Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1857
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: CENTRO COMERCIAL
INSTALAÇÃO DE LOJISTA
MATÉRIA DE FACTO
QUALIFICAÇÃO DO CONTRATO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
Nº do Documento: SJ200709130018577
Data do Acordão: 09/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :
1. Ao modificar a matéria de facto, no contexto do art. 712.º do CPC, a Relação forma a sua própria convicção, tal como acontece com o tribunal da 1.ª instância, sem estar delimitado pela convicção que serviu de base à decisão deste.
1. É de qualificar como contrato atípico ou inominado, a cedência de espaços ou instalação de lojas em centros comerciais, por o rico e complexo circunstancialismo que o define se não confinar aos contratos típicos de arrendamento e mesmo de contrato misto de arrendamento e prestação de serviços.
2. Tendo as partes reduzidas a escrito o contrato de instalação de lojista, não podem provar-se por testemunhas quaisquer acordos preliminares ao contrato que o infirmem ou contrariem.
3. Para se averiguar se o contrato contém cláusulas contratuais abusivas, à face do contido no DL 446/85, torna-se necessário que, preliminarmente, se definam as cláusulas integrantes desse contrato e não defini-las em função dos princípios contidos nesse Diploma Legal.
Decisão Texto Integral:

Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça:


Relatório

Empresa-A, AA e BB, Intentaram contra Empresa-B (actualmente ...., SA) e

Empresa-C (actualmente .., SA),

Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária,

Pedindo

. a sua condenação,

a) a verem declarados nulos os contratos outorgados entre as RR. e a A., a que se reportam os docs. ora juntos sob os nºs. 2 a 42;

b) a restituírem à Empresa-A, a quantia de 164.701.898$00, acrescida de juros vencidos no montante de 25.931.244$00 e ainda vincendos, à taxa comercial, até integral pagamento;

c) a pagarem aos AA. a quantia de 70.657.951$00 acrescida de juros vencidos no montante de 10.152.043$00 e ainda vincendos até integral pagamento;

d) a pagarem aos AA. BB e AA, a cada um, o montante de 10.000.000$00, a título de indemnização por danos morais e patrimoniais, acrescido de juros até integral liquidação, contados desde a citação.

Alegaram que os contratos firmados com as RR. são contratos de arrendamento nulos e que as indemnizações peticionadas derivam de responsabilidade pré-contratual e contratual das RR.

Estas contestaram por impugnação, sustentado que os contratos firmados se devem qualificar como atípicos e inominados de utilização de lojas em centros comerciais, sendo válidos; e que não há da sua parte qualquer responsabilidade civil contratual ou pré-contratual.

Replicaram os AA.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença nos seguintes termos:

Nestes termos e nos mais de direito julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e consequentemente decido:

a) julgar improcedentes os pedidos de declaração de nulidade dos contratos e deles absolver as rés do pedido.

b) condenar as rés a pagar à “Empresa-A” a quantia de 821.529,60 euros (164.701.898$00) acrescida de juros de mora à taxa legal até integral liquidação, a título de danos patrimoniais;

c) condenar as rés a pagar à “Empresa-A” a quantia de 352.440,37 euros (70.657.951$00) acrescida de juros, à taxa legal, até integral liquidação, igualmente a título de danos patrimoniais.

d) condenar as rés a pagar aos autores a quantia de 25.000 euros a cada um num total de 50.000 euros acrescida de juros, à taxa legal, até integral liquidação, a título de danos morais;

e) custas pelos AA. e RR. na proporção do vencimento.”.

Inconformadas as RR. interpuseram recurso de apelação e os AA. recurso subordinado, subindo também o recurso de agravo interposto pelas RR. do despacho que admitiu o depoimento de parte dos administradores das RR.

A decisão da Relação foi nos seguintes termos:

Acordam em:

a) negar provimento ao recurso de agravo;

b) julgar improcedente o recurso de apelação subordinado;

c) julgar procedente o recurso de apelação independente, revogando-se a decisão recorrida, improcedendo a acção, com a consequente absolvição das Rés dos pedidos;

Custas do Agravo pelas agravantes, do recurso subordinado pelos Apelantes, do recurso independente pelos Apelados e da acção pelos autores, sem prejuízo do apoio judiciário concedido”.

Inconformadas, interpõem recurso de revista os AA., terminando as suas alegações com as seguintes

Conclusões

1. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto tem de ser revogado.

2. O processo em questão tem, indesmentivelmente, uma fortíssima componente ético-jurídica, que obrigou e obriga à convocação, interpretação e aplicação de diversos institutos jurídicos, em particular, o instituto (geral) da boa-fé.

3. Trata-se, em bom rigor, de uma temática a olhar pelo prisma da materialidade subjacente, sem subterfúgios estritamente formais.

4. Está em causa, sobretudo, a valoração da (in)adequação ética e normativa da postura jurídico-negocial empreendida pelas RR., tanto na fase de preparação e negociação do(s) contrato(s), quanto na execução destes,

5. Comportamento que lesou gravemente as expectativas jurídicas e os direitos consolidados das AA., o que justifica, à luz do Direito, e do sentimento ético jurídico dominante entre nós, que as RR. sejam responsabilizadas pelos efeitos lesivos da(s) sua(s) conduta(s).

6. Nomeadamente, pela “assunção” do dever de ressarcir.

7. A decisão de 1ª Instância, genérica e globalmente revogada pela Relação, no seu contexto factual, sobretudo, foi, e é, uma decisão admirável!

8. Repousada nos indesmentíveis méritos da imediação, oralidade e concentração da prova, a sentença da Sr.ª Juiz “a quo” trouxe Justiça ao caso concreto!

9. A Sr.ª Juiz, num esforço admirável (porque feito singularmente, e sem adjuntos), avaliou, ponderou e pesou todas as “nuances” do caso – em particular, a posição sobranceira e altiva assumida pelas RR., de total e continuado desprezo pelos direitos dos AA. – e, formada a sua convicção, decidiu!

10. O Tribunal da Relação “apagou” quase toda a factualidade que a 1ª Instância, com todo o labor, cuidado e ponderação casuística, deu por provada, sem indicar qualquer razão objectiva e palpável, valendo-se de conjecturas, hipóteses, raciocínios e presunções abstractas, que redundam de uma “lógica” de “bota-de-elástico” que raia, aqui e ali, a arbitrariedade,

11. Fazendo um uso sinistro e inaceitável das prerrogativas concedidas pelo artº 712º do CPC, cujo uso se recomenda seja parcimonioso!

12. Trata-se, (até) por isso, de uma decisão invulgar (quiçá inédita!), porque é sabido o modo como os Tribunais da Relação, entre nós, se vêm posicionando quanto à “reapreciação” da matéria de facto, e ao modo como vêm interpretando e aplicando (de forma restritiva, via de regra!) o artº 712º, nº 1, do CPC.

13. É concepção arreigada dos nossos Tribunais da Relação que o princípio da (tendencial) imodificabilidade da decisão de facto se prende com a especial relação de proximidade que o julgador de 1ª Instância estabelece com a prova.

14. Relação essa que a “distância”, física e cronológica que se estabelece, por seu turno, entre o Tribunal de 2ª Instância e os factos não pode apoucar (nem mesmo com recurso a gravações).

15. O que significa que, apenas em casos contados, de erro manifesto na apreciação da prova – que nos fazem recordar a redacção das alíneas a) a c) do nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal (cujo paralelismo é assinalável!) – deverá o Tribunal da Relação alterar a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.

16. Sob pena de, alterando a decisão, sem fundamento bastante, ou com fundamento em impressões e pré-conceitos mais ou menos insondáveis, fazer abanar as fundações do nosso edifício processual, no qual as funções do Tribunal da Relação foram pensadas numa lógica de controlo e sindicância da actividade desenvolvida pelos Tribunais inferiores, e não numa lógica de substituição, pura e dura, às competências e funções da 1ª Instância.

17. O Tribunal da Relação do Porto revogou grande parte das respostas afirmativas dadas aos factos constantes da BI – i.e., àqueles cuja prova interessa para procedência da acção! –, convertendo-as em respostas restritivas ou negativas, lançando sobre a Sr.ª Juiz “a quo” o lastro inegável da incompetência, leviandade e irresponsabilidade!

18. A Sr.ª Juiz “a quo”, é juíza de uma Vara Cível, e, por isso, com (pelo menos) mais de 10 anos de exercício de funções na magistratura, e com classificação não inferior a Bom com Distinção (cfr. artºs 45º e 45º-A do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30.07, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 10/94, de 5.05, 81/98, de 3.12, 143/99, de 31.08 e 3-B/2000, de 4.04).

19. Ora, do que nos é dado ver, a Relação do Porto revogou a decisão sobre a matéria de facto sob dois fundamentos: primeiro, o disposto no artº 394º do Código Civil, quanto aos factos vertidos nos quesitos 4º, 10º, 11º, 12º, 13º, 44º, 45º, 48º, 49º, 52º, 55º, 56º, 57º, 58º, 109º e 129º, da BI; e segundo, a “não correspondência” (cfr. fls. 62 do douto Acórdão), alegadamente, entre os factos provados (pela 1ª Instância) e a “prova documental e testemunhal produzida, na justa medida em que contraria as regras da experiência e da lógica, bem como o teor dos documentos juntos (…)”.

20. Trata-se, em qualquer caso, do recrudescimento do “pacta sunt servanda”, na sua versão mais arcaica e formalista, despida de quaisquer considerações axiológicas e éticas.

21. Todavia, o Tribunal da Relação andou mal, devendo V. Exªs, no uso dos poderes previstos nos artºs 721º, nº2, 722º, ambos do CPC, revogar a decisão quanto à “matéria de facto”,

22. Declarando ainda a nulidade das cláusulas dos contratos de fls. (quando não os contratos eles mesmos!) que infra se irão escalpelizar, com todas as consequências legais, nomeadamente, indemnizatórias, repristinando a douta decisão de 1ª Instância, na parte em que esta melhor andou, i.e., ao condenar as RR. a ressarcir os AA. por todos os prejuízos sofridos!

23. Nas suas conclusões de recurso de apelação (recurso independente), as RR. invocaram que as respostas do Tribunal de 1ª Instância à matéria de facto não se encontravam fundamentadas, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artº 653º do CPC – cfr. conclusão 7ª (fls. 5 do Acórdão recorrido).

24. Nesse conspecto, as RR. requereram (cfr. nº 5 do artº 712º do CPC) que o Tribunal da Relação do Porto ordenasse à 1ª Instância que fundamentasse “a integralidade das respostas dadas aos factos constantes da BASE INSTRUTÓRIA, mormente aqueles em que assenta a sua decisão”.

25. No entender do Tribunal da Relação do Porto, “na aludida decisão de facto, a julgadora da 1ª instância não se limita a indicar os meios de prova (documental e testemunhal) em que baseou a sua convicção. Nessa decisão a julgadora especificou, minimamente, a razão de ciência das testemunhas, demonstrativa do seu conhecimento directo dos factos.”

26. Ainda de acordo com a Relação do Porto, “Pese embora não seja, como parece óbvio, uma motivação exaustiva, entendemos que observa aquele mínimo exigível na lei processual civil, sem prejuízo do que se observará a propósito da modificabilidade da decisão de facto, no caso. Cumpriu-se, pois, o estatuído no artº 653º, nº 2, do CPC.”

27. O Tribunal da Relação do Porto não fez uso das competências previstas no nº 5 do artº 712º do CPC, e, por isso, não determinou que a 1ª Instância fundamentasse as respostas à matéria de facto, como solicitado pelas RR.

28. A verdade é que o Tribunal da Relação do Porto não se “convenceu” de que a sentença estivesse, efectivamente, fundamentada (i.e., de forma suficiente, congruente e, sobretudo, clara).

29. A fls. 62 do Acórdão, o Tribunal da Relação revela que “A sucinta (minimalista) motivação da decisão de facto, apesar de a termos considerado conforme ao preceituado no artº 653º, nº 2, do CPC, dificulta a apreensão dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção da julgadora da 1ª instância.”

30. Todavia, e como veremos, apesar desta “hesitação”, o Tribunal da Relação virá a concluir que “parte do decidido, em termos de facto, não corresponde à prova testemunhal e documental produzida”.

31. O Tribunal da Relação do Porto age com o propósito inequívoco de “queimar etapas”, comportando-se como uma verdadeira 1ª Instância, com a particularidade das partes não estarem presentes e de não haver um “julgamento” propriamente dito.

32. O Tribunal da Relação do Porto deveria, face às dúvidas que manifestou, ter ordenado a fundamentação das respostas à matéria de facto, por parte da 1ª Instância.

33. Não é aceitável que o Tribunal da Relação se proponha sindicar, em concreto, a (formação da) convicção da instância recorrida quanto aos factos, afirmando, amiudadamente, que tem reservas quanto ao modo concreto como aquela se formou!

34. Salvo melhor opinião, o Tribunal da Relação do Porto viola a lei, fazendo um uso reprovável das competências legais que lhe são adjudicadas pelo artº 712º do CPC.

35. Deve, por isso, o Supremo Tribunal de Justiça, no uso das competências que lhe são conferidas pelos artºs 722º, nº 1 do CPC, tirar as devidas ilações desta conduta do Tribunal da Relação do Porto, que viola o escopo e a finalidade das atribuições legais que em matéria de recurso lhe foram concedidas.

36. Tendo dúvidas – isto é, quanto ao “iter” decisório da 1ª Instância –, a Relação do Porto tinha apenas um caminho: ordenar ao julgador “a quo” que dissipasse essas dúvidas, nos termos do nº 5 do artº 712º do CPC, em conjugação com o disposto no nº 1 do artº 712º!

37. Trata-se, por isso, de violação da lei, pois a possibilidade de alteração/modificação da matéria de facto por parte da Relação tem de pressupor, necessariamente, que o Tribunal “ad quem” conheça a convicção do julgador.

38. Na verdade, é hoje entendimento jurisprudencial pacífico que o STJ poderá sindicar o bom ou mau uso dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que à Relação são conferidos nas hipóteses contempladas nas três alíneas do nº 1 do artº 712º do CPC.

39. O “conhecimento” da convicção do Tribunal recorrido é uma “conditio sine qua non” sem a qual aquele exercício (de revogação da decisão sobre os factos) não é legalmente (nem moral e eticamente) possível!

40. Daí que, e ainda no âmbito das prerrogativas legal e jurisprudencialmente reconhecidas ao STJ, este pode ordenar à Relação do Porto que, antes de alterar/modificar o que quer que seja, se inteire da convicção judicativa do Tribunal recorrido.

41. Trata-se, manifestamente, de uma faculdade que se insere, ainda, nos poderes de sindicância do bom ou mau uso das faculdades previstas no nº 1 do artº 712º do CPC.

42. De resto, sempre que a Relação esteja colocada (ou se coloque ela mesma) numa situação de vinculação (legal) a uma determinada conduta processual, o Supremo Tribunal de Justiça pode debruçar-se sobre essa questão.

43. É o que acontece, manifestamente, com as alíneas do nº 1 do artº 712º do CPC, por oposição ao que dispõem os nºs 3 e 4 do mesmo preceito legal, onde é manifesto o pendor discricionário dessas atribuições (justificando-se, aí sim, a ausência de “controlo” por parte do STJ, em matéria sujeita a juízos de oportunidade por parte dos Srs. Juízes Desembargadores).

44. É também o que acontece com o disposto no nº 5 do mesmo preceito, sempre que o Tribunal da Relação assuma que a decisão de 1ª Instância não está devidamente motivada.

45. O poder corrector do STJ pode manifestar-se em todos aqueles casos em que Relação não pode recusar o uso das faculdades que a lei lhe atribuiu dado que se verifica, em concreto, a situação em vista da qual tais poderes lhe foram concedidos (v.g., nº 1 e 5 do artº 712º do CPC).

46. O Tribunal da Relação, no uso das faculdades previstas no nº 1, a) do artº 712º do CPC, revogou a decisão sobre a matéria de facto, invocando as “regras da lógica e da experiência”.

47. Tratam-se de conceitos indeterminados e perfeitamente abstractos, que necessitam de ser compulsados com factos concretos extraídos da realidade.

48. Nomeadamente, com excertos concretos dos depoimentos das testemunhas, de onde dimane esse “ilogicismo”!

49. Refere o Tribunal (ora) recorrido que “não se pode aceitar que o risco do negócio fosse, na prática, inteiramente assumido pela S.P.C.C./Autorictas como as testemunhas dos AA. afirmaram (…)”.

50. Todavia, nenhum quesito, provado ou não provado, aponta nesse sentido, tratando-se, tão-só, de (mais) uma ilação ou presunção do Tribunal da Relação do Porto.

51. Mais diz o Tribunal da Relação que “a prova testemunhal, designadamente no que se refere à publicidade da actividade da Empresa-A na loja de Matosinhos, não põe em causa, de modo credível, a actuação da S.P.C.C./Autorictas na gestão do comércio integrado característico dos centros comerciais da Maia e de Matosinhos.”

52. Ora, a verdade é que, as “regras da experiência” (?) do Tribunal da Relação desconhecem a política de marketing agressivo, aliás, verdadeiramente canibal e predatória, empreendida pelas “forças de venda” (assim, aliás, denominadas pelas RR.!) dos promotores de grandes empreendimentos comerciais/imobiliários, vulgo, “ShoppingCenters”.

53. É um facto recorrente, e quase do domínio público, que esses “vendedores” (de lojas, de espaços, de imóveis, de sonhos…) dizem tudo, prometem tudo, comprometem-se com tudo para venderem o seu “peixe” aos “lojistas”.

54. O que fazem por ordens e indicações específicas dos seus patrões, as grandes empresas titulares dos empreendimentos, que não olham a meios para atingir os seus fins.

55. O Tribunal da Relação do Porto não pode ignorar que os Centros Comerciais são vendidos como um maná aos potenciais lojistas.

56. É facto assente na experiência do nosso quotidiano que os lojistas são tantas e tantas vezes aliciados com promessas e garantias de lucros fáceis e rápidos por parte dos gestores e promotores dos Centros.

57. Como é que o Tribunal da Relação do Porto convive com as declarações do Presidente do Conselho de Administração das RR. ao Jornal de Notícias de 26/07/2003, com cópia a fls.?

58. O Tribunal da Relação não transcreve nem cita excertos concretos dos depoimentos que considera credíveis e não credíveis.

59. Trata-se de um expediente que tem sido usado, (re)correntemente, na elaboração de Acórdãos em sede de apelação, com isso se ganhando em clareza, certeza e segurança (das partes e dos cidadãos em geral)!

60. A omissão desse “cuidado” elementar por parte dos Srs. Desembargadores legitima, no limite, que se pergunte se a prova testemunhal gravada foi mesmo ouvida,

61. Ou se os Srs. Juízes Desembargadores se limitaram a ler os trechos aleatoriamente transcritos nos articulados, nomeadamente, por parte das RR!

62. Assim, e “ad cautelam”, invoca-se, desde já, e para todos os efeitos, a NULIDADE do julgamento por parte do Tribunal da Relação do Porto, nos termos da jurisprudência constante do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.07.2003, CJ, Acórdãos do STJ, ano XI, tomo II, p. 151.

63. O Tribunal da Relação do Porto parte, inexplicavelmente, de uma presunção inílidivel de seriedade, rectidão e probidade negocial que incide sobre as RR., que não recai sobre qualquer outro sujeito negocial neste país, e que impede a prova, concreta e real, da verdade dos factos, através de testemunhas (nomeadamente).

64. Analisando as “respostas” à matéria de facto por parte dos Srs. Juízes Desembargadores, constatamos que, de súbito – excluindo a matéria atinente ao trespasse das lojas do NorteShopping (NS) e MaiaShopping (MS), ao “risco” do(s) negócio(s) e ao teor dos compromissos assumidas pelas RR. perante os AA. antes e após a concretização dos negócios (ainda que não plasmados por escrito) – as testemunhas indicadas pelos AA. passaram a ser inteiramente credíveis!

65. Isto é, quanto à matéria dos quesitos 14 a 16, 18 a 41, 42º, 50º, 51º, 59º a 73º, e 79º, por exemplo, os depoimentos das testemunhas tornaram-se prova atendível, credível e perfeitamente válida!

66. A fundamentação (“rectius”, o dever de) das decisões judiciais é uma garantia fundamental e irredutível de cidadania (cfr. artº 208º da CRP)!

67. A fundamentação é o garante de “racionalização da função jurisdicional” (AMÂNCIO FERREIRA, ob. cit., pág. 16), que dimana directamente da concepção democrática que insufla o processo.

68. “A fundamentação permite fiscalizar a actividade intelectual desenvolvida pelo juiz frente ao caso concreto que foi chamado a resolver, de forma a apurar-se se a sua decisão foi um acto meditado, proveniente do estudo atento das circunstâncias que envolvem a questão, e não um acto arbitrário.” (AMÂNCIO FERREIRA, ob. cit., pág. 17).

69. E quanto às “regras lógicas”, e “máximas da experiência”, “(…) a motivação visa convencer as partes da justiça da decisão ou, ao menos, demonstrar que esta se alcançou através de regras lógicas válidas para todos.” (AMÂNCIO FERREIRA, loc. cit.).

70. Isto é, regras universais, gerais e abstractas!

71. Assim, o dever de fundamentação só deve ser considerado cumprido quando “para além de declarar os factos provados e não provados e de indicar os meios de prova”, o Tribunal proceder “a uma verdadeira restauração e exame crítico do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado” (AMÂNCIO FERREIRA, loc. cit.).

72. Se o Tribunal da Relação do Porto se socorre das regras da experiência, e dos ensinamentos da lógica, então tem de especificar que ensinamentos e regras são essas, e de que forma é que, aplicados, em concreto, aos depoimentos das testemunhas, dos AA. e das RR., esses ensinamentos os tornam credíveis ou não credíveis!

73. Caso contrário, o Acórdão padece de vício de fundamentação, no que toca às (novas) respostas à matéria de facto!

74. Mercê da postura assumida pelo Acórdão, as exigências de fundamentação acentuam-se, ganhando dignidade acrescida!

75. Ao optar por revogar a decisão sobre a matéria de facto, de forma latitudinária, tem o Tribunal da Relação do Porto a obrigação de restaurar, concretamente, por referência circunstanciada aos elementos de prova, em particular, os testemunhais, todo o seu percurso cognitivo!

76. Assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto é nulo, por vício de fundamentação, nos termos coligidos dos artºs 668º, nº 1, b) e 716º, ambos do CPC, nulidade que se invoca para todos os legais efeitos.

77. Desde já se diga que, atenta a complexidade da matéria de facto, e a necessidade acrescida de fundamentar a decisão, que a entender-se que a indicação genérica e vaga (e mínima!) alinhada pelo Acórdão quanto à fundamentação é válida e suficiente, então estará em causa uma interpretação inconstitucional dos supra citados artigos, por violação do disposto no artº 208º da CRP.

78. O Tribunal “a quo” (a 1ª Instância, neste caso) deu por provados os quesitos 1º a 6º, 9º a 16º, 18º 45º, 49º a 52º, 54º a 79º, 82º a 85º, 87º a 91º, 93º a 98º, 101º a 107º, 109º, 11º a 118º, 120º a 126º, 128º e 129º, 131º a 135º, 137º a 145º. 147º a 156º, 159º, 164º, 167º a 171º, 173º a 179º, todos da BI, e de forma inteiramente afirmativa, i.e., sem quaisquer restrições (cfr. respostas à matéria de facto, acta de fls., de 1.07.2003).

79. Quanto aos quesito 8º, 48º, 53º, 80º, 100º, 119º e 130º, respondeu o Tribunal restritivamente.

80. Ao cabo da “reapreciação” da prova que levou a cabo, o Tribunal da Relação do Porto revogou a generalidade das respostas aos quesitos supra, afirmativas, e restritivas.

81. Com as alterações/modificações empreendidas pelo Tribunal da Relação quanto às respostas aos quesitos, os Srs. Juízes Desembargadores apagaram o extenso lastro de iniquidade pré-negocial e negocial bastamente imputado às RR.

82. Acresce que, o Tribunal da Relação do Porto ERROU também na avaliação da específica força probatória dos documentos juntos aos autos – artº 722º, nº 2, do CPC.

83. Os AA. entendem, e sempre entenderam, que a loja da Empresa-A (Percent) do NorteShopping era uma loja âncora, razão pela qual tinha características específicas e beneficiava (deveria beneficiar) de prerrogativas definidas.

84. Segundo as RR., e nos termos da posição que assumiram ao longo de todo o processo, as lojas âncora não têm qualquer característica específica, para além de terem que estar associadas a uma marca que traga, por si, clientela ao centro comercial.

85. Não reconhecem às lojas âncoras quaisquer características e prerrogativas específicas. Segundo as Rés tais características e prerrogativas são negociadas casuisticamente com cada loja e, portanto, com cada âncora.

86. Constatando a posição (agora) assumida pelas RR., a A. tratou de se munir de documentos que pudessem demonstrar que a loja da marca Percent, pertença da Empresa-A, existente no NorteShopping, era uma loja âncora, como tal considerada pelas RR e como tal vendida à A.

87. Assim, os AA. requereram a fls. 997 a junção de 9 documentos, nos autos a fls.992 a 995.

88. Dado que os referidos documentos punham em causa a versão apresentada pelo Director Comercial e de Marketing do NorteShopping – não era crível que desconhecesse que a loja Percent era uma loja âncora – foi requerida a fls 997, com base em tais documentos, a contradita à testemunha Álvaro Costa.

89. A contradita foi admitida e as RR. nada tiveram a opor à dita contradita e à sua fundamentação – vd. fls. 998.

90. A verdade é que as RR. sobre os documentos juntos nada disseram. E nada disseram, bem sabendo da força probatória dos referidos documentos à luz do disposto nos artºs 374º e 376º do C. Civil.

91. As RR. aceitaram que os documentos são verdadeiros e o seu teor também.

92. Ora, face a tal silêncio, os AA apresentaram o requerimento de fls. 1006.

93. Acresce que, no suplemento do Jornal de Notícias de 21.10.98, a fls. 4, 1112 vº dos autos, Álvaro Portela, Presidente do Conselho de Administração das Rés esclarece a posição das RR.

94. A fls. 23 do suplemento e a fls. 1122 dos autos, lá encontramos a planta com os três vértices e com a localização e identificação das três lojas âncora.

95. No canto superior direito da planta aparece com naturalidade a loja da Empresa-A com a marca Percent.

96. Note-se, tratam-se de documentos da lavra das RR., aos quais tem de ser reconhecida a específica força probatória prevista no artº 376º, nº 1, do Código Civil.

97. Documentos, por isso, subtraídos à “livre apreciação” do julgador (neste caso, da Relação do Porto) e, por isso, determinantes para que se conclua, sem margens para dúvidas, que a loja da A. no NorteShopping era uma loja âncora, e como tal foi “vendida” à Empresa-A pelas RR!

98. Aliás, é expressamente como loja âncora que as RR. tratam a Percent (Empresa-A) nos documentos de fls. 1139.

99. A verdade é que dos documentos de fls.1122, 992, 993, 994, 1173, 1174 e 1175 resulta que a Empresa-A aparece nos directórios identificada em Lettering, ao lado das demais lojas âncora.

100. Por outro lado, a fls. 1139 refere-se que, devido à sua dimensão, é uma loja âncora, necessitando de AVAC próprio.

101. Para além disso, a fls. 1171 e 1172 aparece a aprovação do projecto da loja pela Ré fazendo referência ao reclame no exterior.

102. Também no documento de fls. 1172 se faz referência à necessidade de instalação de reclame na fachada exterior do edifício.

103. Também devemos tomar nota que a fls. 1195 consta o auto de entrega de loja pela NorteShopping à Empresa-A, documento próprio das lojas âncora.

104. Por fim, a fls. 191 encontra-se o contrato outorgado no qual não se prevê qualquer pagamento de direito de ingresso pela Empresa-A, situação essa confirmada pela proposta de fls. 186.

105. Assim sendo, nos termos coligidos dos artºs 374º, 376º, nº 1, ambos do Código Civil, e 722º, nº 2, este do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação do Porto não podia (nem devia!) ter alterado as respostas da 1ª Instância aos factos descritos nos artºs 45º, 90º e 91º da BI, nomeadamente.

106. Devendo agora o Supremo Tribunal de Justiça repor a “verdade dos factos” que a Relação do Porto obliterou!

107. Acresce que, a decisão sobre a matéria de facto foi revogada com fundamento, ainda, na inadmissibilidade de prova testemunhal, prevista no artº 394º do Código Civil,

108. Que se estenderia aos factos constantes dos artºs 4º, 10º, 11º, 12º, 13º, 44º, 45º, 48º, 49º, 52º, 55º, 56º, 57º, 58º, 109º e 129, todos da BI.

109. Ensina CASTRO MENDES (citado por LUSO SOARES, apud “Código de Processo Civil”, pág. 596), que o STJ “só controla a decisão de direito, só revoga por erro de direito.”

110. Como resulta do artº 721º do CPC, erro de direito é o que resulta da violação de lei substantiva (ou de norma de direito substantivo, como sugere AMÂNCIO FERREIRA, ob. cit. pág. 227), desdobrando-se em erro de interpretação ou de aplicação, e erro de determinação da norma aplicável.

111. O artº 394º do Código Civil está sistematicamente integrado naquele que é o diploma fundamental do nosso direito civil, em matéria, por isso, de índole inequivocamente substantiva.

112. Assim, e pese embora o facto da norma em causa se reportar a matéria de “prova”, é inequívoco, na esteira da terminologia de SATTA e PUNZI (citados por AMÂNCIO FERREIRA, ob. cit., pág. 226), que se trata, em qualquer caso, de uma “norma de direito”.

113. Assim, em nosso entender, está em causa, por parte do Tribunal da Relação do Porto, um “erro de interpretação e aplicação” duma “norma de direito” (o artº 394º do Código Civil).

114. No nº 2 do artº 722º, prevê-se o caso em que o Tribunal da Relação “ofende disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

115. Em ambos os casos, o que está em causa é a violação de normas do Código Civil (v.g. os artºs 364º, nº 1, e 371º, nº 1), também elas integradas no Capítulo II (“Provas”) do Subtítulo IV da Parte Geral do referido diploma.

116. Por interpretação extensiva do nº 2 do artº 722º do CPC, conclui-se que a previsão deste preceito contempla (também) a “errada aplicação” do artº 394º, dado que é manifesta a identidade de interesses subjacente entre este caso e aqueles expressamente previstos pelo legislador.

117. Argumentaram as RR. que “quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artºs 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores” não podem ser provadas por testemunhas.

118. Todavia, todas as normas legais têm um “telos”, uma “ratio”, uma função, no fundo, todas têm uma missão, que é indissociável do seu contexto histórico de emergência, e da vontade do legislador histórico!

119. O artº 394º do nosso diploma civil fundamental, não sendo uma novidade introduzida pelo Código de 1966, é uma norma pensada à razão e medida do seu tempo, um tempo em que os contratos representavam, ainda, a verdadeira (e indesmentível) “lei das partes”, um compromisso solene, mutuamente querido, redigido e assinado, devidamente pensado e, sobretudo, reflectido pelos intervenientes.

120. Naturalmente, há luz do pensamento do legislador histórico, não faria sentido que as partes, depois de negociado e subscrito o acordo, viessem invocar pactos ou convenções “paralelas” (anteriores, coevas ou posteriores), como forma de se desvincularem dos termos assumidos e exarados documentalmente.

121. Nesse conspecto, o contrato escrito era o reflexo fiel e insofismável do âmbito da vontade declarada das partes.

122. Assim, visto há distância dos anos, o artº 394º parte do princípio de que as partes incluíram no documento que corporiza o contrato todos os acordos alcançados pelas partes (presumindo-se que os acordos que não constem do documento tenham sido afastados pelas partes na fase final da negociação),

123. E que, tendo adoptado a forma escrita para a celebração do acordo (cfr. artº 219º do Código Civil), quiseram excluir a possibilidade de se recorrer a outro meio de prova, que não o escrito, para demonstrar o teor e alcance dos compromissos celebrados.

124. Ora, não obstante a purga que o Tribunal da Relação lançou sobre a matéria de facto dada por provada pelo Tribunal de 1ª Instância, a verdade é que manteve a qualificação dos contratos de fls. 63 e ss. e 191 e ss. como sendo “contratos de adesão” – cfr. respostas aos quesitos 8º e 53º da BI.

125. O Artº 394º do Código Civil deve hoje ser cotejado com a disciplina legal dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais, entre nós introduzida pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25.10 (com as sucessivas alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nºs 220/95, de 31.08 e 249/99, de 7.07).

126. Em particular, deve o artº 394º do Código Civil ser compulsado com o disposto no artº 7º do Decreto-Lei nº 446/85 (preceito que vale para todos os contratos de adesão, nos termos do artº 1º, nº 2, do referido Decreto-Lei).

127. Este dispositivo legal prevê que os acordos/convenções especificamente negociados prevalecem sempre sobre os acordos que se obtêm por via de adesão, valendo aí o princípio da liberdade de forma (cfr. artº 219º do Código Civil) e, por conseguinte, a possibilidade de serem demonstrados por testemunhas!

128. Ora, neste caso, inexistindo negociação, falece, em absoluto, a presunção ínsita no artº 394º do Código Civil de que, tendo existido outros acordos, outros compromissos entre as partes, estes foram afastados até ao termo da negociação, e por isso não foram contemplados no acordo escrito!

129. Assim, o artº 394º do Código Civil apenas pode aplicar-se a contratos negociados, sendo objecto de uma redução teleológica, que admita a produção de prova testemunhal quanto ao teor dos compromissos, pactos e acordos celebrados antes da conclusão do contrato, no decurso da conclusão deste e até após a conclusão do acordo.

130. Na verdade, a “ratio” e a função do artº 394º do Código Civil não se comunicam aos contratos concluídos por mera adesão, pois que a solução (de favor) contemplada por esse artigo é cativa dos negócios concluídos de preceito com o modo natural de contratação, isto é, por negociação das partes!

131. Acresce que, o artº 394º do Código Civil não pode ser invocado, e muito menos, aplicado, sempre que contrarie o princípio geral da boa-fé.

132. Veja-se, em paralelo, o entendimento dogmático e jurisprudencial segundo o qual não deve admitir-se a invocação de vício de forma do negócio sempre que a mesma ofenda a boa-fé e o sentimento ético-jurídico dominante, constituindo um abuso de direito.

133. Ora, é a preocupação de “correcção” de injustiças, desequilíbrios e abusos que, no caso concreto, veda a aplicação do artº 394º do Código Civil, que, a ter lugar, constituiria mais um benefício, mais um artifício ao serviço das RR., e contra o sentimento ético-jurídico dominante!

134. Assim, qualquer limitação de prova quanto ao conteúdo das convenções celebradas entre as AA. e as RR., apenas serviria para tutelar o contraente de má fé, Id est, as RR.

135. O que, de todo, não é aceitável nem se quadra com a finalidade do artº 394º, nº 1 do Código Civil, posição, entre outros, sustentada pelo Sr. Prof. Doutor RUI ALARCÃO.

136. Note-se que a mesma conclusão de inaplicabilidade se extrai sempre que esteja em causa a impossibilidade material (diga-se MORAL) de se obter uma “prova” (ou demonstração) escrita.

137. Demonstrado que os contratos de fls. são contratos de adesão, fácil é perceber que seria, e foi, materialmente impossível obter qualquer documento contendo os acordos, os compromissos, as obrigações assumidas pelas RR. junto da A.

138. Acresce que, em todo o caso, falamos de declarações unilaterais, juridicamente relevantes (nomeadamente, na medida em que integram a base do negócio), imputáveis às RR./recorrentes.

139. Declarações/actos que influenciaram – de forma deliberada – a decisão de contratar da Empresa-A, devendo daí extrair-se, à luz da lei, temperada pelo prudente arbítrio do julgador, todas as legais consequências.

140. Congruentemente, bem andou o Tribunal “a quo”, i.e., a 1ª Instância, – nomeadamente, considerando o enquadramento jurídico em que apreciou o litígio, a responsabilidade pré-contratual, cfr. artº 227º do Código Civil – ao admitir a prova testemunhal relativamente aos factos atinentes às convenções celebradas à margem do negócio escrito.

141. As RR. agiram na pressuposição evidente (e deliberada) de que a Empresa-A se determinaria a contratar (como contratou), com base nas informações – falsas – que aquelas lhe veicularam.

142. As RR. nunca tiveram qualquer intenção de cumprir o que manifestaram à Empresa-A, tendo rematado o aliciamento pré-negocial com a indicação de que o contrato era uma “mera formalidade”.

143. As ditas declarações/convenções integram essa conduta delitual, apurada à luz, e para os efeitos, dos artºs 483º e ss. do Código Civil.

144. Desse modo, relativamente a esses factos, pela sua “natureza”, não pode sobrevir qualquer limitação de prova (testemunhal ou outra).

145. Assim, revista a economia e função do artº 394º do Código Civil – à luz, naturalmente, das especificidades do caso concreto! – é forçoso concluir que o Tribunal da Relação do Porto não poderia, com fundamento nessa particular disposição legal, ter alterado a resposta aos quesitos supra indicados.

146. Mantendo-se as respostas que, quanto a essa matéria, foram alinhadas pelo Tribunal de 1ª Instância!

147. Refere o Tribunal da Relação do Porto que “Os Autores subscreveram livremente os contratos, tomando prévio conhecimento do respectivo clausulado, sabendo, pois, que estavam vinculados a cumprirem o acordado, ponto por ponto (artº 406º, nº 1, do CC)”.

148. O primeiro crivo que as cláusulas inseridas num contrato de (mera) adesão devem passar, em ordem a que se ateste a sua conformidade com o princípio (geral) da boa-fé, é o do “dever de comunicação e informação”, nos termos dos artºs 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25.10.

149. O Tribunal da Relação do Porto concluiu “não ser crível” que os AA. “pudessem ter interpretado as cláusulas 15ª a 17ª de forma diversa daquele que decorre do seu teor literal e, sobretudo, que pudessem ter crido que aquele contrato era um mero formalismo”.

150. Ora, nos termos do nº 3 do artº 5º do Decreto-Lei nº 446/85, era às RR. que se exigia que demonstrassem concretamente o cumprimento dos citados deveres.

151. As RR. não provaram que comunicaram aos AA., de forma adequada, o teor das referidas cláusulas (nomeadamente!).

152. Dos factos alinhados pelos AA. – e provados (cfr. supra a repristinação da matéria de facto erradamente revogada pela Relação) – resulta que estes invocaram expressamente que o teor das cláusulas dos contratos, nomeadamente, as cláusulas 15ª a 17ª, não foi adequada e cabalmente explicado aos AA. por parte das RR.

153. Assim, os AA. invocaram, como lhes competia (cfr. artº 342º, nº 1, do Código Civil), que aderiram ao clausulado sem que tivessem sido prestados, pelas RR., os devidos esclarecimentos.

154. Para aferir da validade dos contratos e de cada uma das suas cláusulas, importa antes de mais e como questões prévias, por um lado qualificar os contratos e, por outro lado, definir o seu enquadramento jurídico,

155. Sendo certo que, nesse preciso aspecto, o Decreto-Lei nº 446/85 constitui um barómetro e auxiliar preciosíssimo e incontornável!

156. A solução final – i.e., seja qual for a “qualificação” do contrato – não divergirá muito, em termos materiais, pois todos os contratos, sejam ou não especificamente regulados pelo legislador, não podem ser subtraídos, mesmo que por vontade das partes, à aplicabilidade de princípios gerais, como os da boa-fé, da justiça material e da equivalência das prestações.

157. O sistema normativo português é um sistema de compromisso com soluções ética e materialmente fundadas, que se desviam dos rigores formalistas e da “vontade absoluta” das partes!

158. A questão da qualificação dos contratos está amplamente discutida na doutrina e na jurisprudência.

159. A questão a que devemos resposta é apurar se os contratos de fls. 63 e ss. e de fls. 191 e ss. são contratos atípicos ou se subordinam ao regime jurídico do arrendamento.

160. A questão da qualificação dos contratos é amplamente tratada nos Pareceres emitidos pelos Professores Doutores Rui de Alarcão e Cassiano Santos, juntos aos autos a fls. 1239 e ss. e 1318 e ss..

161. Dos factos apurados quanto à execução do contrato deflui que não existe a relação de direcção vertical centro comercial/lojas.

162. Não há, pois, dúvidas que, quer quanto à loja da Maia, quer quanto à loja de Matosinhos, foi a A. que construiu os seus próprios estabelecimentos comerciais sem qualquer participação das RR.

163. Constata-se, assim, que as RR. não lograram demonstrar quaisquer factos susceptíveis de realizar os pressupostos da integração empresarial, como lhes competia.
164. Assim, as RR. não demonstraram que os contratos (e os vínculos daí decorrentes) dos autos reúnem, quando aplicados em concreto, as características necessárias para serem apodados de “contratos atípicos”, de “contratos de instalação de lojista”.

165. A simples junção dos contratos não se substitui à alegação e prova de circunstâncias susceptíveis de integrar a “noção” de contrato de “instalação de lojistas!

166. O Tribunal da Relação do Porto não tinha por onde concluir que os contratos de fls. são contratos de instalação de lojista.

167. Enquanto contratos típicos de arrendamento, os contratos outorgados entre as partes submetem-se ao regime jurídico previsto no RAU.

168. Considerando este regime jurídico, podemos concluir que os contratos são nulos por vício de forma por força do disposto no artº 7º, 2, b) do RAU.

169. Por outro lado, também são nulas as cláusulas 5ª, 1, a) e b) e 6ª, 15ª, 2, por contrariarem o RAU, respectivamente, os artºs 19º e 115º.

170. Enquanto contratos de adesão, os contratos outorgados entre as partes subordinam-se ao regime jurídico previsto no DL 446/85, de 25.10, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95, de 31.8 e ainda pelo DL 249/99, de 7.7.

171. Os contratos outorgados pelas partes estão sujeitos ao regime especial de controlo previsto para as Cláusulas Contratuais Gerais, em particular, ao controlo da conformidade das suas cláusulas com o princípio da boa fé.

172. Da análise de cada uma das cláusulas dos contratos verifica-se existir uma grave desconsideração dos interesses do lojista em prol do promotor.

173. Da análise dos contratos verifica-se que é construída uma estrutura de obrigações para o lojista que se traduz, sem contrapartida, num conjunto de direitos para o promotor.

174. As Rés qualificam o contrato como atípico com o único e exclusivo propósito de tentar ludibriar a lei e criar um sistema normativo para a situação em apreço que destrua os direitos do arrendatário.

175. As RR. criaram nos AA. a confiança de que o contrato era uma mera formalidade - cfr. resp. aos quesitos 54º e 55º.

176. Ao criarem este sentimento de confiança tiraram o sentido e a relevância das cláusulas previstas no contrato, e foi nesse contexto que os AA. avançaram para o negócio - cfr. resp. ao quesito 10º, 11º, 12º e 13º.

177. Nestas circunstâncias, dada a pré-ordenação de todo o contrato à tutela dos interesses do promotor, tomando em consideração que ele funciona como um todo, não podemos deixar de o considerar, todo ele, contrário aos ditames da boa fé e, consequentemente, nulo na sua globalidade por força do disposto nos artºs 15º e 12º do DL 446/85, de 25.10.

178. Todavia – dado que não somos “maniqueístas”, nem “fundamentalistas” do direito – admite-se que o regime do arrendamento possa, aqui e ali, ceder, por não se justificar a aplicação rígida das previsões típicas da lei, em função dos interesses subjacentes.

179. Casos em que as soluções a encontrar deverão, todavia, compatibilizar-se com os princípios e valores fundamentais de direito, nomeadamente, com os valores da justiça material, da boa-fé, da equivalência de prestações, entre outros.

180. Devidamente coligido, o considerando S) dos contratos, imposto pelas RR., revela, para lá da desconsideração profunda e grosseira pela realidade contratual subjacente – nomeadamente, o regime geral da locação e o regime do arrendamento urbano – uma outra perspectiva mais grave: o “desconhecimento” de que, para lá das disposições legais (injuntivas ou dispositivas) que disciplinam alguns espécimes negociais, existem princípios, alguns deles positivos (v.g., o princípio da boa-fé e o abuso de direito) que são incontornáveis, sejam quais forem as “especificidades do vínculo”, e que protegem direitos e interesses especiais das partes.

181. Ou seja, mesmo os contratos atípicos não podem ser vistos como “terra de ninguém”, onde impera a lei do mais forte, e onde vigora, rigidamente, a “lex contractus”, por mais injusta e descabida que esta seja, desde que louvada no “dogma absoluto da vontade das partes”.

182. A Cláusula 6ª do contrato é nula.

183. Invalidade que podemos colocar a dois níveis: num primeiro plano, a invalidade genérica de qualquer disposição que viabilize o acesso do “promotor” à contabilidade (“tout court”) de um lojista; num segundo plano, a invalidade concreta dos meios de fiscalização admitidos.

184. É consabido que uma estipulação contratual com este conteúdo não é admissível no quadro legal do arrendamento (i.e., é nula, à luz do artº 19º do RAU), regime do qual as RR., intencional e deliberadamente se procuraram “demarcar” (sem sucesso).

185. Ademais disso – do que não se prescinde, é óbvio – tais cláusulas contrariam, desde logo (mas não só) a ordem pública e os bons costumes (cfr., novamente, artº 280º, nº 2, do CC).

186. Mais, contrariam o ordenamento jurídico português, globalmente considerado, com enfoque, nomeadamente, para o direito da concorrência, assim como o princípio da protecção da empresa (senão mesmo do negócio), no plano da escrituração mercantil.

187. Nulidades que saem, forçosamente, sublinhadas, com o cotejo dos artºs 12º e 15º do Decreto-Lei nº 446/85, no apelo que fazem às regras (e ditames) da boa-fé – e ainda, da cláusula geral dos bons costumes e ordem pública (de novo, artº 280º, nº 2 do CC).

188. A cláusula 18ª dos contratos e os artºs 29º e 31º do Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial (presente e igual em ambos os contratos dos autos, MAIASHOPPING e Empresa-C), de um só golpe, conseguem ferir dois princípios jurídicos fundamentais do ordenamento português: o princípio geral da autonomia privada, vértice de todo o ordenamento jus-privatístico (na sua faceta de liberdade de associação), bem assim como o princípio constitucional (cfr. artº 46º do texto fundamental) da liberdade de associação (veja-se, ainda, o Decreto-Lei nº 594/74, de 07.11).

189. A elaboração prévia, e também ela unilateral, dos “estatutos” da dita associação contraria o princípio fundamental de que os estatutos associativos são aprovados em assembleia geral ou plenário (ver artº 54º, nº 2 da CRP).

190. A “projectada” associação de “lojistas” fere, de forma insanável, a cláusula (e princípio) geral da ordem pública, patente no artº 280º, nº 2 do CC, violação que se soma a (tantas) outras acima citadas, e que assim macula de nulidade as ditas disposições convencionais, “anexas” ao contrato.

191. Trata-se de uma forma, inequívoca, de manipulação e controlo dos lojistas, em flagrante contrariedade a todos os princípios gerais de direito, num gesto evidente de anti-democraticidade.

192. Nulidade vincada pelo crivo imposto pelos artºs 12º e 15º do Decreto-Lei nº 446/85 (entre o mais).

193. A Cláusula 14ª é nula.

194. A não entrega dessa garantia bancária confere às RR. o direito à resolução do contrato (cfr. cláusula 8ª, nºs 8 e 9 do contrato), sem mais.

195. Ora, tendo presente o horizonte em que nos movemos – que é o da contratação com recurso a clausulas contratuais gerais, ou pelo menos, a natureza de “mera adesão” (“c’est à prendre ou à laisser”) conferida ao(s) contrato(s) dos autos – importa que tais “prerrogativas” contratuais se mostrem adequadas, ponderadas e equilibradas perante os interesses em questão (aliás, na esteira do princípio da justiça comutativa dos contratos).

196. Ora, “prima facie”, a verdade é que tais garantias não se compadecem com o que vai previsto quanto ao arrendamento (cfr., artº 1041º, nºs 1 e 2 do CC, que prevêem uma indemnização de 50% do valor das rendas devidas, para as hipóteses de mora no cumprimento).

197. Assim, os valores acima citados – e até por referência ao modelo contratual mais próximo – afiguram-se como desajustados e desnecessários, face ao “quadro legal padronizado” (ver, artº 19º, al. c) do Decreto-Lei nº 446/85).

198. A Cláusula 3ª, nºs 2 e 3 e a Cláusula 8ª são nulas.

199. Concitadas as diferentes estipulações contratuais que fixam sanções pecuniárias, percebe-se que as mesmas variam entre 2 (duas) a 12 (doze) vezes o valor da renda mínima mensal (!).

200. Nestes casos, de flagrante desequilíbrio conteúdo prestacional do contrato, a nulidade (que amplamente se invoca) destas disposições resulta, por um lado, do princípio geral da boa-fé – emanado dos artºs 12º e 15º do Decreto-Lei nº 446/85 – com as especificidades derivadas da natureza destes contratos, e por outro, do acima citado artº 19º, al. c) do mesmo diploma, que estatui um princípio de proporcionalidade (e adequação) entre os danos a ressarcir, e as penas aplicadas.

201. Tais penalidades contrariam (também elas) frontalmente os bons costumes e ordem pública, por se louvarem no exercício de uma posição dominante.

202. E no que tange ao (muito) citado princípio da boa-fé (artºs 15º e 16º do Decreto-Lei nº 445/86), e ao princípio da proporcionalidade (com afloramento no artº 19º, al. c) do mesmo diploma legal), cabe dizer que, também por aí, tais cláusulas são nulas, nulidade que, de novo, expressamente se invoca.

203. Diga-se ainda que, em qualquer caso, sendo nula(s) a(s) obrigação(ões), nulas são também as penas e multas (e garantias) que lhe(s) vão associada(s), o que sempre se invoca, para todos os legais e pertinentes efeitos.

204. A Cláusula 2ª, nº 2, a) dos contratos é nula.

205. Tal cláusula é, na verdade mais um afloramento do desequilíbrio negocial que caracteriza os contratos dos autos (relativos ao MAIA e ao Empresa-C, contratos iguais e ambos celebrados através do “método” das cláusulas contratuais gerais), permitindo que, a cada passo da execução do negócio, uma das partes – coincidência ou não, a parte mais forte…– possa remodelar as condições primitivas em que as partes contrataram.

205. O que configura uma violação da princípio (fundamental) da confiança – “pacta sunt servanda”, cfr. artº 406º, nº 1 do CC – bem como da regra da imodificabilidade unilateral dos contratos, “quod prius est libertatis postea fit necessitatis”.

206. A Cláusula 5ª, nº 1 é, também ela, nula, na medida em que prevê, contra as regras gerais do direito civil, que a R. se possa fazer substituir por um terceiro – é curioso que a R., como veremos, caracteriza o contrato como sendo “intuitu personae”… – que a Empresa-A desconhece, sem que, ao menos, ele esteja devidamente identificado no contrato.

207. Em qualquer caso, não pode a R. (vide, o princípio geral constante do artº 424º do CC) transmitir, total ou parcialmente a sua posição contratual, sem, para tanto, obter o consentimento do outro contraente, no caso concreto, a Empresa-A.

208. Também aqui, tal norma (geral) deve ser cotejada com o que expressamente dispõe o Decreto-Lei nº 446/85 – novamente, os artºs 12º e 15º – a respeito dos deveres acrescidos de boa-fé.

209. A Cláusula 7ª, nº 1 é também ela nula.

210. A Cláusula 11ª, nº 1 consubstancia o que principiámos por dizer: que o presente contrato tem por escopo evidente a subtracção desta relação negocial ao regime legal e vinculístico do arrendamento urbano (e, em geral, da locação civil).

211. Como é consabido, o locatário pode, quando tal se justifique, levantar as benfeitorias que realizou (cfr., nomeadamente, o artº 1036º do CC).

212. E mesmo que assim não seja, pode fazer-se ressarcir pelo aumento do valor económico da coisa (artº 113º do RAU, que é sempre aplicável, até na hipótese, que não é o caso, de contratos atípicos).

213. Tal cláusula veda, assim, esses direitos legais, sendo por isso nula, porquanto, cumulativamente, se opõe à boa-fé e aos bons costumes, representando uma forma de locupletamento injustificado à custa de terceiros (no caso, a Empresa-A). (cfr. artºs 12º e 15º do Decreto-Lei nº 446/85 e artº 280º, nº 2 do CC).

214. Tal cláusula é (também) nula por violar o disposto no artº 18º, g) do Decreto-Lei nº 446/85.

215. A Cláusula 12ª, nº1 é nula, por contrária à ordem pública e aos bons costumes.

216. Ademais, constitui situação sem paralelo na disciplina locatícia – que em rigor afasta essa possibilidade! – não se vendo qualquer justificação, que não a devassa da intimidade do lojista/comerciante, que a possa legitimar, razão porque é nula, “ex vi” dos artº 12º e 15º do Decreto-Lei nº 446/85 (por ancorada na fragilidade negocial da Empresa-A), e por contrária aos bons costumes.

217. A Cláusula 15ª do contrato é nula, correspondendo a uma falácia grosseira, pois que o contrato não é, nem nunca foi, “intuitu personae”.

218. Consubstancia o desvio, intencional, do regime legal e imperativo do arrendamento urbano (cfr. artº 115º do RAU, nomeadamente), regime que se aplica à hipótese negocial dos autos.

219. E viola o princípio geral de protecção da (liberdade de circulação) da empresa, tanto ao vedar a livre transmissão de participações sociais (cfr. artºs 228º a 231º do CSC), quanto ao vedar a transmissão da empresa propriamente dita (o direito ao trespasse).

220. Convém ter presente que o legislador continua, aqui e ali, de forma inequívoca, a chamar a atenção para a necessidade de tutelar a parte contratual mais fraca contra o que se reputam de “abusos de posição (económica) dominante”.

221. É o que se passa, por exemplo, com as soluções consagradas no Decreto-Lei nº 32/2003, de 17.02.

222. É esse compromisso que se materializa, também, no artº 11º do Decreto-Lei nº 149/95, diploma que contém a disciplina legal do contrato de locação financeira.

223. Trata-se de uma norma que deve ser concitada com o que dispõe o artº 1112º do Código Civil, de molde a encontrar-se, em caso como os dos autos, uma solução justa, adequada e equilibrada!

224. A Cláusula 16ª do contrato é mais uma cláusula cuja nulidade é manifesta!

225. A Cláusula 17ª do contrato é nula na (boa) medida de que nulas são também as disposições que condicionam a transmissão da empresa (ou estabelecimento) ou das participações sociais da Empresa-A (ver supra).

226. Tais “taxas”, devidas pelo “consentimento”, são assim nulas, por contrárias à boa-fé, aos bons costumes e à ordem pública, pelo que de novo se remete para o disposto – mais específica e acentuadamente! – nos artºs 12º e 15º do Decreto-Lei nº 446/85.

227. A cláusula 20ª do contrato é o exemplo – flagrante – de cláusulas que viabilizam o recurso, injustificado, à acção directa, por parte dos “promotores”/”gestores” dos (ditos) “centros comerciais”.

228. Tais cláusulas, na medida em que não se submetem ao rol, estrito e tipificado de situações em que a auto-defesa é legítima, são nulas (cfr., “a contrario”, artº 336º do Código Civil, e o artº 2º da Constituição da República Portuguesa – princípio da proibição da justiça privada).

229. A cláusula 21ª do contrato é exemplificativa (e significativa) da “unilateralidade” deste contrato.

230. Nessa medida, é nula porque contraria o princípio da justiça comutativa dos contratos (bilaterais), o “do ut des” que os caracteriza, revelando-se contrária às boas práticas comerciais (e leia-se, aos bons costumes, artº 280º, nº 2 do CC) e à ordem pública, na medida em que é uma prestação “sem causa objectiva” – v.g. não é a contrapartida pelo gozo da loja.

231. Também aqui, as particulares exigências de equilíbrio negocial – imprimidas pela tutela da parte negocial mais débil, contra formas de exploração contratual – que animam a disciplina das “cláusulas contratuais gerais” (em génese, dos contratos de adesão), e à luz, novamente, dos artºs 12º e 15º do Decreto-Lei nº 446/85, levam-nos a concluir, necessariamente, pela nulidade da citada cláusula, o que também se invoca.

232. A Cláusula 22ª é nula por violação do princípio da imodificabilidade unilateral dos contratos, e do princípio de equivalência das prestações (“e sem que tal confira a esta qualquer direito”).

233. A cláusula 24ª do contrato é de nulidade manifesta, atentos os princípios e normas acima citadas – v.g artºs 12º e 15º do Decreto-Lei nº 446/85 e 280º, nº 2 do CC.

234. A cláusula 25ª, no seu nº 2 é nula por violação do princípio da equivalência das prestações (entre o mais).

235. As cláusulas 26º e 27º dos contratos são também nulas, esta última porque viola, manifestamente, o disposto na al. l) do artº 18º do Decreto-Lei nº 446/85.

236. Também o Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial, também ele parte integrante do contrato é marcado pelas invalidades (nulidades) acima descritas, nomeadamente, os artºs 3º, 4º, nº 2, 6º, nº 6, 7º, nº 2, 8º, nº 2, 10º, nº 1, f), 2, b), d), e) e f), 11º, 12º, nº 1, a) e nº 2, 13º, nº 2, 14º, nºs 3 e 4, 18º, nº 1, 21º, nº 5, 29º, 1 e 2, 32º, 2, nomeadamente por violação da cláusula geral da boa-fé, que precipitou no artº 15º do Decreto-Lei nº 446/85.

237. Assim, é forçoso concluir-se pela nulidade global do contrato.

238. Não apenas pelo vício de forma que ostenta – à luz da disciplina (ao tempo vigente) do RAU, que exigia escritura pública para o arrendamento para comércio (artº 7º, nº 2, b) do RAU, à data vigente) – mas sobretudo pela iniquidade e ilegalidade genérica das disposições contratuais que o integram (ver supra).

239. Note-se que não estão em causa duas, três, ou mesmo quatro estipulações negociais, mas a generalidade – verdadeira espinha dorsal – do clausulado.

240. Isto é, desde as condições, injustificadamente difíceis, de exploração da loja – cfr. artº 762º, nº 2 do CC (“boa-fé na execução dos contratos”) – fixadas pelas RR., passando pelo leque vasto de penalidades, sanções e multas previstas para uma panóplia infindável de comportamentos – e sem justificação bastante –, tudo nos contratos é perpassado pela lógica, exclusiva, de protecção e salvaguarda dos interesses patrimoniais das RR.

241. Os contratos “sub judice” não existem sem essa lógica (de satisfação unilateral de interesses), não existem sem essas cláusulas.

242. Ainda que os contratos dos autos possam ser considerados como atípicos, essa atipicidade, sob forma alguma, pode servir de desculpa para converter esses negócios em “terra de ninguém”, subtraindo-os ao respeito pelos mais elementares princípios do nosso sistema jurídico.

243. A validade das cláusulas (sob o ponto de vista material) não enjeita que a sua inclusão (ou não inclusão…) no acordo tenha sido precedida de má-fé, no quadro de uma conduta censurável (cfr. ALMEIDA COSTA, RLJ, nº 3709, pág. 101).

244. A má-fé (negocial, ou pré-negocial) extrai-se não apenas do negócio (e dos preliminares daquele), mas, sobretudo, do confronto das acções e omissões das partes com os ditames da boa-fé.

245. Os autos são indesmentíveis: os contratos foram celebrados sem prévia negociação (cfr. respostas aos quesitos 4º, 5º, 6º, 53º e 54º).

246. Em lugar disso, o que houve foram promessas, informações e declarações veiculadas pelas RR., em ambiente pré-negocial, em ordem a determinar os AA. a contratar.

247. As RR. criaram junto dos AA. expectativas fundadas quanto à execução do negócio.

248. As RR. venderam a loja do “Centro Comercial” Empresa-C à Empresa-A como loja âncora, com todas as características, qualidades, prerrogativas e benefícios que estão associados a uma loja do género.

249. Foi nessa pressuposição que a Empresa-A se determinou a contratar com as RR. (ao menos, no caso do NORTESHOPPING).

250. No artº 227º responsabiliza-se quem, nos preliminares e na formação do contrato, proceder contra os ditames da boa fé. Esta previsão de culpa in contrahendo pode advir mormente de uma multiplicidade de informações erradas (p. ex., quanto à qualidade do bem a prestar), da ausência de informações devidas (v.g., falta de instruções de funcionamento ou de qualquer outra omissão relevante com respeito à existência de um defeito no cumprimento) e da prestação de esclarecimentos insuficientes.” (PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações, Apontamentos, 2ª edição, 2004, p. 248). (o negrito é nosso).

251. Assim, no caso concreto, as RR. deveriam ter esclarecido, convenientemente, em que sentido, com que finalidade e escopo, utilizavam a citada terminologia.

252. As RR. (como acima se deixou dito, “en passant”), veicularam informações consabidamente falsas, de modo a convencer a Empresa-A a subscrever cada um dos contratos (ditos de) “cedência de loja em centro comercial”.

253. As RR., de forma livre e consciente, afirmaram junto da Empresa-A que os negócios em questão eram seguros, com retorno assegurado e garantido, como demonstrado por estudos de mercado entretanto realizados.

254. As RR. afirmaram que acompanhariam a Empresa-A – e os co-autores, claro está – no decurso da execução do contrato, aprestando-se a viabilizar qualquer negócio tendo em vista a transmissão dos direitos decorrentes do contrato.

255. “A prevenção e a tutela da confiança requerem que as partes, na fase pré-contratual, não criem, uma na outra, propositadamente, expectativas infundadas que se revelem danosas. Assim, devem ser trocadas as informações necessárias para que cada um conheça os factores relevantes em jogo e, naturalmente, evitadas quaisquer falsas informações.” (MENEZES CORDEIRO, Banca, Bolsa e Crédito, I, 1990, pág. 38, citado por ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, ob. cit., pág. 30.) (o negrito é nosso)

256. Dito isto, dúvidas não subsistem de que a conduta (ilícita e culposa – cfr. supra, ANTUNES VARELA) das RR. foi causa adequada e necessária de todos os prejuízos (danos emergentes e lucros cessantes) sofridos pelos AA., que contrataram com as recorrentes na pressuposição, justificada, de que aquelas falavam verdade.

257. “A directiva dos artigos 562º a 564º constitui a regra para quaisquer formas de responsabilidade civil e aplica-se tanto ao interesse positivo como ao interesse negativo. Daí que seja com apoio nos aludidos preceitos que se deve determinar a medida do dano ressarcível (…). (ob. cit. pág. 97).

258. Tudo visto, bem andou a 1ª Instância, ao condenar as RR. a pagar aos AA. as quantias descritas no respectivo dispositivo, conquanto só assim se pode “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” (cfr. artº 562º do Código Civil).

259. E mal andou, por isso, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto ao revogar a decisão de 1ª Instância!

260. “Mutatis mutandis”, os comportamentos descritos – que integram o instituto da “culpa in contrahendo” (artº 227º do Código Civil) – relevam também, pela ilicitude das condutas, em sede de responsabilidade obrigacional, por facto ilícito, nos termos e para os efeitos dos artºs 483º e ss. (o que para todos os legais efeitos se invoca) – cfr. artº 664º do Código Civil.

261. Com os comportamentos assinalados, as RR. determinaram (directa e adequadamente) os AA. à prática de actos patrimoniais auto-lesivos, lesando tanto o acervo patrimonial daqueles (sobre os quais vertem direitos absolutos), quanto (ver infra) o seu bom nome, imagem, honra e consideração social (direitos de personalidade legalmente protegidos, cfr. artº 70º do Código Civil).

262. A verdade é que, seja qual for o entendimento que se retire da actuação concreta das RR. perante os trespasses das lojas do MAIASHOPPING e do NORTESHOPPING, mesmo em sede de responsabilidade contratual, a verdade é que o mesmo tem que ser cotejada com o comportamento que se demonstrou que as RR. adoptaram, em ambos os casos, antes da conclusão dos contratos, de acordo com os ditames da boa-fé (de novo, cfr. artº 762º, nº 2).

263. Impunha-se, portanto, nessa ordem de razões (cfr. artº 762º, nº 2, do Código Civil), dar cumprimento, em plena vigência (e execução) do contrato a esses deveres impostos pela boa-fé, com a consequente responsabilidade obrigacional das RR.

264. As RR. sabiam (cfr. artºs 96º e 97º da BI) da quebra do volume de vendas da Empresa-A e nada fizeram para, ao menos, estancar essas perdas sucessivas.

265. As RR. sabiam que a Empresa-A pretendia, para resolver o problema, alienar os estabelecimentos (cfr. artº 98º da BI), não tendo indicado um único potencial adquirente para o efeito, não obstante a isso se terem comprometido, unilateralmente.

266. As RR. ignoraram os apelos da Empresa-A, sabendo da contínua e permanente deterioração económico-financeira da empresa e das suas lojas (cfr. resposta ao quesito 100º).

267. A Empresa-A, finalmente – e sem o apoio ou auxílio das RR. – encontrou um parceiro negocial, a sociedade ..., ela própria, lojista em “centros” das RR.), tendo apresentado o negócio às RR.

268. As RR. transmitiram que, por uma questão de forma, o negócio devia ser apresentado por escrito, para que a autorização fosse prestada pela mesma forma (cfr. resposta ao quesito 109º).

269. Feita a apresentação do negócio – e sem que nenhum obstáculo, nessa fase, fosse levantado –, e tendo em conta a postura pré-contratual das RR., os AA. iniciam um processo tendente a efectivar a transmissão dos estabelecimentos.

270. As RR. acompanharam todo o processo, sabendo que, da parte da Empresa-A, não havia retorno possível. (ver resposta ao quesito 115º)

271. Ora, tendo isto presente (e atentas as considerações jurídicas e legais que acima se deixaram ditas), é possível sustentar, ainda, que as RR. não agiram de má-fé, comprometendo, decisivamente, a execução do contrato?

272. As RR. demoraram 37 dias a responder à A., tendo todavia autorizado a Empresa-A a fazer a liquidação total do seu stock de existências!

273. Fica a nota – com remissão, óbvia, para o artº 334º do Código Civil (que as RR. nunca invocam, curiosamente…) – do artº 217º, nº 1, do CC, “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”.

274. As RR. estão sempre vinculadas aos deveres que lhe são impostos pela boa-fé (cfr., novamente, nº 2 do artº 762º do Código Civil) – é a “relação obrigacional complexa”.

275. Considerando todas as circunstâncias subjacentes à relação contratual dos autos, convém concluir que, analisada a vontade hipotético conjuntural das partes, à luz da boa-fé, o Tribunal da Relação do Porto deveria ter integrado a lacuna contratual decorrente de não se ter previsto qualquer cominação para o não cumprimento desse prazo de 30 dias.

276. Isto é, deveria ter concluído que o silêncio das RR., nas circunstâncias concretas do caso, era sinónimo de assentimento à transmissão!

277. De acordo com o artº 562º do Código Civil (e seguintes), o lesado deve ser restituído à sua situação jurídico-subjectiva hipotética actual, ou seja, à situação em que estaria se não tivesse ocorrido a lesão.

278. Ora, no caso dos autos (cfr. supra, a indemnização pela lesão da confiança), não há interesse na “execução do contrato” (interesse contratual positivo), havendo sim, lugar à ressarcibilidade pelo interesse contratual negativo (“dano de confiança”), o que não pode deixar de implicar a restituição de tudo o que foi prestado no âmbito (e para cumprimento) do contrato.

279. Onde se incluem todos os montantes pagos pelos AA. às RR., pois que importa “voltar à estaca zero”, ou seja, repor aqueles na situação em que estariam se nunca tivessem contratado com aquelas.

280. Devendo, por isso, ser revogado o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, e, por via disso, confirmada a sentença de fls. que condenou as RR. no pagamento da quantia liquida de 1.403.952,65€, a que se somam os juros entretanto vencidos desde a citação das RR., até efectivo e integral pagamento.

281. Diga-se ainda que, a obrigação de indemnizar (ou de restituir, mais concretamente), dimana também da nulidade global dos contratos de fls. e/ou da nulidade das cláusulas que o compõem.

282. Trata-se de conclusão imposta pelo artº 289º do Código Civil.

283. Assim, seja pela via da responsabilidade delitual das RR., pré-contratual e/ou contratual, seja pela da invalidade total ou parcial dos contratos (v.g., resultante da declaração de nulidade das cláusulas que inviabilizaram a transmissão dos estabelecimentos), as RR. terão sempre de ressarcir os AA.

284. As RR. com a sua conduta destruíram a vida empresarial e pessoal dos Autores AA e BB.

285. Até então os Autores AA e BB eram reputados empresários, sérios, dignos e honestos, com credibilidade na banca.

286. A conduta das RR é especialmente censurável, não apenas em si, mas também atenta a dimensão das próprias RR. Efectivamente, as RR. são empresas de grande dimensão, com grande experiência no sector e grande volume de negócios. Inclusive integram um dos maiores grupos económicos nacionais – o Grupo Sonae.

287. O Tribunal “a quo” apenas condenou as RR. no pagamento a cada um dos AA. no valor de 25.000 €.

288. Trata-se de um valor que peca por ser reduzido atenta a fundamentação da sentença que o justifica.

289. Efectivamente, o que está em causa é a destruição de dois empresários sérios, dignos e honestos, por numa empresa de grande dimensão, através de actos altamente censuráveis.

290. Nestas circunstâncias afigura-se-nos razoável para ressarcimento, ainda que parcial, dos danos não patrimoniais sofridos pelos AA. a quantia peticionada, ou seja, 199.519,16 €, correspondendo 99.759,58 € a cada um.

291. Nos termos do artº 684º-A, nº 1, do CPC, os AA. requereram, em sede de contra-alegações de apelação, ampliação do objecto do recurso.

292. Isto porque, “A sentença de fls. condenou as RR. no pagamento da quantia liquida de 1.403.952,65€, determinando que as quantias de capital sobreditas, sejam acrescidas de “juros à taxa legal até integral liquidação”.

293. Não obstante isto, as RR., em oposição à execução – execução da 3ª Secção do 2º Juízo de Execução do Porto, com o nº 33829/05.3YYPRT-A – vieram questionar este “quantum”, em particular, quanto à liquidação de juros.

294. Assim, e sem prejuízo da clareza, suficiente, da sentença de fls., “maxime”, depois de aclarada, porque nisso se mantém interesse, R. a V. Exªs que o Acórdão a proferir se pronuncie sobre esta questão assegurando-se, assim, a certeza do direito e a segurança jurídica e, desse modo, confirmando a procedência total da acção nesta parte.

Termina pedindo se dê provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, em conformidade com as conclusões.

Contra alegaram as RR. para pugnar pela manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Matéria de facto dada com provada pelo Tribunal da Relação:

1. As Rés são sociedades que pertencem ao mesmo Grupo Económico, conhecido por "GRUPO SONAE".- (alínea a) da matéria de facto assente);

2. Os Autores e a Empresa-B, anteriormente designada ...., S.A. celebraram entre si o contrato de fls. 63 a 133, cujo teor se dá aqui por integralmente. -(alínea b) da matéria de facto assente);

3. Em 27 de Outubro de 1997, a SPCC dirige carta à Empresa-A que se junta e se dá por integralmente reproduzida (alínea c) da matéria de facto assente);

4. Nela se diz: "Temos o prazer de informar que lhe foi atribuída a loja n°139/140, de acordo com as condições constantes na sua proposta." - (alínea d) da matéria de facto assente);

5. E acrescenta: "Somos a enviar-lhe o "Manual do Lojista", contendo a minuta do contrato, regulamento do funcionamento do centro comercial e demais documentação."- (alínea e) da matéria de facto assente);

6. Com a carta dirigida pela Adorna à S.P.C.C. de 22.12.97 (doc. n° 5 junto com a P.I.), foram enviados 3 cheques pré-datados para pagamento das prestações vincendas, referentes ao direito de ingresso no montante de 2.410.750$00 cada um - (alínea f) da matéria de facto assente);

7. Nessa mesma ocasião a Empresa-A constitui garantia bancária "à primeira solicitação" a favor da S.P.C.C. no montante de 14.137.984$00, conforme documento junto que se dá por integralmente reproduzido.- (alínea g) da matéria de facto assente);

8. O espaço da loja de Matosinhos foi entregue à Empresa-A em tosco, só com as paredes exteriores e sem montra, livre e devoluto, para primeira actividade.- (alínea h) da matéria de facto assente);

9. Com efeitos a 1 de Dezembro de 1998, a SPCC cedeu à sociedade Auctoritas ..., SA, a posição contratual que detinha no contrato celebrado com a Empresa-A relativo ao estabelecimento de Matosinhos.- (alínea j) da matéria de facto assente);

10. A Auctoritas é uma sociedade do Grupo SONAE que tem como objecto a realização de urbanizações e construção de edifícios, planeamento, gestão urbanística, realização de estudos, construção e gestão de imóveis e revenda para esse fim.- (alínea k) da matéria de facto assente);

11. A Cadena era detentora de estabelecimentos instalados em espaços do Grupo Sonae e inclusive da SPCC designadamente na Maia e em Lisboa, (alínea 1) da matéria de facto assente);

12. Era uma sociedade já conhecida da SPCC/Auctoritas e cumpridora das suas obrigações e das boas regras comerciais.- (alínea m) da matéria de facto assente);

13. A Empresa-A inicia a promoção de imediato, baixando os preços de venda dos seus artigos em cerca de 40%, considerando o preço de venda ao público.- (alínea n) da matéria de facto assente);

14. A Ré Auctoritas tomou o estabelecimento da A. em Matosinhos em 16 de Junho de 1999, utilizando a chave de que dispunha.- (alínea o) da matéria de facto assente);

15. Dá-se por reproduzido o teor do documento de fls. 522 a 525.- (alínea p) da matéria de facto assente);

16. No léxico comum dos Centros Comerciais, "as lojas âncora" são lojas de grandes dimensões que têm a si associadas uma marca ou uma imagem que aportam, por essas características, publico certo e seguro ao Centro Comercial.- (alínea q) da matéria de facto assente);

17. São exemplos desse tipo de lojas, as lojas FNAC, as lojas ZARA, as lojas CORTEFIEL, as lojas MACONDE.- (alínea r) da matéria de facto assente);

18. As Rés mantiveram-se, como se mantém, afastadas da actividade comercial dos lojistas e da gestão de cada uma das lojas, não tendo, nem devendo interferir directamente ou indirectamente nesse campo, limitando-se a verificar o cumprimento do estabelecido contratualmente, nomeadamente no que concerne à actividade comercial a ser desenvolvida na loja, o cumprimento do horário de abertura e encerramento ao público e o cumprimento das demais regras de utilização quer da loja, quer dos espaços comuns do Centro Comercial.-(alínea s) da matéria de facto assente);

19. Em 1997, existiram contactos entre a Empresa-A e a "S.P.C.C." no sentido de aquela abrir um estabelecimento de pronto-a-vestir, na Maia, no lugar de Ardegães, em imóvel na ocasião em construção e que englobava um conjunto de outras lojas. - (decisão sobre art. 1° da b.i.);

20. Em tais contactos a “S.P.C.C.” referia à Empresa-A que, dados os estudos de mercado que havia efectuado, se tratava de um investimento com grande probabilidade de retorno (resposta ao nº 3, da b.i.);

21. Considerando os argumentos expostos, a Autora veio a mostrar-se receptiva à realização do negócio. - (decisão sobre art.° 5° da b.i.);

-22. De imediato a S.P.C.C. remete à Empresa-A proposta de contrato para que esta a subscrevesse. - (decisão sobre art.° 6° da b.i.);

23. A "S.P.C.C." comunicou à A. que o teor do contrato e da proposta não era susceptível, no essencial, de negociação, dado que eram iguais para os demais espaços destinados ao comércio previstos para o mesmo edifício.- decisão sobre art.° 8° da b.i.);

24. A "S.P.C.C.", em conversas pessoais entretanto havidas, reiterou à Empresa-A e aos seus gerentes que se tratava de um investimento com grande probabilidade de retorno - (decisão sobre art.° 10° da b.i.);

25. Nas mencionadas conversas referiu a “S.P.C.C.” que, em caso de transmissão da posição da Empresa-A, resolveria a situação em colaboração com a sociedade Autora, nos termos do clausulado em 15ª a 17ª do contrato de fls. 63-92 - (decisão sobre art.° 12° da b.i.);

26. Neste contexto a Empresa-A, e os seus sócios gerentes AA e BB, subscreveram a proposta de adesão nos precisos termos apresentados. - (decisão sobre art.° 13° da b.i.);

27. Nessa previa-se designadamente:

a) prazo do contrato 72 meses;

b) renda mensal:

1 - renda mínima de 858.530$00 + IVA;

2 - renda variável correspondente a 7% da facturação bruta de vendas sem IVA do estabelecimento, na parte em que for superior à renda mínima, + IVA;

c) comparticipação em despesas comuns e promoção para o primeiro ano de 1.750$00 m2/mês, num total de 323.103$00/mês.

d) direito de ingresso no valor global de 8.241.883$00 a pagar pela Empresa-A nas seguintes condições:

1 - 2.410.750$00 entregue com a assinatura da proposta;

2 - 2.410.750$00 em 30/04/98;

3 - 2.410.750$00 em 30/08/98;

4 - 2.410.750$00 em 30/10/98. (decisão sobre art.° 14° da b.L);

28. Em 16/10/97, a Empresa-A subscreveu a proposta de contrato de adesão e remeteu-a à S.P.C.C. via telecópia e, depois, via correio conjuntamente com o cheque n° 33913482, do Banco Totta e Açores, no valor de 2.410.750$00, para pagamento da primeira prestação do direito de ingresso. - (decisão sobre art.° 15° da b.i.);

29. A S.P.C.C. exigia à Empresa-A para outorgar o contrato e lhe entregar o espaço a quantia de 8.241.883$00, a que alude como direito de ingresso. - (decisão sobre art.° 16° da b.i.);

30. O contrato foi assinado em Dezembro de 1997, com data de 6 de Novembro de 1997, e enviado à S.P.C.C. pela Empresa-A por carta de 22/12/97. - (decisão sobre art.° 18° da b.i);

31. O espaço foi entregue à Empresa-A para que esta aí implantasse um estabelecimento de pronto-a-vestir, "Per Cent". - (decisão sobre art.° 19° da b.i.);

32. Para este efeito a Empresa-A procedeu à realização de obras em execução de orçamentos previamente solicitados para o efeito. - (decisão sobre art.° 20° da b.i);

33. Ao empreiteiro a quem foi adjudicada a obra foi pago o preço da sua execução no montante de 24.804.000$00 (vinte e quatro milhões oitocentos e quatro mil escudos. - (decisão sobre art.° 21°da b.i.);

35. O preço dos serviços de Arquitectura devidos pela realização do projecto e acompanhamento da obra foi de 2.808.000$00 (dois milhões oitocentos e oito mil escudos). -(decisão sobre art.° 22° da b.i.);

36. O preço dos serviços de Desenhador devidos pelos trabalhos desenvolvidos no projecto e execução da obra foi de 497.835$00.- (decisão sobre art.° 23° da b.i.);

37. Durante as obras e relativos à execução destas a A. suportou ainda o pagamento de 2.912.633$00. - (decisão sobre art.° 24° da b.i.);

38. Assim, a obra ascendeu ao custo de 31.022.468$00. - (decisão sobre art.° 25° da b.i.);

39. Concluídas as obras a Empresa-A, de modo a permitir a abertura do estabelecimento e a sua normal laboração, contratou funcionários, designadamente empregados de balcão e administrativos. - (decisão sobre art.° 26° da b.i.);

40. Por outro lado, a Empresa-A procedeu à decoração do seu estabelecimento de pronto-a-vestir - (decisão sobre art.° 27° da b.i.);

41. Adquiriu meios informáticos com vista à sua melhor gestão. - (decisão sobre art.° 28° da b.i.);

42. O equipamento informático foi adquirido em sistema de leasing pelo preço de 11.430.198$00. - (decisão sobre art.° 29° da b.i.);

43. Foi ainda gasto em equipamento informático a quantia de 2.338.035$00. - (decisão sobre art.° 30° da b.i.);

44. Simultaneamente, a Empresa-A adquiriu a colecção de roupas e de pronto-a-vestir que vieram a ser comercializadas no local. - (decisão sobre art.° 31° da b.i.);

45. Todo o estabelecimento de pronto-a-vestir foi construído e dinamizado pela Empresa-A e a sua exclusiva expensas, com a construção completa da loja, incluindo execução de paredes, soalho, electrificação, implantação de sistema de ar condicionado, concepção e decoração da loja, com todo o mobiliário. - (decisão sobre art.° 32° da b.i.);

46. Nestas circunstâncias o pronto-a-vestir da Empresa-A iniciou a sua actividade em 07/12/97. -(decisão sobre art.° 33° da b.i.);

47. A A. mandou proceder à elaboração de colecção de roupa específica para a abertura da loja cujo custo estimado ascendeu a 25.500.000$00. - (decisão sobre art.° 34° da b.i.);

48. A A. iniciou a gestão exclusiva do seu estabelecimento, com os seus meios, utilizando a sua marca própria. - (decisão sobre art.° 35° da b.i.);

49. A A. investiu na promoção e dinamização quer do estabelecimento, quer da sua marca "Per Cent" que identifica esse estabelecimento, vários milhares de contos. - (decisão sobre art.° 36° da b.i.);

50. A A. criou, assim, a imagem própria do seu estabelecimento, associada à qualidade e características específicas dos seus produtos da marca "Per Cent". - (decisão sobre art.° 37° da b.i.);

51. A loja da A. foi-se, assim, tornando conhecida no mercado associada à sua própria marca - (decisão sobre art.° 38° da b.i.);

52. A A. foi cimentando e atraindo a sua clientela específica, que aí se deslocava com regularidade. - (decisão sobre art.° 39° da b.i.);

53. A A. escolheu para o seu estabelecimento os fornecedores e estabeleceu as condições de cada um dos fornecimentos - (decisão sobre art.° 40° da b.i.);

54. A A. escolheu os seus próprios financiadores e geriu tais financiamentos. - (decisão sobre art.° 41° da b.i.);

55. A loja da A. e as demais lojas existentes nessa "Rua" não tiveram nunca qualquer relação funcional entre si, sendo absolutamente autónomas.- (decisão sobre art.° 42° da b.i.);

56. A Empresa-A é novamente contactada pelo Grupo SONAE, SPCC, para abrir um novo estabelecimento "Per Cent", agora em Matosinhos.- (decisão sobre art.° 43° da b.i.);

57. Os argumentos utilizados foram semelhantes aos utilizados anteriormente para a loja da Maia e já relatados.- (decisão sobre art.° 44° da b.i.);

58. A S.P.C.C. admitiu que a loja “Per Cent”, dada a sua dimensão e localização, poderia ser considerada uma loja âncora.- (decisão sobre art.° 45° da b.i.);

59. Não era exigido à Empresa-A qualquer importância a título de direito de ingresso. - (decisão sobre art.° 48° da b.i.);

60. Neste contexto, a S.P.C.C. apresentou, em 22/06/98 e em 19/08/98, as propostas que constam dos documentos 39 e 40 de folhas 3 e 4. - (decisão sobre art.° 50° da b.i.);

61. Em 14/09/98, a S.P.C.C. apresenta nova proposta, documento junto (doc.40, folha 1 e 2), proposta que previa designadamente:

a) prazo do contrato - 6 anos;

b) espaço de 650 m2 até 31/08/99; de 1.088,90 m2 posteriormente;

c) renda mensal:

1 - renda mínima de 2.338$00/m2/mês + IVA enquanto o estabelecimento estiver confinado a 650m2; 5.000$00/m2/mês após essa data.

2 - renda variável correspondente a 8% da facturação bruta de vendas sem IVA do estabelecimento, na parte em que for superior à renda mínima, + IVA enquanto o estabelecimento estiver confinado 650m2; e correspondente a 7% após essa data.

d) comparticipação em despesas comuns e promoção para o primeiro ano de 1.400$00/m2/mês. (decisão sobre art.° 51° da b.i.);

62. A Empresa-A aceitou a proposta apresentada pela S.P.C.C. - (decisão sobre art.° 52° da b.i.);

63. A "S.P.C.C." comunicou novamente à Empresa-A que o teor do acordo não era, no essencial, susceptível de negociação, dado que eram iguais para os demais espaços destinados ao comércio previstos para o mesmo edifício. - (decisão sobre art.° 53° da b.i.);

64. A "S.P.C.C.", em conversas pessoais, entretanto havidas, reiterou à Empresa-A e aos seus gerentes que se tratava de um investimento com grande probabilidade de retorno. - (decisão sobre art.° 55° da b.i.);

65. Nas mencionadas conversas referiu a “S.P.C.C.” que, em caso de transmissão da posição da Empresa-A, resolveria a situação em colaboração com a sociedade Autora, nos termos do clausulado em 15ª a 17ª do contrato de fls. 191-205 - (decisão sobre art.° 57° da b.i.);

66. Neste contexto a Empresa-A e os seus sócios gerentes AA e BB subscreveram a proposta de adesão e, posteriormente, o contrato-tipo nos precisos termos apresentados, conforme documentos (docs. 41 e 42). - (decisão sobre art.° 58° da b.i.);

67. O contrato foi assinado com data de 29 de Novembro de 1998 e enviado à S.P.C.C. pela Empresa-A devidamente subscrito (cfr. doc. 42). - (decisão sobre art.° 59° da b.i.);

68. Nessa mesma ocasião a Empresa-A constitui garantia bancária "à primeira solicitação" a favor da S.P.C.C. no montante de 8.154.684$00. - (decisão sobre art.° 60° da b.i.);

69. O espaço foi entregue à Empresa-A para que esta aí implantasse um estabelecimento de pronto-a-vestir, "Per Cent". - (decisão sobre art.° 61° da b.i.);

70. Para este efeito, a Empresa-A procedeu à realização de obras por administração directa de construção completa da loja, incluindo execução de paredes, soalho, electrificação, implantação de sistema de ar condicionado, concepção e decoração da loja, com mobiliário. -(decisão sobre art.° 62° da b.i.);

71. Pelos trabalhos de execução das obras a A. suportou o respectivo preço e cujo montante global ascendeu a 40.769.753$00. - (decisão sobre art.° 63° da b.i.);

72. As obras foram projectadas pelo Arquitecto Francisco Azeredo, com recurso a desenhador. - (decisão sobre art.° 64° da b.i.);

73. O preço dos serviços de Arquitectura devidos pela realização do projecto e acompanhamento da obra foi de 1.066.753$00. - (decisão sobre art.° 65° da b.i.);

74. Concluídas as obras a Empresa-A, de modo a permitir a abertura do estabelecimento e a sua normal laboração, contratou funcionários, designadamente empregados de balcão e administrativos. - (decisão sobre art.° 66° da b.i.);

75. Por outro lado, a Empresa-A procedeu à decoração do seu estabelecimento de pronto-a-vestir - (decisão sobre art.° 67° da b.i.);

76. Utilizou meios informáticos com vista à sua melhor gestão. - (decisão sobre art.° 68° da b.i);

77. Simultaneamente, a Empresa-A adquiriu a colecção de roupas e de pronto-a-vestir que vieram a ser comercializadas no local. - (decisão sobre art.° 69° da b.i.);

78. A A. mandou proceder à elaboração de colecção de roupa específica para a abertura da loja cujo custo ascendeu a 52.000.000$00. - (decisão sobre art.° 70° da b.i.);

79. Nestas circunstâncias, o pronto-a-vestir da Empresa-A de Matosinhos iniciou a sua actividade em Outubro de 1998. - (decisão sobre art.° 71° da b.i.);

80. A A. iniciou a gestão exclusiva do seu estabelecimento, com os seus meios, utilizando a sua marca própria. - (decisão sobre art.° 72° da b.i.);

81. A A. investiu na promoção e dinamização quer do estabelecimento, quer da sua marca "Per Cent" que identifica esse estabelecimento vários milhares de contos. - (decisão sobre art.° 73° da b.i.);

82. A A. criou, assim, a imagem própria do seu estabelecimento, associada à qualidade e características específicas dos seus produtos da marca "Per Cent". - (decisão sobre art.° 74° da b.i.);

83. A loja da A. foi-se, assim, tornando conhecida no mercado associada à sua própria marca. - (decisão sobre art.° 75° da b.i.);

85. A A. foi cimentando e atraindo a sua clientela específica, que aí se deslocava com regularidade. - (decisão sobre art.° 76° da b.i.);

86. A A., exclusivamente, escolheu para o seu estabelecimentos os fornecedores e estabeleceu as condições de cada um dos fornecimentos. - (decisão sobre art.° 77° da b.i.);

89. A A. escolheu os seus próprios financiadores e geriu tais financiamentos. - (decisão sobre art.° 78° da b.i.);

90. A loja da A. e as demais lojas existentes nessa "Rua" não tiveram nunca qualquer relação funcional entre si, sendo absolutamente autónomas. - (decisão sobre art.° 79° da b.i.);

91. Os contratos foram redigidos pela "SPCC". - (decisão sobre art.° 80° da b.i.);

92. A 1 de Dezembro de 1998, a S.P.C.C. cedeu à sociedade Auctoritas..., S.A., a posição contratual que detinha no contrato celebrado com a Empresa-A relativo ao estabelecimento de Matosinhos. A cessão referida foi comunicada pelas Rés à Autora. - (decisão sobre art.° 81° da b.i.);

93. A “S.P.C.C.” e a “Auctoritas” pertenciam ao mesmo grupo económico. - (decisão sobre art.° 82° da b.i.);

94. A A. fez sucessivas campanhas publicitárias. - (decisão sobre art.° 83° da b.i.);

95. Os estabelecimentos foram prestando um serviço de qualidade, com produtos de boa relação qualidade/preço e com marca própria, "Per Cent". - (decisão sobre art.° 84° da b.i.);

96. Aproveitando o impacto da própria marca no público, os estabelecimentos viram, de início, a sua clientela aumentar. - (decisão sobre art.° 85° da b.i.);

97. As Rés não prestam, directamente, serviços ao público. - (decisão sobre art.° 87° da b.i.);

98. Os concorrentes de tais estabelecimentos existentes no mesmo edifício, designadamente os estabelecimentos Cortefiel, Zara, Maconde, e outros, eram anunciados nos espaços comuns - (decisão sobre art.° 90° da b.i.);

99. As lojas âncora, em Matosinhos, podiam fazer-se anunciar nas paredes exteriores do edifício. - (decisão sobre art.° 91° da b.i.);

100. Apesar das diligências efectuadas pela Empresa-A junto da SPCC/Auctoritas, nunca estas autorizaram a colocação de publicidade da Autora nas paredes exteriores do edifício - (decisão sobre art.° 93° da b.i.);

101. A Empresa-A pretendia implementar campanhas publicitárias com a prévia autorização da SPCC/Auctoritas, designadamente utilizando o seu Balão de ar quente. -(decisão sobre art.° 94° da b.i.);

102. A quebra de volume de facturação foi transmitida pela Empresa-A à SPCC/Auctorítas reiteradamente ao longo do tempo e constatado por esta na sua fiscalização ao volume de negócios diário dos estabelecimentos, desde a abertura destes. - (decisão sobre art.° 96° da b.i.);

103. A SPCC/Auctoritas nunca indicaram à Empresa-A qualquer interessado nos estabelecimentos da Empresa-A e sabiam o volume de facturação da Autora. - (decisão sobre art.° 98° da b.i.);

104. Depois de inúmeras viagens ao estrangeiro e, outras diligências - a Empresa-A encontrou uma sociedade interessada na aquisição dos estabelecimentos. - (decisão sobre art.° 101° da b.i.);

105. Tratava-se da sociedade CADENA - Comércio de Vestuário, Lda, com sede na Rua do Poder Local, lote 306 AD, 1675 Pontinha. - (decisão sobre art.° 102° da b.i.);

106. A sociedade referida propunha-se adquirir tais estabelecimentos nas seguintes condições:

a) loja da Maia - preço de 15.000.000$00, com pagamento integral até à entrega da chave da loja em 31/05/99;

b) loja de Matosinhos - preço de 40.000.000$00, com pagamento integral até à entrega da chave da loja em 31/05/99. - (decisão sobre art.° 103° da b.i.);

107. A CADENA propunha-se igualmente adquirir todo o stock da Empresa-A existente com 30% de desconto sobre o preço de aquisição, independentemente da colecção a que o mesmo respeitava. - (decisão sobre art.° 104° da b.i.);

108. A CADENA dedica-se ao mesmo ramo de actividade da Empresa-A e pretendia desenvolver os estabelecimentos de pronto-a-vestir desta, dedicando-se à mesma actividade. - (decisão sobre art.° 105° da b.i.);

109. A sociedade “Cadena” fazia parte integrante de um grupo económico internacional. - (decisão sobre art.° 106° da b.i.);

110. Ocorreu uma reunião entre a Empresa-A e a S.P.C.C./Auctoritas, em que esteve presente a “Cadena”, onde foi abordada a hipótese de cessão da posição contratual da sociedade Autora para a “Cadena”. - (decisão sobre art.° 107° da b.i.);

111. Por cartas de 19/04/99, recebidas a 21/04/99, a Empresa-A comunicou respectivamente à Auctoritas e à Empresa-B - Imobiliária a sua intenção de transmitir a sua posição relativamente aos estabelecimentos de Matosinhos e da Maia à "CADENA", respectivos preços e data da efectivação do negócio, com o pagamento e transmissão da exploração do estabelecimento. -(decisão sobre art.° 111° da b.i.);

112. A Empresa-A enviou à SPCC/Auctoritas cartas de igual teor às constantes de fls. 305 e 539-340. - (decisão sobre art.° 112° da b.i.);

113. A SPCC/Auctoritas respondeu de acordo com o teor dos documentos de fls. 306/540. - (decisão sobre art.° 114° da b.i.);

114. A SPCC/Auctoritas tinha conhecimento dos factos referidos nas respostas aos quesitos nºs 107, 111 e 112. -(decisão sobre art.° 115° da b.i.);

115. Em consequência da promoção, a Ré efectuou as seguintes vendas brutas, isto é, vendas a preço normal sobre as quais incidiu o desconto, que se traduzem nas seguintes vendas com desconto:

a) Maia

Vendas brutas- 23.283.784$0

Vendas e/ descontos-13.295.001$0

Total do desconto-09.984.782$0

b) Matosinhos

Vendas brutas-42.989.085$00

Vendas com desconto-24.717.412$00

Total do desconto -18.271.161$00 – (decisão sobre art.° 116° da b.i.);

116. As lojas em causa necessitam de uma preparação das colecções e de uma calendarização dos fornecimentos, que obrigam a encomendas aos fabricantes/fornecedores com antecipação de modo a estes poderem organizar e calendarizar a produção. - (decisão sobre art.° 118° da b.i.);

117. A Empresa-A e a CADENA geriram os seus interesses na convicção de que a transmissão do estabelecimento se concretizaria. - (decisão sobre art.° 119° da b.i.);

118. Decorreram mais de 30 dias sem que as Rés respondessem por escrito. - (decisão sobre art.° 120° da b.i.);

119. A Empresa-A, uma vez decorridos mais de 30 dias, entrou em contacto com a SPCC/Auctoritas no sentido de transmitir novamente que, a partir do dia 1/6/99, os estabelecimentos passariam a ser explorados pela CADENA. - (decisão sobre art.º 121° da b.i.);

120. As Rés, após contacto da Autora, apressaram-se a responder e, por cartas datadas de 27/5/99 e registada a 31/05/99, recusaram a transmissão. - (decisão sobre art.° 122° da b.i.);

121. A Ré recusou a transmissão não tendo, todavia, exercido o direito de preferência. - (decisão sobre art.° 123° da b.i.);

122. A SPCC/Auctoritas recusou a transmissão - (decisão sobre art.° 124° da b.i.);

123. A SPCC/Auctoritas recusou a cessão das lojas através de fax enviado à Empresa-A em 25/05/1999 - (decisão sobre art.° 125° da b.i.);

124. Em 01/06/1999, as lojas da Empresa-A estiveram encerradas. - (decisão sobre art.° 126° da b.i.);

125. A A., em Junho de 1999, encerrou os seus estabelecimentos. - (decisão sobre art.° 127° da b.i.);

126. A Ré Empresa-B, tomou o estabelecimento na Maia em 16 de Julho de 1999, utilizando as chaves de que dispunha, contra a vontade da Autora. - (decisão sobre arts. 128° e 129º da b.i.);

127. As Rés tomaram os estabelecimentos com as obras executadas pela autora. - (decisão sobre art.° 130° da b.i.);

128. Em 01/06/1999, as lojas da Empresa-A estiveram encerradas e a Autora deixou de exercer actividade nos seus estabelecimentos (Maia e Matosinhos), em 04/06/1999.- (decisão sobre art.° 131° da b.i.);

129. A SPCC/Auctoritas reclamou o pagamento das garantias bancárias "on first demand", respectivamente no montante de 14.137.984SOO e de 8.154.684$00 às respectivas instituições bancárias. - (decisão sobre art.° 132° da b.i.);

130. Na sequência de tal reclamação os bancos procederam ao respectivos pagamentos e debitaram os montantes pagos nas contas da Empresa-A em 09.08.99 e 22.10.99. – (decisão sobre art.° 133° da b.i.);

131. Relativamente à loja da Maia a A. pagou:

a) 8.241.883$00 de direito de ingresso;

b) 31.022.468$00 de obras;

c) 28.521.554$00 de rendas e de condomínio, conforme docs. juntos que se dão por integralmente reproduzidos (does. 99 a 125);

d) 14.137.984$00 por força da garantia bancária, o que perfaz a quantia global de 81.923.889$00 -

132. Relativamente à loja de Matosinhos a A. pagou:

a) 40.769.753$00 de obras;

b) 33.853.572$00 de rendas e de condomínio;

c) 8.154.684$00 por força da garantia bancária, o que perfaz a quantia global de 82.778.009$00, (decisão sobre art.° 134° da b.i.);

133. Os pagamentos foram efectuados pela A. nas datas e nos montantes constantes dos docs. juntos. - (decisão sobre art.° 135° da b.i.);

134. Os estabelecimentos cessaram a actividade em Junho de 1999. - (decisão sobre art.° 136° da b.i.);

135. Com a cessação de actividade os seus trabalhadores ficaram sem trabalho, tendo rescindido os seus contratos de trabalho com justa causa, por esse motivo. - (decisão sobre art.° 137° da b.i.);

136. Nessas circunstâncias, os trabalhadores reclamaram o pagamento do vencimento de Junho de 1999 acrescido dos restantes direitos, férias, subsídio de férias e indemnização por rescisão. -(decisão sobre art.° 138° da b.i.);

137. Os pagamentos aos trabalhadores, efectuados em Junho de 1999, ascenderam a 5.079.535$00.- (decisão sobre art.° 139° da base b.i.);

138. No aluguer de alarmes dos estabelecimentos despendeu a A. no da Maia 651.690$00 e no de Matosinhos 222.300$00. - (decisão sobre art.° 140° da b.i.);

139. Na promoção efectuada e acima referida a A. efectuou descontos no valor de 28.255.943$00.- (decisão sobre art.° 141° da b.i.);

140. Tais descontos apenas foram efectuados na sequência do negócio em causa. - (decisão sobre art.º 142°da b.i.);

141. Não concretizada a pretendida cessão a Empresa-A deixaria de receber da CADENA, em 01.06.00, o preço acordado pelos Stocks existentes. - (decisão sobre art.° 143° da b.i.);

142. Os referidos stocks valiam 36.448.483$00. - (decisão sobre art.° 144° da b.i.);

143. A Empresa-A realizou com a venda desses mesmos stocks.- (decisão sobre art.° 145° da b.i.);

144. A Empresa-A receberia da CADENA o preço dos Stocks em 01.06.00. - (decisão sobre art.° 147° da b.i.);

145. Os AA. AA e BB eram reputados empresários com grande credibilidade junto da banca e fornecedores. - (decisão sobre art.° 148° da b.i.);

146. Os AA. BB e AA pagaram à banca a quantia de dezenas de milhares de contos. - (decisão sobre art.° 150° da b.i.);

147. Os AA. BB e AA viram-se obrigados a provisionar as contas da Empresa-A pessoalmente de modo a que os cheques da própria Empresa-A fossem pagos. - (decisão sobre art.º 151° da b.i.);

148. Viveram cerca de um ano e meio permanentemente sob pressão dos credores da Empresa-A. - (decisão sobre art.° 152° da b.i.);

149. Os AA. BB e AA viveram angustiados e profundamente traumatizados durante o referido período. - (decisão sobre art.° 153° da b.i.);

150. Os AA. BB e AA são pessoas sérias, dignas e honestas. - (decisão sobre art.° 154° da b.i.);

151. O próprio A. BB é autarca, pessoa conhecida e reputada na região, - (decisão sobre art.° 155° da b.i.);

152. Até à data em que ocorreram os factos supra descritos os AA. sempre cumpriram com as suas obrigações sendo dignos de crédito junto de instituições financeiras e fornecedores, bem como particulares. - (decisão sobre art.° 156° da b.i.);

153. No ano de 1997, os Autores contactaram a Ré Empresa-B IMOBILIÁRIA-GESTÃO, S.A., no sentido de apresentarem candidatura a uma loja dos seus Centros Comerciais. - (decisão sobre art.° 157° da b.i.);

154. O MAIA-SHOPPING foi inaugurado no dia 18 de Novembro de 1997 e a loja 139/140 abriu ao público no dia 5 de Dezembro de 1997, nela tendo sido instalada uma loja PERCENT, de comercialização de artigos de confecção e pronto-a-vestir. - (decisão sobre art.° 159° da b.i.);

155. Após a recepção da carta datada de 19/04/1999, cada uma das Rés, nos seus tempos e modos próprios, solicitou aos Autores que lhe apresentassem mais elementos do negócio, nomeadamente, formas e prazos de pagamento do valor da cessão, com vista ao eventual exercício do direito de preferência. (decisão sobre art.° 160° da b.i.);

156. As Rés solicitaram aos Autores elementos referentes ao projecto que a Cadena pretendia desenvolver em cada uma das referidas lojas. (decisão sobre art.° 161º da b.i.);

157. Facto que foi comunicado verbalmente por cada uma das Rés, através dos seus respectivos Directores de Centro Comercial, entre 21/04/1999 e 13/05/1999. (decisão sobre art.° 163º da b.i.);

158. A CADENA já era utilizadora da loja 214/215 do Centro Comercial Maiashopping. - (decisão sobre art.° 164° da b.i.);

159. A Rés enviaram à Autora uma carta/fax de igual teor às de fls. 563 e 567-568. - (decisão sobre artº. 166° da b.i.);

160. Não obtendo qualquer resposta a esse fax, as Rés enviaram, em 16 de Junho de 1999, carta para a Autora Empresa-A insistindo com ela para que procedesse à abertura da loja. - (decisão sobre art.° 167° da b.i.);

161. Mantendo-se a situação de encerramento da loja, a Ré SIG comunicou aos Autores que, diariamente, desde o dia 1 de Junho de 1999, o montante da penalidade que lhe estava a ser aplicada era de Esc. 760.435$00. - (decisão sobre art.° 168° da b.i.);

162. O mesmo tendo efectuado a 2ª Ré, no dia 21 de Junho de 1999, comunicando à Autora que o montante diário da multa, por força do encerramento da loja, desde o dia um de Junho de 1999 era de 2.426.662$00, passando também a enviar-lhe as competentes notas de débito - (decisão sobre art.° 169° da bi.);

163. Mantendo-se a situação, sem que a aplicação das multas e penalidades e as comunicações de cada uma das Rés surtisse qualquer efeito, ambas lhe dirigiram carta registada com aviso de recepção, datada de 5 de Julho de 1999 e recebidas pela autora Empresa-A no dia 7 de Julho de 1999. - (decisão sobre art.° 170° da b.i.);

164. Nos termos de qualquer uma dessas cartas, cada uma das Rés comunicava à Autora Empresa-A que, por esse meio e nos termos fixados contratualmente, procediam à resolução de cada um dos contratos de utilização, resolução essa que operava os seus efeitos no prazo de oito dias a contar da data de recepção de cada uma dessas cartas, caso a autora não voltasse a reabrir as lojas e a exercer a sua actividade. - (decisão sobre art.° 171° da b.i.);

165. Assim e conforme quer o convencionado no contrato, quer o indicado nas cartas enviadas por cada uma das Rés à Autora e por esta recebidas, no dia 16/07/1999, cada uma das Rés procedeu à reassunção da loja instalada no Centro Comercial sob a sua respectiva gestão, comunicando-o, mais uma vez, através de carta registada com aviso de recepção. (decisão sobre art.° 172° da b.i.);

166. Remetendo-lhes, simultaneamente, uma listagem dos bens que se encontravam dentro de cada uma das lojas e solicitando-lhes a sua recolha, quando entendessem oportuno. - (decisão sobre o art.° 173° da b.i.);

167. Entre os dias 12 e 14 de Agosto de 1999, o Autor foi recolhendo no NORTESHOPPING, os bens que constituíam o recheio da loja 1318, recusando-se a levar consigo parte deles, conforme auto de levantamento e comunicação interna da 2a Ré.- (decisão sobre art.° 174° da b.i.);

168. No dia 13 de Agosto de 1999, esse mesmo Autor compareceu no Maiashopping e efectuou o levantamento da totalidade dos bens que se encontravam no interior da loja 139/140 desse Centro Comercial. - (decisão sobre art.° 175° da b.i.);

169. A dívida da Autora à Ré SIG era, em 16/07/1999, de 42.504.778$00. - (decisão sobre art.° 176° da b.i.);

170. A dívida da Autora à 2.ª Ré era, em 16/07/1999, de 128.022.797$00. - (decisão sobre art.° 177° da b.i.);

171. Atento o silêncio dos Autores, a Ré SIG solicitou, em 16/07/99 e em 22/07/1999, ao Banco ..., SA, que honrasse a garantia bancária por se lhe encontrar em dívida pela Autora, as quantias de 1.909.772$00 e de 12.228.212$00, referentes a obrigações pecuniárias vencidas e não pagas da sua garantia e emergentes do contrato de utilização da loja 139/140 do MAIASHOPING. - (decisão sobre art.° 178° da b.i.);

172. A 2.ª Ré interpelou o Banco .., em 16/07/1999 e em 22/07/1999, para honrar a garantia bancária prestada a favor da Autora, solicitando o pagamento das quantias de 2.273.505$00 e 5.801.179$00, referentes a obrigações pecuniárias vencidas e não pagas da sua garantia e emergentes do contrato de utilização da loja 1318 do NORTESHOPPING.-(decisão sobre art.° 179° da b.i.);

O direito

Nas suas alegações, os recorrentes suscitam as seguintes

Questões

1. A decisão de alteração da matéria de facto, levada a efeito pela Relação, violou o art. 712.º, 1 do CPC.

2. E é nula por falta de fundamentação, violando os arts. 668.º, 653.º, 2, 716.º e 712.º, todos do CPC.

3. Foi violado o disposto no art. 394.º do CC que permite lançar mão dos acordos preliminares que antecederam a assinatura dos contratos, a provar por testemunhas.

4. Argúem de nulas várias cláusulas contratuais por violação das cláusulas contratuais gerais do DL 446/85.

Vejamos cada uma das questões de per si.

1. A impugnação que se faz à decisão da Relação sobre a alteração da matéria de facto é deveras singular.

Na verdade, a crítica mais frequente às decisões das Relações sobre a matéria de facto tem a ver com a recusa em reapreciá-la com argumentos vários, como a circunstância de faltar às Relações o contacto com a produção da prova, enfim, as virtualidades da oralidade e da imediação.

É esta uma das poucas vezes que vemos utilizar aquela argumentação para impugnar a decisão da Relação por ter usado dos poderes que a lei lhe confere - art. 712.º do CPC.

E não é verdade que a lei, ao impor o duplo grau de jurisdição, prenda a Relação ao ónus de se agarrar à convicção formada pelos juízes da 1.ª instância para poder alterar a matéria de facto.

Impõe a lei (1) ónus à parte que impugna a decisão da matéria de facto, designadamente, o de indicar, sob pena de rejeição, quando os meios probatórios tiverem sido gravado, “os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C.”

Nesses casos, o tribunal da Relação “procederá à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes (2) .

Observadas estas regras, dispõe o art. 712.º, 1 do CPC que a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada se

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ouse, tendo havido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690.º-A, a decisão com base neles proferida.

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

Nessa reapreciação da matéria de facto, a Relação forma, com base nos mencionados elementos, a sua própria convicção, no uso pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como o faz a 1.ª instância, sem estar delimitado pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.

Doutra forma, nunca a Relação poderia efectuar um controle efectivo da decisão sobre a decisão da matéria de facto da 1.ª instância, não passando tal controle de uma operação meramente virtual, o que, como vimos, a lei não pretende.

Por isso, não é correcto afirmar, como o fazem os recorrentes, que o tribunal da Relação, para reapreciar a decisão da matéria de facto, levada a efeito pelo tribunal da 1.ª instância, queimou etapas por “o conhecimento da convicção do Tribunal recorrido” ser “conditio sine qua non” para reapreciar a matéria de facto em 2.ª instância.

Nem, por outro lado, é contraditório proceder a essa reapreciação depois de ter considerado que a fundamentação das respostas aos quesitos, efectuada na 1.ª instância, cumpria “aquele mínimo exigível na lei processual civil”.

Aliás, quem alegou que a fundamentação da decisão da matéria de facto era deficiente foram as RR. no seu recurso independente e não os AA. que, por isso, relativamente a tal questão, nada poderiam alegar agora, mesmo que fosse admissível o recurso sobre a decisão da matéria de facto, que não é.

Com efeito, a decisão da matéria de facto não é tarefa do Supremo Tribunal de Justiça, que é um Tribunal de revista, conhecendo apenas de direito, conforme determina o art. 26.º da LOFTJ: “fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito”.

E quais são esses casos previstos na lei?

Di-lo a lei (3): “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Na excepção cabem os casos em que o tribunal recorrido deu como provados factos sem a produção da prova exigível por força da lei ou quando forem desrespeitadas as normas que regulam a força probatória dos meios de prova admitidos na lei.

No caso dos autos, a Relação alterou a matéria de facto, num caso, reapreciando as provas indicadas aos respectivos números da BI; noutro, considerando que foi produzida prova testemunhal em violação do art. 394.º do CC, 1 por versar sobre convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento particular mencionado no art. 373.º do mesmo Diploma Legal.

Quanto ao primeiro caso, a decisão da Relação é da sua exclusiva competência, não podendo, por nós, ser sindicada, como, aliás, diz expressamente o n.º 6 do art. 712.º.

Dentro dos nossos poderes, apenas poderíamos fazê-lo se se verificassem os requisitos do art. 729.º, 3 do CPC, ocorrendo contradição ou deficiência na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizasse a decisão jurídica do pleito.

Ou, então, se a Relação tivesse violado o art. 712.º, 1 citado, por o processo não conter “a suficiência dos elementos” para reapreciar a matéria de facto, o que não se verifica.

Quanto ao segundo caso – o de a Relação ter dito que não era admissível prova testemunhal relativamente a convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo dos documentos particulares que constituem os contratos firmados pelas partes – pensamos que a Relação agiu correctamente.

Na verdade, considerou-se, e bem, citando Vaz Serra (4) que “o declarado pelos contraentes no clausulado de um contrato (documento particular), assinado por ambos, e que se mostra contrário aos respectivos interesses, deve considerar-se confessado, logo assente nos autos”.

O declarado no contrato não pode ser infirmado pelas negociações que decorreram como preliminares do mesmo porque as partes, ao escreverem e assinarem o contrato, deram corpo definitivo ao que haviam negociado antes.

Doutra forma, desvirtuar-se-ia o objectivo do n.º 1 do art. 394.º que, no dizer de P.L. e A. Varela (5) (6) é o de “afastar os perigos que a admissibilidade da prova testemunhal seria susceptível de originar”, pondo em risco a segurança e estabilidade do contrato que as partes tiveram em vista, ao assiná-lo, considerando a falibilidade da prova testemunhal.

A doutrina (7) apenas considera admissível a prova testemunhal em casos excepcionais, como seja, a. quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; b. quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita; ou c. ainda em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova.

Situações que no caso dos autos se não mostram provadas, nem sequer alegadas.

Além disso, essas convenções resultantes das negociações que precederam o contrato apenas poderiam ser consideradas se estivessem em sintonia com o estipulado no documento, de forma a explicar e fazer compreendê-lo melhor, no seu texto e contexto, nunca para o contradizer ou infirmar, porque tais convenções não podem ser-lhe contrários ou adicionais.

Ora, a matéria dos quesitos 4.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 44.º, 45.º, 48.º, 49.º, 52.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 109.º e 112.º da BI não era susceptível de prova testemunhal porque, “incluem factos que reflectem a fase de negociação, ou pré-contratual, dos contratos celebrados pelas partes (docs. de fls. 63 e segts e 191 e segts) mas também verdadeiras convenções verbais, anteriores à formação dos referidos contratos, contrárias ao conteúdo destes, e, bem assim, contemporâneos e/ou posteriores àqueles negócios jurídicos documentados, em oposição ao que nos contratos se declara ou que acrescentam alguma coisa ao que nos aludidos negócios escritos se declara” (8).

Por isso, bem andou o tribunal da Relação do Porto ao alterar as mencionadas respostas, tomando por fundamento a base documental constituída pelos referidos contratos.

E não se diga, como o fazem os recorrentes, que o art. 394.º do CC, hoje, se deve cotejar com a disciplina dos contrato de adesão, designadamente, com o disposto no art. 7.º do DL 446/85, de 25.10, ao estabelecer que “as cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes”.

Uma coisa é a disciplina do art. 394.º do CC e outra a da prevalência das cláusulas especificamente acordadas sobre as dos contratos de adesão.

Na verdade, aos recorrentes cabe o ónus da prova (9) de que foram estipuladas entre as partes cláusulas específicas diferentes das constantes do contrato de adesão e só depois é que tais cláusulas se devem confrontar com o DL 446/85 para a invoca prevalência.

Mas, constando o contrato de documento escrito, o mesmo não pode ser contrariado por cláusulas verbais antecedentes ao documento, provadas testemunhalmente, apenas podendo a prova delas ser feita no âmbito das excepções a que acima aludimos (a. b. c.).

Para além disso, não é de crer que, em negociações tão complexas, como as que determinaram a constituição da recorrente como logista da R, ela se deixasse de precaver com um documento escrito para provar tais cláusulas específicas, sabendo que iria assinar um contrato de adesão.

E essa incredibilidade ainda mais se cimenta se considerarmos que as negociações decorreram durante o ano de 1997, que o contrato lhe foi enviado em Outubro do mesmo ano, apenas sendo subscrito e enviado à S.P.C.C. em 16.10, depois de devidamente examinado pelos recorrentes, “homens de negócios experientes e reputados …. empresária experiente que é a A., que contrataram advogados para analisar os contratos com as antecessoras das RR” (10) .

Aliás, os recorrentes nem sequer alegaram nem demonstraram que as cláusulas contratuais gerais do contrato de adesão lhes não foram comunicadas - ónus da alegação e da prova que lhes cabia -, (11) para se poder concluir que delas não tiveram conhecimento, o que implicaria a sua não inclusão no contrato (12).

E, mesmo que o tivessem feito, vem demonstrado que o contrato lhes foi enviado para exame, não constituindo surpresa, para a recorrente, de forma a considerar-se que não houve “mútuo consenso” (13) sobre o seu conteúdo.

E, tendo tido conhecimento prévio do contrato, raia as fronteiras da má fé vir agora alegar, como o fazem os recorrentes, que não foram cumpridos pelas RR. os deveres de “comunicação e informação” para se aquilatar se o “contrato de adesão” está em “conformidade com o princípio (geral) da boa fé!

2. Dizem também os recorrentes que o acórdão é nulo por falta de fundamentação, violando os arts. 668.º, 653.º, 2, 716.º e 712.º, todos do CPC.

Ora, aqui ocorre uma grave confusão entre a fundamentação da matéria de facto e a fundamentação da sentença.

A esta refere-se o art. 668.º, 1, b) e àquela o art. 653.º, 2, ambos do CPC.

A nulidade da sentença por falta de fundamentação nada tem a ver com a falta de fundamentação da matéria de facto.

Na sentença discute-se o direito, o processo lógico em que se traduz a subsunção da espécie concreta – os factos - na espécie abstracta contida na lei: analisada a premissa maior – o direito – compara-se com a premissa menor – os factos – e termina-se com a conclusão – a decisão.

Os factos são apenas tidos em conta no “discurso judicativo do tribunal” à medida que o exija “o fio lógico do raciocínio desenvolvido pelo julgador para justificar a conclusão” (14) .

A nulidade da sentença por falta de fundamentação representará um desvio nesse caminho lógico que não na falta de fundamentação da matéria de facto que tem lugar noutra fase do processo, a do art. 653.º, 2 já referida (15).

Por isso, é bem certa a afirmação do Ac. do STJ de 10.1.91, (16) de que revela erro de qualificação a confusão entre nulidade da decisão, nos termos do art. 668º, 1, do CPC e a modificabilidade das decisões do tribunal colectivo ou do tribunal singular (art. 792º), nos termos do art. 712º, do mesmo Diploma.

Finalmente, diga-se, que a fundamentação da alteração da matéria de facto, levada a cabo pela Relação não se refugia em “conceitos indeterminados e perfeitamente abstractos”, já que os factos alterados por não serem susceptíveis de prova testemunhal, derivam dos contratos firmados e os demais factos alterados, foram-no com base na análise dos depoimentos e documentos juntos, como deriva da análise do acórdão recorrido.

Tarefa que, aliás, era da exclusiva competência da Relação que não deste STJ que é um Tribunal de revista, como acima se deixou dito.

Nulidades de cláusulas dos contratos.

Para enquadrar a decisão que adiante se tomará, impõe-se tecer aqui algumas considerações sobre a definição do contrato – se contrato atípico, como a generalidade da doutrina e da jurisprudência afirmam -, se contrato típico de arrendamento, como defendem os recorrentes, apoiados no douto Parecer do Sr. Professor Doutor Rui Alarcão.

Desde já diremos que a contumácia com que os recorrentes insistem em que os contratos em análise se devem subordinar “ao regime jurídico do arrendamento”, lembra as palavras do saudoso Mestre A. Varela (17) quando extraía dos acórdãos que comenta a conclusão de que em tais decisões judiciais havia a “rejeição unânime da tese original, conservadora, digamos mesmo retrógrada, sem medo das palavras, que reduzia a operação negocial da instalação do logista nas modernas e arejadas superfícies comerciais, ao modelo clássico de locação (da locatio et conductio), mediante a substituição pela doutrina mais rasgada que a considera como um verdadeiro contrato atípico ou inominado”.

Hoje é praticamente adquirido que o contrato de instalação de lojista em centro comercial é um contrato atípico.

Necessário é que a realidade empresarial onde o lojista se instale constitua centro comercial.

E é nessa perspectiva que os recorrentes insistem na qualificação da instalação das lojas como arrendamento, quando afirmam que no contrato em causa “não existe a relação de direcção vertical centro comercial/loja”.

E, não sendo de qualificar os contratos como inominados, então os recorrentes passam a qualificá-los como de arrendamento, para, desse modo, concluírem pela sua nulidade por falta de forma e, por outro lado, invocando abusivamente o regime das cláusulas contratuais gerais, para deles extirparem, por alegadas nulidades, as cláusulas que lhes não convêm à sustentação da sua tese.

Mas hoje é pacífica a jurisprudência a considerar como contrato atípico ou inominado a cedência de espaços ou instalação de lojas em centros comerciais, por o rico e complexo circunstancialismo que o define não se confinar nos contornos de um simples contrato de arrendamento ou mesmo de um contrato misto de arrendamento e prestação de serviços (18) .

É também esse o entendimento da nossa melhor doutrina, que, no essencial, segue os magistrais ensinamentos do Sr. Professor Doutor A. Varela, em comentário a 5 acórdãos do Supremo que seleccionou (19) (20) .

Nessa jurisprudência e doutrina, tem-se em conta a nova realidade importada dos EUA e praticada entre nós desde os anos 70 e 80 do século passado dos centros comerciais (21), caracterizados pela concentração, complementaridade e diversificação das lojas nele inseridas, concebidas pelo seu criador; centro com unidade de direcção e gestão, que abarca, para além da implementação, a direcção e a coordenação dos serviços comuns e a fiscalização do regulamento interno, a prestação de serviços (limpeza, arranjo, segurança, iluminação das partes comuns….), a possibilidade de uma retribuição em função das vendas efectuadas e proventos auferidos….

Como se diz no Ac. deste STJ de 26.4.94 (22) “as lojas do centro embora exploradas individualmente, integram-se num todo, que preside à sua formação,” não podendo autonomizar-se o respectivo contrato do conjunto em que se integra que é constituído pelo centro comercial.

Ou, como ensina o citado Mestre (23) , “… quer pela análise da estrutura da relação, quer pelo exame funcional do acto ….. o contrato de instalação de lojistas em centro comercial (shoping center), nem se reduz, quanto à sua complexa natureza jurídica, a um simples contrato de locação, nem cabe sequer no esquema angular do contrato misto de locação e prestação de serviços.

Por um lado, no conjunto das vantagens patrimoniais normalmente proporcionadas ao lojista pelo fundador, criador ou organizador do centro cabem a cada passo elementos (como a proximidade de estabelecimentos com excepcional poder de atracção sobre o público, a existência de jogos para crianças, a criação espaços de uso comum, etc.) que, embora de incontestável expressão económica, não cabem nem no simples gozo do imóvel onde a loja se situa, nem no simples esquema dos serviços relativamente aos quais o lojista dispõe de um verdadeiro direito de crédito.

Por outro lado, a instalação do comerciante do centro tem como escopo principal a integração do lojista no conjunto organizado de actividades comerciais que constituem o tenant mix específico de cada nova unidade global, inteiramente estranha ao contrato de locação, mesmo de locação de estabelecimento comercial.”

Ou seja, esta realidade tem uma complexa função económico-social “que as codificações europeias anteriores” à sua instalação “ainda não previam no quadro categorial dos seus contratos clássicos típicos ou nominados”, como mais uma vez escreve o citado Mestre. (24)

Daí a sua qualificação como contrato atípico ou inominado, regulado pelas respectivas cláusulas, pelos princípios gerais dos contratos e pelos contratos afins que não contrariem a vontade das partes, afirmada dentro da liberdade contratual que o art. 405.º do CC define. (25) (26).

Não está, pois, o contrato sujeito às regras de forma típicas do contrato de arrendamento, exigidas à data, vigorando a regra da liberdade de forma consagrada no art. 219.º do CC, sendo válida a forma que revestiram os contratos acordados.

Por isso, não tem qualquer fundamento a invocada nulidade por falta de forma, sendo até abusivo invocá-la se considerarmos que as partes firmaram dois contratos semelhantes, em anos seguidos – a loja n.º .../.. do MAIASHOPING e a loja n.º ... do NORTESHOPING – sem que as recorrentes tivessem suscitado quaisquer questões relativas à nulidade dos contratos por tal razão.

E a questão das invocadas nulidades das cláusulas inseridas nos contratos ?

É específico deste tipo negocial novo – a sua “função económico-social típica” – uma profusão de direitos, deveres e vantagens patrimoniais que o simples arrendamento ou contrato misto não integram:

Para além do exposto, o lojista beneficia de várias vantagens oferecidas pelo fundador ou explorador do centro comercial: a sua loja está integrada num conjunto de outras lojas criteriosamente seleccionadas com a obrigação de exercerem determinado tipo de comércio, com vantagens para si e apelativa à clientela; a concentração de lojas variadas, os espaços lúdicos, entretimento para crianças, locais gratuitos de estacionamento de veículos, confraternizações de pessoas, famílias, local privilegiado para compras de todo o género, propícias às pessoas que durante a semana labutam de manhã à noite e não têm tempo de se abastecer nos vários mercados dispersos pela cidade, etc.

Tudo isso faz acorrer aos centros comerciais uma massa enorme de gente que é potencial cliente do lojista.

O organizador do centro proporciona ainda vários serviços que aproveitam a todos os lojistas: limpeza, markting, elevadores, escadas rolantes, iluminação, segurança, vigilância.

Ou seja, a cedência de um espaço para instalação do lojista no centro comercial vai muito para além da mera cedência do gozo do respectivo espaço mediante um preço, sendo, antes, seu elemento essencial a “inserção do estabelecimento do lojista dentro de um conjunto criteriosamente seleccionado de lojas, não apenas com o poder, mas também com o dever de exercer certo ramo de comércio em determinados ramos. (27)

É este conjunto criteriosamente seleccionado que constitui o centro comercial e que sobreleva sobre cada instalação de lojista.

As vantagens que derivam da integração do lojista nestes centros profissionalizados e especializados de captação de clientela“ (28), têm naturalmente como contrapartida o pagamento por parte do lojista de várias retribuições para pagamento das respectivas vantagens que lhe advêm dessa integração no centro comercial, bem como dos vários custos que tão complexas tarefas ocasionam.

Como, mais uma vez, ensina A. Varela (29) “o traço marcante da relação jurídica travada entre o dono do shoping center e os lojistas é, …., a forma de remuneração do uso temporário, para exploração comercial das lojas, o chamado aluguer percentual considerado o elemento-chave do notório êxito dos centros comerciais dessa espécie. Em vez de pagar quantia fixa, como sucede adequadamente no contrato de locação da coisa imóvel, o lojista entrega parte do valor do seu facturamento mensal. Demais disso, contrai obrigações e aceita comportamentos que não são próprios de um locatário.”

E, neste tipo de contratos, vigora o regime da livre fixação da renda, ou seja, a regra da liberdade contratual.

Retribuição que engloba todos os pagamentos estipulados em vista das vantagens concedidas ao lojista: disponibilidade de um espaço no centro comercial, vantagens de nele estar inserido, tarefas de limpeza, segurança, aparcamento de viaturas, selecção criteriosa dos demais lojistas, programação das actividades lúdicas, culturais, promocionais do centro, estruturas para entretimento de crianças, criação de ambiente agradável, com ornamentação própria e música ambiente.

É usual, e do comum conhecimento dos lojistas, nesta espécie de contratos, a fixação duma retribuição mínima e outra variável, em face da facturação do lojista, a apurar em função de regras definidas no contrato; contribuir para os encargos comuns do centro e outras obrigações acessórias.

Para além disso, há também o estabelecimento de cláusulas penais para os casos de incumprimento; bem como o estabelecimento de condições especiais para a transmissão da loja, sempre condicionada à autorização do gestor do centro comercial, em face da já referida especificidade do comércio integrado e condições de admissibilidade de novos lojistas, bem como da política de gestão do centro, por aquele definida (30) .

E, perante a profusão de lojas e de serviços que integram o centro comercial, nada mais natural do que um regulamento da autoria do gestor do centro, para definir os comportamentos a ter pelos vários lojistas.

Ora, as cláusulas inseridas nos contratos firmados pelas partes, bem como o regulamento a que a A. teve que se submeter, como os demais lojistas, não se afastam das que integram qualquer centro comercial semelhante, conforme se verifica da análise das muitas decisões que, em situações idênticas à dos autos, foram proferidas pelos nossos tribunais e consideradas válidas (31) .

Cláusulas e regulamento de que a A. teve prévio conhecimento e a eles aderiu sem quaisquer constrangimentos, como resulta do facto de as suas relações com as RR. se ter mantido no decurso do contrato até ao momento em que estas lhes puseram fim, resolvendo-os.

Por outro lado, não é verdade que venha demonstrado que a assinatura dos contratos tivesse sido uma mera formalidade, porque a matéria a ter em conta é a que o Tribunal da Relação fixou e não a que vinha provada da 1.ª instância.

Pela definição do contrato de instalação de lojista que acima deixámos feita, não tem também qualquer fundamento a afirmação das recorrentes de que os contratos se dirijam exclusivamente à tutela do promotor do centro comercial, sendo nulos em face do art. 15.º do art. 446/85.

Na verdade, para além do que já referimos no que toca ao conhecimento prévio dos contratos e mesmo do regulamento dos centros comerciais em causa, tem que se ter em atenção que os contratos foram firmados por empresários comerciantes que conhecem o respectivo ramo, e não por consumidores finais e, por outro lado, há que ter em conta que a norma em causa define para os empresários ou profissões liberais, um “regime diferenciado e adaptado (32) , pelo que, nessa perspectiva, nunca os mesmos poderiam deixar de ter presente que negociavam para a instalação de lojas em centros comerciais, onde os contratos respectivos não diferem muito dos firmados noutros centros comerciais.

Também não ofende os princípios da boa fé, da ordem pública ou dos bons costumes o conteúdo da cláusula 6.ª, pois o acesso do promotor à contabilidade, visa tão só – não outros objectivos -, controlar o apuramento da facturação para a incidência da renda variável a que acima nos referimos.

Dizer-se no regulamento que a R. assume o compromisso de se associar aos demais lojistas e de se reger pelos respectivos estatutos – que integrarão os contratos - não viola qualquer preceito legal, pois essa obrigação não impunha à A. o dever de constituir qualquer associação formal, mas apenas de se integrarem no todo que é constituído pelos demais lojistas e que constitui o centro comercial e de se regerem pelos regras que a todos devem vincular para uma harmoniosa convivência e bem de todos.

Diremos também, de uma forma genérica, que nenhuma das demais nulidades de cláusulas invocadas procedem.

Com efeito, para além do que já se expôs, relativamente à remuneração fixada ou aos encargos comuns, a cláusula de garantia visa fins indemnizatórios e de garantia para casos de incumprimento, não vindo alegados nem demonstrados quaisquer factos atinentes quer à excessiva onerosidade quer à violação dos bons costumes ou dos princípios da boa fé negocial ou da proporcionalidade.

Acresce que o argumento mais utilizado pelos recorrentes para arguírem de nulas determinadas cláusulas contratuais prende-se com a circunstância de se não justificarem à face da noção de contrato de arrendamento, que, como deixámos dito, não é o tipo negocial que cabe ao caso dos autos (33) .

A especificidade dos contratos firmados, com conhecimento prévio dos recorrentes, reconduz-nos à regra da liberdade contratual, não resultando da matéria de facto a demonstração de que as cláusulas contratuais insertas nos contratos ou regulamento sejam contrárias à boa fé, aos bons costumes ou à proporcionalidade das contrapartidas oferecidas pelas RR.

Por outro lado, tais cláusulas justificam-se pela especificidade dos contratos firmados (34) (35), acobertadas nos princípios gerais das obrigações e na vontade das partes que as aceitaram aquando da celebração dos contratos.

Assim, o direito de resolução (cláusula 20) está previsto no art. 808.º do CC, nada impedindo que as partes a estipulem antecipadamente, estando-lhe ligadas consequências que referem os arts. 433.º e 434.º do CC.

A quantia devida a título de “reserva de ingresso” (cláusula 21) justifica-se em função dos elevados investimentos do promotor do centro e do acesso a um lugar privilegiado de vendas como é um centro comercial, tendo sido também livremente aceite pelas partes aquando da outorga dos contratos.

Aliás, não faz sentido vir exigir a restituição de tais quantias se a recorrente as pagou voluntariamente, em cumprimento dos contratos, por duas vezes, sem nada ter objectado.

Daí que nenhuma das conclusões mereça provimento, secundando os argumentos da decisão recorrida, aqui não referidos, mas para os quais se remete, por com eles se concordar, já que, como aí se diz, “quer à luz do comércio em geral quer do comércio integrado – “as especiais características e dinâmica própria dos Centros Comerciais enquanto lugar concentrado de comércio harmonizado” – o clausulado pelas partes respeita os princípios fundamentais em que assenta toda a disciplina legislativa dos contratos: o da autonomia da vontade (embora limitada nos contratos de adesão), da confiança e da justiça comutativa ou da equivalência objectiva (A. Varela, ob. cit., I, p. 237-238)”.

Diga-se, finalmente, que o facto de as RR. não terem respeitado o prazo de 30 dias previsto na cláusula 17.ª, 2 dos contratos, tendo comunicado apenas após o decurso do mesmo a sua decisão de não consentimento à cessão da posição contratual ou trespasse da A a favor da “Cadena”, não tem qualquer valor de declaração de consentimento dessa cessão.

Com efeito, se é certo que o silêncio pode valer como declaração, isso apenas acontece no contexto do art. 218.º do CC: “quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção”.

Ora, no caso dos autos, nem a lei (36).

nem o uso nem os contratos atribuem valor de declaração ao silêncio.

E todo o processo que se seguiu para a resolução do contrato, inculca até que nunca poderia resultar do comportamento das RR. o seu consentimento para a referida cessão, nem daí derivando os prejuízos reclamados.

Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 13 de Setembro de 2007

Custódio Montes (Relator)
Mota Miranda
Alberto Sobrinho
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(1) Art. 690.º-A do CPC.
(2) N.º 5 do citado art. 690.º-A.
(3) Art. 722.º, 2 e 729.º, 2.
(4) RLJ Ano 114, pág. 204.
(5) CC Anot., I Vol., 2.ª ed., pág. 320.
(6) Ou como diz, com graça, o 1.º Parecer do Ex.mo Sr. Prof. Doutor Calvão da Silva, junto aos autos, provar por testemunhas cláusulas de um contrato escrito assinado pelas partes, “seria uma maravilha…”
(7) Vaz Serra, RLJ Ano 107.º, págs. 311 e segts e Mota Pinto, CJ Ano , tomo, pág. 9.
(8) Diz-se, e bem, na decisão recorrida.
(9) Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, 1987, pág. 26.
(10) Como se diz no acórdão recorrido.
(11) Ac. deste STJ de 8.5.2003, CJ STJ Ano XI, tII, pág. 34.
(12) Art. 8.º, a) do Citado DL 446/85.
(13) A verdadeira razão da exclusão de cláusulas de contratos de adesão em contratos singulares – art. 8.º, c) do DL 446/85.
(14) A. Varela, RLJ 126, 187.
(15) A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 653: “o dever de motivação não se confunde com o dever de fundamentação da sentença final…”, a qual consiste na “justificação da decisão final em face do direito substantivo aplicável”.
(16) BMJ 403, 339.
(17) RLJ Ano 128, pág. 316.
(18)Vejam-se, por exemplo, os Acs. deste STJ de 4.5.2000, revista n.º 289/00, 7.ª secção; de 19.2.2002, revista n.º 4359/01, 6.ª sec.; de 11.4.2002, revista n.º 862/02, 7.ª sec.; de 14.5.02, revista n.º 1154/02, 6.ª sec.; de 3.4.2003, revista n.º 673/03, 7.ª sec.; de 6.5.2003, revista n.º 995/03, 6.ª sec.; de 3.9.2003, revista n.º 1169/03, 1.ª sec.; de 23.9.2004, revista n.º 2571/04, 2.ª sec.; de 10.5.2005, revista n.º 198/05, 1.ª sec.; de 21.12.2005, revista n.º 3536/05, 2.ª sec.; de 12.10.2006, 7.ª sec., de que fomos adjunto; de 23.1.2007, revista n.º 4201/06, 1.ª secção.
(19) RLJ Ano 128, págs. 315 a 320; 368 a 372; Ano 129, págs. 149 a 60; 142 a 152; 172 a 181; e 203 a 214.
(20) No mesmo sentido vão os bem fundamentados e cristalinos Pareceres do Sr. Professor Doutor Calvão da Silva, juntos aos autos, especialmente o primeiro onde trata exaustivamente a questão da qualificação dos contratos dos autos, de instalação de lojista em centro comercial; no mesmo sentido, os AA. citados na nota 2 do referido Parecer de Novembro/2005 – pág. 1682 dos autos.
(21) Realidade estrutural e funcionalmente diferente do vulgar e isolado estabelecimento comercial de rua.
(22) RLJ Ano 128, pág. 306 – um dos acs. comentados por A. Varela, já referidos.
(23) Centros Comerciais (Shoping Centers) – Natureza Jurídica dos Contratos de Instalação de Lojistas, pág. 57.
(24) RLJ e Ano citados pág. 319.
(25) Como refere Calvão da Silva no seu exemplar primeiro Parecer junto aos autos, pág. 1683..
(26) No mesmo sentido, ver o Ac. deste STJ de 20.1.98, CJ STJ Ano VI, t1, pág. 18, 2.ª coluna.
(27) A. citado, RLJ Ano 128, pág. 371.
(28) “O planejamento prévio do tenant mix permite estabelecer uma conveniência lucrativa entre grandes e pequenos empreendimentos e actividades de lazer com serviços económicos” – Langoni, citado por A. Varela, nota 1, pág. 178, RLJ Ano 129.
(29) Anotação referida, RLJ Ano 129, pág. 57, nota 1.
(30) Neste sentido, ver, por todos o Ac. deste STJ de 20.1.98, CJ Ano VI, T. 1, pág. 18, 2.ª coliuna.
(31) Veja-se, a título de exemplo, o Ac. do STJ de 5.7.2007, dgsi, proc. n.º 07A2107; os Acs. da RP de 6.11.2001, CJ Ano XXVI, V, pág. 172; da RL de 2.10.2003, CJ Ano XXVIII, IV, pág. 106..
(32) Mário Júlio e Menezes Cordeiro, ob. cit., p´g. 38.
(33) Além de que a nulidade das cláusulas dos contratos e regulamentos foram invocadas em sede de responsabilidade précontratual que se não verifica, como muito bem se refere na decisão recorrida.
(34) Como as cláusulas que estabelecem sanções pecuniárias que visam impor ao lojista o cumprimento das regras acordadas, com o fim de optimizar o funcionamento do centro comercial, “designadamente a necessidade da observância de elevados padrões de qualidade e das características inerentes ao comércio integrado, bem como a plena operacionalidade do Centro Comercial” – ver o 2.º Parecer do Ex.mo Sr. Prof. Doutor Calvão da Silva.
(35) Anote-se também que a alegada desproporcionalidade das sanções pecuniárias só poderia se atacada por via do conceito de usura – art. 282.º, 1 do CC – como ensina A. Varela RLJ 129, pág. 180, cujos pressupostos não vêm provados nem sequer alegados.
(36) Como dissemos no Ac. deste STJ de 31.5.05, in dgsi, doc. n.º 05B141, “….fora das hipóteses do art. 218.º do CC, o silêncio não vale como declaração tácita negocial, não tendo o valor de aceitação”.