Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4496
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: DOCUMENTOS
NULIDADES
Nº do Documento: SJ200702130044961
Data do Acordão: 02/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Sumário : 1) À nulidade de um despacho, por imputação de qualquer dos vícios do nº1 do artigo 668º do CPC, é aplicável o regime do nº3 deste preceito (“ex vi” do nº3 do artigo 666º), que não as regras do artigo 205º, que se reportam a nulidades de actos que afectam a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo, não tendo a ver com a bondade de cada um, se analisado “per si”.
2) Se o documento não é oferecido com o articulado, poderá ser apresentado até ao encerramento da discussão em 1ª instância ou, no recurso, até ao início da fase dos vistos.
3) Então, o apresentante tem de alegar, e demonstrar, a impossibilidade de junção tempestiva, que pode ser objectiva (inexistência do documento no momento anterior) ou subjectivo (ignorância sobre a existência do texto ou impossibilidade de a ele aceder, aqui, mau grado o disposto no artigo 531º do Código de Processo Civil.
4) Se o documento é, face ao demonstrado, oferecido em momento oportuno, há que emitir um juízo sobre a sua necessidade ou pertinência.
5) A discussão da causa em 1ª Instância encerra-se – em termos de relevar para os efeitos do nº2 do artigo 523º – após os debates a que se refere o nº5 do artigo 652º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA" e mulher BB intentaram, na Comarca de Esposende, acção, com processo ordinário, contra CC e DD, pedindo a declaração do seu domínio sobre o prédio que identificam e a condenação dos Réus a reconhecerem esse direito de propriedade, procederem à sua restituição, indemnizarem os Autores com 2.280.000$00 e o que se for vencendo na pendência da acção, no montante diário de 20.000$00.

Os Réus contestaram e deduziram pedido reconvencional para condenação dos Autores a reconhecerem-nos como proprietários do imóvel.

Na primeira instância os Réus foram condenados no reconhecimento do domínio dos Autores e na sua restituição.

Improcederam os demais pedidos, incluindo o reconvencional.

Apelou a Ré DD, sendo que agravara de um despacho que não admitira a junção de documentos.

Os recursos não tiveram provimento na Relação de Guimarães.

Pediu, então revista, mas foram mandados seguir os termos do agravo, com efeito devolutivo.

Assim concluiu a sua alegação:

- A decisão sobre o recurso de agravo é nula por violar os artigos 668º nº3, uma vez que só arguidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão se desta não for admissível recurso ordinário.


- O Acórdão recorrido viola o artigo 32º nº2, 523º nº2 do CPC, que determina que ainda que seja obrigatória a constituição de advogado… as próprias partes podem fazer requerimentos em que não se levantem questões de direito.

- Viola os artigos 18º, 20º, 26º, 204º e 205º (este por não ter o tribunal permitido à ré efectuar a sua defesa com prova documental) da Constituição da República Portuguesa.

- Os documentos cuja junção foi negada em 1ª instância, posteriormente admitida, e que o Tribunal da Relação escusou-se a apreciar, o que constitui omissão de pronúncia, que leva à nulidade, nos termos conjugados dos artigos 668º nº1 d), primeira parte, 716º nº1, e 749º do CPC, vigorando aqui por clara imposição legal um sistema cassatório – cf. artigo 762º nº2 do CPC, revelam-se essenciais para a descoberta da verdade, e prova dos factos alegados pela ré recorrente.

- O Acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação na parte relativa ao alegado erro na apreciação da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª instância, por quanto apenas disserta sobre teoria, tese e doutrina, que podia ser incluída em quase qualquer Acórdão sobre um processo cível, e no que respeita ao presente processo em concreto limita-se a curtas afirmações conclusivas, sem a mínima fundamentação da decisão, sem permitir uma acção cognitiva que permita às partes perceber como chegou o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, à conclusão que plasmou no douto Acórdão recorrido.

- O Acórdão, em face do referido no artigo anterior é nulo por violar o artigo 205º da CRP e o artigo 668º nº1 b) do CPC.

- Ao não dar provimento à invocada nulidade, resultante de a gravação de áudio do depoimento testemunhal da testemunha EE, arrolada pela Ré, cujo depoimento confirmou os factos alegados por esta na contestação, o douto Acórdão recorrido violou o artigo 668º nº3 do CPC, violação essa de norma imperativa.

Contra alegaram os recorridos em defesa do julgado.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

1- Em 23/12/97, perante o notário do 1º Cartório da Secretaria Notarial de Barcelos, foi outorgada uma escritura denominada de compra e venda, onde figuram como vendedores FF e mulher GG e como comprador o autor AA, tendo por base o seguinte prédio:
Lote de terreno para construção urbana, designado lote de, com a área de 480m2, situado no lugar da ..., freguesia de ...., concelho de Esposende, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1200, com o valor tributável de 2.016.000$00, descrito na CRP de Esposende sob o nº10 12/Fo e nela inscrita a favor dele vendedor pela respectiva inscrição G-3.

2- Em 4/4/97, perante o notário do Cartório Notarial de Esposende, foi outorgada uma escritura denominada de compra e venda, onde figuram aqui os réus CC e mulher DD como vendedores e FF e Mulher GG como compradores, tendo por base o supra descrito prédio.

3- Pela apresentação nº 13 de 14/01/98, os autores fizeram registar a seu favor, na referida CRP, a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel referido em A), descrito sob o nº 01012/200397 com as seguintes confrontações: do norte com HH, do sul CC, do nascente Estrada Nacional 103 e do poente com arruamento.

4- O autor requereu em 11/02/98, neste tribunal, a notificação judicial avulsa dos réus para que estes se abstivessem totalmente de interferir na posse pelo requerente do lote de terreno em causa.

5- Nos autos de providencia cautelar comum, apensos, em que são requerentes os aqui autores e requeridos os aqui réus, foi ordenada a entrega provisória do lote de terreno acima referido aos autores, o que foi efectivado em 22/7/98, conforme auto de fls. 45 e 46 daqueles autos.

a) Os autores, por si e seus antecessores, desde há 30 e mais anos, têm usado o prédio acima referido, permanecendo no mesmo quando entendem, pagando as respectivas contribuições e impostos e decidindo tudo o que lhe respeite.
b) Assim actuando sempre na convicção de que lhes pertence o direito de propriedade correspondente.
c) Ignorando lesar o direito de outrem.
d) De modo pacifico e forma continuada.

6- E com conhecimento de quaisquer interessados, sendo que, os actos praticados directamente pelos AA se iniciaram após 23/12/97, e, a partir de 28/12/97, tais actos passaram a ser exercidos com a oposição do R.

7- Nos dias 28/12/97 e 4/1/98 quando o autor se encontrava no prédio descrito em 1) o réu marido disse ao autor que ele não poderia entrar mais no lote de terreno em questão tendo-o forçado a sair do mesmo.

8- Desde 4/4/97, e até à altura da celebração da escritura de venda de 23/12/97, os RR continuaram a usar o lote de terreno.

9- Os autores adquiriram o referido lote de terreno, conforme descrito em 1), com o propósito de aí edificar uma construção.

10- Os RR permanecem no lote e nele impedem a entrada dos AA.

11- A casa de habitação dos réus – o respectivo logradouro, piscina, garagem e anexos – sita no lugar da ..., freguesia de ...., concelho de Esposende, está implantada em dois lotes de terreno.

12- Os quais foram adquiridos pelos réus, um a II e mulher, e outro a JJ e mulher.

13- Lotes esses ligados entre si, como se de um único se tratasse, e totalmente vedados por um muro, como se de um único prédio se tratasse.

14- No entanto, apenas um dos lotes, onde fisicamente se encontra implantada a moradia, parte da piscina e parte do logradouro, se encontrava registado na CRP a favor dos réus.

15- Há mais de 40 anos que os RR, por si e antepossuidores, sempre se encontraram na total usufruição do referido prédio, de forma continua, ininterrupta e reiterada, com ciência e paciência gerais, em seu único e exclusivo proveito, o que assim sucedeu até à comunicação da decisão da providencia cautelar apensa, com o esclarecimento de que esses actos foram praticados na convicção de exercer o direito de propriedade sobre o referido prédio, pelo menos, até 4/4/97, e de que, a partir de 28/12/97, e até à comunicação da decisão da aludida providencia cautelar, tais actos passaram a ser exercidos com a oposição do A.

16- No período indicado os Réus e antepossuidores construíram a piscina, anexos, garagem, jardinando, colhendo frutos, pagando as respectivas contribuições.

Foram colhidos os vistos.

O objecto do recurso, limitado pelas conclusões da recorrente – artigo 684º nº3 do CPC – restringem-se às seguintes questões:

- Violação do nº3 do artigo 668º do CPC, na parte referente ao agravo.
- Violação da CRP por não permitir prova documental, arguição de nulidade resultante da gravação de prova testemunhal.
- Falta de fundamentação (quanto à decisão sobre a matéria de facto) geradora de nulidade.

Conhecendo,

1- Nulidades.
2- Documentos.
3- Conclusões.

1- Nulidades.

A recorrente agravou do despacho que indeferiu a junção de documentos sendo que, nas alegações, lhe assacou a nulidade de falta de fundamentação.
A Relação, apelando para o regime do artigo 205º do CPC, considerou tal alegação extemporânea, por não arguida no prazo de dez dias (entendendo ser caso de acto praticado na ausência da parte).
Sem razão, porem.
Como se julgou no Acórdão do STJ de 23 de Maio de 2006 – 06 A1090 – do mesmo Relator há que proceder ao “distinguo” entre nulidade de acto e nulidade – por vício formal – da sentença (ou de despacho, “ex vi” do nº3 do artigo 668º do CPC).

Arguida uma nulidade do processo, “nos termos do artigo 201º do CPC ,a mesma, a proceder, implica a anulação de todos os termos subsequentes que dele (do acto viciado) dependiam “absolutamente”.
“In casu”, tratando-se de acto ilegal impeditivo de contestação, seriam anulados os actos posteriores e, naturalmente, a sentença final.

Tratar-se-ia de nulidade secundária a afectar a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo, independentemente da bondade ou regularidade de cada um desses actos, quando analisados “per si”, ou seja, desinseridos da marcha processual.

A sentença seria afectada não por um vício próprio – intrínseco ou estrutural – mas como consequência da sua inserção num desenrolar de actos ligados entre si e como peça de uma cadeia integral, que é o processo.

Já o Prof. Paulo Cunha fazia o “distinguo” entre duas ordens de actos jurídicos: actos de significação individual ou singular, que valem por si mesmos e actos de significação colectiva, que só valem ou cujo regime jurídico só se explica por se conjugarem com outros actos. E subdividia os actos de significação colectiva em dois grupos: actos de massa, cujo valor ou regime jurídico depende de se enquadrarem num conjunto simultâneo e actos de sequência, cujo valor ou regime jurídico resulta de se enquadrarem numa seriação de actos destinados todos à obtenção de um fim ultimo comum.

Ora, os actos processuais são, precisamente, actos de sequência, surgindo não valorados em si mesmos mas na medida em que influem na finalidade comum do processo.

O artigo 201º do CPC ao projectar os efeitos da irregularidade para alem do acto irregular, considera que o vício detectado contendeu com o fim comum.

A sentença é, nesta perspectiva, um acto de sequência.

Mas o acto de significação colectiva pode, por sua vez, ter uma patologia própria.

E as patologias da sentença, em si mesma, em sede meramente formal, são elencadas nos artigos 667º e 668º do CPC.

De entre estas, umas podem ser sempre corrigidas, ou supridas, no juízo “a quo” (artigos 667º e 668º alínea a)); outras, embora possam ser supridas na instância recorrida (nº 4 do artigo 668º), devem ser arguidas perante o juízo “ad quem” se a sentença admitir recurso ordinário (nº 3 do artigo 668º).”

Nesta linha, tratando-se de assacar ao despacho o vicio de limite a que se refere a alínea b) do nº1 do artigo 668º da lei adjectiva, seria aplicável o regime do nº3 daquele preceito, devendo a arguição ser feita perante o juízo “ad quem”, já que a decisão admite recurso.

No entanto, e mau grado aquela conclusão, o Acórdão acabou por se pronunciar sobre o vicio arguido (“O que aconteceu, circunstancialmente, nos termos, suficientes expressos na récita narrativa de fls. 709 e 721 dos autos, em decisionismo voluntarista do circunstancial decisor”) – cf. fls. 871.

E embora, salvo o muito respeito, a linguagem não tivesse sido perfeitamente unívoca, ficou clara a apreciação da nulidade invocada.
Disse-se, de outra banda, que a junção de documentos deveria ter sido requerida pelo Advogado, não podendo sê-lo pela parte.
Embora se trate de mera afirmação, que, por si, não conduziu à improcedência do agravo, e que apenas relevou como mero argumento adjuvante, a mesma será infirmada pelo nº2 do artigo 32º do CPC.
É que, o pedido de junção de um documento (desacompanhado, v.g, de alegação sobre a sua tempestividade, de invocação sobre a sua necessidade, ou pertinência, no cotejo com as várias, e possíveis, soluções de direito ou, enfim, sem referencia ao tipo de força probatória exigível) não levanta questões de direito podendo ser formulado directamente pela parte.

2- Documentos.

Para não admissão de documentos tem de atentar-se na sua tempestividade e na sua necessidade e pertinência.
Se a parte pretende oferecer prova documental terá que atentar em dois aspectos: o momento da apresentação e a pertinência, ou necessidade, do documento.

Este percurso – tempo e conteúdo – é seguido pelo julgador.

O momento – regra, seria o do normal oferecimento de todos os meios de prova, a fase de instrução.

Mas a prova documental tem uma especificidade já que determina a junção do documento, quando espontaneamente oferecida pela parte, com o articulado respectivo (seja como fundamento da acção, seja como base da defesa).

È esta a fisiologia da oferta deste tipo de prova. (artigo 523º do Código de Processo Civil).

Em momento posterior, há que distinguir dois “ terminus ad quem”: o encerramento da discussão em primeira instância e na fase de recurso, aqui até ao inicio da fase de vistos.

Em qualquer das situações, o apresentante tem de alegar, e demonstrar, a impossibilidade de junção tempestiva.
Impossibilidade objectiva, se o documento não existia no momento adequado; impossibilidade subjectiva, se o requerente ignorava a sua existência ou a ele não tinha acesso (aqui, mau grado o disposto no artigo 531º).

A recorrente apresentou os documentos a 25 de Maio de 2005, depois de terminada a produção da prova.
Contudo, seguiu-se a fase de alegações, que tiveram lugar no dia 2 de Junho de 2005.
Ora, a discussão da causa, em 1ª Instância, encerra-se após os debates, fase em que “os advogados procurarão fixar os factos que devem considerar-se provados e aqueles que não o foram” (nº 5 do artigo 652º do CPC), como claramente resulta do nº1 do artigo 653º do CPC.
E por se tratar de documentos que se destinam à prova de factos, é este o momento que releva, que não o da discussão do aspecto jurídico da causa, nos termos e para os efeitos do nº2 do artigo 523º.
Daí que, não tendo sido apresentados com o articulado onde foram alegados os factos que se destinam a provar, poderão sê-lo – salvo os casos de superveniência objectiva ou subjectiva – até ao encerramento da discussão (nº2 do artigo 523º), sem prejuízo de aplicação de multa (artigo 102º b) do Código das Custas Judiciais) se a parte não lograr convencer da impossibilidade de junção tempestiva.

Previamente, deverá o Juiz pronunciar-se sobre a pertinência e necessidade dos documentos oferecidos, “ex vi” do nº1 do artigo 543º da lei processual.
Ora, “in casu”, não foi proferido esse juízo sobre a pertinência, sendo que só após ele – e considerando a não intempestividade absoluta por a junção ter sido requerida antes do encerramento da discussão da causa em 1ª instância, embora, eventualmente, sancionável com multa – podia ser determinada, ou não, a saída dos autos.
Nesta perspectiva procede a conclusão do recorrente, devendo anular-se o Acórdão recorrido para, e se possível, com os mesmos Juízes Desembargadores, se pronunciar nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 543º e, concluindo pela bondade da junção, decidir dos seus reflexos na matéria de facto e decisão de mérito.

3- Conclusões.

De concluir, em consequência:

a) À nulidade de um despacho, por imputação de qualquer dos vícios do nº1 do artigo 668º do CPC, é aplicável o regime do nº3 deste preceito (“ex vi” do nº3 do artigo 666º), que não as regras do artigo 205º, que se reportam a nulidades de actos que afectam a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo, não tendo a ver com a bondade de cada um, se analisado “per si”.
b) Se o documento não é oferecido com o articulado, poderá ser apresentado até ao encerramento da discussão em 1ª instância ou, no recurso, até ao início da fase dos vistos.
c) Então, o apresentante tem de alegar, e demonstrar, a impossibilidade de junção tempestiva, que pode ser objectiva (inexistência do documento no momento anterior) ou subjectivo (ignorância sobre a existência do texto ou impossibilidade de a ele aceder, aqui, mau grado o disposto no artigo 531º do Código de Processo Civil.
d) Se o documento é, face ao demonstrado, oferecido em momento oportuno, há que emitir um juízo sobre a sua necessidade ou pertinência.
e) A discussão da causa em 1ª Instância encerra-se – em termos de relevar para os efeitos do nº2 do artigo 523º – após os debates a que se refere o nº5 do artigo 652º do CPC.

Assim, acordam dar provimento ao agravo, determinando que os autos voltem à Relação para que, se possível com os mesmos Excelentíssimos Desembargadores, se pronuncie sobre a pertinência e necessidade dos documentos e ulteriores termos.

Custas a cargo dos agravados.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2007

Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho