Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27417/16.6T8LSB-A.L1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DESPACHO DO RELATOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / APELAÇÃO / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 193 a 195, 208 e 209.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA D), 638.º, N.º 1, 643.º, 644.º, N.º 2 E 652.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 22-11-2016, PROCESSO N.º 200/14.6T8LRA-A.C1.S1;
- DE 23-03-2018, PROCESSO N.º 2834/16.5T8GMR-A.G1.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 27-10-2009, PROCESSO N.º 288/98, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – Um acórdão da Relação que conheceu, indeferindo, uma reclamação contra decisão singular que apreciara, confirmando, um despacho proferido em 1ª instância que não admitira um recurso de apelação, não é, em princípio, passível de recurso de revista.

II - Isto porque a situação se mostra regulada nas disposições combinadas dos arts. 643º, nº 4 e 652º, nº 3 do CPC e a decisão singular proferida pelo tribunal da Relação é sindicada pela via da impugnação para a conferência e não através de recurso para o STJ.

III – Mas caso se verifique alguma das previsões excecionais do art. 629º, nº 2 do CPC - nomeadamente a da sua alínea d) -, o recurso de revista é admissível.

II - Apesar de o art. 629º, nº 2, al. d) do mesmo diploma prever apenas a contradição do acórdão recorrido com outro acórdão da Relação, entende-se que, por maioria de razão, será relevante para integrar a sua previsão a contradição que se estabeleça com um acórdão do STJ.

IV – A redução para 15 dias do prazo para interposição de recurso, nos termos conjugados nos arts. 638º, nº 1 e 644º, nº 2 do mesmo diploma vale apenas para decisões interlocutórias.

V – O prazo para recorrer da decisão que, ao declarar a incompetência absoluta do tribunal, absolve o réu da instância, pondo termo ao processo, é de 30 dias.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL



 

I - Na acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, movida por AA contra BB - Companhia de Seguros, S.A., sucessora da CC - Companhia de Seguros, S.A., e outros, foi proferida decisão que julgou “a Comarca de Lisboa – Juízo Local … – Juiz …” materialmente incompetente para a decidir, absolvendo os réus da instância.

Contra ela o autor interpôs recurso de apelação que não foi admitido, por se haver considerado que a sua apresentação fora extemporânea.

O autor, ao abrigo do disposto no art. 643º do CPC[1], reclamou contra este despacho, reclamação que a Relação de Lisboa indeferiu, mantendo o despacho que não admitiu o recurso.

Inconformado, o autor reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 652º, nº 3, na sequência do que foi proferido acórdão que, na improcedência da sua pretensão, manteve a decisão reclamada.

O autor interpôs recurso de revista excecional contra este acórdão, com invocação do disposto nos arts. 671º, nº 3 e 672º, nº 1, al. c), tendo a Formação aludida no art. 672º, nº 3 proferido acórdão que não admitiu a revista nessa modalidade, mas considerando que o recurso podia ser “convolado em revista normal”, ordenou a remessa dos autos ao respectivo relator “para efeitos de aferir a respectiva admissibilidade”.


Nas alegações apresentadas o recorrente, pedindo a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que, dada a sua tempestividade, admita a apelação interposta, formula as conclusões que passamos a transcrever:

1. O A. ora Recorrente intentou acção Declarativa de Condenação contra os RR.

2. Por decisão do douto Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo Local … de Lisboa - Juiz …, julgou procedente a suscitada excepção de incompetência absoluta em razão da matéria, absolvendo os Réus da Instância.

3. O A. em 18-09-2017 (ao 29° dia) interpôs recurso da douta decisão.

4. O douto Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juiz … considerou que o prazo para interpor o respectivo recurso era de 15 dias, tendo terminado em 07-09-2017 (3o dia útil subsequente ao termo do prazo) e que de acordo com os artigos 638 n.° 1 e 644° n.° 2 alínea b) do CPC o recurso interposto no dia 18-09-2017, se mostrava extemporâneo.

5. O A. Reclamou ao abrigo do artigo 643° do C.P.C, para o TRL, concluindo que, o prazo interposição do recurso da decisão que julgou procedente a excepção da incompetência absoluta do tribunal, e pôs termo ao processo, absolvendo os RR da Instância é de 30 dias.

6. Por decisão Sumária datada de 15 de Março de 2018 o douto T.R.L. indeferiu a Reclamação do A. nos termos do disposto nos artigos 644 n.° 2 al. b), 638 n.° 1 (parte final) e 645° n.° 2 todos do CPC.

7. Decidindo que: a decisão recorrida, visto o artigo 96° n.° 1 al. a) do CPC, apreciou a competência absoluta do Tribunal(...) a disposição do artigo 644 n.° 2 al) b, do CPC é terminante: o recurso de apelação é da decisão que aprecia a competência do tribunal (...) a decisão sobre infracção das regras da competência absoluta seja uniformemente valorizada e tratada, designadamente em apelação autónoma, quanto ao prazo de interposição, quinze dias, e modo de interposição, em separado, vistos os artigos 638 n.° 1 parte final e 645 n.° 2 do CPC (...) assim a solução terminológica é intencionalmente utilizada e não cabe corrigir a solução terminológica de modo a conferir ao artigo 644, n.° 2 al. b) do CPC o exclusivo sentido de que o recurso de apelação autónomo é da decisão que julga o tribunal absolutamente competente,

8. O A. Reclamou nos termos dos artigos 652 n.° 3 e 656 do CPC, para a conferencia e fundamentou, que o prazo para interpor recurso da decisão, que julgou procedente a excepção da incompetência absoluta do tribunal, e pôs termo ao processo, absolvendo os Réus da Instância é de 30 dias e não como decidiu o douto tribunal de 15 dias.

9. Pelo que a aplicação da 2a parte da norma do artigo 638 n.° 1, do 644° e n° 2 b) do CPC, e a consequente aplicação do prazo de 15 dias, deverá ser para recursos interpostos de decisões interlocutórias,

10. E consequentemente de 30 dias para todas as decisões que ponham termo á causa, neste sentido Ac. STJ de 22-11-2016, proc. 200/14.6T8LRA-AC1.S1- 1ª Secção e Ac. TRP Proc. n.° 159312/15.4YIPRT.Pl de 23.02.2017.

11. Por Ac. datado de 05-06-2018 o douto T.R.L. concluiu que a argumentação expendida na reclamação do A se mostra "... insubsistente para infirmar a fundamentação da decisão reclamada de fls 34 e 35. "

12. "Efectivamente embora essa argumentação venha sustentada em valiosa jurisprudência, mantém-se a indiferença sobre se a decisão é no sentido da afirmação da competência do tribunal ou da negação da competência do tribunal para a unidade recursutória que, vem do passado, afirmada na decisão reclamada. Com efeito já Abílio Neto advertia, Código de Processo Civil Anotado, 18a edição, 2004, pág. 1093, caber agravo da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal, quer conclua pela incompetência, quer conclua pela competência."

13. "Aliás a regra da al. a) do n.° 1 do artigo 644 do CPC que cede à regra da al. b) do n.° 2 do artigo 644 do CPC. Esta porque regulamenta em especial a apreciação da competência, excluiu aquela regra geral. "

14. "E nesta linha, nos termos e para os efeitos do artigo 9o n.° 3 do Código Civil, não tem que se afirmar que o legislador não soube exprimir-se adequadamente para se afirmar que na al. b) do n.° 2 do artigo 644 do CPC se estabelece caber recurso da decisão que se pronuncie pela procedência da excepção da competência absoluta do tribunal"

Pelo exposto indeferem a reclamação e mantêm a decisão reclamada... "

15. Ora tal decisão do douto Tribunal da Relação, supra transcrita votada por unanimidade, vai ao encontro do decidido pela 1a Instancia pelo que estamos perante uma " dupla conforme ".

16. Ora tal decisão encontra-se em manifesta contradição com outras decisões que decidiram de forma destinta sobre a mesma questão e ao abrigo da mesma legislação, nomeadamente do douto Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 22-11-2016, Processo n.° 200/14.6T8LRA-A.C1.S1 da 1a. SECÇÃO (Doc.n.° 1)

17. Que concluiu por unanimidade ser de "... 30 dias o prazo para interpor recurso da decisão de Ia instância que, tendo julgado procedente a excepção da incompetência absoluta do tribunal, pôs termo ao processo, com absolvição total dos RR da instância."(...)

18. "... 3. O prazo de recurso da decisão de Ia instância. A decisão recorrida concluiu ser o recurso intempestivo, argumentando que, em virtude de a decisão de Ia instância recorrida se ter debruçado sobre a incompetência absoluta do tribunal, a recorrente disporia do prazo de quinze dias para a impugnar, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 638°n° 1 e 644°e n°2 b) do CPC.

19. Todavia, também aqui, a reconstituição do pensamento legislativo a partir dos textos das normas, a cujo teor literal não deve cingir-se, terá sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados..."

20. "... a Relação não ponderou devidamente a circunstância de estarmos perante uma decisão que além de ter apreciado a questão da competência absoluta do tribunal, também pôs termo à causa, tendo absolvido os RR da instância.(...)"... na avaliação imposta pela averiguação do sentido de tais normas foram desconsiderados todos os elementos que essa particularidade convocaria para a interpretação das mesmas e que aponta para a verificação de um fundamento suplementar à mera apreciação da competência absoluta do tribunal e, por isso, para que deva considerar-se o prazo normal de recurso (30 dias). (...) "Desde logo, o elemento gramatical daquele art. 638° n° 1 inculca a segura ilação de que o legislador apenas encurtou para 15 dias o prazo dos recursos interpostos de decisões interlocutórias, sendo de 30 dias o prazo normal fixado, em geral, para todos os recursos interpostos de decisões que ponham termo à causa (...). É o que se infere da técnica usada na afirmação daquela redução através da remissão simultânea para o n° 2 do art. 644° e para o artigo 677° que, regendo os recursos perante o Supremo, opera idêntica redução de prazo, acabando por explicitar o verdadeiro sentido de tal remissão, pelo seguinte modo: «Nos casos previstos no artigo 673.° [Recursos interpostos de decisões interlocutórias] e nos processos urgentes, o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias».

21. "E a remissão para o próprio n° 2 do art. 644° só logra cabal compreensão se tivermos por adquirido que a mesma abarca apenas as decisões interlocutórias que apreciem a competência absoluta do tribunal e determinem o prosseguimento dos autos, sem pôr termo à causa, dado que o n° 1 do artigo se refere às decisões de 1ª instância que põem termo ao processo (e a despachos saneadores). Logo aquele n° 2, alínea b), ao referir-se a «decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal» só colhe sentido se entendido como não se reportando ã decisão (final) que põe termo ao processo com esse fundamento.

22. (...), é perfeitamente compreensível que um recorrente disponha do prazo de 15 dias, para impugnar uma decisão que, tendo apreciado a competência absoluta do tribunal, não pôs termo ao processo, e que disponha do prazo normal de 30 dias para o fazer em relação a uma decisão que, declarando a total absolvição da instância, pôs termo à causa, ainda que com base na apreciação sobre a (in) competência absoluta do tribunal.

23. Em conclusão, o recurso interposto da decisão de 1a instância deve ser admitido porque deve prevalecer o prazo normal de 30 dias para o efeito, na medida em que tal decisão, tendo julgado procedente a excepção da incompetência absoluta, com absolvição total dos RR da instância, pôs termo ao processo. "(…)

24. Perante tudo o supra expendido, a decisão do douto Ac. do T.R.L., encontra-se em manifesta contradição com o douto Ac. do S.T. J.

25. Trata-se de uma questão no domínio da mesma legislação ao abrigo do CPC aprovado pela lei n.° 41/2013 de 26 de Junho, nomeadamente arts. 638° n.° 1 e 644 n.° 2 b)

26. E sobre a mesma questão de direito, devendo prevalecer o prazo normal de 30 dias, uma vez que a decisão que julgou procedente excepção da incompetência absoluta com a absolvição dos RR da instância, pôs termo ao processo.

27. Acresce que a questão em análise se prende com uma questão complexa, cuja solução jurídica impõe estudo e reflexão, uma vez que é motivo de divergência tanto da doutrina como nas próprias decisões dos Tribunais, pelo que é essencial a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para orientar as decisões dos Tribunais hierarquicamente inferiores, evitando assim decisões contraditórias.

28. Coloca em causa a eficácia do direito e por arrasto a própria certeza nas decisões quando para a mesma questão existem duas respostas opostas, apenas se alicerçando tal convicção na corrente por que se opte, deixa de existir, aos olhos dos que são destinatários de tais decisões, e coloca em causa a credibilidade das próprias decisões.

29. Ao decidir como decidiu o douto Ac. da Relação de Lisboa, colide com o já decidido por um tribunal superior nomeadamente no douto Ac. Do Supremo Tribunal de Justiça de 22-11-2016, Processo n.° 200/14.6T8LRA-A.C1.S1 da 1a. SECÇÃO, Relator Alexandre Reis.

30. Violando os art°s. 629.°, 638 n.°l e 644.° n.° 2 al. b) todos do C.RC. e arts. 13°e 20° da CRP

30. Assim deve ser concedida a revista excecional, nos termos do artigo 672° n.° 1 al. c) do C.P.C.


Não foram apresentadas contra-alegações.


Cumpre decidir.


II – Da admissibilidade do recurso de revista:

Como se disse no acórdão da Formação a que já aludimos, em casos como o presente onde está em causa um acórdão da Relação que conheceu, indeferindo, uma reclamação contra decisão singular que apreciara, confirmando, um despacho que não admitira um recurso de apelação, não é admissível, em princípio, o recurso de revista.

Isto porque a situação se mostra regulada nas disposições combinadas dos arts. 643º, nº 4 e 652º, nº 3 e a decisão singular proferida pelo tribunal superior é sindicada pela via da impugnação para a conferência e não através de recurso para o STJ.

Apenas no caso de se verificar alguma das previsões excecionais do art. 629º, nº 2, se vem entendendo ser admissível o recurso de revista.[2]

Aqui está em causa um acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1ª instância que pôs termo ao processo, absolvendo o réu da instância e o recorrente sustenta que decidiu em contradição com o antes decidido pelo acórdão deste STJ de 22.11.2016, o que, a verificar-se, poderá integrar a previsão normativa do art. 629º, nº 2, alínea d),[3] e vir a determinar admissibilidade do recurso.

Vejamos então se tal contradição existe.

A questão de direito versada nos acórdãos em confronto consiste em saber qual é o prazo de interposição de recurso contra decisão que julgue o tribunal judicial incompetente em razão da matéria e, nessa conformidade, absolva o réu da instância, pondo, assim, termo ao processo.

Será o prazo de 30 dias previsto nas disposições conjugadas dos arts. 638º, nº 1 e 644º, nº 1, alínea a), visto que se está perante decisão proferida em 1ª instância que pôs termo à causa?

Ou, diversamente, porque se trata de decisão que apreciou “a competência absoluta do tribunal”, o prazo em causa, por aplicação das disposições combinadas dos arts. 644º, nº 2, alínea a) e 638º, nº 1, será de 15 dias?

De modo diverso responderam o acórdão recorrido e o acórdão fundamento a esta questão, o primeiro deles afirmando que a situação é regulada pelas normas citadas em último lugar, sendo de quinze dias o prazo de interposição do recurso, enquanto o acórdão fundamento afirmou serem aplicáveis as disposições dos arts. 638º, nº 1 e 644º, nº 1, alínea a), sendo tal prazo o de 30 dias.

Assim, é de afirmar a existência de contradição relevante tanto para efeitos do preceito a que nos vimos referindo, como para efeitos do art. 672º, nº 1, c), pois a resposta dada à referida questão de direito, para além de diversa, é expressa e não meramente implícita, foi essencial para determinar o resultado alcançado numa e na outra decisões e teve lugar no âmbito de um quadro normativo substancialmente idêntico.[4]

Finalmente está-se perante acórdão do qual não caberia recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal e não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme, assim se podendo também afirmar a verificação dos requisitos enunciados na parte final da alínea d) do nº 2 do art. 629º.

O recurso de revista é, assim, admissível à luz desta norma, pelo que dele passamos a conhecer.

  

III – As instâncias consideraram, em resumo nosso, que, tendo-se como notificada às partes em 3.07.2017[5] a decisão do tribunal de 1ª instância que, conhecendo da competência do tribunal em razão da matéria, negou a sua existência e absolveu o réu da instância, é intempestivo o recurso contra ela interposto em 18.09.2017, por então estar já ultrapassado o prazo de quinze dias estabelecido no art. 644º, nº 2, alínea b). E afastaram a aplicação da alínea a) da mesma norma.

Pode ler-se no acórdão sob recurso:

(…) embora essa (do reclamante) argumentação venha sustentada em valiosa jurisprudência, mantém-se a indiferença sobre se a decisão é no sentido da afirmação da competência do tribunal ou da negação da competência do tribunal para a unidade recursória que, vem do passado, afirmada na decisão reclamada.

Com efeito já Abílio Neto advertia, Código de Processo Civil Anotado, 18° edição, 2004, pg. 1093, caber agravo da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal, quer conclua pela incompetência, quer conclua pela competência.

Aliás é a regra da al. a) do n.° 1 do artigo 644° do CPC que cede à regra da al. b) do n.° 2 do artigo 644° do CPC.

Esta, porque regulamenta em especial a apreciação da competência, exclui aquela regra geral.

E nesta linha, nos termos e para os efeitos do artigo 9°, n.° 3, do Código Civil, não tem que se afirmar que o legislador não soube exprimir-se adequadamente para se afirmar que na al. b) do n.° 2 do artigo 644° do CPC se estabelece caber recurso da decisão que se pronuncie pela procedência da excepção da competência absoluta do tribunal.

Já o recorrente defende que ao caso se aplicam as disposições combinadas dos arts. 638º, nº 1 e 644º, nº 1, alínea a), sendo de 30 dias o prazo do recurso, pelo que a apelação foi interposta tempestivamente.

E, em nosso entender, assim é de facto.

Não pode olvidar-se, com efeito, que vai além do conhecimento da competência absoluta do tribunal, a decisão que declara a incompetência material do tribunal, absolvendo o réu da instância. É que, pondo termo ao processo, configura-se como uma decisão final, natureza que determina o seu enquadramento na alínea a) do nº 1 do art. 644º e a subtrai do âmbito da previsão do nº 2 da mesma norma onde se contemplam apenas decisões interlocutórias, sendo em relação a estas – e às proferidas em processos urgentes - que o legislador, no art. 638º, nº 1, ao fazer as remissões que dele constam, encurtou para quinze, o prazo de 30 dias que fixou, como regra, para a interposição de recurso.

Como lapidarmente se escreve no acórdão deste STJ de 22.11.2016[6],[7] que o recorrente invoca como fundamento:

(…) a reconstituição do pensamento legislativo a partir dos textos das normas, a cujo teor literal não deve cingir-se, terá sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Ora, como salienta a recorrente, a Relação não ponderou devidamente a circunstância de estarmos perante uma decisão que além de ter apreciado a questão da competência absoluta do tribunal, também pôs termo à causa, tendo absolvido os RR da instância. Por isso, acrescentamos nós, na avaliação imposta pela averiguação do sentido de tais normas foram desconsiderados todos os elementos que essa particularidade convocaria para a interpretação das mesmas e que aponta para a verificação de um fundamento suplementar à mera apreciação da competência absoluta do tribunal e, por isso, para que deva considerar-se o prazo normal de recurso (30 dias).

Vejamos.

Desde logo, o elemento gramatical daquele art. 638º nº 1 inculca a segura ilação de que o legislador apenas encurtou para 15 dias o prazo dos recursos interpostos de decisões interlocutórias, sendo de 30 dias o prazo normal fixado, em geral, para todos os recursos interpostos de decisões que ponham termo à causa, exceptuadas as proferidas nos processos urgentes (que também reduziu para 15 dias). É o que se infere da técnica usada na afirmação daquela redução através da remissão simultânea para o nº 2 do art. 644º e para o artigo 677º que, regendo os recursos perante o Supremo, opera idêntica redução de prazo, acabando por explicitar o verdadeiro sentido de tal remissão, pelo seguinte modo: «Nos casos previstos no artigo 673.º [Recursos interpostos de decisões interlocutórias] e nos processos urgentes, o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias».

E a remissão para o próprio nº 2 do art. 644º só logra cabal compreensão se tivermos por adquirido que a mesma abarca apenas as decisões interlocutórias que apreciem a competência absoluta do tribunal e determinem o prosseguimento dos autos, sem pôr termo à causa, dado que o n° 1 do artigo se refere às decisões de 1ª instância que põem termo ao processo (e a despachos saneadores). Logo aquele nº 2, alínea b), ao referir-se a «decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal» só colhe sentido se entendido como não se reportando à decisão (final) que põe termo ao processo com esse fundamento.

Por fim, à luz de critérios racionais, é perfeitamente compreensível que um recorrente disponha do prazo de 15 dias, para impugnar uma decisão que, tendo apreciado a competência absoluta do tribunal, não pôs termo ao processo, e que disponha do prazo normal de 30 dias para o fazer em relação a uma decisão que, declarando a total absolvição da instância, pôs termo à causa, ainda que com base na apreciação sobre a (in)competência absoluta do tribunal.

Em conclusão, o recurso interposto da decisão de 1ª instância deve ser admitido porque deve prevalecer o prazo normal de 30 dias para o efeito, na medida em que tal decisão, tendo julgado procedente a excepção da incompetência absoluta, com absolvição total dos RR da instância, pôs termo ao processo.

A mesma linha de entendimento foi adotada na decisão singular deste STJ de 23.03.2018[8], onde, após a transcrição parcial do art. 644º, se escreveu de forma particularmente esclarecedora o seguinte:

“Deste quadro normativo deflui, em primeiro plano, nos termos do artigo 644.º, n.º 1, que cabe apelação das decisões da 1.ª instância que ponham termo à causa, seja qual for o seu fundamento, e do despacho saneador que, não pondo termo ao processo, absolva o réu ou algum dos réus da instância, também aqui sem se fazer a diferenciação de fundamentos.

(…) Por sua vez, o n.º 2 do artigo 644.º prevê várias hipóteses em que cabe ainda apelação de decisões da 1.ª instância, entre as quais as que apreciem a competência absoluta do tribunal.

Este normativo teve particularmente em vista permitir, de forma taxativa, a apelação autónoma de decisões interlocutórias da 1.ª instância, já que, quanto a estas, vigora a regra da sua impugnação no recurso da decisão final nos termos do n.º 3 e 4 do citado artigo 644.º.

Nesse contexto, a locução cabe ainda inserta no proémio do referido n.º 2 do artigo 644.º aponta no sentido de que as hipóteses de apelação autónoma previstas nas suas diversas alíneas se traduzem em extensões para além dos casos contemplados no n.º 1 do mesmo artigo e não em hipóteses especiais que se sobreponham aos casos ali compreendidos.

E prossegue, afirmando mais à frente que: “(…) só as decisões que, em sede de despacho saneador que não ponha termo ao processo, julguem improcedente a exceção de incompetência absoluta cairiam na previsão da alínea b) do n.º 2 do atual artigo 644.º”.


No mesmo sentido concorre o ensinamento de Abrantes Geraldes[9] que, discorrendo sobre a alínea b) do nº 2 do art. 644º, escreve o seguinte:

“(…) Quanto ao prazo de interposição do recurso justifica-se uma distinção. Nos casos em que a decisão ponha termo ao processo, isto é, quando seja julgada procedente a exceção de incompetência absoluta, com indeferimento liminar total da petição inicial ou declaração de absolvição total da instância, deve prevalecer o prazo normal de 30 dias, nos termos do art. 638º, nº 1, e 644º, nº 1, al. a).

(…) O prazo de 15 dias referido na parte final do art. 638º ficará reservado os casos em que a exceção de incompetência absoluta respeite a processos urgentes ou, nos demais casos, quando a exceção de incompetência absoluta seja julgada improcedente.


Impõe-se, pois, concluir que o recurso de apelação interposto em 18.09.2017, quando a notificação da decisão apelada ocorrera em 3.07.2017, é tempestivo, pelo que a revista procede.

 

IV – Pelo exposto, julga-se a revista procedente e, revogando-se o acórdão recorrido, defere-se a reclamação e determina-se o subsequente cumprimento do nº 6 do art. 643º.

Custas conforme o que a final vier a ser fixado.


Lisboa, 21.02.2019


Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relatora)

Bernardo Domingos

João Bernardo

__________

[1] Diploma a que respeitam as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência

[2] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, pág. 193-195. 

[3] Apesar desta norma prever apenas a contradição do acórdão recorrido com outro acórdão da Relação, entende-se que, por maioria de razão, será relevante para integrar a sua previsão a contradição que se estabeleça com um acórdão do STJ – neste sentido, Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 60.

[4] Ibidem, págs. 384-386

[5] pois foi expedida eletronicamente em 28.06.2017 (tendo sido sábado e domingo os dias 1 e 2 de Julho, respetivamente)

[6] Proc. nº 200/14.6T8LRA-A.C1.S1, relator Cons. Alexandre Reis, acessível em www.dgsi.pt

[7] No mesmo sentido se pronunciou o acórdão da Relação de Coimbra de 27.10.2009, Proc. 288/98, www.dgsi.pt

[8] Cons. Tomé Gomes, Proc. nº 2834/16.5T8GMR-A.G1.S1, www.dgsi.pt

[9] Obra citada, págs. 208-209