Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1212/08.4TBBCL.G2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
EXAMES LABORATORIAIS E RADIOLÓGICOS
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ
DIREITO À NÃO EXISTÊNCIA
DIREITO À VIDA
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL - MODALIDAES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CONTRATOS - DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / EFEITOS DA FILIAÇÃO / RESPONSABILIDADES PARENTAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA / INSTRUÇÃO DO PROCESSO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
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Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º1, 486.º, 563.º, 799.º, N.º1, 1154.º, 1878.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 412.º, N.º1, 607.º, N.º5, 608.º, N.º2, 662.º, 674.º, N.º3, 682.º, N.ºS 1, 2 E 3.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 142.º, N.º1, AL. C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20-6-91, Pº Nº 081820, WWW.DGSI.PT .
-DE 7-6-94, Pº Nº 085320, WWW.DGSI.PT .
-DE 25-2-2003, CJ (STJ), ANO XI (2003), T1, 109; DE 30-1-97, Pº Nº 96B751/96, 2ª SECÇÃO; DE 14-1-97, Pº Nº 605/96, 1ª SECÇÃO, WWW.DGSI.PT .
-DE 1-7-2004, Pº Nº 04B2285; DE 18-5-2006, Pº Nº 06B1644; STJ, DE 12-3-2009, Pº Nº 08S0602; DE 15-4-2010, Pº Nº 9810/03.6TVLSB. S1, WWW.DGSI.PT .
-DE 25-10-2005, CJ (STS), ANO XIII, T3, 91; DE 23-2-2005, P.º Nº 3165/04 – 4ª, SUMÁRIOS, FEV/2005; DE 3-4-2008, Pº Nº 08B262, WWW.DGSI.PT .
-DE 4-3-2008, Pº Nº 08A183, CJ (STJ), ANO XVI (2008), T1, 134 E WWW.DGSI.PT ; DE 17-1-2013, Pº Nº 9434/06.6TBMTS.P1.S1, WWW.DGSI.PT .
Jurisprudência Estrangeira:
CONSEIL D’ÉTAT, DE 14-2-1997, L’ ARRÊT QUAREZ, RECUEIL LEBON, HTTP://WWW.OBOULO.COM/DROIT-PRIVE-ET-CONTRAT/DROIT-CIVIL/DISSERTATION/CONSEIL-ETAT-14-FEVRIER-1997-CENTRE-HOSPITALIER-REGIONAL-NICE-EPOUX-36204.HTM
COUR DE CASSATION, DE 17-11-2000, L’ ARRÊT PERRUCHE, WWW.COURDECASSATION.FR E WWW.LEGIFRANCE.GOUV.FR
Sumário :
I - O novo quesito, com a redacção de que “A não detecção atempada das deformidades descritas em D) impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez?”, não comporta qualquer referência a factos notórios, por não conter matéria de conhecimento geral, revestida do carácter de certeza, sem necessidade de se recorrer a operações lógicas ou cognitivas, nem a juízos presuntivos.

II - Tendo o aludido quesito novo sido redigido, sob uma formulação negativa, que mereceu resposta de “não provado”, tal determina que essa factualidade se deva considerar como não alegada, pelo que a falta de prova desse facto negativo significa, apenas, que ele pode ter tido ou não lugar, mas não constitui prova de que ele não teve lugar.

III - O STJ só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto, formado pela Relação, para além das situações de contradição ou insuficiência da fundamentação factual, quando esta deu como provado um facto, sem a produção de prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova, admitidos no ordenamento jurídico nacional, de origem interna ou externa.

IV - Formulado novo quesito, com base no disposto pelo art. 662.°, n.° 3, al. c), do CPC, a repetição do julgamento não abrange, em princípio, sem determinação expressa em contrário, a anulação das respostas aos quesitos anteriores que não se encontrem viciadas, pois que, apenas, quanto aquele novo quesito podem as partes apresentar novo rol de testemunhas.

V - As wrongful birth actions surgem quando uma criança nasce mal-formada e os pais, em seu próprio nome, pretendem reagir contra o médico e/ou instituições hospitalares ou afins, por não terem efetuado os exames pertinentes, ou porque os interpretaram, erroneamente, ou porque não comunicaram os resultados verificados, sendo considerada ilícita a omissão do consentimento informado sobre essa deficiência que, eventualmente, os impediu de terem optado pela interrupção da gravidez, proveniente de um erro no diagnóstico pré-natal.

VI - Na responsabilidade contratual, a culpa só se presume se a obrigação assumida for de resultado, bastando, então, a demonstração do inadimplemento da obrigação, ou seja, que o resultado, contratualmente, assumido não se verificou, pelo que, face à culpa, assim, presumida, cabe ao devedor provar a existência de fatores excludentes da responsabilidade.

VII - Mas, se a obrigação assumida consistir numa obrigação de meios, no âmbito da responsabilidade civil contratual por factos ilícitos, incumbe ao devedor fazer a prova que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, ilidindo a presunção de culpa que sobre si recai, nos termos do preceituado pelo art. 799.°, n.° 1, do CC.

VIII - Veiculando a maioria dos contratos de prestação de serviços médicos uma obrigação de meios, não implicando a não consecução de um resultado a inadimplência contratual, quando não é atingido este resultado, caberá, então, ao doente provar que tal fato decorreu de um comportamento negligente do médico, que fica exonerado de responsabilidade se o cumprimento requerer uma diligência maior, e liberando-se com a impossibilidade objectiva ou subjectiva que lhe não sejam imputáveis.

IX - Uma das exceções, na área da Ciência Médica, em que se verifica a obrigação de resultado, situa-se no campo da realização dos exames laboratoriais e radiológicos.

X - Exprimindo a culpa um juízo de reprovabilidade da conduta do agente, que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade deste, que devia e podia actuar de outro modo, usando todos os conhecimentos, diligências e cuidados que a profissão, necessariamente, impõe e que teriam permitido dar a conhecer aos pais as malformações do filho, o erro de diagnóstico será imputável, juridicamente, ao médico, a título de culpa, quando ocorreu com descuido das mais elementares regras profissionais, ou, mais, precisamente, quando aconteceu um comportamento inexcusável em que o erro se formou.

XI - A comparação, para efeitos de cálculo da compensação, opera não entre o dano da vida, propriamente dito, e a não existência, mas antes entre aquele e o dano da deficiência que essa vida comporta, pelo que o valor negativo é atribuído à vida defeituosa e o valor positivo à vida saudável.

XII - Existe nexo de causalidade suficiente, ou nexo de causalidade indirecto, entre a vida portadora de deficiência e a correspondente omissão de informação do médico pelo virtual nascimento o feto com malformação, devido a inobservância das leges artis, ainda que outros factores tenham para ela concorrido, como seja a deficiência congénita.

XIII - Ocorre a presunção, a favor do credor da informação sobre o diagnóstico, do seu não cumprimento pelo médico, que faz parte dos denominados “deveres laterais do contrato médico”, e pode ser causa de responsabilidade contratual, o teria feito comportar-se, de forma adequada, ou seja, no caso, que os pais teriam optado por abortar, caso soubessem da deficiência do filho.

XIV - O facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que o mesmo se mostre, por sua natureza, de todo inadequado à sua verificação, e tenha sido produzido, apenas, em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais, o que não acontece quando o comportamento do lesante foi determinante, ao nível da censura ético-jurídica, para desencadear o resultado danoso.

XV - O nexo de causalidade entre a ausência de comunicação do resultado de um exame, o que configura erro de diagnóstico, e a deficiência verificada na criança, que poderia ter culminado na faculdade dos pais interromperem a gravidez e obstar ao seu nascimento, constitui o pressuposto determinante da responsabilidade civil médica em apreço.

XVI - Nas wrongful birth actions, são ressarcíveis os danos não patrimoniais e patrimoniais, não se incluindo, nestes últimos, todos os custos derivados da educação e sustento de uma criança, mas, tão-só, os relacionados com a sua deficiência, estabelecendo-se uma relação comparativa entre os custos de criar uma criança, nestas condições, e as despesas inerentes a uma criança normal, pois que os pais aceitaram, voluntariamente, a gravidez, conformando-se com os encargos do primeiro tipo, que derivam do preceituado pelo art. 1878.°, n.° 1, do CC.

XVII - A partir do momento em que a lei penal autoriza os pais a interromper a gravidez, ante a previsão segura de que o feto irá nascer com malformação congénita incurável, o que está em causa não é a possibilidade de a pessoa se decidir, mas antes de se decidir, num sentido ou noutro, de escolher entre abortar ou prosseguir com a gravidez.

XVIII - O Direito é a ciência do mínimo ético, concêntrica com a Moral, mas com diâmetro inferior a esta, em que apenas alguns dos valores que tutela têm igual denominador comum com aquele (nec omne quod licet honestum est).
Decisão Texto Integral:


ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA e BB, por si e na qualidade de legais representantes de seu filho menor, CC, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum ordinário, contra DD, EE, FF, GG, todos, por si e na qualidade de legais representantes da sociedade "HH, Lda", e Dr. II, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a pagar-lhes uma indemnização não inferior a €380.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais, causados pela sua conduta, alegando, para tanto, em síntese, que, na sequência de uma gravidez da autora, da qual resultou o nascimento do menor CC, os autores contrataram, por três vezes, os serviços da ré "HH, Lda", para a realização de exames de ecografia obstétrica, tendo a ré DD assinado o relatório da ecografia, realizada às 21 semanas de gestação, e o réu Dr. II assinado os relatórios, realizados às 8ª e 30ª semanas.

Acontece, porém, que, apesar de os referidos relatórios atestarem não haver qualquer deformação do feto, o menor CC nasceu, no dia … de … de 2005, com gravíssimas malformações dos membros superiores e inferiores, que determinam uma incapacidade permanente global de 93%, sendo certo que essas deformações são detectáveis às 12 semanas, o que não aconteceu, por descuido e negligência grosseira, imputável a todos os réus, o que impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez ou sujeitar o feto a tratamento, diminuindo, significativamente, as malformações existentes.

A conduta dos réus causou aos autores gravíssimos danos morais, tanto mais que se viram confrontados com as malformações do menor, apenas, no momento do nascimento.

A isto acresce que o CC será, totalmente, dependente de uma terceira pessoa para o resto da sua vida, sofre por não poder ser como as outras crianças, necessitando de substituir, anualmente, as próteses aplicadas, para além de que a não sujeição do menor aos tratamentos adequados causou ao mesmo grave prejuízo patrimonial, pois poderia apresentar, apenas, uma incapacidade de 50%, caso as suas deformações tivessem sido detectadas, a tempo.

Na contestação, os réus invocam as excepções da prescrição e da ilegitimidade dos réus EE, FF e "HH, Lda", defendendo que as ecografias efectuadas não são, nem podem ter sido causa de qualquer dano sofrido pelos autores, alegando, também, que as malformações com que o menor nasceu não são incompatíveis com a vida, não permitindo, nem justificando, por isso, a interrupção da gestação e, por outro lado, nenhum tratamento médico seria possível para as corrigir, durante o período da gestação, sendo certo que a hipótese mais plausível para explicar as malformações apresentadas é a síndrome das bandas amnióticas, que podem desenvolver-se, tardiamente, no decurso da gestação, o que implica que as lesões tenham sido causadas numa fase tardia, posterior à execução dos exames ecográficos.

Na réplica, os autores defendem a improcedência das excepções, refutando a matéria da defesa alegada na contestação.

No despacho saneador, foi julgada procedente a excepção da ilegitimidade dos réus EE, FF e GG, com a consequente absolvição da instância, e improcedente a excepção da prescrição.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, condenando as rés "HH, Lda" e DD a pagarem, solidariamente, a quantia de €35.000,00, a cada um dos autores (AA e BB) e a quantia que se vier a liquidar, no competente incidente de liquidação, quanto às despesas que os autores AA e BB vão ter de suportar, com a substituição das próteses do filho, até este atingir os 18 anos de idade, absolvendo, porém, o réu II do pedido.

Desta sentença, os réus Drª DD e outros recorreram, pondo em causa, nomeadamente, a decisão da matéria de facto, sustentando que foram mal julgados os factos perguntados, nos quesitos 1º, 31º, 32º e 35º.

Pronunciando-se quanto às questões suscitadas pelos recorrentes, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu manter inalteradas as respostas dadas aos quesitos 1º, 31º e 32º, mas, quanto ao quesito 35º, foi decidido alterar a resposta que havia sido dada ao mesmo, e, consequentemente, alterar o ponto 33 da sentença recorrida, com a redação de que "As bandas amnióticas formam-se na gestação".

Foi ainda decidido anular, parcialmente, o julgamento e a sentença recorrida, de forma a que fosse aditado um quesito, com a redacção de que "A não detecção atempada das deformidades descritas em D) impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez?".

Realizado novo julgamento para responder a este quesito, foi, a final, proferida sentença que “julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou as rés «HH, Lda» e DD a pagarem, solidariamente, a quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) a cada um dos autores (AA e BB) e a quantia que se vier a liquidar no competente incidente de liquidação quanto às despesas que os autores AA e BB vão ter de suportar com a substituição das próteses do filho até este atingir os 18 anos de idade [a] e absolveu o réu II do pedido [b]”.
Desta sentença, os réus Dra. DD e outros interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado “procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo os Réus dos pedidos”.
Deste acórdão da Relação de Guimarães, os autores interpuseram agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, proferindo-se decisão que julgue provado o quesito 40º e condene os réus recorridos, nos exatos termos da sentença da primeira instância, deduzindo as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:

1ª – Está provado e assente nas duas decisões da primeira instância e nos dois Acórdãos desta Relação, incluindo aquele de e que ora se recorre, que os réus cumpriram de forma defeituosa a sua prestação contratual para com os recorrentes.

2ª - As decisões da primeira instância deram como assente que os recorrentes sofreram danos morais em virtude desse cumprimento defeituoso.

3ª - Os dois Acórdãos desta Relação, incluindo aquele de que ora se recorre, não abalaram a matéria dada por assente na primeira instância, uma vez que a primeira daquelas decisões apenas alterou a resposta dada a um quesito e ordenou a formulação de um novo quesito.

4ª - A formulação dada ao novo quesito configura em si a prova de um facto absolutamente notório, que já estava amplamente demonstrado e assente nas decisões da primeira instância.

5ª - Sem prescindir, ainda que se não entenda que o novo quesito configura um facto notório, e atenta a especificidade e sensibilidade da pergunta, exigia-se que a decisão recorrida, face às dúvidas que apontou à credibilidade das testemunhas, seguisse um raciocínio coerente e, nos termos do disposto no art. 662º nº 2 als. a) e b) do CPC, ordenasse a renovação dessa prova, ou a produção de novos meios de prova, nomeadamente o depoimento de parte dos recorrentes, por serem estes as únicas pessoas com razões de ciência para poderem responder a uma pergunta de foro tão íntimo. Não o fazendo, a decisão recorrida interpretou incorretamente a referida norma processual.

6ª - A sentença da primeira instância deu como provado, e o Acórdão recorrido confirma, o seguinte:

"6. As deformidades descritas no ponto 4 eram detectáveis numa ecografia realizada às 12 semanas de gestação - resposta ao quesito 1º."

"7. Em nenhum dos relatórios das ecografias realizadas pela autora vem referido que foram visualizados os dedos de qualquer dos quatro membros - resposta ao quesito 2º."

"15. Confrontados no momento do nascimento com as malformações no menor, os autores ficaram chocados - resposta ao quesito 12º."

"16. Estado de choque que ainda hoje se mantém - resposta ao quesito 13º."

"17. Sempre lhes foi dito pelos réus que realizaram as ecografias que o feto era perfeito e que o bebé estava com excelente saúde - resposta ao quesito 14º."

"18. Os AA sofrem muito com esta situação - resposta ao quesito 15º."

"19. Que lhes tem causado muitas angústias e incómodos - resposta ao quesito 16º."
7ª - A conjugação sequencial da matéria dada por assente e citada na conclusão anterior permite concluir, como bem se fez na primeira instância, que os recorrentes sofreram danos morais indemnizáveis em consequência de não terem sido atempadamente avisados pelos réus das malformações de que o seu filho já era portador durante a gravidez.
8ª - A decisão recorrida, tal como o primeiro Acórdão desta Relação, não invalidou aquela matéria de facto dada por provada.
9ª - O segundo julgamento apenas comportou prova para o novo quesito e não para qualquer outra matéria, nomeadamente aquela que já tinha sido dada por assente e não foi alterada pelas decisões desta Relação, nomeadamente aquela de que ora se recorre.
10ª - A decisão recorrida não podia agora invalidar aquela matéria já assente, desde logo porque a mesma foi validada no primeiro Acórdão, e o segundo julgamento não produziu qualquer prova sobre a mesma que fosse suscetível de a alterar. Forçoso será então concluir que tal matéria já estava assente e a decisão recorrida foi longe demais ao desconsiderá-la nesta fase, em manifesto desrespeito pelas regras legais sobre o alcance do caso julgado, cometendo clara violação das mesmas por ofensa de caso julgado, assim cometendo uma incorreta interpretação e errada aplicação dos arts. 619º, 620º, 621º e 622º do CPC em vigor (arts. 671º, 672º, 673º e 674º do CPC antigo).
11ª - Uma vez que o primeiro Acórdão da relação apenas ordenou a formulação de um novo quesito, mantendo válida a fixação da matéria de facto já operada na primeira instância, no segundo Acórdão da Relação, ou seja, na decisão ora recorrida, os Exmos Srs. Desembargadores apenas deveriam ter aludido à prova testemunhal produzida na segunda audiência e nunca à que se produziu na primeira.
12ª - Ao decidir desta forma, o Acórdão recorrido cometeu um grave, grosseiro e notório erro, aqui tanto de facto como de direito. E este vício da decisão recorrida é de tal forma gritante e ostensivo que não deve ser entendido como inatacável por via de recurso de revista, isto de acordo com as regras processuais previstas no art. 674º do CPC. Desde logo, porque se faz uma deturpação descarada e inaceitável do próprio texto vertido na transcrição das gravações das duas audiências da primeira instância, o que de forma alguma se pode aceitar e não pode escapar ao escrutínio deste STJ.
13ª - O que se diz no Acórdão recorrido é o seguinte: "A testemunha JJ, pai do autor AA referiu que logo que a criança nasceu, falou-se que se ela (mãe) soubesse fazia o aborto. A testemunha KK, pai da autora BB, perguntado sobre se os autores alguma vez manifestaram a intenção de abortar, se tivessem conhecimento antes, limitou-se a dizer: sim sim sim....".
14ª - Ao passo que o que se pode ler nas transcrições das gravações é o seguinte:

Pág. 75 das Alegações dos Réus:

Mmº juiz: Olhe, senhor..., o que o senhor Doutor pergunta é se sabe, se é capaz de dizer qual a reacção que o seu filho e a sua nora teriam, não é a sua reacção! A reacção deles?

Sr. JJ: Não sei, não sei!...

Pág. 81 das Alegações dos Réus:
Mandatário 2: Ó senhor KK, sentiu alguma vez na sua filha essa revolta pelo que está a dizer, por não ter tido a possibilidade de ter feito ou ter tentado fazer alguma coisa?  
Sr. KK: Sim, sim. Revoltada por não poder ter feito nada..., por não saber. Se está tudo bem, que se vai fazer?...

Sr. KK: Exatamente. Iríamos apenas recorrer aos meios, para ver o que pode ser feito e o que é que não pode ser feito. Eu sou contra o aborto, sempre fui, não é isso é explicito. Seria uma coisa que eles poderiam, não é...

Sr. KK: Não. Ela nunca teve intenção de abortar, então se ela queria o filho, ela queria o filho não é...

Sr. KK: Ela iria querer um filho são. Porque se soubesse, à partida, que o filho não era aí veriam todas as probabilidades, não é. Embora sendo contra o aborto iriam ver todas as probabilidades, então se vem uma criança que não vai ser perfeita, pronto, talvez, penso eu, que eles pensariam em abortar para tentar ver outra..., outra criança!

15ª - A matéria de facto citada pela decisão recorrida não é a mesma que consta das gravações, a alusão à afirmação de que a recorrente mãe nunca teve intenção de abortar está descaradamente descontextualizada e não transcrita na íntegra, com manifesta alteração do sentido com que essa frase foi proferida pela testemunha. Trata-se de um erro grave, grosseiro e notório, como se disse, e não apenas um mero erro de apreciação da prova produzida, pelo que, deve ser aceite pelo STJ esta incursão na matéria de facto no contexto destas alegações, considerando-se que a decisão recorrida comete também aqui um erro de direito.

16ª - Renova-se aqui a argumentação vertida na conclusão 5ª, e se as dúvidas sobre os depoimentos das testemunhas eram de tal forma graves que colocavam em causa a sua credibilidade, e atenta a especificidade e sensibilidade da matéria em causa, exigia-se que a decisão recorrida, seguisse um raciocínio coerente e, nos termos do disposto no art. 662º nº 2 als. a) e b) do CPC, ordenasse a renovação dessa prova, ou a produção de novos meios de prova, nomeadamente o depoimento de parte dos recorrentes, por serem estes as únicas pessoas com razões de ciência para poderem responder a uma pergunta de foro tão íntimo. Não o fazendo, a decisão recorrida interpretou incorretamente a referida norma processual.

17ª - A matéria dada por assente na primeira instância, juntamente com a prova produzida na segunda audiência, a que consta da transcrição das gravações da audiência mas não a que vem citada na decisão recorrida, só podiam levar á confirmação da decisão proferida por duas vezes na primeira instância, o que significa que a única resposta possível ao novo quesito aditado é a de PROVADO.

18ª - Na apreciação, interpretação e aplicação das normas legais referentes à responsabilidade civil, dever de indemnizar (art. 799º CC), e nexo de causalidade (arts. 563º e seguintes do CC), a decisão recorrida cometeu mais um e não menos grave erro.

19ª - Renova-se o que se disse na conclusão 1º, ou seja, houve cumprimento defeituoso por parte dos réus, pelo que, provado está um dos pressupostos da responsabilidade civil e do dever de indemnizar.

20ª - Está também provado pelas decisões da primeira instância que os recorrentes sofreram danos morais, e que os mesmos derivaram da falta de informação atempada aos recorrentes, por parte dos réus.

21ª - As decisões da primeira instância apontaram ainda e fixaram duas vertentes desses danos morais: primeiro, uma maior intensidade do sofrimento dos autores por estarem convencidos pelos réus que o seu filho era saudável e só terem sabido das malformações no momento do nascimento. Os autos não têm indícios, factos ou documentos, que permitam à decisão recorrida afirmar que o sofrimento era o mesmo fosse qual fosse a altura em que os recorrentes soubessem das malformações. Além disso, essa conclusão da decisão recorrida é totalmente desconcertante porque deslocada em absoluto da realidade e da normalidade das coisas. Bem andou a primeira instância que se aproximou com sabedoria dessa realidade e normalidade. É um facto notório que as coisas são mesmo assim, porque bastará atentar que os recorrentes viveram nove meses enchendo um balão de expetativas com a ajuda dos réus que lhes garantiram que tudo estava bem com o feto, para que tudo rebentasse com enorme estrondo e dor no dia do nascimento. Não se pode aceitar que a decisão recorrida não tenha a sensibilidade para distinguir uma maior intensidade na dor e sofrimento dos recorrentes por tudo se ter passado como passou; em segundo lugar, um dano moral resultante do facto de a conduta dos réus ter privado os recorrentes da possibilidade de optarem pelo recurso à interrupção voluntária da gravidez, direito esse que a lei lhes conferia.

22ª - Como supra se disse, só o erro grave, grosseiro e notório da decisão recorrida permitiu chegar a uma conclusão diferente, ou seja, a de que o dano não resultou da falta atempada de informação.

23ª - Esse erro levou a que a decisão recorrida tenha chegado a uma conclusão desconcertante mas ao mesmo tempo chocante, ao afirmar que, afinal, o dano é outro: o facto de os recorrentes "terem um filho com malformações ou deformações”.

 24ª - Concluir assim, além de grave e chocante, denota desrespeito pelas decisões já tomadas e pala matéria de facto já assente, e faz uma perigosa aproximação da ideia, já aflorada nas decisões da primeira instância, de saber quem é o responsável por uma indemnização deste dano. Terá a criança direito a ser indemnizada? E por quem? Pelos médicos que não avisaram os pais? Ou por estes, caso não tenham optado pelo aborto? Teriam estes a obrigação de provocarem a interrupção voluntária da gravidez?

            25ª - Contrariamente ao que se conclui na decisão ora recorrida, o dano detetado e fixado nos autos é aquele que os pais sofreram pela falta de informação que lhes era contratualmente devida pelos réus. É desse dano que tratam os autos, e este ocorreu por duas formas e em momentos diferentes. A sentença da primeira instância condenou os réus pelos danos causado aos recorrentes e não à criança. Por isso, e como já se disse, a decisão recorrida confunde os danos daqueles e os da criança, e os primeiros existem, foram apurados e fixados na primeira instância e os réus devem ser condenados a indemniza-los, porque os provocaram pelo cumprimento defeituoso da sua prestação contratual.

26ª - Contrariamente ao referido na decisão recorrida, há nexo de causalidade entre a atuação dos réus e os danos sofridos pelos recorrentes, e, ao não concluir assim, a decisão recorrida interpretou e aplicou incorretamente o disposto nos arts. 563º e seguintes do CC.

27ª - A decisão recorrida errou mais uma vez ao consagrar um entendimento que defende a igualdade de intensidade do dano em causa independentemente do momento em que os factos são conhecidos pelos lesados. Se é verdade que os recorrentes teriam sofrido um desgosto enorme se os réus tivessem cumprido sem defeitos a sua prestação contratual, ou seja, se os tivessem avisado atempadamente, como era seu dever, que a criança nasceria com malformações, também não é menos verdade que, uma informação prestada no tempo que era devido, ou seja, aquando da realização das ecografias, pelo menos às 21 semanas, teria permitido aos recorrentes ter feito tudo o que lhes fosse possível para tentarem inverter a situação, ainda que o mal se revelasse irremediável. Se isso tivesse ocorrido, e essa tivesse sido a vontade dos recorrentes, então estes hoje poderiam ter a sua consciência tranquila porque tinham feito tudo o que humanamente lhes era possível para eliminarem as terríveis malformações do seu filho.

28ª - O Acórdão recorrido está ferido de inconstitucionalidade, uma vez que a conclusão a que chegou envolve uma violação do princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP. Tal decorre do facto de o Acórdão consagrar e validar uma interpretação das normas legais, quer da CRP que do CP, que privou os recorrentes de disfrutarem de um direito que a lei lhes consagra, ou seja, o direito de optarem pela interrupção voluntária da gravidez.

29ª - Não se entende, por manifestamente incompreensível, qual o sentido da ligação que o Acórdão pretende estabelecer entre os arts. 24º e 67º da CRP, quando na pág. 18 parece que se quer salientar uma inviolabilidade do direito à vida que impediria qualquer hipótese dos pais, in casu os ora recorrentes, pensarem sequer em recorrer à interrupção da gravidez, quando o ordenamento jurídico português consagra a permissão da prática de interrupção da gravidez em certas e contadas situações. É o que, nomeadamente, resulta da redação dada pela Lei 16/2007 de 17/4 ao art. 142º nº l al. c) do CP., despenalizando a interrupção voluntária da gravidez quando há seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, excecionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo.

30ª - Depois, a decisão recorrida, ao aludir ao art. 67º da CRP faz uma inapropriada incursão em política de planeamento familiar, pois é desta matéria que trata a alínea c) do nº 2 desse preceito. O Acórdão concluiu que se faria uma errada interpretação deste art. 67º da CRP caso se atribuísse aos recorrentes o direito a uma indemnização pela violação do seu direito de autodeterminação, concretamente no que toca ao planeamento familiar. Esta conclusão envolve uma enorme confusão a propósito espírito normativo do art. 142º do CP., pois não estamos a falar de um caso de estrito planeamento familiar, mas sim de um daqueles casos específicos que a Lei quis deliberadamente enquadrar como de decisão esclarecida dos pais em recorrer à interrupção da gravidez, ou seja, a situação de malformação do feto.

31ª - O Acórdão recorrido, ao fazer esta estranha e infeliz confusão entre motivos legais de interrupção da gravidez e planeamento familiar, opera um retrocesso face à atualidade e modernidade da legislação portuguesa nesta matéria.

32ª - A decisão recorrida interpretou e aplicou de forma incorreta o disposto nos arts. 24º e  67º da CRP, e no art. 142º do CP.

Nas suas contra-alegações, os réus sustentam que deve ser confirmado o douto acórdão recorrido e ser julgada improcedente a revista.

                                                              *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I - A questão do «facto notório» constante do novo «quesito» aditado.

II – A questão dos meios de prova implicados à comprovação do «quesito» aditado.

III – A questão da violação do caso julgado.

IV – A questão do erro na apreciação da decisão sobre a matéria de facto.

V – A questão do nexo de causalidade entre o dano e a falta atempada de informação pelos réus.

VI – A questão da constitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, devido à privação do direito dos autores de optarem pela interrupção voluntária da gravidez.

I. DA NATUREZA DE «FACTO NOTÓRIO» CONSTANTE DO «QUESITO» ADITADO

Os autores começam por afirmar que “a formulação dada ao novo quesito configura em si a prova de um facto absolutamente notório, que já estava amplamente demonstrado e assente nas decisões da primeira instância”.

Preceitua o artigo 412º, nº 1, do CPC, que “não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral”.

Um facto é notório quando é do conhecimento geral[2], ou seja, quando o juiz da causa, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, o conhece, sem necessidade de recorrer a operações lógicas ou cognitivas, nem a juízos presuntivos[3], não se confundindo com as meras ilações ou conclusões fáctico-jurídicas ou, meramente, jurídicas.

O novo quesito que resultou do aditamento determinado pela Relação apresenta a seguinte redação: “A não detecção atempada das deformidades descritas em D) impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez?”.

Esta formulação do quesito não contém matéria de conhecimento geral, revestido de carácter de certeza, pelo que pretender saber-se se “a não detecção atempada das deformidades impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez” não comporta qualquer referência a factos notórios, porquanto bem pode suceder, em tese, que alguém, independentemente de ter sido ou não informado de deformidades existentes num feto em gestação, possa ou não querer realizar uma interrupção voluntária da gravidez, e daí que não ocorra qualquer óbvia relação entre as duas realidades.

Porém, o aludido quesito novo, ou seja, “A não detecção atempada das deformidades descritas em D) impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez?”, tendo sido redigido, sob uma formulação negativa, isto é, “a não detecção” e “impediu” ou “não permitiu”, que conheceu a resposta de “não provado”, pela Relação, ao contrário do que acontecera em sede de 1ª instância, que o considerou como “provado”, determina que essa factualidade se deva considerar como não alegada.

Deste modo, a falta de prova desse facto negativo significa, apenas, que ele pode ter tido lugar ou não, mas não constitui prova de que ele não teve lugar.

   II. DOS MEIOS DE PROVA IMPLICADOS À COMPROVAÇÃO DO «QUESITO» ADITADO

Dizem ainda os autores que, de todo o modo, “exigia-se que o acórdão recorrido, face às dúvidas que apontou à credibilidade das testemunhas, ordenasse a renovação dessa prova, ou a produção de novos meios de prova, nomeadamente o depoimento de parte dos recorrentes, nos termos do disposto no artigo 662º, nº 2, a) e b), do CPC, por serem estes as únicas pessoas com razões de ciência para poderem responder a uma pergunta de foro tão íntimo”.

Dispõe o artigo 662º, nº 4, do CPC, que “das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

Quer isto dizer que, apontando os autores ao acórdão recorrido a omissão da determinação da “renovação da produção da prova quando houver sérias dúvidas sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento” [nº 2, a)] e da “produção de novos meios de prova” [nº 2, b)], não pode o Supremo Tribunal de Justiça, atento o estipulado pelo artigo 662º, nº 4, do CPC, censurar o não uso pela Relação dos poderes de alteração da matéria de facto, contrariamente ao que poderia acontecer, na hipótese inversa, ou seja, sindicar, em determinadas circunstâncias, o uso que a Relação tenha feito dos poderes de alteração da matéria de facto.

Com efeito, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não é, por via de regra, objecto do recurso de revista, a menos que haja violação expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, em conformidade com o estipulado pelos artigos 682º, nº 2 e 674º, nº 3, ambos do CPC.

Assim sendo, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto formado pela Relação, para além das situações de contradição ou insuficiência da fundamentação factual, quando esta deu como provado um facto, sem a produção de prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos, no ordenamento jurídico nacional, de origem interna ou externa.

                     III. DA VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO

Alegam, igualmente, os autores que, uma vez que o primeiro acórdão da Relação, apenas, ordenou a formulação de um novo quesito, mantendo válida a fixação da matéria de facto já operada na primeira instância, no segundo acórdão da Relação, ou seja, na decisão ora recorrida, o segundo julgamento, tão-só, comportou prova para o novo quesito e não para qualquer outra matéria, nomeadamente, aquela de que se recorre, que já tinha sido dada por assente e não foi alterada pelas decisões da Relação, não podendo a decisão recorrida invalidar aquela matéria já assente, sob pena de violação do caso julgado, pelo que, somente, se deveria ter aludido à prova testemunhal produzida, na segunda audiência, e nunca à que teve lugar na primeira.

O acórdão da Relação de folhas 366 e seguintes, determinou a “anulação parcial do julgamento para ser aditado, à base instrutória, novo quesito, nos termos do artigo 712º, nº 4 do CPC e, consequentemente, a sentença recorrida, por forma a que o tribunal a quo formule novo quesito e proceda a novo julgamento para responder a esse quesito”.

Dispunha o, então, nº 4, do artigo 712º, do CPC, a que corresponde, na parte essencial que agora importa considerar, o artigo 662º, nº 3, c), do NCPC, que “se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão”.

Com efeito, formulado novo quesito, com base no disposto pelo artigo 662, nº 3, c), do CPC, a repetição do julgamento não abrange, em princípio, sem determinação expressa em contrário, a anulação das respostas aos quesitos anteriores que não se encontrem viciadas[4], pois que, apenas, quanto aquele podem as partes apresentar novo rol de testemunhas[5].

Na verdade, efectuado o novo julgamento, as testemunhas arroladas, tão-só, foram inquiridas à matéria do quesito aditado, tendo a nova sentença condenado os réus, nos exatos termos da sentença anterior.

E o acórdão recorrido considerou que “sobre os pontos da decisão da matéria de facto, nada mais há a decidir, dado que a mesma já fora decidida antes por acórdão desta Relação, tendo-se formado, nessa parte, caso julgado, que obsta à sua reapreciação”, apenas tendo conhecido o pedido de impugnação da matéria de facto, relativamente à resposta dada ao quesito aditado.

Assim sendo, o acórdão recorrido não procedeu a qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto, com exceção do que contende com o quesito aditado, não existindo, portanto, qualquer violação do princípio do caso julgado.

Realidade diferente será, eventualmente, a do erro de julgamento, que os autores, sob a epígrafe da violação do caso julgado, imputam ao acórdão, e que será objecto de análise, sob o ponto V, «infra».

                  IV. DO ERRO NA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Alegam, também, os autores que “a matéria dada por assente na primeira instância, juntamente com a prova produzida na segunda audiência, a que consta da transcrição das gravações da audiência mas não a que vem citada na decisão recorrida, só podiam levar á confirmação da decisão proferida por duas vezes na primeira instância, o que significa que a única resposta possível ao novo quesito aditado é a de PROVADO, tratando-se de um erro grave e grosseiro de apreciação da prova produzida, pelo que, deve ser aceite pelo STJ esta incursão na matéria de facto no contexto destas alegações, considerando-se que a decisão recorrida comete também aqui um erro de direito”.

Para além do que já se disse em I e II, «supra», importa reafirmar, uma vez mais, que o Supremo Tribunal de Justiça aplica, definitivamente, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objecto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682º, nºs 1, 2 e 3 e 674º, nº 3, do CPC.

Com efeito, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo, através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º, do CPC.

Por outro lado, como já se disse em II, «supra», tendo a Relação reapreciado, no acórdão recorrido, as provas em que assentou a parte impugnada da decisão proferida, em primeira instância, não cabe do mesmo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do preceituado pelo artigo 662º, nºs 1 e 2, c) e 4, do CPC.

Assim sendo e, em síntese, compete às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo, a este título, residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, destinada a averiguar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes[6].

Efectivamente, o acórdão recorrido decidiu a causa, dando como provados ou como não demonstrados certos factos e, para reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, como é pressuposto de um segundo julgamento da matéria de facto, a Relação procedeu à audição da prova pessoal gravada e à análise do teor dos documentos existentes nos autos, examinando as provas e motivando a decisão, adquirindo os elementos de convicção probatória, de acordo com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do CPC, que combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal.

E, assim, este Supremo Tribunal de Justiça considera que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, tendo em conta a nova resposta dada ao quesito 35º, e o entendimento já expresso em I, «supra», quanto ao novo quesito formulado, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do CPC, mas que reproduz:
1. Os réus DD e II exercem as funções de médicos radiologistas, para a ré “HH, Lda”, sendo ainda a ré DD sócia-gerente da mesma - A) dos Factos Assentes.
2. No ano de 2004, a autora BB contratou com a ré “HH, Lda” a prestação de serviços, consistentes em três ecografias obstétricas, a 1ª, em 06/09/2004, a 2ª, em 26/11/2004, e, a 3ª, em 31/01/2005, às oito semanas e cinco dias de gestação, às vinte e uma semanas e um dia de gestação e às trinta semanas e quatro dias de gestação, respetivamente - B) dos Factos Assentes.
3. Dos exames, referidos em 2, resultaram os relatórios juntos aos autos, a fls. 24 a 26, que se deram por, integralmente, reproduzidos - C) dos Factos Assentes.
4. O filho dos autores, CC, nasceu em … de … de 2005, com deficiência transversa do punho, mão e pé esquerdo, deficiência longitudinal do pé direito e sindactilia da mão direita - D) dos Factos Assentes.
5. Os originais das imagens dos exames, referidos em 3, foram todos entregues à autora - E) dos Factos Assentes.
6. As deformidades descritas, no ponto 4, eram detectáveis numa ecografia realizada às 12 semanas de gestação - resposta ao quesito 1º.
7. Em nenhum dos relatórios das ecografias realizadas pela autora vem referido que foram visualizados os dedos de qualquer dos quatro membros - resposta ao quesito 2º.
8. Não é possível sujeitar o feto a tratamento para correcção das deformidades descritas, no ponto 4 - resposta ao quesito 3º.
9. Devido às malformações que o mesmo apresenta, foi o menor protetizado, desde os catorze meses, com próteses para o membro superior esquerdo, membro inferior direito e membro inferior esquerdo - resposta ao quesito 5º.
10. Existe uma boa adaptação das próteses nos membros inferiores - resposta ao quesito 6º.
11. Tem sido rejeitada a prótese do membro superior direito - resposta ao quesito 7º.
12. Das malformações, referidas no ponto 4, resulta para o menor CC uma incapacidade permanente geral de 95 pontos - resposta ao quesito 8º.
13. A qual é susceptível de variações - resposta ao quesito 9º.
14. O menor tem dificuldade de locomoção, na via pública, e de acesso aos meios de transporte públicos convencionais - resposta ao quesito 10º.
15. Confrontados no momento do nascimento com as malformações no menor, os autores ficaram chocados - resposta ao quesito 12º.
16. Estado de choque que ainda hoje se mantém - resposta ao quesito 13º.
17. Sempre lhes foi dito pelos réus que realizaram as ecografias que o feto era perfeito e que o bébé estava com excelente saúde - resposta ao quesito 14º.
18. Os autores sofrem muito com esta situação - resposta ao quesito 15º.
19. Que lhes tem causado muitas angústias e incómodos - resposta ao quesito 16º.
20. E que aumenta quando olham para o menor - resposta ao quesito 18º.
21. Constatando que este será, totalmente, dependente de uma terceira pessoa para o resto da vida - resposta ao quesito 19º.
22. O CC sofre quando olha para outras crianças da sua idade, que não apresentam as suas limitações - resposta ao quesito 20º.
23. Não conseguindo sequer brincar com elas - resposta ao quesito 21º.
24. Chora sem perceber o porquê da sua deficiência - resposta ao quesito 22º.
25. Agravando o sofrimento de seus pais quando verificam esta situação - resposta ao quesito 23º.
26. O menor necessitará de substituir as próteses para os membros superior e inferior esquerdos e inferior direito, pelo menos, enquanto não parar de crescer, fisicamente - resposta ao quesito 24º.
27. Aquela substituição terá de ser feita quando as próteses se mostrarem desadequadas ao estado de desenvolvimento físico do menor - resposta ao quesito 26º.
28. Apesar da sua limitação motora grave, o CC é uma criança inteligente e saudável - resposta ao quesito 28º.
29. O menor CC tem condições para ingressar no sistema de ensino e obter uma licenciatura - resposta ao quesito 29º.
30. E virá a auferir um salário nunca inferior a €750,00 - resposta ao quesito 30º.
31. As ecografias realizadas pelo réu Dr. II, não visaram nem visam, na prática, a verificação dos membros do feto - resposta ao quesito 33º.
32. As malformações em causa foram provocadas pelo síndroma de bandas amnióticas - resposta ao quesito 34º.
33. As bandas amnióticas formam-se na gestação - resposta ao quesito 35º.
34. E podem provocar garrotagens e originar a amputação de membros ou o desenvolvimento anormal destes, por falta de vascularização - resposta ao quesito 36º.
35. Tais bandas amnióticas podem ou não ser detectáveis nas ecografias, não o sendo, designadamente, nas situações em que as mesmas se encontram encostadas ao feto ou à parede do útero - resposta ao quesito 37º.
36. Nas ecografias em causa, nem as bandas amnióticas foram detectadas, nem foram detectadas as deformidades que provocaram - resposta ao quesito 38º.
37. Na ecografia das 30 semanas já é difícil verificar a existência de malformações, ao nível das mãos e dos pés, devido ao tamanho do feto e à posição do mesmo - resposta ao quesito 39º.
38. Quando se realiza a ecografia das 30 semanas de gestação, não há a preocupação de verificar a existência de malformações dos membros, porque este é o verdadeiro objectivo da ecografia que se realiza às 20 semanas - resposta ao quesito 41º.
39. A autora BB efectuou ecografias, no Hospital desta cidade de Barcelos, nas últimas semanas que antecederam a gravidez do CC, concretamente, nos dias 17, 23 e 31 de Março de 2005 - resposta ao quesito 43º.

    V. DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO E A FALTA ATEMPADA DE INFORMAÇÃO

V. 1. Os autores, neste particular, alegam que, contrariamente ao referido no acórdão recorrido, verifica-se o nexo de causalidade entre a atuação dos réus e os danos sofridos, resultantes da falta atempada de informação, sendo certo que a decisão recorrida confunde os danos dos autores com os danos da criança.

A este propósito, o acórdão recorrido, afirmando “demonstrada a execução defeituosa ou ilicitude da conduta e a culpa”, entende que se não verifica “o nexo de causalidade entre o sofrimento dos pais e a actuação dos recorrentes”, porquanto “o nexo de causalidade, no caso vertente, estabelecer-se-ia entre o comportamento da ré DD (não informação aos Autores das malformações do feto) e o forte abalo sentido pelos autores a quem, durante a gravidez, sempre foi dito que o feto era perfeito e que o bebé estava com excelente saúde e que vieram posteriormente a verificar, aquando do nascimento do filho que não era assim, acontece, porém, que o dano decorrente do desconhecimento atempado das ditas deformidades não foi causado pela falta de informação acerca da existência daquelas, mas pelo dano em si, ou seja, por terem um filho com malformações ou deformações”.

V. 2. As «wrongful birth actions» surgem quando uma criança nasce mal-formada e os pais, em seu próprio nome, pretendem reagir contra o médico e/ou as instituições hospitalares ou afins, pelo facto de os terem privado de um consentimento informado que, eventualmente, poderia ter levado à interrupção da gravidez[7].

Trata-se de um cenário que ocorre ou porque o médico não efectuou os exames pertinentes, ou porque os interpretou, erroneamente, ou porque não comunicou os resultados obtidos, não se mostrando, porém, responsável pela verificação da deficiência, propriamente dita, que surge, normalmente, desde o início da vida pré-natal.

Contudo, a omissão do esclarecimento sobre essa deficiência é considerada ilícita, enquanto que o comportamento alternativo lícito do médico teria evitado, na perspectiva dos autores, o nascimento e, deste modo, a vida, gravemente, deficiente, porquanto os mesmos alegam que se tivessem sido informados das malformações que o embrião/feto desenvolveu durante a gestação, teriam optado por interromper a gravidez, imputando, assim, aos réus um erro no diagnóstico pré-natal.

Com efeito, os chamados diagnósticos pré-natais são exames que se destinam a detetar anomalias fetais, durante a gestação, assumindo várias finalidades, nomeadamente, a de tranquilizar ou preparar os progenitores acerca da saúde do feto, permitir, quando possível, o tratamento do feto, indicar o modo mais adequado para a realização do parto, determinar o tratamento a ser dirigido ao recém-nascido e, nos países onde o aborto é permitido, o diagnóstico de uma deficiência fetal incurável possibilita ainda o exercício do direito à interrupção voluntária da gravidez.

Deste modo, o erro médico consistente na falta de deteção de uma anomalia embrionária ou fetal ou na ausência de informação acerca de tal quadro de deficiência, pode ocasionar a perda de chance de uma escolha reprodutiva, mais, especificamente, a realização ou não de um aborto, pelo que este específico direito à autodeterminação é o campo por excelência das ações de «wrongful birth» e de «wrongful live», cada vez mais comuns nos países onde a interrupção voluntária da gravidez é permitida.

V. 3. Invocando os autores o exercício de medicina privada, por parte das rés Drª DD e "HH, Lda", nas instalações desta, para quem aquela trabalhava, como médica radiologista, entendem que gozam do direito de reclamar uma indemnização pelos danos que lhes foram causados, por alegado facto ilícito culposo gerador de responsabilidade civil contratual, pela execução defeituosa de exames de ecografia obstétrica, não acompanhada do correspetivo dever legal de informação.

Trata-se, com efeito, de uma responsabilidade de natureza contratual, em que a obrigação de indemnizar tem por fonte a existência de um vínculo jurídico entre a vítima e o lesante, decorrente da celebração de um contrato de prestação de serviços médicos, a que se reporta o artigo 1154º, do Código Civil (CC).

Estipula, por outro lado, o artigo 486º, do CC, que “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”.

Por acto médico, entende-se a actividade executada por um profissional de saúde que consiste na avaliação diagnóstica, prognóstica ou de prescrição e execução de medidas terapêuticas adequadas[8], relativas à saúde das pessoas, grupos ou comunidades.

            Aliás, facilmente, se intui que a presente «wrongful birth action» se submete ao regime jurídico da responsabilidade civil contratual, porquanto decorre de um contrato celebrado entre o médico e o paciente, cujas características são a natureza sinalagmática, na medida que gera direitos e obrigações para ambas as partes, a onerosidade, ou seja, o serviço médico é realizado, mediante uma contraprestação, o carater de contrato personalíssimo ou «intuitus personae», cuja obrigação pactuada só pode ser praticada, em princípio, pelo médico contratado e, por fim, a consensualidade, ou seja, trata-se de um contrato que não possui formalidades prescritas por lei[9].

O ónus da prova da culpa depende do tipo de responsabilidade subjacente, isto é, da respetiva natureza contratual ou extracontratual.

Ora, na responsabilidade contratual, a culpa só se presume se a obrigação assumida for de resultado, bastando, então, a demonstração do inadimplemento da obrigação, ou seja, que o resultado, contratualmente, assumido não se verificou, pelo que, face à culpa, assim, presumida, cabe ao devedor provar a existência de fatores excludentes da responsabilidade.

Por seu turno, se a obrigação assumida consistir numa obrigação de meios, no âmbito da responsabilidade civil contratual por factos ilícitos, incumbe ao devedor fazer a prova que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, ilidindo a presunção de culpa que sobre si recai, nos termos do preceituado pelo artigo 799º, nº 1, do CC.

Assim sendo, enquanto na responsabilidade contratual pelo não cumprimento de obrigações de resultado, o artigo 799º, do CC, combina-se com um critério de tipicidade/ilicitude, referido ao resultado, e, deste modo, exonera o credor do ónus de provar a omissão do cuidado, exterior ou interior, na responsabilidade contratual pelo não cumprimento de obrigações de meios, o aludido normativo legal já se combina com um critério de tipicidade/ilicitude, referido à conduta, razão pela qual não exonera o credor do ónus de demonstrar a omissão da mais elevada medida de cuidado exterior, sem embargo de a presunção de culpa do devedor, a que alude o nº 1 do supracitado normativo legal, ser de aplicar à responsabilidade contratual pelo não cumprimento da obrigação de meios, quer à obrigação contratual do médico como obrigação de resultado[10].

A obrigação de indemnização, com base em responsabilidade civil médica, não decorre de qualquer regra especial definidora desse âmbito, encontrando antes o seu campo de implantação geral, contido no estatuído pelo artigo 483º, nº 1, do CC, onde sobressaem os respectivos requisitos gerais.

V. 4. Os autores sustentam o pedido de indemnização pelos danos sofridos, em resultado do deficiente e erróneo cumprimento do dever de informação, efectuado pela ré "HH, Lda", e, por parte da ré Drª DD, que aí prestava serviço como médica, relativamente à gravidez da autora, que não fizeram reportar, nos relatórios dos exames de ecografia obstétrica, as gravíssimas malformações dos membros superiores e inferiores do feto, que viriam a determinar uma incapacidade permanente global de 95% do menor CC, sendo certo que essas deformações eram detectáveis às 12 semanas, o que não aconteceu, por descuido e negligência grosseira, imputável às mesmas, e que impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez.

No âmbito da responsabilidade civil contratual, em que se filia a causa de pedir da acção, o médico, apenas, está, em princípio, obrigado a desenvolver, prudente e diligentemente, certa actividade, empregando a sua ciência para a obtenção da cura do doente, mas sem assegurar que esse efeito se produza, ficando exonerado da responsabilidade se o cumprimento requerer uma diligência maior, e liberando-se com a impossibilidade objectiva ou subjectiva que lhe não sejam imputáveis[11].

 A maioria dos contratos de prestação de serviços médicos veicula, assim, uma obrigação de meios, pois que o médico não promete a cura, mas sim o empenho, a técnica e o cuidado para atingir um determinado efeito, não implicando, portanto, a não consecução dessa finalidade a inadimplência contratual, e, por isso, quando esse objetivo não tenha sido atingido, cabe, então, ao doente provar que tal facto decorreu de um comportamento negligente do médico.

Ora, constituindo exceção, na área das Ciências Médicas, as obrigações de resultado, a não obtenção de um resultado específico determina, por si só, nessas situações, a presunção de um inadimplemento contratual culposo, por parte do devedor da prestação [médico], competindo, então, a este provar que a impossibilidade de cumprimento, isto é, de obtenção daquele resultado devido é imputável a caso fortuito ou de força maior.

Ora, a realização de exames laboratoriais, com o consequente diagnóstico, constitui uma obrigação de resultado[12], tratando-se mesmo de um exemplo clássico de uma típica obrigação médica de resultado, porquanto, atendendo ao elevado grau de especialização alcançado pelos exames laboratoriais, em que a margem de incerteza e aleatoriedade é muito reduzida, praticamente, nula, “o âmbito concedido ao erro é limitado”[13] e a verificação do resultado, altamente, provável, razão pela qual sobre aquele que analisa os resultados destes exames recai, também, uma obrigação de resultado, pelo que se o médico ecografista “fornece ao cliente um resultado cientificamente errado, então, temos de concluir que actuou culposamente, porquanto o resultado transmitido apenas se deve a erros de análise[14], com ressalva, como é óbvio, da falibilidade do próprio exame, o que se não demonstrou, mas cuja percentagem de exactidão é de cerca de 90 a 95%[15].

V. 5. O diagnóstico consiste na determinação da enfermidade do paciente, na análise das suas características e causas, com vista a alcançar um conhecimento sobre o estado do doente, o mais amplo possível à utilidade que visa, quer se trate de medicina curativa ou de medicina preventiva[16], ou seja, destina-se a conhecer ou determinar “uma doença pelos sintomas e ou mediante exames diversos (radiológicos, laboratoriais), etc”[17].

As açöes ou ornissöes culposas que podem estar na origem dos danos indemnizáveis decorrentes da realização de um diagnóstico pré-natal contendem com a má execução de uma técnica, com a má interpretação de resultados ou a falta de comunicação dos resultados aos interessados.

A má execução de uma técnica pode, apenas, dar origem a um falso negativo, escondendo uma deficiência grave do nascituro ou pode traduzir-se na determinação de lesões físicas, na grávida ou no feto, ao passo que a má interpretação dos resultados, tanto pode dar origem a um falso negativo, que vem a nascer com deficiências graves, como dar origem a um falso positivo, cuja gestação pode ser interrompida, erradamente[18].

Trata-se de um enquadramento clínico, baseado na capacidade subjectiva do médico para interpretar, de acordo com os indícios colhidos durante o exame preliminar, complementado por exames adicionais, se necessário, as condições de saúde do paciente, cabendo aquele, após uma atenta análise dos sintomas reveladas pelo doente, formar a sua convicção e dar início ao tratamento mais adequado à patologia clínica evidenciada, em conformidade com a avaliação obtida.

V. 6. Regressando ao caso em análise, impõe-se referir que a alegada falta médica residiu na omissão de todos os conhecimentos, diligências e cuidados para dar a conhecer aos autores a condição do filho, porque foram mal interpretados os exames e porque não foi comunicado aos pais o seu resultado, incumprindo os réus os deveres de informação, em desrespeito pelas «legis artis medicinae»[19], acabando por causar um dano aos autores, uma vez que a sua adesão ao prosseguimento da gravidez não foi consequente a um consentimento esclarecido, dotado de todas as informações relevantes.

Esta conclusão não é sequer abalada pelo facto de a comunicação da informação omitida não conduzir à cura do nascituro, mas, apenas, à possibilidade do seu não nascimento, e isto porque, a partir do momento em que a lei consagra, dentro de certos condicionalismos, a interrupção voluntária da gravidez de um feto com anomalias graves, está a admitir que uma vida, nestas condições, pressupõe um dano, o qual não reside na vida em si, mas nas anomalias de que a mesma pode ser portadora[20].

Os autores não alegam que as malformações com que nasceu o CC tenham sido consequência da conduta dos réus, mas antes que sendo detetáveis, desde cedo, essas malformações, e de natureza congénita, os réus não adotaram os cuidados que se impunham na realização das ecografias, nem os informaram da situação real do feto.

A este propósito, as rés, nas suas contra-alegações, afirmam que “ainda que as deformidades existissem à data da realização das ecografias feitas pela ré Drª DD, o que não se admite, e que fossem visíveis ou percepcionáveis por esta, não se provou que esta as tivesse visto, ou que não as tivesse visto por negligência, por não ser possível visualizar as deformidades nas ecografias realizadas”.

Ficou provado, neste particular, que as deformidades descritas no ponto 4, ou seja, a deficiência transversa do punho, mão e pé esquerdo, a deficiência longitudinal do pé direito e a sindactilia da mão direita, eram detectáveis numa ecografia realizada às 12 semanas de gestação, sendo certo, não obstante, que, em nenhum dos relatórios das ecografias realizadas, designadamente, no relatório respeitante à ecografia efectuada às vinte e uma semanas e um dia de gestação, vem referido que foram visualizados os dedos de qualquer dos quatro membros, antes sempre tendo sido dito pelos réus que realizaram as ecografias que o feto era perfeito e que o bébé estava com excelente saúde.

Com efeito, a verificação da existência de malformações, ao nível das mãos e dos pés, é o verdadeiro objectivo da ecografia que se realiza às 20 semanas, sendo certo que as malformações em causa foram provocadas pelo síndroma de bandas amnióticas que se formam na gestação, as quais não foram detectadas nas ecografias, assim como as deformidades que provocaram.  

Deste modo, pelo menos, na ecografia efectuada às vinte e uma semanas e um dia de gestação, eram detectáveis as malformações evidenciadas que o síndroma de bandas amnióticas que se formam na gestação e que as provocaram, por, também, não haverem sido visionadas, não obstaram à sua perceção.

Assim sendo, contrariamente ao que afirmam os réus, e com o muito devido respeito, não só as deformidades já existiam, à data da realização das ecografias feitas pela ré Drª DD, e eram visíveis ou percepcionáveis por esta, como ainda poderiam e deveriam ter sido observadas pela mesma.

Aliás, no mesmo sentido já se havia pronunciado o acórdão recorrido, ao afirmar, corroborando a orientação da sentença de 1ª instância, que “é precisamente aquele errado resultado do exame ecográfico realizado às 21 semanas de gravidez da autora e a não informação aos autores das malformações que já então eram detectáveis (…..)”, pelo que “temos de concluir que pelo menos na realização da ecografia realizada às 21 semanas, a médica que a realizou não actuou segundo as regras da boa prática profissional, pois as deformações do feto já eram detectáveis e não o foram;”.

V. 7. Com efeito, a previsibilidade de um evento não se confunde com a aptidão causal ou idoneidade para a sua produção, que se trata de realidades distintas, relevando esta para efeito do nexo de causalidade, e a primeira para efeito de culpa, porquanto se o médico que atuou com violação das «legis artis» não previu o resultado danoso da sua conduta, por descuido ou negligência, a mesma é-lhe imputada, a título de culpa.

A culpa exprime um juízo de reprovabilidade da conduta do agente, que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade deste[21], que devia e podia actuar de outro modo, usando todos os conhecimentos, diligências e cuidados que a profissão, necessariamente, impõe e que teriam permitido dar a conhecer aos pais as malformações do filho.

Ora, sendo o erro um equívoco no juízo e não se encontrando o médico dotado do dom da infalibilidade, o erro de diagnóstico será imputável, juridicamente, ao médico, a título de culpa, quando ocorreu com descuido das mais elementares regras profissionais, ou, mais, precisamente, quando aconteceu um comportamento inexcusável em que o erro se formou[22].

O erro médico só não corresponde a uma atuação culposa se, em razão da insignificância do ato, se entender que não houve um desvio em relação ao padrão médico de atuação, pois que, em caso contrário, o erro médico pressupõe uma conduta culposa, por parte do clínico[23], ou seja, o erro de diagnóstico só ocorrerá com a ignorância indesculpável ou o esquecimento das mais elementares regras profissionais, que se revelem de modo evidente[24]

No fundo, a possibilidade de previsão de resultados pelo agente, mesmo daqueles que decorrem da falta da sua antevisão individual, segundo as suas aptidões pessoais, define o limite da culpa e, em consequência, da responsabilidade.

O dever de informação sobre o prognóstico, diagnóstico e riscos envolventes faz parte dos denominados «deveres laterais do contrato médico», e o não cumprimento pelo médico dos deveres de cuidado e protecção a que está obrigado pode ser causa de responsabilidade contratual.

V. 8. Muito embora não exista, no ordenamento jurídico nacional, por parte dos progenitores, qualquer dever jurídico de proceder ao aborto de nascituro deficiente, não é a vida que é tida como um dano, em si mesmo, o dano da vida, propriamente dito, mas antes a deficiência da vida, isto é, o dano da deficiência que essa vida comporta[25].

E se o «direito a não nascer» se refere a um hipotético direito do embrião uterino a ver interrompida a sua gestação, mediante a interrupção voluntária da gravidez, nem, por isso, o aborto constitui um poder-dever dos respetivos progenitores[26].

V. 9. De acordo com o disposto pelo artigo 563º, do CC, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

A comparação, para efeitos de cálculo da compensação, opera não entre a existência e a não existência, mas antes entre a situação em que a criança acaba por nascer e aquela que aconteceria se não fosse a lesão, ou seja, entre a existência de uma pessoa, dita “normal”, e a existência de uma pessoa com malformações, pelo que o valor negativo é atribuído à vida defeituosa e o valor positivo à vida saudável[27].

E a responsabilidade do médico que violou o seu dever de informação quanto a essa deficiência, que, apenas, não afastou o perigo que ele próprio não criou, não pode, em princípio, ser equiparada à responsabilidade do real causador da vida deficiente[28].

Porém, muito embora a malformação não tenha sido causada pelo médico, o certo que a sua actividade, quando desenvolvida segundo as «leges artis», poderia ter evitado o nascimento com aquela deficiência congénita, o que permite consubstanciar um nexo de causalidade suficiente[29], um nexo de causalidade, ainda que indirecto[30], entre a vida portadora de deficiência e a correspondente omissão de informação do médico por essa situação, ainda que outros factores tenham para ela concorrido, isto é, quando o facto não produz, ele mesmo, o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste[31].

Esta relação de causalidade indirecta ou mediata, entre o facto e o dano, é compatível com a intervenção, mesmo de permeio, de outros fatores, sejam fatores naturais, sejam factos praticados pelo lesado, desde que estes fatores, também, se possam considerar induzidos pelo facto inicial, segundo um juízo de probabilidade[32].

E sendo o dano a vida com deficiência e a ausência da possibilidade de escolha pela interrupção voluntária da gravidez, em virtude da violação do direito à informação, e não a criança, em si mesma, que dela padece, admitindo-se o aborto, em caso de deficiência grave do feto, como decorre do preceituado pelo artigo 142º, nº 1, c), do Código Penal, mal se compreenderia que os pais se vissem privados dessa opção.

Com efeito, “não é punível a interrupção da gravidez…, quando… houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado, de acordo com as leges artis…”, em conformidade com o disposto pelo artigo 142º, nº 1, c), do Código Penal.

Trata-se de um juízo médico de previsão, fundado em seguros motivos, com carater de certeza, de que o nascituro sofre, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita, decorrente de diagnóstico pré-natal, que justifica a interrupção da gravidez [33].

Seria, assim, num quadro de prognose razoável, para efeito de sustentar a não punibilidade da interrupção da gravidez, de defender que a doença se afigurava grave, não já por não permitir a sobrevivência ao nascer, mas antes por não ser de conjeturar um normal desenvo1virnento da autonomia do CC, sem um suporte médico continuado das funções vitais.

Aliás, a falta de informação faz funcionar, a favor do credor da mesma, a presunção de que este se teria comportado de forma adequada, ou seja, no caso, que os pais teriam optado por abortar, caso soubessem da deficiência do filho[34].

Com efeito, determinada acção ou omissão é causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, face à experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar[35].

Aliás, o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, pela sua natureza, de todo, inadequado e tenha sido produzido, apenas, em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais, sendo que, no caso, o comportamento dos réus foi determinante, ao nível da censura ético-jurídica, para desencadear o resultado danoso[36].

O nexo de causalidade entre a ausência de comunicação do resultado de um exame, o que configura erro de diagnóstico, e a deficiência verificada na criança, que poderia ter culminado com a faculdade de os pais interromperem a gravidez e obstar ao nascimento[37], constitui, in «casu», o pressuposto determinante da responsabilidade civil médica em apreço.

Se o médico executa ou interpreta mal um diagnóstico pré-natal produz um resultado negativo falso, concluindo-se a gravidez que a mãe teria podido interromper, podendo, então, dizer-se que a conduta culposa do médico foi a causa do nascimento com a deficiência grave que não foi diagnosticada[38].

V. 10. Verificado o nexo de causalidade adequada, os danos sobrevindos, tal como vêm alegados pelos autores, relacionam-se com os danos não patrimoniais, por se verem confrontados com as malformações do menor, apenas, no momento do nascimento, e com os danos patrimoniais relativos à deficiência, em virtude de o CC ser, totalmente, dependente de uma terceira pessoa, para o resto da sua vida, necessitando de substituir, anualmente, as próteses aplicadas.

Nas «wrongful birth actions», são ressarcíveis os danos não patrimoniais e patrimoniais[39], onde se não incluem todos os custos derivados da educação e sustento de uma criança, mas, tão-só, os relacionados com a sua deficiência, estabelecendo-se uma relação comparativa entre os custos de criar uma criança, nestas condições, e as despesas com uma criança normal[40], pois que os pais aceitaram, voluntariamente, a gravidez, conformando-se com os encargos do primeiro tipo, que derivam do preceituado pelo artigo 1878º, nº 1, do CC.

Efetivamente, o que está em causa não é a possibilidade de a pessoa se decidir, mas antes de se decidir num sentido ou noutro[41], de escolher entre abortar ou prosseguir com a gravidez[42], a partir do momento em que a lei penal autoriza os pais a interromper a gravidez, ante a previsão segura de que o feto irá nascer com malformação congénita incurável, atento o disposto pelo artigo 142º, nº 1, c), do Código Penal.

V. 11. Sendo certo que a vida em sociedade é fonte potencial de sofrimento de danos e de ocorrência de riscos, em conformidade com a denominada teoria do “risco social”, impõe-se, como regra decorrente do princípio «casum sentit dominus», que a vítima suporte o próprio prejuízo, a menos que o dano seja, injustamente, provocado, demonstrando-se necessária a indemnização dessa lesão, cuja finalidade é dupla, isto é, reparar ou compensar a perda e punir o agressor, de acordo com o princípio da “distribuição dos danos que se produzem no contacto social”[43].

E se o Direito, enquanto ordem normativa reguladora de interesses sociais conflituantes, não deve servir como escudo de valores religiosos, morais, filosóficos, éticos ou de costumes, não podem os autores, que afirmaram esse propósito na petição inicial, ver denegado o proclamado exercício da faculdade da interrupção voluntária da gravidez, a pretexto de que “a aceitação da responsabilidade do médico por uma qualquer deficiência, significa evidentemente que essa responsabilidade não pode ignorar e absorver a relevância da conduta dos pais na origem da vida do filho, como acontece quando um filho é concebido com uma malformação congénita e essa malformação não foi depois corrigida ou atenuada por um lapso médico, em que a responsabilidade (médica) pela deficiência nunca pode ser equiparada à responsabilidade (dos pais) pela vida, devendo a indemnização ser sempre proporcionada ao papel efectivo do médico na produção do resultado danoso”[44].

Na verdade, o Direito é a ciência do mínimo ético, concêntrica com a Moral, mas com um diâmetro inferior a esta, em que, apenas, alguns dos valores que tutela têm igual denominador comum com aquele («nec omne quod licet honestum est»).

Procedem, pois, em parte, as conclusões constantes das alegações da revista dos autores.

                                                                   *

Resta, pois, prejudicada a apreciação da questão da constitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, devido à privação do direito de optar pela interrupção voluntária da gravidez (VI.), constante das conclusões nº 28 a 32 das alegações, em virtude do decidido em V., atento o preceituado pelo artigo 608º, nº 2, do CPC.

CONCLUSÕES:

I - O novo quesito, com a redacção de que “A não detecção atempada das deformidades descritas em D) impediu que os autores pudessem efectuar uma interrupção médica da gravidez?”, não comporta qualquer referência a factos notórios, por não conter matéria de conhecimento geral, revestida do carácter de certeza, sem necessidade de se recorrer a operações lógicas ou cognitivas, nem a juízos presuntivos.

II – Tendo o aludido quesito novo sido redigido, sob uma formulação negativa, que mereceu resposta de “não provado”, tal determina que essa factualidade se deva considerar como não alegada, pelo que a falta de prova desse facto negativo significa, apenas, que ele pode ter tido ou não lugar, mas não constitui prova de que ele não teve lugar.

III - O Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto, formado pela Relação, para além das situações de contradição ou insuficiência da fundamentação factual, quando esta deu como provado um facto, sem a produção de prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova, admitidos no ordenamento jurídico nacional, de origem interna ou externa.

IV - Formulado novo quesito, com base no disposto pelo artigo 662º, nº 3, c), do CPC, a repetição do julgamento não abrange, em princípio, sem determinação expressa em contrário, a anulação das respostas aos quesitos anteriores que não se encontrem viciadas, pois que, apenas, quanto aquele novo quesito podem as partes apresentar novo rol de testemunhas.

V - As «wrongful birth actions» surgem quando uma criança nasce mal-formada e os pais, em seu próprio nome, pretendem reagir contra o médico e/ou instituições hospitalares ou afins, por não terem efetuado os exames pertinentes, ou porque os interpretaram, erroneamente, ou porque não comunicaram os resultados verificados, sendo considerada ilícita a omissão do consentimento informado sobre essa deficiência que, eventualmente, os impediu de terem optado pela interrupção da gravidez, proveniente de um erro no diagnóstico pré-natal.

VI - Na responsabilidade contratual, a culpa só se presume se a obrigação assumida for de resultado, bastando, então, a demonstração do inadimplemento da obrigação, ou seja, que o resultado, contratualmente, assumido não se verificou, pelo que, face à culpa, assim, presumida, cabe ao devedor provar a existência de fatores excludentes da responsabilidade.

VII - Mas, se a obrigação assumida consistir numa obrigação de meios, no âmbito da responsabilidade civil contratual por factos ilícitos, incumbe ao devedor fazer a prova que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, ilidindo a presunção de culpa que sobre si recai, nos termos do preceituado pelo artigo 799º, nº 1, do CC.

VIII - Veiculando a maioria dos contratos de prestação de serviços médicos uma obrigação de meios, não implicando a não consecução de um resultado a inadimplência contratual, quando não é atingido este resultado, caberá, então, ao doente provar que tal fato decorreu de um comportamento negligente do médico, que fica exonerado de responsabilidade se o cumprimento requerer uma diligência maior, e liberando-se com a impossibilidade objectiva ou subjectiva que lhe não sejam imputáveis.

IX - Uma das exceções, na área da Ciência Médica, em que se verifica a obrigação de resultado, situa-se no campo da realização dos exames laboratoriais e radiológicos.

X – Exprimindo a culpa um juízo de reprovabilidade da conduta do agente, que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade deste, que devia e podia actuar de outro modo, usando todos os conhecimentos, diligências e cuidados que a profissão, necessariamente, impõe e que teriam permitido dar a conhecer aos pais as malformações do filho, o erro de diagnóstico será imputável, juridicamente, ao médico, a título de culpa, quando ocorreu com descuido das mais elementares regras profissionais, ou, mais, precisamente, quando aconteceu um comportamento inexcusável em que o erro se formou.

XI - A comparação, para efeitos de cálculo da compensação, opera não entre o dano da vida, propriamente dito, e a não existência, mas antes entre aquele e o dano da deficiência que essa vida comporta, pelo que o valor negativo é atribuído à vida defeituosa e o valor positivo à vida saudável.

XII - Existe nexo de causalidade suficiente, ou nexo de causalidade indirecto, entre a vida portadora de deficiência e a correspondente omissão de informação do médico pelo virtual nascimento o feto com malformação, devido a inobservância das «leges artis», ainda que outros factores tenham para ela concorrido, como seja a deficiência congénita.

XIII – Ocorre a presunção, a favor do credor da informação sobre o diagnóstico, do seu não cumprimento pelo médico, que faz parte dos denominados «deveres laterais do contrato médico», e pode ser causa de responsabilidade contratual, o teria feito comportar-se, de forma adequada, ou seja, no caso, que os pais teriam optado por abortar, caso soubessem da deficiência do filho.

XIV - O facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que o mesmo se mostre, por sua natureza, de todo inadequado à sua verificação, e tenha sido produzido, apenas, em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais, o que não acontece quando o comportamento do lesante foi determinante, ao nível da censura ético-jurídica, para desencadear o resultado danoso.

XV - O nexo de causalidade entre a ausência de comunicação do resultado de um exame, o que configura erro de diagnóstico, e a deficiência verificada na criança, que poderia ter culminado na faculdade dos pais interromperem a gravidez e obstar ao seu nascimento, constitui o pressuposto determinante da responsabilidade civil médica em apreço.

XVI - Nas «wrongful birth actions», são ressarcíveis os danos não patrimoniais e patrimoniais, não se incluindo, nestes últimos, todos os custos derivados da educação e sustento de uma criança, mas, tão-só, os relacionados com a sua deficiência, estabelecendo-se uma relação comparativa entre os custos de criar uma criança, nestas condições, e as despesas inerentes a uma criança normal, pois que os pais aceitaram, voluntariamente, a gravidez, conformando-se com os encargos do primeiro tipo, que derivam do preceituado pelo artigo 1878º, nº 1, do CC.

XVII - A partir do momento em que a lei penal autoriza os pais a interromper a gravidez, ante a previsão segura de que o feto irá nascer com malformação congénita incurável, o que está em causa não é a possibilidade de a pessoa se decidir, mas antes de se decidir, num sentido ou noutro, de escolher entre abortar ou prosseguir com a gravidez.

XVIII - O Direito é a ciência do mínimo ético, concêntrica com a Moral, mas com diâmetro inferior a esta, em que apenas alguns dos valores que tutela têm igual denominador comum com aquele («nec omne quod licet honestum est»).

 DECISÃO[45]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em conceder a revista dos autores, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a douta sentença proferida em 1ª instância.

                                                         *

Custas da revista, a cargo das rés "HH, Lda" e DD, solidariamente.

                                              *

Notifique.

Lisboa, 12 de Março de 2015

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

_________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] STJ, de 25-10-2005, CJ (STS), Ano XIII, T3, 91; STJ, de 23-2-2005, Rec. Nº 3165/04 – 4ª, Sumários, Fev/2005; STJ, de 3-4-2008, Pº nº 08B262, www.dgsi.pt
[3] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, III, 3ª edição, reimpressão, 1981, 259 e ss; STJ, de 1-7-2004, Pº nº 04B2285; STJ, de 18-5-2006, Pº nº 06B1644; STJ, de 12-3-2009, Pº nº 08S0602; STJ, de 15-4-2010, Pº nº 9810/03.6TVLSB. S1, www.dgsi.pt
[4] STJ, de 7-6-94, Pº nº 085320, www.dgsi.pt
[5] STJ, de 20-6-91, Pº nº 081820, www.dgsi.pt
[6] STJ, de 25-2-2003, CJ (STJ), Ano XI (2003), T1, 109; STJ, de 30-1-97, Pº nº 96B751/96, 2ª secção;
STJ, de 14-1-97, Pº nº 605/96, 1ª secção, www.dgsi.pt
[7] Dean Stretton, The Torts: Damages for Wrongful Birth and Wrogful Life, Deakin Law Review, 2005, 10 (1), 320, 321, 331 a 347.
[8] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, 1991, 431.
[9] Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Coimbra Editora, 2008, 70 a 73.
[10] Pinto Oliveira, Responsabilidade Civil em Instituições Privadas de Saúde, FDUC, Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, 2005, 245; Jorge Ribeiro de Faria, Da prova na responsabilidade civil médica – Reflexões em torno do direito alemão, RFDUP, Ano I, 2004, Coimbra Editora, 115 a 118; Álvaro Rodrigues, Reflexões em torno da Responsabilidade Civil dos Médicos, Direito e Justiça, XIV, T3, 2000, 209.
[11] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, 2006, 1039 e 1040.
[12] J. C. Moitinho de Almeida, A Responsabilidade Civil do Médico e o seu Seguro, Scientia Ivridica, Tomo XXI, 1972, 329; Álvaro Rodrigues, Reflexões em torno da Responsabilidade Civil dos Médicos, Direito e Justiça, XIV, T3, 2000, 182.
[13] Alberto Crespi, La responsabilité pénale du médicin, Revista de Ciência Criminal e de Direito Penal Comparado, 1971, nº 4, Outubro/Dezembro, 898.
[14] STJ, de 4-3-2008, Pº nº 08A183, CJ (STJ), Ano XVI (2008), T1, 134 e www.dgsi.pt
[15] Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Coimbra Editora, 2008, 98 a 102; Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, T I, Coimbra Editora, 185.
[16] René Savatier, Traité de la Responsabilité Civile en droit français civil, administratif, profesionel, procedural, 2ª edição, Paris, 1950, nº 778.
[17] Aurélio Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª edição, Editora Nova Fronteira, 1998, 584.
[18] Guilherme de Oliveira, O Direito ao Dignóstico Pré-natal, Temas de Direito da Medicina, Coimbra Editora, 1999, 215 e notas (16) e (17).
[19] Faria Costa, O Perigo em Direito Penal, Dissertação de Doutoramento, Coimbra Editora, 1992, 529; Sónia Fidalgo, Responsabilidade Penal por Negligência no Exercício da Medicina em Equipa, Coimbra Editora, 2008, 71 e ss.
[20] Vera Lúcia Raposo, As wrong actions no início da vida (wrongful conception,  wrongful birth e wrongful life) e a responsabilidade médica, Revista Portuguesa do Dano Corporal (21), 2010, 86.
[21] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, Almedina, 388.
[22] A. Cirinei, La valutazione clínica della responsabilitá professionale del chirurgo, Milão, 1982, 120.
[23] Romano Martinez, Responsabilidade Civil por Acto ou Omissão do Médico, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, II, FDUNL, Almedina, 471.
[24] A. Henriques Gaspar, A Responsabilidade Civil do Médico, CJ, Ano III (1978), T1, 347.
[25] Carneiro da Frada, A Própria Vida como Dano? Dimensões civis e constitucionais de uma questão-limite, ROA, Ano 68º, 2008, I, 233; Paulo Mota Pinto, Indemnização em Caso de “Nascimento Indevido” e de “Vida Indevida” (“Wrongful Birth e “Wrongful Life”), Lex Medicinae, Revista Portuguesa de Direito da Saúde, ano 4, n.° 7, 2007, 7 e nota (7), 14.
[26] Paulo Mota Pinto, Indemnização em Caso de “Nascimento Indevido” e de “Vida Indevida” (“Wrongful Birth e “Wrongful Life”), Lex Medicinae, Revista Portuguesa de Direito da Saúde, Ano 4, nº 7 (2007), 14.
[27] Vera Lúcia Raposo, As wrong actions no início da vida e a responsabilidade médica, Revista Portuguesa do Dano Corporal (21), 2010, 81 e 82.
[28] Carneiro da Frada, A própria Vida como Dano? Dimensões Civis e Constitucionais, de uma Questão-Limite, ROA, Ano 68º, I, 2008, 240.
[29] Pierre Sargos, Conselheiro da Cour de Cassation, citado por Anne-Claire Muller, L’ Affaire Peruche Débat sue les Dérives vers un Eugénisme Libéral), www.droit-medical.net/IMG/doc/L_affaire_Perruche-ACM.doc, 18, que defende que a responsabilização do médico só é incompreensível para quem se apegue a um nexo de causalidade biológico.
[30] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 579.
[31] Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, I, com a colaboração de Rui de Alarcão, 1958, 353; Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ nº 84, 46 e 47.
[32] Guilherme de Oliveira, O Direito ao Diagnóstico Pré-natal, Temas de Direito da Medicina, Coimbra Editora, 1999, 216.
[33] Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, T I, Coimbra Editora, 184.
[34] Paulo Mota Pinto, Indemnização em Caso de “Nascimento Indevido” e de “Vida Indevida” (“Wrongful Birth e “Wrongful Life”), Lex Medicinae, Revista Portuguesa de Direito da Saúde, Ano 4, nº 7 (2007), 15, 22; STJ, de 17-1-2013, Pº nº 9434/06.6TBMTS.P1.S1, www.dgsi.pt
[35] Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1997, 404 e 405.
[36] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, 2006, 764.
[37] Fernando Pinto Monteiro, Direito à não existência, direito a não nascer, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, II, FDUC, 2006, 137.
[38] Guilherme de Oliveira, O Direito ao Diagnóstico Pré-natal, Temas de Direito da Medicina, Coimbra Editora, 1999, 217.
[39] Conseil d’État, de 14-2-1997, L’ arrêt Quarez, Recueil Lebon, http://www.oboulo.com/droit-prive-et-contrat/droit-civil/dissertation/conseil-etat-14-fevrier-1997-centre-hospitalier-regional-nice-epoux-36204.htm
[40] Margaret Brazier, Medicine, Patients and the law. Harmondsworth: Penguin, 1987, 172.
[41] BB Nunes Vicente, Algumas Reflexões sobre as Acções de Wrongful Life: A Jurisprudência Peruche. Lex Medicinae, Revista Portuguesa de Direito da Saúde, Ano 6, nº 11 (2009), 122 e 123.
[42] Cour de Cassation, de 17-11-2000, L’ arrêt Perruche, www.courdecassation.fr e www.legifrance.gouv.fr
[43] Sinde Monteiro, Responsabilidade Civil, Revista de Direito e Economia, Ano IV, nº 2, Julho/Dezembro, 1978, Universidade de Coimbra, 319.
[44] Carneiro da Frada, A própria Vida como Dano? Dimensões Civis e Constitucionais de uma Questão-Limite, ROA, Ano 68º, I, 2008, 240.
[45] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.