Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14/06.7TBSCG.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALRETA PEREIRA
Descritores: APRESENTAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA
TEMPESTIVIDADE
REQUERIMENTO
CORREIO ELECTRÓNICO
ERRO
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / APERFEIÇOAMENTO DOS ARTICULADOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 249.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 150.º, N.º1, 265.º, N.º3, 266.º, 266.º-A, 508.º, N.ºS 2 E 3.
Sumário :

Tendo o acto processual – apresentação de requerimento probatório – sido praticado antes do termo do prazo, mas junto tardiamente aos autos, devido a uma gralha no endereço electrónico do tribunal, não é justificado o seu desentranhamento e desconsideração, com as gravíssimas consequências ao nível da prova e da decisão do mérito da causa.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

 I

AA e BB intentaram a presente acção com processo ordinário contra CC, alegando que o seu prédio confina a poente com o prédio que o R. reclama como seu e que, em 2005, este construiu um muro em blocos sobre uma parcela do prédio dos AA., ocupando uma faixa com cerca de 4 metros de largura que se estende desde o caminho até às barrocas do mar, numa extensão de 18 metros, e com a área total de 40 m2, e que o R. construiu uma edificação nessa faixa de terreno.

O R. contestou, alegando não ser proprietário do prédio confinante com o do A, embora tenha a expectativa de o vir a ser, na medida em que celebrou um contrato promessa tendo em vista a sua aquisição. Além disso, negou ter invadido a propriedade dos AA.

Alega que a dividir os dois prédios existe um caminho de terra batida com cerca de um metro de largura, que os AA, com as obras que fizeram, acrescentaram ao seu prédio e que ainda ocuparam uma faixa de 36 m2 do prédio do R.

Em reconvenção pediu que os AA fossem condenados a devolver-lhe a faixa de 36 m2 de que ilegitimamente se apropriaram.

A fls.90 foi proferido despacho em que se manteve a decisão de desentranhamento do requerimento de prova do R, por extemporâneo.

O R agravou deste despacho, recurso que foi admitido, com subida diferida.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que decidiu:

Absolver o réu CC do pedido de pagamento dos encargos que se vierem a liquidar em execução de sentença para obterem a restituição.

Declarar os autores AA e sua mulher BB proprietários de uma faixa de terreno sita a poente do prédio sito ao Carapacho, freguesia da Luz, concelho de Stª. Cruz da Graciosa, com 7,26 ares, inscrito na matriz rústica sob o artº. 6184º, melhor identificado nos autos, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 1932/Luz, que se estende de norte para sul, desde o caminho até às barrocas do mar, numa extensão de dezoito (18) metros, com cerca de três (3) metros de largura junto às barrocas do mar;

Condenar o réu CC a desocupar e restituir tal faixa de terreno aos autores, bem como a demolir o muro, o aterro e a base, escadas e miradouro que implantou em tal faixa de terreno.

Inconformado, o réu recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que começou por julgar o agravo, dando-lhe provimento e anulando a sentença.

Inconformados, os AA agravaram desta decisão para este Supremo Tribunal de Justiça, alegando que o erro cometido pelo recorrido no endereço electrónico do Tribunal para o qual enviou o requerimento probatório é de extrema importância, dando causa à entrada do mesmo fora de prazo, não podendo ser reparado, pelo que houve violação do preceituado pelo artº. 249º do CC.

O agravado ofereceu contra alegações, pugnando pelo não provimento do agravo.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

De interesse para a decisão estão provados os seguintes factos:

1º. O recorrido enviou o seu requerimento probatório por correio electrónico em 24 de Agosto de 2006.

2º. Foi remetida cópia do mesmo ao Exmo. Mandatário dos AA.

3º. O prazo para a entrada do requerimento em causa no Tribunal terminava no dia 04.09.2006.

4º. O requerimento acabou por ser junto aos autos em 12.09.06.

5º. Os AA pronunciaram-se sobre o requerimento probatório do R no documento junto aos autos em 11.09.06.

6º. O atraso na junção aos autos do requerimento probatório do R deveu-se ao erro ocorrido no endereço electrónico – correio@stacgra.tc.mj.pt em lugar de correio@cstacgra.tc.mj.pt.

7º. Faltou-lhe um “c” após o símbolo arroba.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A única questão suscitada no presente recurso é a de saber se a entrada tardia de um requerimento probatório no Tribunal, que foi expedido muito antes do prazo, provocada por um erro no endereço electrónico, da responsabilidade do expedidor, deve conduzir ao respectivo desentranhamento e consequente desconsideração, com as inevitáveis consequências na prova dos factos alegados pelas partes e na decisão de mérito.

Não se trata de erro em declaração negocial, a que se reporta o artº. 249º do CC, que não tem aqui aplicação.

Houve uma gralha no endereço electrónico do Tribunal ao qual era dirigido o requerimento probatório, faltou um “c” depois do símbolo @, falha de primordial importância, já que inviabilizou que o Tribunal recebesse em tempo o requerimento que lhe era dirigido.

Não há a mínima dúvida que a expedição do requerimento foi feita em 24.08.2006, sendo certo que o prazo expirava em 04.09.2006.

Os AA responderam ao requerimento em causa em 11.09.2006, antes da sua junção aos autos, em 12.09.2006.

Não houve qualquer prejuízo para os AA e para o bom andamento do processo.

O artº. 150º nº 1 do CPC dispõe que, nos actos processuais que devam ser praticados por transmissão electrónica de dados, vale como data da sua prática a da respectiva expedição.

Não há qualquer dúvida que o acto foi, pois, praticado em 24.08.2006, onze dias antes do termo do prazo.

O facto de o requerimento ter sido junto tardiamente aos autos, devido a uma gralha do endereço electrónico, não pode justificar o seu desentranhamento e desconsideração, com as gravíssimas consequências ao nível da prova e da decisão de mérito.

A admissibilidade de uma eventual consequência na decisão de mérito é totalmente contrária à filosofia do moderno processo civil, em que o princípio do dispositivo se mostra mitigado pelo princípio do inquisitório e da oficiosidade.

Atentemos que o nº 3 do artº. 265º (redacção anterior à reforma entrada em vigor em 2013) diz que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

Este normativo é absolutamente incompatível com a solução do acórdão fundamento e proposta pelos agravantes.

Não se compreende que uma gralha no endereço electrónico do Tribunal possa inviabilizar a produção de prova por uma das partes, impedindo o apuramento da verdade e a justa composição do litígio.

A única consequência gravosa para o responsável pela gralha no endereço electrónico seria o pagamento das custas de qualquer eventual adiamento a que a mesma desse causa, mas nunca ao nível da decisão de mérito.

Também os princípios da cooperação e da boa fé processual apontam no sentido da decisão assumida pelo acórdão recorrido (artºs. 266º e 266º-A, do CPC).

Igualmente o poder dever do juiz consagrado nos nºs.2 e 3 do artº. 508º do CPC, em que se consagra o dever de convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados e as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, nos revela, à saciedade, a filosofia do novo processo civil, chegar com relativa celeridade à justa composição do litígio.

O apuramento da verdade e a justa composição do litígio só podem ser alcançadas se as partes tiverem a oportunidade de provar os factos alegados, o que não ocorreu no caso concreto, devido a uma simples gralha no endereço electrónico do Tribunal, que não causou prejuízo a ninguém, nem perturbou o andamento do processo.

Nos termos expostos, na improcedência das conclusões dos agravantes, julgamos não provido o agravo, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelos agravantes.

Salreta Pereira (Relator)
João Camilo
Fonseca Ramos