Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
915/21.2T8PDL.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ABUSO DE DIREITO
MANDATÁRIO JUDICIAL
Data do Acordão: 07/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO E NEGADA A REVISTA
Sumário :

I- No exercício do contrato de mandato forense, o advogado actua em nome e em representação da parte, na grande maioria das vezes com base em informações que a mesma parte lhe transmite;


II- O acto de reconhecer as assinaturas não equivale à elaboração do conteúdo do contrato;


III- Não há qualquer fundamento para considerar que um advogado incorre num comportamento de venire contra factum proprium, quando se limitou, actuando em nome e em representação da parte, a reconhecer as assinaturas de um contrato.

Decisão Texto Integral:

Processo 915/21.2T8PDL.L1.S1


Revista


75/23


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou acção declarativa comum contra ..., Futebol, SAD, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe:


a) a quantia de 76.000,00 € a título de retribuições em falta;


b) a quantia de 2.132,19 € referente ao subsídio de alimentação;


c) a quantia de 6.000,00 € a título de subsídio de Natal;


d) a quantia de 4.363,62 referente a férias vencidas e não gozadas respeitantes ao ano de 2019, e respectivo subsídio de férias;


e) a quantia de 8.000,00 referente a férias vencidas e não gozadas respeitantes ao ano de 2020, e respectivo subsídio de férias; e


f) a quantia de 668,00 € correspondente ao valor mínimo de formação a que o autor tinha direito,


no total de 97.163,81 €, montante a que acrescem juros legais calculados desde a data do incumprimento das respectivas prestações até efectivo e integral pagamento.


A Ré contestou, peticionando a condenação do Autor como litigante de má-fé.


Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.


Em 29.10.2021 foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido e condenou o Autor como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa no valor correspondente a 6 UC e de uma indemnização à parte contrária no valor correspondente aos honorários a pagar pela mesma ao seu mandatário por força da presente acção, a fixar após o trânsito em julgado da sentença.


O Autor interpôs recurso de apelação.


Por acórdão de 12.10.2022, os Juízes do Tribunal da Relação acordaram “julgar a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.”


O Autor veio interpor recurso de revista excepcional.


A Ré apresentou contra-alegações.


Por despacho de 4.01.2023, o Tribunal da Relação admitiu o recurso.


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Como já se disse no despacho preliminar, o Autor interpôs recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação que, sem voto de vencido:


a) julgou improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;


b) considerou que não existiu abuso de direito por parte do mandatário da Ré;


c) considerou o contrato dos autos nulo por ofensa dos bons costumes;


d) manteve a condenação do Autor como litigante de má-fé.


Relativamente à nulidade do contrato e à litigância de má-fé, o Tribunal da Relação confirmou a decisão da primeira instância com fundamentação que não é essencialmente diferente.


No que concerne à questão do abuso de direito por parte do mandatário da Ré, compulsada a sentença verifica-se que a 1.ª instância não se pronunciou sobre esta questão. Na sentença o abuso de direito é apreciado quanto à conduta do Autor e não da Ré. Apesar do instituto jurídico ser o mesmo, não se pode falar em dupla conformidade, na medida em que as instâncias se pronunciaram sobre condutas de pessoas distintas.


Nesta parte, e por não se verificar assim dupla conforme, foi admitido o recurso nos termos gerais- artigo 672.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.


No mais, face à existência de dupla conforme, os autos foram remetidos à Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, para verificação do preenchimento dos pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 672.º.


Por acórdão de 29/03/2023, transitado em julgado, essa Formação deliberou não admitir o recurso de revista excepcional.


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Resta, assim, apreciar a única questão em relação à qual o recurso foi admitido em termos gerais: se o mandatário da Ré, ao invocar a simulação do contrato depois de ter reconhecido as assinaturas apostas no contrato, actuou em abuso de direito (venire contra factum proprium).


Em relação a esta temática, o Recorrente formulou uma única conclusão:


59ª O facto de o contrato de trabalho celebrado com a Recorrida ter sido reconhecido pelo próprio mandatário da Recorrida, constituiu, sim, abuso de direito, porquanto o mandatário da Recorrida alegou a simulação do contrato de trabalho em que o mesmo reconheceu as assinaturas dos outorgantes, o que consubstancia abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, já que alegou no âmbito deste processo que o contrato de trabalho que ele próprio certificou e reconheceu, afinal não passou de um contrato simulado.


x


Por a questão supra-enunciada, tal como o Recorrente a configura, se mostrava de extrema simplicidade, sendo o recurso manifestamente infundado, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no art. 656.º do CPC, ex vi do art. 679.º, do mesmo diploma.


O Recorrente veio requerer que a questão fosse submetida à conferência, formulando, para tal as seguintes conclusões:


1. O Recorrente foi notificado da decisão singular da qual resulta a inadmissibilidade do recurso de revista interposto, razão pela qual, não se conformando com tal decisão pretende o Recorrente que sobre a mesma recaia Acórdão, ao abrigo do art. 652.°, n.° 3 do CPC.


2. Considera o Recorrente que a decisão singular incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito ao caso em concreto, nomeadamente por violação do disposto no art. 334.° do Código Civil.


3. O Recorrente intentou a presente ação peticionando a condenação da Recorrida no pagamento de determinados créditos devidos por força da outorga de um contrato de trabalho entre as partes.


4. Sucede que, não foi feita prova deste alegado processo de litígio, nem tampouco foi feita prova do acordo de resolução do mesmo, pois que não é junto nenhum documento, nem se indicam quais os termos de tal acordo.


5. O próprio Tribunal a quo acaba por afirmar que "... muito menos se apurou quais os termos deste acordo... ", daí que questione o Recorrente como é que o Tribunal pode dar como provados estes factos, sem ter sido feita prova documental e apenas tendo em consideração o depoimento de uma única testemunha.


6. A livre apreciação do juiz consagrada no art. 607.°, n.° 5 do CPC não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.


7. Esclarece o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.°
5397/18.3T8BRG.G1, de 22-10-2020 que "pese embora seja proibida a prova
testemunhal e por presunções judiciais quando a simulação seja invocada pelos
próprios simuladores, admite-se, em interpretação restritiva dos arts. 393." e 394°,
ambos do CC, que possam ser produzidas
desde que o acordo simulatório possua um
mínimo de prova documental que torne verosímil a sua existência


9. Tendo sido entendimento da jurisprudência que havendo um princípio de prova documental, a prova testemunhal já não é o único meio de prova do facto - razão pela qual o perigo decorrente da falibilidade da prova testemunhal é eliminado em grande parte.


10. In casu, e por não ter sido junto qualquer tipo de documento que comprovasse a existência do alegado acordo entre o Recorrente e a Recorrida, esse perigo da falibilidade da prova testemunhal não foi eliminando, pelo contrário.


11. Não obstante o artigo 394.°, n.° 2 do CC proibir a prova testemunha no caso de acordo simulatório ou negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores, sendo o documento escrito o elemento de prova nuclear e determinante, e em caso de se entender estarmos perante uma simulação nos termos do artigo 281.° do CC, apenas poderia ser admitida prova testemunhal no caso de haver um escrito proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante, como princípio de prova do alegado - o que, como já vimos, não existe.


12. Tudo isto para chegar ao cerne da questão: o facto de o contrato de trabalho celebrado entre o Recorrente e a Recorrida, e em discussão nos autos, ter sido reconhecido pelo próprio mandatário da Recorrida - o que configura, ao abrigo do art. 334.° do CC abuso de direito.


13. BB, ... com cédula profissional número ...L, reconheceu as assinaturas dos outorgantes, nos termos e a abrigo do disposto no artigo 38.° do DL n.° 76-A/2006, de 29/03 e da Portaria n.° 657-B/2006, de 29/06.


14. Ora, sucede que BB é o mandatário da aqui Recorrida, logo, foi este quem, como mandatário da Recorrida alegou simulação do contrato celebrado entre o Recorrente e aquela, Ou seja, o próprio mandatário da Recorrida alegou a simulação do contrato de trabalho em que o mesmo reconheceu as assinaturas dos outorgantes.


15. O que constituiu, sim, abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, já que alegou no âmbito deste processo que o contrato de trabalho que ele próprio certificou e reconheceu, afinal não passou de um contrato simulado.


16. Pode ler-se na Revista da Ordem dos Advogados, com o título "O próprio simulador não pode, me caso de simulação fraudulenta, arguir a nulidade do ato simulado", que "a simulação fraudulenta verifica-se, no consenso feral, quando: a) se pratica um ato em que há desacordo entre a vontade real e a vontade declarada; b) realizado com intuito de enganar e com animus nocendi; c) por acordo entre todos os que nele intervêm".


17. E continua dizendo: "como bem frisou Beleza dos Santos, o Código Civil em diversas disposições consagrou o tradicional princípio de direito de que ninguém pode tirar proveito do seu dolo ou da sua própria culpa".


18. Resumindo, aceitou o aqui mandatário da Recorrida, BB, reconhecer as assinaturas presentes no contrato de trabalho celebrado entre AA (Recorrente) e... SAD (Recorrida), para, mais tarde, e no âmbito do presente processo n.° 915/21.2T8PDL, vir alegar a simulação do mesmo.


19. E não se argumente que reconhecer as assinaturas não é o mesmo que elaborar o conteúdo do contrato, pois que o mandatário da Recorrida bem sabia o documento que estava a reconhecer.


20. Assim, confrontando com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.° 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, de 12-11-2013, são pressupostos desta modalidade de abuso do direito a existência dum comportamento anterior do agente suscetível de basear uma situação objetiva de confiança, a par da imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente O mandatário da Recorrida sabia das intenções da sua constituinte, aqui Recorrida, ou seja, sabia do conteúdo, do teor do contrato e, posteriormente, aproveitou-se desse ato, do dolo praticado, para dele puder retirar proveito - o que não é legalmente admissível.


21. O princípio supra referido de que ninguém pode tirar proveito do seu dolo ou da sua própria culpa, refere-se, muito simplesmente, à questão de que nenhuma pessoa pode fazer algo incorreto e/ou em desacordo com as normas legais e depois alegar tal conduta em proveito próprio - que é o que a Recorrida está a fazer.


22. A boa fé, pressuposto da existência de abuso de direito, mais não é do que a esperada honestidade e lealdade de comportamento, com o que não se compadece a assunção de uma súbita postura, contraditória ou incompatível com conduta anterior.


23. Primeiro o mandatário da Recorrida aceita reconhecer as assinaturas dos outorgantes num contrato de trabalho que bem sabia o seu teor, para depois vir alegar a simulação do mesmo, só porque lhe convinha?


24. Não se compreendendo como é que o facto de o mandatário da Recorrida alegar simulação do contrato de trabalho celebrado entre o Recorrente e a própria Recorrida, contrato esse onde ele próprio reconheceu as assinaturas dos outorgantes, bem sabendo do conteúdo do referido contrato, não configura uma atuação em abuso de direito.


25. Face ao exposto, a decisão singular proferida, da qual se reclama, incorreu em erro de interpretação da norma do artigo 334.° do Código Civil, devendo a presente reclamação, a ser decidida em conferência ser aceite, e, consequentemente, deverá o recurso de revista interposto ser admitido, pois que se encontram reunidos os pressupostos do artigo 671.°, n.° 1 do CPC.


A Recorrida respondeu, pugnando pelo indeferimento da reclamação.


x


Mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:


1- ..., SAD é uma sociedade que se dedica à participação nas competições profissionais de futebol, à promoção e organização de espetáculos desportivos e ao fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática profissionalizada da modalidade de futebol.


2- Desde 30 de Novembro de 2010 até 26 de Junho de 2015, AA exerceu o cargo de Presidente do ... de ..., SAD.


3- Desde data não concretamente determinada do ano de 2015 até data não concretamente determinada do ano de 2019, o Autor e a Ré estiveram envolvidos num litígio entre si, também de conteúdo não concretamente determinado.


4- Tendo ambas as partes ajustado, neste último ano, um acordo com vista a cessação desse litígio.


5- Com data de 1 de Julho de 2019, o Autor e, na qualidade de Administradores da Ré, CC e DD apuseram a sua assinatura num escrito com o seguinte teor:


Contrato de Trabalho a Termo Certo


Primeira Outorgante: ..., SAD


(…)


Segundo Outorgante: AA


(…)


Primeira


O segundo outorgante é admitido ao serviço da primeira outorgante, para exercer as funções de Director Financeiro, com responsabilidades directivas na ... da primeira outorgante e com assento no Conselho de Administração da primeira outorgante, mediante as directrizes, ordens, e instruções da primeira outorgante, sem prejuízo de lhe poderem ser cometidas funções afins e funcionalmente ligadas com a actividade para que foi contratado, bem como quaisquer outras funções, nos termos do disposto nos arts. 118º e 120º do Código do Trabalho, com a categoria profissional de Director Financeiro, com responsabilidades directivas na ... da primeira outorgante e com assento no Conselho de Administração da primeira outorgante, mediante a remuneração mensal líquida de € 4000,00 (quatro mil euros) e, a quantia devida legalmente a título de subsídio de alimentação, por cada dia de trabalho efectivo, sobre a qual não incidirão os respectivos descontos legais, que são da responsabilidade da primeira outorgante.


Segunda


Parágrafo Um: As descritas funções serão exercidas na sede da primeira outorgante ou em quaisquer outras instalações que a primeira outorgante possua ou venha a possuir no concelho de ... e concelhos limítrofes podendo efectuar deslocações dentro do concelho ou concelhos limítrofes, Continente e estrangeiro, de acordo com o disposto no art. 194º do Código do Trabalho. Parágrafo Dois: A primeira outorgante poderá transferir o segundo para quaisquer outras instalações que possui, desde que tal mudança seja necessária ao exercício da actividade da primeira outorgante.


(…)


Terceira


1. O horário de trabalho, sem prejuízo da sua alteração nos termos e com os condicionalismos legais e dos princípios da adaptabilidade, é o que se encontra em vigor para a primeira outorgante.


2. Nomeadamente 8:00 horas por dia, 40 horas semanais, com folga ao domingo.


(…)


Quinta


O presente contrato terá a duração de 3 (três) anos, com início em 1 de Julho de 2019 e termo em 1 de Julho de 2022, renovando-se automaticamente pelo período de 2 anos, não podendo a sua duração exceder os 5 anos.


2. A caducidade do contrato confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a 18 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade, calculando-se proporcionalmente a duração do contrato que corresponda a fracção do ano, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 344º e 366º da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº 69/2013, de 30 de Agosto.


Sétima


A cessação do contrato de trabalho por iniciativa da primeira outorgante, seja qual for a causa ou fundamento, além dos créditos salariais, designadamente salários, vencidos e vincendos até final do contrato, devidos ao segundo outorgante, implica o pagamento imediato pela segunda outorgante ao primeiro outorgante da quantia de € 200000,00 (duzentos mil euros) a título de cláusula penal.


Oitava


O presente contrato é celebrado devido ao acréscimo excepcional da actividade da primeira outorgante, pelo que é legalmente admitido nos termos do art. 140º, nº 2, alínea f), da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro”.


6- Durante o mês de Julho de 2019, em datas não concretamente determinadas, o Autor dirigiu-se à sede da Ré por duas/três vezes.


7- Nas circunstâncias descritas no número anterior, o Autor, numa das vezes, estabelecendo contacto com o funcionário administrativo da Ré, EE, pediu para falar com o Presidente do Conselho de Administração, sendo marcada uma reunião entre ambos.


8- E, nas restantes deslocações à sede da Ré nas circunstâncias descritas em 5), pediu ao mesmo funcionário administrativo, pelo menos, os seguintes elementos: ‘Regulamento Taça Revelação’, ‘Regulamento Liga Revelação’, ‘Estudos Futebol / Futsal’, folha timbrada da Ré.


9- Tendo o mesmo funcionário, em Julho, Agosto e Novembro de 2019, enviado estes elementos ao Autor, por email.


10- A Ré nunca atribuiu ao Autor as funções de Director Financeiro, com responsabilidades directivas na Equipa Sub-23.


11- O Autor, a partir de Julho de 2019, não teve assento no Conselho de Administração da Ré.


12- A Ré nunca emitiu um recibo de vencimento em nome do Autor.


13- Nunca entregou ao Autor qualquer quantia a título de ‘retribuição’, ‘subsídio de alimentação’, ‘retribuição do período de férias’, ‘subsídio de férias’ e ‘subsídio de Natal’.


14- Nunca lhe concedeu qualquer ‘período de férias’.


15- E nunca lhe proporcionou ‘formação profissional’.


16- O Autor, a partir de 1 de Julho de 2019, e para além do descrito em 6), 7) e 8), apenas se dirigiu às instalações da Ré por mais duas/três vezes, por razões não concretamente determinadas.


17- Para além do descrito em 6), 7), 8) e 9), não participou em qualquer reunião, presencial ou por videoconferência, com funcionários da Ré ou membros do Conselho de Administração desta última.


18- O escrito identificado em 5) foi assinado pelo Autor e pelos Administradores da Ré no âmbito do acordo que ambas as partes então ajustavam, nos termos definidos em 4).


x


- o direito:


A fundamentação adoptada no despacho singular merece a concordância dos subscritores deste acórdão, sendo que o esforço argumentativo do Recorrente em nada belisca aquela.


E importa não esquecer que, sendo o objecto do recurso determinado pelas conclusões, o Recorrente se limitou a, no que toca à questão do abuso de direito, a formular uma única e sintética conclusão, supra transcrita. E não podem ser atendidos factos e argumentos novos só agora trazidos nas conclusões da reclamação para a conferência.


Dito isto, temos que se escreveu nesse despacho singular:


Numa breve abordagem sobre a problemática do abuso de direito diremos:


Estabelece o art. 334º do Código Civil que “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.


Abuso de direito – a) é um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar a situações em que um preceito legal, certo e justo para as situações normais, venha a revelar-se injusto na sua aplicação a uma hipótese concreta, por virtude das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram. B) Ocorrerá esta figura quando um determinado direito – em si mesmo válido – seja exercido de modo que ofenda o sentimento da justiça dominante na comunidade social…


São as seguintes as concepções que procuram precisar a essência do abuso de direito: 1 – a teoria subjectiva…, 2- a teoria objectiva… 3 – e uma teoria intermédia…


O nosso legislador (C. Civ. 1966) aceitou a concepção objectiva. Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que o acto se mostre contrário, mas exige-se que o titular do direito tenha excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício” (João Melo Franco, Herlander Antunes Martins, Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos, Almedina, 2ª edição, págs. 17 e 18).


Uma das modalidades do abuso de direito é o “venire contra factum proprium”.


São pressupostos desta modalidade do abuso de direito (João Baptista Machado, Tutela da confiança e ‘venire contra factum proprium’, obra dispersa, 1991, pág. 416):


1 – A existência de uma situação objetiva de confiança;


2 – O investimento de confiança e irreversibilidade desse investimento;


3 – A boa fé da contraparte que confiou.


Escreveu-se no acórdão recorrido:


Veio o autor agora, somente nas alegações e conclusões de recurso invocar a existência de abuso de direito porque o mandatário da ré alegou a simulação do contrato celebrado entre o apelante e a ré e foi o mesmo mandatário que reconheceu a assinatura dos outorgantes no contrato de trabalho.


Causa alguma perplexidade esta invocação.


Como é sabido, nos processos judiciais não é o mandatário da parte que alega a simulação, é a própria parte. O mandatário só o faz materialmente em nome e por determinação da parte que representa.


E ainda que assim não fosse, não se vê como é que o reconhecimento da assinatura dos outorgantes de um contrato por parte de um advogado implica existir abuso de direito se relativamente a esse mesmo contrato o mesmo advogado em representação judicial de um dos outorgantes vier a invocar a simulação contratual. É que reconhecer assinaturas não é equivalente sequer a elaborar o conteúdo do contrato”.


Subscrevemos estas considerações.


Aliás, o Recorrente não dedica uma única palavra a rebater esta argumentação da Relação, tudo se passando, para ele, como se a mesma não existisse.


No exercício do contrato de mandato forense, o advogado actua em nome e em representação da parte, na grande maioria das vezes com base em informações que a mesma parte lhe transmite. Não resulta dos autos que tenha sido diferente no caso concreto.


E, efectivamente, o acto de reconhecer as assinaturas não equivale à elaboração do conteúdo do contrato.


Analisando toda a factualidade dada como provada, não há qualquer fundamento para considerar que o mandatário em questão incorreu num comportamento de venire contra factum proprium.


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Decisão:


Nos termos expostos, acorda-se em confirmar o despacho singular, negando-se a revista interposta em termos gerais e confirmando-se, nesta parte, o acórdão recorrido.


Lisboa, 07/07/2023


Ramalho Pinto (Relator)


Domingos Morais


Mário Belo Morgado





Sumário (da responsabilidade do Relator).