Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6550/21.8T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
Apenso:
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Sumário :

I- A aplicação do método indiciário para a qualificação do contrato de trabalho tem lugar tanto no âmbito de aplicação da LCT, como nos subsequentes Códigos de Trabalho.


II- Do facto de o Tribunal de 1.ª instância ter “convidado” o trabalhador a optar pela retribuição ou pela indemnização substitutiva da mesma, e de o trabalhador não ter respondido no prazo que lhe foi assinalado, não se pode concluir por uma caducidade dos seus direitos, sendo que também esta questão não suscita qualquer controvérsia que justifique a intervenção deste Tribunal.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 6550/21.8T8LSB.L1.S2 (Revista Excecional)


Acordam na Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código do Processo Civil junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Clínica de São Cristóvão, CSC – Associação de Socorros Mútuos de Empregados no Comércio de Lisboa, IPSS, Ré na presente ação em que é Autor AA, veio interpor recurso de revista ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 e subsidiariamente recurso de revista excecional com fundamento nas alíneas a) e b) do artigo 672.º n.º 1 do CPC, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 15.12.2022.


O Autor apresentou contra-alegações.


Pelo Exmo. Relator neste Tribunal foi proferido despacho, afirmando a existência de dupla conformidade e enviando os autos a esta Formação para apreciação dos requisitos específicos de admissibilidade do recurso de revista excecional.


No seu recurso a Ré invoca, desde logo, a existência de questões cuja apreciação pela sua relevância jurídica seria claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, a saber, “a indevida aplicação do regime indiciário do art.º 12.º do CT a uma relação jurídica reconhecidamente regida pelo art.º 1º da LCT” e afirma que “[e]nquanto questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, se mostra claramente necessária para melhor aplicação do direito, não pode conceber-se a aplicação ao caso dos autos o regime da LCT e ao mesmo tempo recorrer-se aos factores índice de presunção de laboralidade do art.º 12º do CT” (Conclusão 23).


Afirma, também, que “sob outro ponto de vista e enquanto outra questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, se mostra claramente necessária para melhor aplicação do direito, a subordinação jurídica decorrente do disposto no art.º 1 da LCT é o único factor diferenciador do contrato de trabalho com utilidade para o encontro de uma relação laboral no caso dos autos” (Conclusão 28).


Uma outra questão que identifica respeita ao facto de o Tribunal de 1.ª instância ter “convidado” o Autor a escolher entre a reintegração ou a indemnização substitutiva da mesma, afirmando que não existiria aqui uma mera irregularidade, mas sim uma exceção perentória inominada que obstaria ao conhecimento do pedido do Autor, por este não ter exercido o seu direito de escolha, o qual teria, por conseguinte, caducado (Conclusão 36).


Começaremos a análise destas questões por referir que, muito embora no seu recurso o Recorrente invoque a alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º, não cumpre relativamente a esta alínea o ónus previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 672.º, não indicando as razões pelas quais os interesses em causa seriam de particular relevância social, pelo que não se conhecerá desse fundamento.


Importa, antes de mais, ter presente que o Acórdão recorrido, que considerou serem aplicáveis à situação concreta, quanto à qualificação do contrato como sendo ou não um contrato de trabalho, as normas do Decreto-Lei n.º 49408 (LCT) rejeitou expressamente a aplicação de qualquer presunção de laboralidade e sustentou, inclusive, que a sentença não teria aplicado tal presunção. Pode ler-se, com efeito, no Acórdão recorrido:


“A R. insurge-se contra esta aplicação e sobretudo contra o que entende ser o uso da presunção de laboralidade contida no art.º 12 do Código do Trabalho, que até reputa de inconstitucional.


Se quanto à primeira parte é manifesto que tem razão, quanto à segunda não a tem, porquanto não foi aplicada qualquer presunção. É certo que o Tribunal a quo invocou, salvo o devido respeito, demasiadas vezes, o art.º 12 do Código do Trabalho, dando azo a interpretações como esta; mas também referiu que “tendo presente a data em que o A. pugna pela existência de um contrato de trabalho, inexiste uma presunção de laboralidade, tendo pois o A. de demonstrar que os indícios de subordinação jurídica são conducentes e coadunáveis com a existência de um contrato de trabalho”. E uma leitura atenta do texto permite verificar que o tribunal se ficou pela aplicação do método indiciário”.


Com efeito, o que o Tribunal da Relação fez foi aplicar o método indiciário para aferir se existia ou não contrato de trabalho. Como o Acórdão recorrido muito bem explica o método indiciário era já utilizado no âmbito da LCT e continuou a sê-lo dada a insuficiência do método subsuntivo. Tal questão em nada se confunde com a aplicação da presunção de laboralidade, mesmo que esta presunção opere, quando é o caso, em função de alguns dos indícios de que tradicionalmente se socorre o método indiciário.


A qualificação realizada pelo Tribunal da Relação socorrendo-se dos indícios que correspondem à matéria de facto dada como provada não suscita qualquer questão que justifique a intervenção deste Tribunal no quadro de uma revista excecional.


Como pode ler-se no Acórdão recorrido, “a aplicação do método indiciário não está confinada ao regime do código laboral, até porque se trata de um instrumento técnico e científico, e não do mecanismo consagrado legislativamente”, tendo o Acórdão concluído que “face aos termos em que a relação foi executada, havendo horário e local de prestação da atividade, com controlo pela R., pagamento prédefinido da retribuição de cariz mensal, férias anuais aprovadas pela R., e até disponibilização de instrumentos para a prestação da atividade, entendemos que se demonstra a existência de um contrato de trabalho, porquanto os indícios globalmente valorados apontam decididamente nesse sentido, não se vislumbrando elementos em sentido diverso que criem dúvidas pertinentes”. O que, repete-se, não suscita qualquer questão que justifique a intervenção deste Supremo Tribunal, dado que tal asserção é pacífica na doutrina e na jurisprudência.


Decidindo-se com o recurso ao método indiciário que existiu um contrato de trabalho entre o Autor e a Ré está-se, simultaneamente, a afirmar a existência de subordinação jurídica, que carateriza o contrato de trabalho.


Portanto, também não carece de intervenção por este Tribunal a questão suscitada da subordinação jurídica. O Recorrente volta a referir (Conclusão 25) um passo da fundamentação da sentença segundo o qual “nada se provou quanto à existência de ordens, instruções ao poder disciplinar”. Mas o Tribunal da Relação já respondeu, com clareza, a esta argumentação: “Isto é, evidentemente, muito diferente de dizer se “provou-se que o autor não recebia ordens instruções ou estava sujeito a poder disciplinar da ré”. O que a ré pretende é transformar a não prova de um facto positivo na prova do facto negativo, coisa que tal afirmação não suporta minimamente e nem a lógica autoriza”.


Quanto à última questão suscitada, a do “convite” feito pela 1.ª instância ao Autor para escolher entre a reintegração e a indemnização substitutiva da mesma é evidente que a falta de resposta a este convite que a lei não prevê não pode ter o efeito pretendido pela Recorrente de uma caducidade que privaria o trabalhador dos direitos que a lei lhe reconhece. Trata-se de questão que não é necessário esclarecer. De resto, do que em rigor se trata é da invocação de uma nulidade que só por si não permite o recurso de revista, ainda que apresentada como se fosse uma questão cuja apreciação por este Tribunal fosse necessária para uma melhor aplicação do direito. Como, a este respeito, se pode ler no Acórdão recorrido:


“[N]ão se esgotou o poder jurisdicional do Tribunal para decidir uma questão que não apreciou e que sempre teria de ser apreciada, sendo absolutamente desprovida de sentido a pretensão da Ré de que, não sendo condenada na sentença que convida o autor a escolher entre indemnização com reintegração, também já não o poder de ser posteriormente, não obstante a lei o impor. Tendo sido relegada para momento posterior essa decisão, a mesma sempre teria de ser proferida, não podendo o autor ser prejudicado por uma razão formal. Não tendo sido arguida a nulidade do convite formulado em sentença e do não conhecimento dessa matéria, nulidade que acarretaria a prolação de decisão de reintegração do trabalhador, a nulidade daí decorrente não pode ter outra consequência senão a prolação de decisão. Foi o que aconteceu. Mas mesmo considerando o momento oportuno para arguir as nulidades da sentença e no recurso, a verdade é que, não se insurgindo a ré contra a não reintegração do autor, se convalidou a referida decisão, não tendo sentido anulá-la agora para depois a reproduzir (o que seria um ato inútil e consequentemente proibido, art.º 130 do CPC).”


Decisão: Acorda-se em não se admitir a presente revista excecional


Custas pelo Recorrente


Lisboa, 24 de janeiro de 2024


Júlio Gomes (Relator)


Mário Belo Morgado


Ramalho Pinto