Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B2085
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO
FALTA DE FORMA LEGAL
RESOLUÇÃO
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
CLIENTELA
Nº do Documento: SJ200611230020852
Data do Acordão: 11/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Exigindo a lei - artºs 30º e 31º do DL 178/86 de 03.07 - a forma escrita para a resolução do contrato de concessão com justa causa, se esta for precedida dum acto verbal de cessação do contrato, não se pode considerar que aquela é apenas um acto de confirmação, sanando o vício da falta de forma, na medida em que um acto não pode ser confirmativo de outro, quando este tem autonomia nos seus efeitos jurídicos.
II - Com efeito a cessação verbal já integrava a denúncia do contrato, nos termos dos artºs 28º e 29º do mesmo diploma.
III - Tendo realizado o agente um volume de negócios, que, nas circunstâncias de tempo e lugar em causa, pode ser considerado significativo, deixado um mercado de que os agentes seus sucessores aproveitaram e tendo ainda realizado lucros em todos os anos em que vigorou o contrato, tem ele direito a uma indemnização de clientela, nos termos do artº 33º do DL 178/86.
IV - Se o autor, para efeitos do cálculo da indemnização que peticiona, fala apenas em lucro, tem de entender-se que se refere ao lucro líquido, competindo ao réu excepcionar os custos que diminuiriam tal lucro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I

Empresa-A, moveu a presente acção ordinária contra Empresa-B, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe:
a quantia de 15.196.284$00, a título de indemnização de clientela, acrescida dos juros de mora à taxa de 15%, desde 12.02.98, ascendendo os vencidos em 29.01.99 a 2.173.276$00;
a quantia de 1.01.300$00 de despesas efectuadas com a pintura das suas viaturas para a remoção da publicidade à marca dos produtos da ré, acrescida dos juros contados desde a citação;
uma indemnização por ofensa ao seu crédito e bom nome, a liquidar em execução de sentença.
A ré contestou a que se seguiu a réplica da autora.
O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.
Apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação concedido, em parte, o recurso, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 74.819,68, acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde 12.02.98, a título de indemnização de clientela.
Recorre agora a ré, a qual nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões:

1 A cessação do contrato entre a recorrente e a recorrida deu-se por resolução do mesmo com justa causa, conforme a comunicação verbal de 19.02.97 e a comunicação escrita de 19.03.97, facto que a recorrida aceitou, limitando-se a pedir uma indemnização de clientela derivada dessa cessação.
2 A comunicação de 19.03.97 é a confirmação da anterior de 19.02.97, pelo que a mesma é atendível nos presentes autos, tendo-se assim dado a cessação do contrato pela resolução com justa causa.
3 A matéria de facto provada demonstra a violação de forma sistemática e continuada pela recorrida das obrigações derivadas do contrato.
4 A matéria de facto provada - pontos 56 a 60 - é atendível, por não se tratar de matéria nova alegada na acção, porquanto a mesma mais não é do que a confirmação da não dinamização pela recorrida do mercado e a existência de prejuízos para a recorrente., expressamente invocados no nº 4 da comunicação enviada a 19.03.97.
5 Ao contrário do que é referido no acórdão recorrido, o decréscimo das vendas dos produtos da recorrente pela recorrida se ficou a dever ao seu desleixo e desinteresse, sendo que havia mercado para aumentar o volume de vendas.
6 A resolução do contrato, feita ao abrigo do disposto na alínea a) do artº 30º do DL 178/86 de 03,07, portanto, com a invocação dos factos que integram o conceito de justa causa, foi lícita e não dá lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
7 Ainda que se viesse a considerar que o contrato havia cessado sem justa causa, por denúncia e não por resolução, a recorrente só teria de indemnizar a recorrida pela revogação sem a antecedência conveniente, nunca podendo ser condenada a pagar uma indemnização de clientela, atenta a matéria que ficou provada, ou seja, só eram indemnizáveis os lucros cessantes sofridos pela recorrida entre a comunicação verbal e a comunicação escrita.
8 Sendo certo que não nada foi peticionado a este título, nem foi determinado o pagamento de quaisquer lucros cessantes.
9 Acresce que o artº 33º da referida lei, determina que não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente.
10 Não se verificam os requisitos indicados no artº referido em 9 para que ocorra o direito à indemnização de clientela:
não se provou que os seus clientes tivessem sido por si angariados ou desenvolvidos;
nem se o podia provar, dado que a alínea a) do citado artº 33º pressupõe que os clientes angariados pelo agente sejam clientes do principal, o que não é o caso;
não alegou, nem provou factos relativos ao destino dos seus clientes, no termo das relações contratuais entre as partes;
não alegou nem provou factos que demonstrassem que a outra parte tivesse beneficiado consideravelmente após a cessação do contrato com a actividade desenvolvida pelo agente;
não alegou nem provou que a clientela angariada tivesse continuado a comprar produtos da recorrente;
bem como não provou que tivesse deixado de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos após a cessação do contrato com clientes por si angariados..
11 Ainda que a recorrida tivesse conseguido provar todos os pressupostos referidos em 10, não poderia ter direito à indemnização de clientela, uma vez que não logrou provar factos que permitam apurar o valor médio anual dos lucros obtidos pela recorrida nos últimos cinco anos - cf- artº 34º do DL 178/86 de 03.07, nada ficando assente quanto à diferença entre o valor de compra e o valor de venda, bem como quanto aos custos atinentes à actividade de distribuição e revenda.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II
Nos termos do artº 713º nº 6 do C. P. Civil, consignam-se os factos dados por assentes, remetendo para o que consta de fls.293 a 305.

III
Apreciando

1 Da cessação do contrato

Ao presente contrato aplicam-se analogicamente as disposições reguladoras do contrato de agência ou representação comercial do DL 178/86 de 03.07. Neste diploma estão prevista duas formas de cessar o contrato, a denúncia com aviso prévio - artº s 28º e 29º - e a resolução, por incumprimento contratual da outra parte e por inexigibilidade da sua manutenção - artºs 30º e 31º - .
Se faltar à denúncia o aviso prévio, o concedente incorre na obrigação de reparar os prejuízos decorrentes dessa falta.
A resolução tem de revestir a forma escrita, dela devendo constar os motivos que a fundamentam.
Atendendo à factualidade provada, temos que a ré manifestou verbalmente a vontade de cessação imediata do contrato, em 19.02.97, ou seja, a partir dessa data.
Em 19.03.97, a mesma ré, por escrito enviado à autora, manifestou a intenção de cessação do contrato com justa causa, para o que aí indicava a diminuição das vendas, a prática de actos fraudulentos, o deixar expirar o prazo de validade dos produtos e e não trabalhar em exclusivo com produtos Dan Cake.
Perante este quadro factual, tem razão o acórdão em apreço, quando considera que a dita resolução do contrato com justa causa era impossível, uma vez que já antes o contrato tinha sido denunciado.
A denúncia, como bem se assinalou em 2ª instância, é um acto discricionário, ou seja não tem de ser fundamentado, dependendo, apenas da vontade do declarante. E o DL 178/86 expressamente permite a denúncia. Apenas estabelece como requisito da sua validade o facto do contrato ser por tempo indeterminado, sendo que a falta de aviso prévio não a impede, apenas fazendo incorrer o denunciante na obrigação de reparar os respectivos danos.
Assim, a declaração do cedente de 19.02.97, operou efectivamente a denúncia do contrato de concessão em causa, não havendo qualquer razão que impeça a produção dos efeitos jurídicos que lhe são inerentes, portanto, a cessação do contrato.
Não pode, por isso, vir o denunciante, contra um facto próprio e na medida dos seus interesses, revalidar unilateralmente um contrato extinto.
Pretende a recorrente que a comunicação de 19.03.97 foi confirmativa da resolução com justa causa operada anteriormente pela comunicação verbal. Só que um acto jurídico não pode ser a mera reiteração de outro, se o primeiro tem autonomia nas suas causas e efeitos jurídicos. É que a comunicação de 19.02.92 não integra uma resolução com justa causa irregular, por não respeitar as exigências de forma, vício este que a comunicação escrita e fundamentada veio sanar. É sim um acto válido e apto a produzir, de imediato, os efeitos jurídicos, que lhe são próprios como efectivamente produziu.
Com o que ficam prejudicadas todas as conclusões da recorrente sobre a justa causa com que determinou a cessação do contrato.
Nem se diga, como alguma jurisprudência, que não distinguindo o artº 33º nº 3 entre resolução ou denúncia, as causas imputáveis ao agente tanto se podem verificar num caso ou noutro.
Por duas ordens de razões.
É contra a natureza discricionária da denúncia que possa ter, ou seja atendível, algum fundamento.
Por outro lado, se assim fosse, não se vê fosse, qual a utilidade de estar prevista, em especial justa causa para a resolução.
Não se devem, pois, retirar conclusões do facto do legislador usar expressões diversificadas - falta de cumprimento na alínea a) do artº 30º e razões imputáveis ao agente no nº 3 do artº 33º para daí concluir que estamos perante casos diferentes. É sempre a justa causa da resolução que está em questão.

2 Do direito à indemnização de clientela

O artº 33º nºs 1 e 3 do DL 178/86 estipula o direito do agente de receber uma indemnização de clientela, quando o contrato cessar por causas que não lhe sejam imputáveis. É a hipótese dos autos.
No entanto, fixa três requisitos cumulativos, para que essa indemnização possa ser arbitrada:
a - que o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b - a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato da actividade desenvolvida pelo agente;
c - o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos após a cessação do contrato com os clientes referidos em a.
"Não se trata em rigor de uma indemnização, mas antes de uma compensação pela mais valia proporcionada pelo concessionário ao concedente, funcionando assim como uma retribuição diferida e destinada a repor o equilíbrio contratual interrompido" - Ac. do STJ de 22.09.05 www.dgsi.pt 05B1894 - .
Há, deste modo que ver se a autora gerou um mercado próprio para os produtos da ré, que é susceptível de a beneficiar consideravelmente, sendo que do normal funcionamento desse mercado seria de esperar que a autora auferisse outros proventos.
Vejamos os factos.
Entre 1992 e 1996, no distrito da Guarda, a autora comercializou cerca de 423.000 contos de produtos da ré, para o que ela e os seus antecessores na concessão angariaram novos clientes para esse produtos, aumentando o volume de vendas.
Atendendo à época e à região, zona interior menos forte economicamente, o volume de negócios pode ser considerado bastante razoável e indica uma boa implantação de mercado. Como isso se traduziu num aumento de clientes e do volume de negócios, pode-se considerar que foi preenchido o primeiro daqueles três requisitos.
Quanto ao segundo requisito, consignou-se no Ac. citado que "não é necessário que os benefícios para o concedente tenham já ocorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose seja provável que esses benefícios se venham a verificar".
Trata-se, em suma de saber se a autora deixou um mercado, uma clientela para os produtos da ré de que esta possa vir a beneficiar.
Da matéria referida nos pontos108, 29 e 31 retira-se que foi isso o que efectivamente aconteceu. Deixou a autora cerca de 2.000 clientes dos produtos da ré e, na verdade, as entidades a quem a ré fez a concessão que anteriormente acordara com a autora, tiveram de comunicar estes clientes que agora eram eles a comercializar os referidos produtos. Há portanto um mercado para tais mercadorias, deixado pela autora e susceptível de gerar proventos.

É certo que também ficou assente que ultimamente a mesma autora experimentava dificuldades com a aludida clientela, mas isso não evitará que a ré deixe de beneficiar com esse mercado criado pela ré e seus antecessores.
Tanto mais que, como consta do ponto 102, essas dificuldades não podem ser separadas daquilo que pelo menos em parte foi a sua causa, ou seja, a venda directa aos hipermercados por parte da ré, de algum modo entrando em concorrência com a autora, ao arrepio do programa contratual. Por outras palavras, as ditas dificuldades se impediram a ré de receber por um lado, não obstaram a que recebesse por outro.Assim, tem asseguradas as futuras relações comerciais com os clientes angariados pela autora.
Pelo que se verifica o segundo requisito do artº 33º.
Quanto ao terceiro requisito, temos que, como atrás se indicou, os substitutos da, autora comunicaram aos ex-clientes desta que era a eles que deveriam comprar agora os produtos da ré.
Por outro lado, ficou também provado que, durante o tempo em que durou a concessão, a autora obteve um lucro médio anual de 15.000.000$00 - que variou entre os valores máximo e mínimo de, respectivamente, 111.000.000$00 e 53.000.000$00 - . A partir daí nada mais recebeu - ponto 30 - . Donde se possa concluir pela existência duma quebra de lucros da autora, derivada da abrupta cessação do contrato de concessão, sendo certo que a venda à clientela dos produtos da autora continuou. Portanto, a autora deixou de ter proventos com as vendas que foram realizadas, após a cessação do contrato, aos clientes que angariou.
Note-se que se competia à autora a prova da falta de retribuição, era à ré que competia provar que essa retribuição nunca poderia ocorrer. O que não fez e que, efectivamente, só o poderia ser provando-se a perda de clientela.
Logo, verifica-se o requisito em apreço.
A autora tem, pois, direito à indemnização de clientela.

3 Do montante da indemnização de clientela

A recorrente alega que não é possível fixar a indemnização, por não ter sido apurado o verdadeiro lucro médio anual, o lucro líquido, uma vez que este tem de ser calculado atendendo não só à diferença entre o valor de compra e o valor de venda, mas ainda aos custos atinentes à actividade de distribuição.
O artº 34º fala em remuneração e esta expressão tem de ser entendida como se reportando ao lucro líquido, na medida aquela tem o sentido de pagamento e este só pode se referir uma quantia líquida, ou seja, uma quantia que serve para remunerar, que não está onerada por quaisquer encargos.
Contudo, se a autora, invocou apenas o lucro, não referindo que é o líquido, tem de se entender que é a ele que está a aludir, tendo em conta que o pedido deve ser interpretado no contexto da causa de pedir e esta está ligada ao dito conceito de "remuneração". Pelo que a decisão sobre a matéria de facto, quando fixa o montante do "lucro" da autora deve ser entendida também como se reportando ao lucro líquido.
E a decisão sobre os factos não pode ser, neste momento, reapreciada.
Acresce que competia à ré provar a inexactidão da quantia em causa. Não pode vir agora dizer, como faz, que há falta de factos. O que acontece é que não cumpriu o ónus de provar o contrário.

Termos em que improcede o recurso.

Pelo exposto, acordam em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Novembro de 2006
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos