Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B4278
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
ALIMENTOS
MENOR
Nº do Documento: SJ200607060042782
Data do Acordão: 07/06/2006
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : Ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, constituído pela Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, não compete assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores residentes no território nacional que não tenham rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficiem nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontrem, não satisfeitas pelas pessoas judicialmente obrigadas à prestação de alimentos, pelas formas previstas no art. 189º do DL nº314/78, de 27 de Outubro (art.s 1º da Lei nº 75/98 e 3º nºs 1 a) e b) e 2 do DL nº 164/9, de 13 de Maio), vencidas após a entrada em vigor do DL nº 164/99 (art.s 7º e 8º da Lei nº 75/98 e 11º do DL nº 164/99, à data do requerimento, nos autos de incumprimento, do vazado no art. 3º nº1 da Lei nº75/98.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. a) "AA", a 04-09-21, na qualidade de representante legal de BB, menor, seu filho, nos termos e com os fundamentos que ressumam de fls. 119 a 125, requereu:
1. A fixação, em valor mensal nunca inferior a 155,59 euros, o "montante da prestação de alimentos" a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.
2. O pagamento à requerente, a título de prestações de alimentos vencidos e não pagos, pelo pai de BB, de 8.247,39 euros.
b) Observado o demais na lei previsto, cujo relato se mostra desinteressante para o julgamento do recurso, veio a ser proferida decisão que julgou procedente o pedido a que se alude em a) 1. e decretou o naufrágio da pretensão citada em a) 2., a bondade do decidido tendo o Sr. Juiz feito repousar no que fls. 149 mostra.
c) Sem êxito, recorreu a requerente, já que o TRL, por acórdão de 05-07-13, como flui de fls. 197 e segs., negou provimento ao recurso, confirmando a decisão impugnada.
d) Irresignada, pede agora revista AA, na alegação oferecida concluindo assim:

"I - Estabelece o art. 11º do Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio, que o diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação e "produz efeitos na data de entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2000", ou seja, 01 de Janeiro de 2000, de acordo com o art. 103º da Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril.
II - Antes da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o ano 2000, não está o Fundo obrigado a pagar débitos acumulados, desde logo, porque a lei não tem eficácia retroactiva, mas depois daí, 01 Janeiro de 2000, os débitos acumulados são da responsabilidade do Fundo de Garantia de Alimentos.
III - Como refere o artigo 5º, nº1, do Dec.-Lei 164/99, o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, pois, estamos perante uma verdadeira sub-rogação legal nos termos do artigo 592º Cód. Civil.
IV - In casu, a sub-rogação legal abrange todas as prestações que ao devedor principal competia prestar, desde que não anteriores a 2000.
V - Afirmar que o Estado, com os referidos diplomas legais, não se quis substituir ao devedor para garantir o pagamento das prestações devidas é afirmação que apenas deve ter como limite temporal o acima definido no art. 11º do dec.-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.
VI - Agindo o Fundo em substituição do devedor, age, autonomamente, mas tendo por base uma obrigação de garantia, que nasce no momento em que o devedor entra em situação de incumprimento, tornando-se, então responsável pelo pagamento dos débitos acumulados, pois, de outro modo, não cumpriria a sua função de garante, que é, por definição supletiva, substitutiva.
VII - Verificados os requisitos exigidos pelo estatuído nos artigos 1º da Lei nº 75/98 e 3º do Dec.-Lei nº 164/99, o Fundo é responsabilizado pelo pagamento dos alimentos devidos ao menor e fixados pelo tribunal, ficando sub-rogado em todos os direitos daquele perante o devedor originário, sub-rogação essa que abarca necessariamente todas as prestações vencidas que o obrigado não pagou, pois quando a Lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, e, in casu, se o legislador tivesse querido garantir apenas o pagamento das vincendas não deixaria de o afirmar como o fez no artigo 2006º do Cód. Civil.
VIII - Se assim não fosse, e considerando-se que o Fundo apenas suporta prestações vincendas desde a notificação da decisão do Tribunal corria-se o risco do Instituto da Segurança Social agravar ou socorrer-se de outros expedientes processuais com vista a "arrastar" o trânsito da decisão, situação que por certo não esteve presente no espírito do legislador quando legislou a matéria no artigo 11º do Dec.-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.
IX - Estando em causa a interpretação de diplomas que conferem direitos sociais, constitucionalmente garantidos, a interpretação deve acolher um sentido que melhor se compagine com os fins que a norma visa.
X - Recusar ao menor o pagamento de dívidas alimentares vencidas é, pura e simplesmente, recusar-lhe um direito social derivado, com matriz constitucional relacionado com direitos fundamentais.
XI - Como refere o art. 2006º: "Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constitui em mora."
XII - "In casu", estando em dívida as prestações de alimentos referentes, quer a período anterior, quer posterior, ao ano de entrada em vigor da Lei 75/98 e do Dec.-Lei 164/99, o Fundo é garante das mesmas, desde a data em que a referida lei entrou em vigor, ou seja, a partir de 01 de Janeiro de 2000.
XIII - Assim se decidiu nos Acórdãos datados de 21/09/2004, 25/102004, 19/09/2002, 19/02/2002, 03/06/2002 da Relação do Porto, no Acórdão de 12/07/2001 da Relação de Lisboa e no Acórdão do S.T.J. de 31/01/2002.
XIV - Tendo ficado provado pelo Tribunal de 1ª instância que o pai do menor não pagou, para o que ora interessa, qualquer prestação alimentícia nos anos de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, então e em face a tudo o que ficou exposto nas presentes alegações, o Fundo de Garantia de Alimentos é responsável pelo pagamento da quantia global de 8.247,39 euros, a título de prestações de alimentos vencidas.
XV - Ao não condenar o Fundo de Garantia de Alimentos no pagamento global de 8.247,39 euros, o Tribunal "aquo" fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 1º e 6º da Lei 75/98 de 19 de Novembro, artigos 2º, 3º, 5º e 11º do Decreto-Lei nº 164/99 de 13 de Maio, artigos 592º e 2006º do Código Civil, pelo que deve o Acórdão proferido ser revogado e, em consequência, elaborada nova decisão na qual se condene o Fundo de Garantia de Alimentos no pagamento de 8.247,39 euros, a título de prestações de alimentos vencidas."
e) Contra-alegou o Mº Pº, propugnando o demérito da pretensão recursória.
f) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Por não ter sido impugnada, nem haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para a apurada, dada como assente pelo Tribunal "a quo", a fls. 199 e 200 (art.s 713º nº 6 e 726º, ambos do CPC).

III. O Direito:
1. a) Questão a tratar, atento o que delimita o âmbito do recurso (art.s 684º nº3 e 690º nº 1 do CPC), pode, nestes termos, equacionar-se.
Compete, ou não, ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, constituído pela Lei nº 75/98, de 19 de Novembro (art. 6º nº1), cuja inserção orgânica foi definida pelo DL nº 164/99, de 13 de Maio (art. 2º nº1), doravante tão só designado por "Fundo", assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas a menores residentes no território nacional que não tenham rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficiem nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontrem, não satisfeitas pelas pessoas judicialmente obrigadas a prestá-los, pelas formas previstas no art. 189º do DL nº 314/78, de 27 de Outubro (art.s 1º da Lei nº 75/98 e 3º nºs 1 a) e b) e 2 do DL nº 164/99), vencidas após a entrada em vigor do DL nº 164/99 (art.s 7º e 8º da dita Lei e 11º do DL nº 164/99), à data do requerimento, nos autos de incumprimento, do vazado no art. 3º nº1 da Lei nº 75/98?
À predita questão respondemos negativamente, tal como o fizeram as Instâncias, assim se dissentindo do entendimento sufragado no Ac. deste Tribunal, de 02-01-31, com relato de Duarte Soares, disponível in www.dgsi.pt/jstj. (doc. nº SJ200201310041602), a tese que defendemos, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, sendo a que justo arrimo encontra na lei, esta interpretada com observância do consignado no art. 9º do CC, sopesada, como urge, a natureza da nova prestação social criada pela Lei nº 75/98, espelhada, com limpidez, no preâmbulo do DL nº 164/99.

Assim:
b) Se é indúbio (visto o plasmado no art. 12º nº1 do CC, não se estando ante a hipótese contemplada na 2ª parte do nº 2 de tal artigo de lei, presente tendo, outrossim, o vertido nos art.s 7º e 8º da Lei nº 75/98 e 11º do DL nº 164/99) que o pagamento dos débitos acumulados, com a fonte dissecada em a) que antecede, atinentes a lapso de tempo anterior a 1 de Janeiro de 2000, não é pelo Estado, através do "Fundo, assegurado, como defendido no já citado Aresto do STJ, acontece como apodíctico se ter que na sub-rogação legal à colação trazida pela recorrente na conclusão III da sua alegação (art.s 592º do CC, 6º nº3 da Lei nº 75/98 e 5º nº1 do DL nº 164/99) amparo, com valimento, não pode encontrar a procedência do recurso, uma que, note-se, a entidade sub-rogada, o "Fundo", quando procede ao pagamento das prestações de alimentos, em conformidade com referidos diplomas legais, fá-lo no cumprimento de uma obrigação própria, que não alheia, sendo residual a responsabilidade do "Fundo" pelo pagamento do supracitado (cfr. Ac. do STJ de 27-01-04, relatado por Azevedo Ramos, in www.dgsi.pt/jstj.- doc. nº SJ200401270036486-, e J.P. Remédio Marques, in "Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores)", Coimbra Editora, 2000, pág.221 e segs.).
Repete-se: o "Fundo" não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, antes, isso sim, assegurando, o que é díspar, ante a verificação cumulativa de vários requisitos já nomeados, o pagamento de "uma prestação a forfait", de "um montante, por regra equivalente ao que fora fixado judicialmente - mas que pode ser menor, posto que as prestações atribuídas não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de quatro unidade de conta de custas (art.2º/1 da Lei nº 75/98 e art. 3º/3 do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio..." (Remédio Marques, in obra cit., pág.221).

c) Nem a obrigação do "Fundo"nasce no momento a que se reporta a conclusão VI da alegação da recorrente, peça processual esta que passaremos a designar, tão só, por alegação.
A exigibilidade da dívida do "Fundo" só ocorre a partir do mês seguinte ou da notificação da decisão do tribunal ao I.G.F.S.S. (art. 4º nº 5 do DL nº 164/99) -cfr., neste sentido, Remédio Marques, in obra referida, pág. 225.
O risco de "arrastamento" do trânsito em julgado, por banda do gestor do "Fundo", aduzido, em prol da concessão da revista, na conclusão VIII da alegação, esse, não se antolha, ponderado, desde logo, o estatuído no art. 3º nº5 da Lei nº75/98.
Isto é: o início do pagamento das prestações, por parte do "Fundo", não se inicia no mês seguinte ao da notificação de que transitou em julgado a decisão do tribunal, aquela só acontecendo na sequência do incidente de incumprimento do devedor originário, tramitado como prescrito no art. 3º da Lei nº 75/98 e no art. 4º do DL nº 164/99!...
Só ao devedor originário pode exigir-se o pagamento nos termos do art. 2006º do CC, a obrigação principal se mantendo nos termos do art. 7º do DL nº164/99, mais colhendo o, no acórdão impugnado, retirado do art.6º nº4 da Lei nº 75/98, em ordem à evidenciação da bondade da decretada confirmação do decidido em 1ª instância.

d) É verdade que quando a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir (conclusão VII da alegação).
Acontece é que a lei distingue!!!...
Distingue, como é vítreo, bastando, repete-se, para a tal conclusão chegar, concatenar o expresso nos art.s 2º nº2, 3º, nºs 1 e 3, e 4º do DL nº 164/99, a prestação alimentar previamente fixada pelo tribunal competente, a obrigação, enfim, da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor, da prestação de alimentos cujo pagamento ao "Fundo" cabe assegurar e esta é, mas insofismavelmente, para o que ora releva, apenas concernente a lapso de tempo que não abarca o transcorrido até 04-09-21 (cfr. I. a) ).
O que a lei visou com a criação da nova prestação social citada, também, dúvida não sofre, ditada pelo princípio da coesão social, foi satisfazer as necessidades presentes, actuais, de alimentos de menores.
Não, em substância, no que desaguaria a tese que não perfilhamos, tal sendo a satisfação dos direitos de crédito das pessoas que, na pendência do incumprimento dos devedores originários, à necessidade de alimentos de menores acudiram!...
A interpretação por nós aplaudida dos diplomas em causa, não importa, consequentemente, o levado à conclusão X da alegação.
Nem a improcedência do recurso é decorrência de incorrecta interpretação e aplicação dos normativos elencados na conclusão última da alegação.

IV. CONCLUSÃO:
Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão sob recurso.
Sem custas (art. 3º nº 1 b) do CCJ).


Lisboa, 6 de Julho de 2006
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
Noronha do Nascimento
Abílio de Vasconcelos
Bettencourt de Faria (vencido por entender que "estando em causa a interpretação de diplomas que conferem direitos sociais, constitucionalmente quantidas, a interpretação deve acolher um sentido que melhor se acomode nos fins que a mesma prossegue", como foi entendido no voto de vencido em 2ª instância.