Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B3799
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: CASO JULGADO
EXECUÇÃO POR ALIMENTOS
PRESCRIÇÃO
ADVOGADO
CONTRATO DE MANDATO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: SJ20071122037997
Data do Acordão: 11/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. Quando a decisão proferida sobre a relação litigada entre as partes tenha reflexos jurídicos sobre terceiros, afectando qualquer seu direito, a eficácia dessa decisão não se lhes pode opor. Porque titulares de uma relação dependente daquela que apreciada e decidida foi entre as partes processuais, esses terceiros são juridicamente interessados na definição dessa relação.
A decisão que se pronunciou sobre a prescrição e definiu o respectivo prazo não se impõe à recorrente e podia, por isso, ser aqui reaberta a discussão sobre o prazo de prescrição.
2. O art. 310° encurta, a título excepcional, o prazo de prescrição.
Por sua vez o art. 311° C.Civil abre uma excepção à excepção do art. 310° ao sujeitar, no que concerne às prescrições de curto prazo, ao prazo ordinário de prescrição os direitos reconhecidos por sentença passada em julgado ou por outro título executivo.
Mas se a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo. 3. Incumbe ao advogado tratar com zelo as questões que lhe são confiadas, fazendo uso da sua experiência e saber. Não fica vinculado à prossecução de determinado resultado, mas apenas pôr toda a diligência no tratamento dessas questões. Por isso é que o advogado não pode ser responsabilizado pelo inêxito de uma acção que tratou com o zelo e diligência exigíveis ou só porque viu a posição por si defendida não ser jurisprudencialmente acolhida.
Mas já tem de ser responsabilizado se omitiu um estudo cuidado e zeloso da questão que lhe foi confiada.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório


AA, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário,

contra BB, pedindo que seja condenado a pagar-lhe a quantia de 16.884,31 €, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 5.635,33 €, e vincendos até integral pagamento, e da sanção pecuniária compulsória no montante de 3.876,45 €, como compensação pelos danos que a actuação negligente do réu, enquanto seu mandatário, lhe ocasionou.

Contestou o réu, alegando, no essencial, que dispensou a todos os assuntos em que patrocinou a autora a melhor atenção e diligência, inexistindo qualquer omissão culposa da sua parte enquanto mandatário daquela.
E requereu a intervenção principal de CC - Companhia de Seguros S.A., para a qual transferira a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros no exercício da sua profissão.

Admitida a intervenção da chamada CC, apresentou esta articulado próprio sustentando, em síntese, que o réu sempre actuou segundo os padrões de diligência exigíveis, não violando qualquer disposição estatutária ou geral, além de que o direito da autora não prescrevera.
E pede, por isso, a improcedência da acção.

Saneado o processo e fixados os factos considerados assentes e os controvertidos, tendo lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.
Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e o réu condenado a pagar à autora a quantia de € 1.799,08 e a interveniente a quantia de € 16.191,74, acrescidas de juros desde a data da sentença até integral pagamento.

Inconformados quanto ao assim decidido, apelaram o réu (mas não admitido o recurso), a interveniente e a autora, fazendo-o esta subordinadamente, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença recorrida.

De novo irresignado, recorre agora de revista a interveniente para este Tribunal, pugnando pela improcedência da acção.

Contra-alegou a autora em defesa da manutenção do decidido, sustentando que o prazo prescricional é aqui de cinco e não de vinte anos.

***


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir


II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, com que remata as suas alegações, o inconformismo da recorrente radica, em síntese, no seguinte:

1- O segurado da recorrente, Dr. BB, patrocinou, entre outras, as acções de divórcio da recorrida e do seu cônjuge .... e de Regulação do Poder Paternal, as quais correram os seus trâmites pela 1ª Secção do 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais.

2- Nos embargos opostos à execução instaurada para obtenção do pagamento das prestações alimentares fixadas a favor dos filhos da recorrida, foi declarada, por decisão transitada, a prescrição da dívida.

3- Embora as prestações alimentícias prescrevam, por força do disposto na alínea f) do artigo 310° do Código Civil, em cinco anos mas, no caso dos autos, porque sobreveio sentença que as reconheceu e definiu o prazo de prescrição delas, passou de cinco para vinte anos por forca das disposições conjugadas dos artigos 311° n° 1 e 309° do Código Civil.

4- Por isso, tendo a execução por alimentos sido instaurada em 29 de Junho de 2000, foi-o em tempo pelo que a decisão judicial que considerou prescrito tal direito carece de fundamento e traduz jurisprudência não previsível para um advogado.

5- Acresce que o Dr. RL ao apresentar, em 19 de Abril de 1995, requerimento em que solicitava que a Caixa Geral de Aposentações procedesse aos adequados descontos, requerimento esse notificado ao requerido CF, praticou um acto no processo pelo qual manifestou a intenção da autora pretender ser paga das prestações em dívida pelo que mesmo a admitir-se que o prazo prescricional era de cinco anos, tal prazo tem de haver-se por interrompido antes de decorridos os cinco anos sobre a data da constituição da dívida.

6- E novo facto interruptivo da prescrição foi, ainda, praticado pelo Dr. RL, no patrocínio da autora, ao apresentar, em 9 de Novembro de 1995, novo requerimento indicando o valor global das prestações alimentícias em dívida.

7- Não o entendendo assim, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 311°, n° 1, 309° e 323º, nº 1, do Código Civil.

8- Finalmente, há que reconhecer que o cônjuge da autora, CF, reconheceu, tacitamente, a dívida emergente do direito às prestações alimentícias ao nada dizer face àqueles requerimentos.

9- E o Dr. BB invocou a interrupção da prescrição.

10- A apreciação da questão do prazo prescricional, por ser nela que assenta a causa de pedir e o erro imputado ao Dr. RL, leva à conclusão que a interpretação que das normas legais aplicáveis fez aquele advogado era o correcto consoante com o entendimento que deles se extrai, pelo que actuou de acordo com a “legis artis”.

11- Não o entendendo assim, o acórdão recorrido, para além de ter violado as disposições legais que se deixaram referidas, violou, igualmente, os artigos 798° n° 2, 1157° e 1161° do Código Civil e a al. d) do n° 1 do artigo 83° do Estatuto da Ordem dos Advogados ao tempo em vigor (Decreto-Lei n° 84/84, de 16/03).


B- Face ao teor das conclusões formuladas, delimitativas do âmbito do recurso, as questões controvertidas a decidir reconduzem-se a averiguar:
- qual o prazo de prescrição;
- se ocorreu interrupção desse prazo;
- se o mandatário da autora agiu negligentemente.


III. Fundamentação


A- Os factos

No acórdão recorrido deram-se como assentes os seguintes factos:

1. A autora constituiu o réu seu mandatário para a patrocinar no processo de divórcio litigioso contra si intentado por seu marido, CF, que correu termos pela 1ª Secção do 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais sob o n° 169/91.

2. Por apenso àquele processo foi requerida, em 14 de Julho de 1993, a regulação do poder paternal, referente aos dois filhos então menores do casal,FC e MC, nascidos a 27-03-1978 e 19-041979, respectivamente.

3. Por sentença de 24 de Fevereiro de 1995, transitada em julgado em 16 de Março seguinte, foi estabelecida a regulação do poder paternal, tendo sido decidido que o requerido entregaria à requerente, até ao dia 5 de cada mês de calendário, através de numerário, cheque ou vale postal, uma prestação alimentar no montante de 40.000$00 (equivalente a € 199,52), relativamente a cada um dos seus filhos e no quantitativo global de 80.000$00 (equivalente a € 399,04), devida desde a data da propositura da acção (15 de Julho de 1993) e até atingirem a maioridade.

4. O ali requerido não efectuou o pagamento das prestações fixadas.

5. Pelo que, em 19 de Abril de 1995, o réu apresentou, nos autos de translado que correram pelo 3º Juízo Cível da Comarca de Cascais, sob o nº 5227-B, requerimento solicitando que fosse notificada “a Caixa Geral de Aposentações para proceder, mensalmente, ao desconto da importância de Esc.: 140.000$00 na pensão do requerido, remetendo tal importância à requerente, sendo Esc.: 80.000$00 respeitantes à prestação mensal respectiva e Esc.: 60.000$00 para amortização das prestações já vencidas”.

6. Em 26 de Junho de 1995, tal requerimento mereceu o seguinte despacho:
“Atendendo ao valor em dívida, bem como ao montante da pensão recebida pelo requerido (160.460$00 líquidos em Março de 1994) e despesas do mesmo mencionadas na respectiva sentença, ao abrigo do disposto no artigo 189º, nº 1 e al. c) da OTM, uma vez que o requerido devidamente notificado não nega a dívida, determino que se proceda ao desconto directo, pela C. Geral de Aposentações, do montante da pensão fixada (40.000$00) para cada filho, no total de 80.000$00), até à sua maioridade, devendo as importâncias ser remetidas directamente à mãe, ora requerente.
DN.
Notifique-se a CGA para que informe qual o montante actual da pensão paga ao requerido”.

7. Em 30 de Junho de 1995, pelo ofício nº 1278, o Tribunal notificou a Caixa Geral de Aposentações do teor deste despacho.

8. Em 6 de Novembro de 1995, o réu foi notificado para indicar o montante global de alimentos em dívida.

9. Tendo, por requerimento entrado em 9 de Novembro de 1995, o réu esclarecido o Tribunal que “o montante dos alimentos em dívida ascende a Esc.: 1.960.000$00 (um milhão e novecentos e sessenta mil escudos), ou seja, as prestações devidas desde 15 de Julho 1993 até ao mês de Julho de 1995, inclusive”.

10. Em 8 de Fevereiro de 1996, o réu foi notificado do seguinte despacho datado de 19 de Janeiro de 1996:
“Nos termos do artº. 189º da OMT, foi a fls. 12 v., determinado que se procedesse ao desconto mensal de 80.000$00 na pensão auferida pelo requerido que, à data de Julho de 1995, era de 167.500$00.
O montante dos alimentos em dívida ascende a 1.960.000$00 – desde Junho de 1993 até Julho de 1995, inclusivé.
Ora, atendendo a que o desconto mensal se aproxima já de 50% da pensão recebida e que o montante em dívida é consideravelmente elevado, afigura-se desproporcionado exigir nos autos para que se proceda a outros descontos a suportar pela referida pensão.
Por outro lado, a requerente poderá exercer o seu direito à execução dos alimentos em dívida, coercivamente, nos termos do artº. 190º, nº 4 da OTM e 1118º, do C.P.C..
Nestes termos indefere-se o requerido quanto aos descontos das prestações em dívida.
Custas pelo requerido quanto às prestações alimentares a descontar.
Valor: 40 UC’s
Notifique”

11. Notificado dos despachos referidos em 6 e 10, CF nada requereu nesse processo.

12. Os filhos da autora atingiram a maioridade em 27.3.96 e 19.4.97.

13. Pelo menos a partir do segundo semestre de 1997, a autora instou o réu no sentido de accionar a execução das prestações vencidas desde 15.7.93 a 8.95, no valor de 1.960.000$00.

14. Mais do que uma vez por ano, telefonicamente ou em conferências tidas no escritório do réu, tendo este sempre respondido que ficasse sossegada, pois o assunto estava debaixo do seu controle, sendo o prazo de prescrição de cinco anos.

15. O executado auferia uma pensão de aposentação pela Caixa Geral de Aposentações.

16. Por sentença de 19 de Abril de 1999, transitada em julgado, proferida no Processo n° 130/97, do 1° Juízo Cível da Comarca de Cascais, foi decretado o divórcio entre a autora e CF.

17. Através do requerimento inicial entrado em 29 de Junho de 2000, a autora instaurou execução por alimentos contra CF, pelo montante de 3.385.001$00 (equivalente a € 16.884,31), incluindo os juros moratórios vencidos até 1 de Julho de 2000, calculados à taxa legal supletiva e acrescidos de 5% correspondente à sanção pecuniária compulsória do art. 829º-A nº 4 CC, nomeando à penhora a meação do requerido nos bens comuns do casal.

18. Veio o executado CF deduzir embargos à execução, arguindo duas excepções: a ilegitimidade da exequente e a prescrição da dívida.

19. Contestando os embargos, pugnou o réu pela improcedência de qualquer das excepções e, quanto à prescrição, aduziu que “o crédito exequendo acha-se reconhecido por sentença transitada em julgado em 16 de Março de 1995”, pelo que está sujeito ao prazo ordinário da prescrição que é de 20 anos.

20. Por sentença proferida em 28 de Dezembro de 2002, a exequente foi julgada parte legítima e, no que concerne à excepção de prescrição, foi decidido que “A norma constante do art.°. 311º./1 do Código Civil, não pode ser invocada pois a sentença condenou apenas no pagamento das prestações alimentares, não tendo reconhecido qual o montante que se encontrava em dívida”.

21. Interposto e admitido o competente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, foram apresentadas alegações, em 19 de Fevereiro de 2003, onde se concluiu:
“A sentença exequenda proferida em 24 de Fevereiro de 1995 reconheceu o crédito das prestações alimentícias desde a data da propositura da acção – art.°. 2006°. Do Código civil.
Por outro lado, em Junho de 1995, o executado foi notificado do montante das prestações então em dívida que a exequente exigia receber – e não negou a dívida.
Assim, não se encontra prescrita qualquer das prestações alimentícias exequendas.
A sentença recorrida infringiu o preceituado nos art°s. 309°., 311°.-1 e 323°., todos do Código Civil.
Consequentemente, deve dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, julgando-se não provados e improcedentes os embargos.”.

22. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Julho de 2003, foi revogada a decisão recorrida, julgando os embargos improcedentes dada a não prescrição, aí se consignando:
“Afirma-se que a sentença ou outro título executivo «transforma a prescrição a curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos» ex vi n° l do art.° 311° CC, as prestações alimentícias de que se trata aqui são todas vencidas, não vincendas já que a sentença que as fixou é uma decisão aparelhada para tal efeito retroagindo ao seu momento inicial, mesmo ocorrendo alteração (prof. I. G. Telles)”.

23. Em 15 de Março de 2003, o réu cessou a prestação de serviços à autora, pelo que já não teve intervenção nos termos do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pelo embargante CF.

24. O acórdão referido em 22 foi revogado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.1.2004 (Revista n° 4352/2003), que manteve a decisão da 1ª instância, por haver considerado ter ocorrido a prescrição.

25. O réu celebrou com a Companhia de Seguros Império, hoje CC – Companhia de Seguros, S A, um contrato de seguro nos termos do qual transferiu para esta seguradora a sua responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros no exercício da sua profissão de advogado (Apólice n° 2-1-91-040393/01 junta a fls. 117.


B- O direito


1. prazo prescricional


1.1- Nos embargos à execução contra si instaurada pela aqui autora para cobrança dos alimentos em dívida aos filhos de ambos, veio o executado CF suscitar a prescrição da dívida exequenda, tendo-se reconhecido, por decisão transitada em julgado, que o prazo de prescrição era de cinco anos e que a dívida se encontrava prescrita.
Tendo a excepção da prescrição sido aí já decidida, e definitivamente, podia-se questionar se a mesma ainda poderia agora ser aqui novamente discutida.

A recorrente não teve intervenção nesses autos, nem na execução nem nos embargos, sendo completamente alheia a essas acções.
Efectivamente, o direito e a solicitação da correspondente tutela jurídica foi afirmado e feito valer naquelas acções apenas pela aqui autora e seu ex-marido CF, reciprocamente.
Segundo o estatuído no art. 498º C.Pr.Civil, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição da causa e esta repete-se, desde logo, quando as partes sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Quando a decisão proferida sobre a relação litigada entre as partes tenha reflexos jurídicos sobre terceiros, afectando qualquer seu direito, a eficácia dessa decisão não se lhes pode opor. Porque titulares de uma relação dependente daquela que apreciada e decidida foi entre as partes processuais, esses terceiros são juridicamente interessados na definição dessa relação. E, como tal, a eficácia do caso julgado não se lhes estende porque nenhuma intervenção tiveram na acção onde aquela relação foi discutida e porque, como refere Manuel de Andrade(1), a existência da relação principal não implica a do subordinado.

Na situação vertente, sem dúvida que a responsabilidade civil da seguradora não pode existir nem subsistir sem o contrato de mandato estabelecido entre autora e réu BB, o que equivale por afirmar que a seguradora é titular de uma relação dependente da relação discutida entre aquelas partes.
A decisão que se pronunciou sobre a prescrição e definiu o respectivo prazo não se impõe à recorrente e podia, por isso, ser aqui reaberta a discussão sobre o prazo de prescrição, como se decidiu no acórdão recorrido e as partes aceitaram.


1.2- Ao executado CF foi exigido pela exequente, aqui autora, uma prestação alimentar no montante de 40.000$00 (equivalente a € 199,52), relativamente a cada um dos seus filhos e no quantitativo global de 80.000$00 (equivalente a € 399,04), devida desde a data da propositura da acção (15 de Julho de 1993) e até atingirem a maioridade.
A quantia exequenda reportava-se a prestações alimentares devidas à autora a título de sustento de seus filhos.
Segundo a al. f) do art. 310º C.Civil, as prestações alimentícias vencidas prescrevem no prazo de cinco anos, prazo esse contado desde o momento do respectivo vencimento, de acordo com o nº 1 do art. 306º C.Civil.
O art. 310º encurta, a título excepcional, o prazo de prescrição.
Por sua vez o art. 311º C.Civil abre uma excepção à excepção do art. 310º ao sujeitar, no que concerne às prescrições de curto prazo, ao prazo ordinário de prescrição os direitos reconhecidos por sentença passada em julgado ou por outro título executivo.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu esta questão trata-se de direitos já constituídos em relação aos quais surgiu posteriormente controvérsia e que, por sentença passada em julgado foram reconhecidos, ou que passaram a constar de um título com força executiva.
Mas se a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo –nº 2 do art. 311º.
Na situação em apreço, e em consonância com a fundamentação expendida no citado acórdão, o direito de crédito da autora foi concretizado na sentença dada à execução, sentença transitada em julgado, e, a partir de então, esse crédito ficou definido. E, desde a sua constituição, esse direito não se tornou controvertido.
Por outro lado, o executado foi condenado no pagamento de prestações futuras, prestações essas ainda não vencidas, mas com efeitos desde a propositura da acção: prestação … devida desde a data da propositura da acção (15 de Julho de 1993) e até atingirem a maioridade.
Ora, segundo o disposto no nº 2 do citado art. 311º, a prescrição deste direito de crédito é de cinco anos, ainda que as prestações vincendas só vão sendo devidas à medida que decorrer cada mês, concretamente o dia 5 de cada mês de calendário.
Como a acção executiva foi instaurada para lá do prazo de cinco anos em que a autora podia exigir do executado cada uma destas prestações alimentares, não foi respeitado o prazo excepcional a que alude o nº 2 do art. 311º, pelo que se mostra prescrito o direito de crédito e prescrito relativamente a todas as prestações.


2. interrupção do prazo prescricional

Sustenta ainda a recorrente que o prazo prescricional, a ser de cinco anos, se interrompeu, quer porque a exequente manifestou a intenção de pretender ser paga das quantias que lhe eram devidas, quer porque o executado reconheceu tacitamente a dívida.
A prescrição interrompe-se, diz-se no nº 1 do art. 323º C.Civil, pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito…
Para o art. 325º C.Civil dispor que é ainda causa de interrupção da prescrição o reconhecimento, ainda que tácito, do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
A prescrição não é de conhecimento oficioso, tendo de ser invocada por aquele a quem aproveita, pelo seu representante, ou pelo MP, tratando-se de incapazes, para ser eficaz –art. 303º C.Civil.
A prescrição não acarreta ipso iure a extinção do direito, tendo de ser invocada.
A recorrente foi condenada com base no contrato de seguro através do qual o réu BB transferiu para si a responsabilidade civil pelos danos ocasionados a terceiros no exercício da sua profissão de advogado.
A obrigação assumida foi a de responder pelas indemnizações devidas pelo segurado. Responde, por isso, na medida em que for responsável o segurado.
A seguradora pode invocar contra o lesado todos os factos que afectem a existência e o montante do crédito contra o segurado, podendo, como afirma Leite de Campos(2), discutir os danos, excepcionar o pagamento feito pelo segurado, e, bem assim, a prescrição.
Se a obrigação prescrever relativamente ao segurado também prescreve a da seguradora, porquanto essa prescrição é da obrigação do segurado perante terceiro, que a seguradora se obrigou a suportar se e na medida em que aquele seja responsável.
O facto interruptivo da prescrição promovida pelo titular consiste, como defendem Pires de Lima e Antunes Varela(3), no conhecimento que teve o obrigado, através duma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito. Não integra tal facto, não tendo, por isso, efeito interruptivo o simples requerimento em que se exprima a intenção de exercer o direito.
Por outro lado, e como já referido, a prescrição não é de conhecimento oficioso, tendo de ser invocada pelo respectivo beneficiário.
Do mesmo modo, os factos interruptivos também têm de ser invocados para poderem ser considerados.
Ora, como bem se refere no acórdão recorrido, a embargada, aqui autora, não alegou, no momento processual adequado, os factos interruptivos da prescrição, concretamente a data em que ela teria ocorrido, o que era fundamental, já que, tendo a execução sido instaurada em 29/6/2000, havia que apontar expressamente o dia exacto do mês de Junho de 1995 em que o executado teria sido notificado do montante das prestações em dívida.
Efectivamente, assim é. Sabe-se que o despacho que determinou os descontos na pensão do executado/embargante lhe foi notificado, o que poderia funcionar como acto interruptivo da prescrição. Só que a exequente/embargada não chegou sequer a invocar, em sede de contestação dos embargos, essa interrupção da prescrição e apenas, em alegações de recurso, o vem expressamente fazer.
A embargada não manifestou, no local e momento oportuno, a intenção de se aproveitar de qualquer facto interruptivo da prescrição que tivesse ocorrido. E não tendo manifestado essa intenção, e como esta situação não é de conhecimento oficioso, não foi possível averiguar se o réu BB, segurado da recorrente, incorreu em responsabilidade perante a autora, sua constituinte.

Falece, pois, razão à recorrente quanto à interrupção da prescrição.


3. actuação negligente do mandatário da autora

De harmonia com o disposto no art. 83°, n° l do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pelo Dec.-Lei 84/84, de 16 de Março, então em vigor, nas relações com o cliente constituem deveres do advogado … dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas -al. c); estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade -al. d).
Por sua vez, estatui-se no nº 2 do art. 6º da LOFTJ que, no exercício da sua actividade, os advogados gozam de discricionariedade técnica e encontram-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão.

Incumbe ao advogado tratar com zelo as questões que lhe são confiadas, fazendo uso da sua experiência e saber. Não fica vinculado à prossecução de determinado resultado, mas apenas pôr toda a diligência no tratamento dessas questões. Por isso é que o advogado não pode ser responsabilizado pelo inêxito de uma acção que tratou com o zelo e diligência exigíveis ou só porque viu a posição por si defendida não ser jurisprudencialmente acolhida.
Mas já tem de ser responsabilizado se omitiu um estudo cuidado e zeloso da questão que lhe foi confiada.
Da conjugação da norma do citado art. 83º, com a do art. 798º C.Civil, são pressupostos da responsabilidade civil, para além do dano e do nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, o facto voluntário e culposo do advogado com violação dos seus deveres deontológicos.
O facto tem que decorrer da falta de diligência na abordagem da questão a tratar. E, para além disso, tem de ser passível de censura, integrar um erro profissional indesculpável.

Na situação em análise, temos que, pelo menos a partir do segundo semestre de 1997, a autora instou o réu, mais do que uma vez por ano, telefonicamente ou em conferências tidas no seu escritório, para accionar a execução das prestações alimentares vencidas desde 15.7.93 a 8.95. E este sempre respondeu que ficasse sossegada, que o assunto estava debaixo do seu controle, sendo o prazo de prescrição de cinco anos. E, apesar disso, só veio a instaurar a execução apenas em 29/6/2000, e, em sede de contestação de embargos, limitou-se a invocar a prescrição ordinária de 20 anos, não alegando qualquer facto interruptivo da prescrição de curto prazo invocada pelo embargante, acabando a prescrição por ser declarada por decisão transitada em julgado.

O advogado da autora tinha profissionalmente interiorizado que o prazo prescricional era de cinco anos, como várias vezes lhe comunicou. Mas mesmo assim deixou esgotar esse prazo, sem que intentasse a acção para obter a cobrança das quantias a que a sua cliente tinha direito. E, para além disso, na contestação aos embargos deduzidos a essa execução, não invocou os factos interruptivos da prescrição, que até existiam, e que levariam a que a prescrição não tivesse operado.
Decorre deste circunstancialismo que o advogado não foi zeloso no tratamento da questão do seu cliente, negligenciando a instauração tempestiva da respectiva acção, quando tinha consciência de que o prazo estava a expirar.
Para além disso, também não foi cuidadoso e zeloso na oposição apresentada aos embargos, omitindo a invocação de situações que bloqueariam a eficácia da prescrição invocada pelo embargante.
Esta actuação constitui um indesculpável erro funcional, o que significa que é culposa.
Tendo o réu BB praticado um facto ilícito e sendo a sua actuação culposa, e verificados os demais requisitos da responsabilidade civil, que não foram questionados, constitui-se ele na obrigação de indemnizar a autora pelos danos decorrentes dessa actuação, indemnização que a recorrente, por força do contrato de seguro, tem de suportar.


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em negar a revista.

Custas pela recorrente.




Lisboa, 22 de Novembro de 2007


Alberto Sobrinho ( relator)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Salvador da Costa

____________________________

(1) in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 313
(2) in Seguro da Responsabilidade Civil, pág. 93/94
(3) in Código Civil, Anotado, I, 4ª ed., pág. 290