Assim:

“III - São três as orientações que o STJ segue a respeito de saber para quem devem ser novos os factos (“factos probandos”) ou os meios de prova (“as provas relativas a factos probandos”) que fundamentam a revisão da sentença:

Uma primeira, com interpretação mais ampla, considera que são novos os factos ou novos os meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura pudessem ser do conhecimento do condenado.

Uma outra, mais restritiva, defende que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento. Apela para o efeito, essencialmente, à natureza extraordinária do recurso de revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais.

E, uma terceira orientação, mais restritiva do que a primeira e mais ampla que a segunda, sustenta que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, apresente uma justificação bastante para a omissão verificada (por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal).”

Cremos que atendendo quer à natureza excepcional e extraordinária do recurso de revisão quer ao dever de lealdade processual se afastará ad limine aquela primeira interpretação ampla.

E, sem querer optar aqui, por desnecessário, entre as segundas e terceira orientações, impõe-se desde já sublinhar que, face a qualquer delas, não pode considerar-se como novo o meio de prova testemunhal indicado.

Como referido por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, quarta edição, 2011, página 1207, «factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste (…). Se o arguido (ou o MºPº em seu benefício) conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, devia ter requerido a investigação desses factos e a produção desses meios de prova (…). Só esta interpretação faz jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da proteção do caso julgado.»

II.2.2. Diz o Recorrente que “Aquando da decisão o arguido ignorava a existências das testemunhas ora arroladas, porquanto tendo comunicada a existência das mesmas a PSP convenceu-se de que as seriam oficiosamente inquiridas ou arroladas pelo Ministério Publico, o que não sucedeu de todo, ao que acresce o factos das mesmas nessa data se tinham ausentado de Portugal para Cabo Verde e França».

Ora, o que daqui se extrai, é que o recorrente comunicou a existência das testemunhas à PSP. E se a comunicou é porque as respetivas identidades conhecia e do seu interesse em que depusessem estava consciente,

Como se vê, no caso, o meio não é novo. E é o próprio recorrente que lhe retira a novidade.

E se, com inércia, falha ou omissão do órgão do polícia criminal, ou do Ministério Público ou até do próprio tribunal, fosse confrontado, nada impedia que o arguido, por si, indicasse as testemunhas em sede de contestação (que não apresentou) ou inclusivamente no decurso da audiência de julgamento, por entender por relevante para a descoberta da verdade material, nos termos do disposto no artigo 340.º, do Código de Processo Penal (e não o fez). Mais, o facto de as mesmas se terem ausentado do território nacional também não impedia a sua inquirição, concretamente ao abrigo do disposto no artigo 318.º, n.º 8, do Código de Processo Penal.

As testemunhas eram conhecidas do arguido ao tempo e só por inação ou desleixo não as indicou.

Como se disse no ac. do STJ de 04/01/2017, 1100/11,Oliveira Mendes, “Para efeitos do fundamento de revisão constante da al. d) do n.º 1 do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, são novos apenas os factos e os meios de prova que fossem desconhecidos ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, quer pelo tribunal, quer pelas partes, consabido que o n.º 2 do art. 453.º impede o requerente da revisão de indicar testemunhas que não hajam sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou caso estivessem impossibilitadas de depor.”

E como bem se acrescentou no ac. do STJ de 07/04/2021, proc. nº 921/12.8TAPTM-J.S1, Nuno Gonçalves, “O recurso extraordinário de revisão não pode servir de mecanismo destinado a corrigir deficiências ou erros que, a terem existido, são exclusivamente imputáveis à estratégia de defesa que o condenado entendeu adoptar.”

Com o que, forçoso é concluir, o fundamento da novidade previsto na al. d) invocada se não verifica.

II.2.3. De todo o modo, confrontando o recurso interposto pelo Arguido com a matéria de facto acima consignada vislumbra-se que o Arguido se está a reportar tão só ao facto constante no ponto 8. Limita assim a sua contestação à factualidade aí dada como provada. O que significa que aceita os episódios de maio de 2019 e os dois episódios de novembro de 2019. Que, no conjunto e só por si, sempre constituiriam um crime de violência doméstica.

Mas, quanto ao ponto 8., baseou-se o Tribunal no depoimento da Ofendida DD e das testemunhas GG, HH e II, em que se fez constar, designadamente, o seguinte: «Porém, mais significativas do que a versão da própria depoente DD, porque se trata de observadoras externas e, assim, sem interferência no evento em questão, correspondendo, de resto, a pessoas que nem são sequer conhecidas do arguido ou da ofendida, não revelando qualquer interesse do desfecho da lide penal, foram as testemunhas GG, HH e II, todas elas cidadãs que se encontravam nas imediações, mais concretamente junto da “Clinica ...” de molde a ingressarem nesse estabelecimento, aguardando no exterior mercê da situação pandémica, conforme foram explicando ao Tribunal.».

Pelo que não se vê como aquilo que vem adiantado como sendo do conhecimento das testemunhas “novas” tenha a virtualidade de contrariar os depoimentos recolhidos em sede de julgamento, todos presenciais, uniformes e concordantes com os demais meios de prova.

E, por aqui faleceria o requisito das “graves dúvidas”

Na verdade, o art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

E, quanto à gravidade das dúvidas sobre a justiça da condenação, não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação pois o conceito reclama para tais dúvidas um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável.

A dúvida sobre a justiça da condenação, relevante para a revisão, tem de ser qualificada. Como se tem salientado, não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade», isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.

O ac. do STJ de 15/01/2020, proc. n.º 5869/09.0TDLSB-C.L1-A.S1, Lopes da Mota, vai precisamente nesse sentido, aí se sumariando o seguinte: «I - O recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário; só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada”.

II - «Factos novos” ou “meios de prova novos” são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste, sendo insuficiente que os factos sejam desconhecidos do tribunal, devendo exigir-se que tal situação se verifique, paralelamente, em relação ao requerente, pois consubstanciaria uma afronta ao princípio da lealdade processual admitir que o requerente da revisão apresentasse os factos como novos não obstante ter conhecimento da sua existência no momento do julgamento. Como o STJ tem considerado, os factos ou meios de prova devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o arguido recorrente, sendo esta a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão.

III - O art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

IV - Quanto à gravidade das dúvidas sobre a justiça da condenação, não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação pois o conceito reclama para tais dúvidas um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável.»

II.2.4. Por outro lado, a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os do n.º 2 do art. 410.º do CPP). Para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento. Doutra forma, a certeza e a segurança jurídicas seriam irremediavelmente lesionadas. (…) Trata-se, na verdade, de questões que devem ser suscitadas em sede de recurso ordinário, tendo o caso julgado um efeito preclusivo absoluto sobre a sua reapreciação. O recurso de revisão não se destina a recuperar questões definitivamente julgadas, estabilizadas pelo caso julgado. Se fosse assim, poderia manter-se indefinidamente a discussão das matérias controvertidas no processo, e dessa forma nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial, como se disse, para a própria paz social. O recurso de revisão é um meio excecional que visa dar um espaço indispensável, mas circunscrito, à justiça material, em situações muito específicas, taxativamente indicadas, sob pena de subversão do caso julgado. (cfr ac do STJ de 06/11/2019, proc. nº 739/09.5TBTVR-C.S1, Maia Costa)

A incompetência territorial do tribunal, como vem invocada, não constitui fundamento de revisão.

E, ao invés do alegado, o arguido não foi condenado em qualquer pena acessória de proibição de conduzir.

II.2.5. Com o que, concluindo-se que as testemunhas acabadas de indicar eram conhecidas do arguido à data dos factos e desde o início do processo e não se vislumbrando como a sua inquirição poderia levar a suscitarem-se graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mister é decidir que inexiste o fundamento invocado para a revisão.

III. DECISÃO

III.1. Pelo exposto, julga-se em negar a revisão pedida pelo arguido AA por manifesta falta de fundamento legal.

III.2. Taxa de justiça criminal em três (3) UC e, sanção por pedido manifestamente infundado, nos termos do artº 456º do CPP, na quantia de sete (7) UC a cargo do recorrente.

STJ, 21 de fevereiro de 2024

Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)

Ana Barata Brito (Juíza Conselheira Adjunta)

Pedro Branquinho Dias (Juiz Conselheiro Adjunto)

Nuno A. Gonçalves (Juiz Conselheiro Presidente da Secção)