Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
736/14.9TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: REGULAMENTO CE 44/2001
DECLARAÇÃO DE EXECUTORIEDADE
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DUPLA CONFORME
EXECUÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA
ESTADO ESTRANGEIRO
REQUISITOS
DECISÃO PROVISÓRIA
TRÂNSITO EM JULGADO
ORDEM PÚBLICA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA
ABUSO DO DIREITO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
INDEFERIMENTO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 03/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - DECISÕES DOS ESTADOS MEMBROS EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL / RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DAS DECISÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Doutrina:
- DÁRIO MOURA VICENTE, «Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001», in Scientia Iuridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LI, nº 293, 2002, 356.
- LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, vol. III, Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, 2002, 280-283.
- MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA e DÁRIO MOURA VICENTE, Comentário à Convenção de Bruxelas, 1994, 52.
- MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, «Âmbito de aplicação do Regulamento nº 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000 (Regulamento Bruxelas I)», Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço, 676-691.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 671.º, N.º1, 706.º, N.º 1, 978.º, N.º 1.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001 DO CONSELHO DE 22 DE DEZEMBRO DE 2000, RELATIVO À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA, AO RECONHECIMENTO E À EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL: - ARTIGOS 1.º, N.ºS 1 E 2, 31.º, 32.º, 34.º, 35.º, 37.º, N.º 1, 38.º,N.º 1, 39.º, N.º 1, 41.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º.
TJUE: - ARTIGO 267.º.
Legislação Estrangeira:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL LUXEMBURGUÊS: - ARTIGO 938.º, §1.º E §2.º
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):

-DE 17.11.1998, PROC. C-391/95 (VAN UDEN/DECO-LINE) E DE 27.04.1999, PROC. C-99/96 (MIETZ/INTERSHIP YACHTING SNEEK)
- DE 21.05.1980, PROFERIDO NO PROC. C-125/79 (DENILAULER/COUCHET FRÈRES).
- DE 13.10.2011, PROC. C-139/10 (PRISM INVESTMENTS BV / JAAP ANNE VAN DER MEER),
-DE 02.06.1994, PROC. N.º C-414/92 (SOLO KLEINMOTOREN/BOCH)
-DE 28.03.2000, PROC. N.º C- 7/98 (KROMBACH/BAMBERSKI)
-DE 04.02.1988, PROC. C-145/86 (H. L. M. HOFFMANN/A. KRIEG); DE 10.10.1996, PROC. C-78/95 (HENDRIKMAN E FEYEN/MAGENTA); DE 28.03.2000, PROC. C-7/98 (DIETER KROMBACH/ANDRÉ BAMBERSKI); DE 11.05.2000, PROC. C-38/98 (RÉGIE NATIONALE DES USINES RENAULT SA/MAXICAR SPA E ORAZIO FORMENTO); DE 28.04.2009, PROC. C-420/07 (MELETIS APOSTOLIDES/DAVID CHARLES ORAMS E LINDA ELIZABETH ORAMS); DE 06.09.2012, PROC. C-619/10 (TRADE AGENCY LTD. / SERAMICO INVESTMENTS, LTD).
-DE 23.10.2014, PROC. C-302/13 (FLYLAL-LITHUANIAN AIRLINES AS /STARPTAUTISKÂ LIDOSTA RÎGA VAS E AIR BALTIC CORPORATION AS).
-DE 06.10.1982, PROC. C-283/81 (CILFIT).
-DE 11.08.1995, PROC.432/93 (SISRO/AMPERSAND)].
Sumário :

I - Em processo de declaração de executoriedade de sentença estrangeira, apesar da coincidência das decisões das instâncias – que a declararam executória – é admissível recurso para o STJ do acórdão da Relação, em virtude de ter sido nesta 2.ª instância que, pela primeira vez, se apreciou da verificação das condições das quais depende ou a atribuição ou a recusa de executoriedade à decisão estrangeira, não sendo, em consequência, aplicável a restrição decorrente da dupla conforme prevista no n.º 3 do atual art. 671.º do CPC.

II - Enquanto o reconhecimento de decisões estrangeiras consiste na extensão a um segundo Estado dos efeitos processuais que elas produzem no Estado de origem, a execução de decisões estrangeiras consiste na atribuição de executoriedade a essas decisões (isto é, consiste na concessão da qualidade de título executivo a essas decisões num Estado diferente daquele que é o Estado da sua origem), só podendo, assim, recair, sobre decisões com um conteúdo condenatório.

III - A declaração de executoriedade de uma decisão estrangeira pressupõe: (i) que esta decisão satisfaça as condições para ser reconhecida no Estado da sua origem; e (ii) que seja, ela própria, título executivo no mesmo Estado de origem (art. 38.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001).

IV - Para efeitos de reconhecimento e execução, é relevante uma decisão, na definição ampla do art. 32.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, proferida em matéria civil e comercial, com conteúdo definitivo ou provisório, independentemente de decorrer de uma ação, providência cautelar ou procédure de référé, aplicando-se as mesmas regras para qualquer tipologia da relação processual ou forma de tutela concedida.

V - Não beneficiam, porém, do regime de reconhecimento e execução, as decisões que autorizem medidas provisórias, sem cumprimento do contraditório, isto é, sem citação do requerido e que devam ser executadas sem prévia comunicação a essa parte.

VI - O trânsito em julgado da decisão não é um requisito do reconhecimento ou da execução de uma decisão estrangeira (cf. arts. 37.º, n.º 1, e 46.º,n.º 1, ambos do Regulamento (CE) n.º 44/2001): a circunstância de a decisão ser objeto de recurso ordinário no Estado de origem ou ainda não ter expirado o prazo para a sua interposição não obsta ao seu reconhecimento ou execução no Estado requerido, desde que a decisão não transitada seja considerada título executivo pela própria lei do Estado de origem.

VII - Deve ser declarada a executoriedade, no Estado português requerido, do acórdão proferido pelo Cour d’Appel du Grand Duché de Luxemburgo, que condenou o banco requerido, a pagar aos requerentes, “par provision” (a título provisório ou de provisão), a quantia de € 3 527 000, acrescida de juros legais até integral pagamento, o qual mantendo a eficácia própria da sua natureza de “medida provisória antecipatória”, pode servir de base à execução “provisória” da obrigação patrimonial para pagamento de quantia certa, no tribunal do mesmo Estado, sendo, ele próprio, título executivo, à luz da lei do Estado de origem (art. 938.º, § 2, do NCPC luxemburguês), onde, inclusivamente, já é objeto de execução provisória.

VIII - A interpretação restritiva do conceito de “medidas provisórias ou cautelares” do TJUE nos Acórdãos Van Uden/Deco-Line e Mietz/Intership Yachting Sneek – que exclui do conceito a medida provisória “antecipatória” – é efetuada apenas para efeitos de aferição da competência do “juiz das medidas provisórias”, que não seja competente para a ação definitiva, ou seja, na aceção relevante à luz do art. 31.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, que se reporta ao âmbito da competência direta e não na aceção dos arts. 32.º e 38.º do mesmo Regulamento, que atendem ao âmbito da competência indireta.

IX - Os tribunais dos Estados-membros podem recusar a concessão do exequatur a uma decisão proferida por um tribunal de um outro desses Estados, se essa concessão determinar uma violação inaceitável de princípios estruturantes do seu ordenamento jurídico ou que contrarie os princípios comunitários, certo que, não devendo ser dificultada a circulação de decisões entre os Estados-membros, segundo a jurisprudência do TJUE, a reserva da ordem pública do Estado requerido só deve operar em casos muito excecionais.

X - A ofensa da ordem pública pode respeitar: (i) à ordem pública material, quando envolva a violação de princípios e normas de direito material ou de Direito Internacional Privado (v.g., normas imperativas sobre a concorrência); ou (ii) à ordem pública processual, quando forem violados princípios e normas de direito processual (por exemplo, o direito a um processo equitativo, o dever de fundamentação das decisões, o princípio do contraditório, a garantia da imparcialidade do tribunal).

XI - Não colide com os princípios do ordenamento jurídico-processual português a atribuição de executoriedade a uma decisão que condena o banco requerido, ora recorrente, no pagamento, a título provisório, da quantia de € 3 527 000, que está a ser objeto de execução provisória no Estado de origem, enquanto o reconhecimento definitivo do direito dos requerentes, ora recorridos, ainda se mostra objeto de discussão na ação principal, com instância suspensa por estar pendente processo-crime, sendo que as decisões que vierem a ser proferidas num e noutro processo poderão vir a alterar, modificar ou mesmo extinguir o segmento condenatório “par provision” em causa, precisamente dada a natureza provisória da tutela concedida.

XII - Não agem com abuso do direito, os recorridos que requerem a declaração da executoriedade da decisão estrangeira na circunstância referida em VII e XI, não se podendo concluir que estejam a utilizar o poder contido na estrutura do direito exercitado para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deva ser exercido.

XIII - Ocorre fundamento de dispensa de suscitação de reenvio prejudicial de interpretação junto do TJUE, nos termos do art. 267.º do TFUE) se a norma que o recorrente pretende ver interpretada não tem aplicação no caso concreto – o art. 31.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001) – e se as normas aplicadas constantes dos arts. 32.º e 38.º do mesmo Regulamento, contextualizadas e interpretadas à luz do conjunto das disposições respeitantes à competência indireta, das finalidades e requisitos do mecanismo de concessão do exequatur não suscitam dúvidas interpretativas quanto à definição ampla constante do art. 32.º (que não distingue a natureza da tutela jurisdicional provisória concedida), por um lado, e à condição imposta pelo art. 38.º (que tal decisão consubstanciadora da tutela provisória antecipatória concedida constitua título executivo no Estado de origem), por outro lado.

XIV - Não há fundamento de suspensão da instância do exequatur a que se refere o art. 46.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 – nem há razões que justifiquem a sua interpretação extensiva – se, no âmbito do procedimento de référé, já foi proferida decisão definitiva pela Cour de Cassation du Gran-Duché de Luxembourg, transitada em julgado, não sendo a natureza provisória da tutela jurisdicional concedida equivalente, na perspectiva teleológica que justificasse aquela interpretação, ao carácter provisório decorrente do não trânsito em julgado da decisão.

XV - Não é admissível recurso para o STJ da decisão do tribunal da Relação que indeferiu a suspensão da instância perante este requerida em sede de apelação, nos termos do art. 46.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, por não ser ela “uma decisão proferida no recurso” na aceção relevante à luz do art. 44.º do mesmo Regulamento.

      

(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)

Decisão Texto Integral:                



Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, BB e CC requereram, em 07.05.2014, na extinta 2ª Vara Cível de Lisboa, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., declaração de executoriedade de sentença estrangeira, pretendendo que «seja atribuído carácter executório à sentença proferida pelo Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxemburgo, de 13.11.2013».

            Para tanto alegaram, em resumo, que:

— Por sentença proferida pelo Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxemburgo, em 13 de novembro de 2013, a Requerida foi condenada, entre outros, a pagar aos Requerentes a quantia de €3.527.000,00, acrescida de juros legais desde 24 de maio de 2012 até integral pagamento;

— A Requerida, interpelada pelos Requerentes para proceder ao pagamento voluntário, até à presente data, nada pagou;

— A sentença que se pretende executar foi proferida por um Tribunal Superior de um Estado-membro da União Europeia (o Grão Ducado do Luxemburgo);

— A Requerida foi citada no processo no qual veio a ser proferida a sentença, tendo aí exercido todos os direitos legais e processuais que lhe assistiam, nomeadamente o seu direito à defesa e contraditório;

— A referida sentença, de que a Requerida foi notificada, não contraria a ordem pública portuguesa.

Juntaram cópia certificada da decisão estrangeira, bem como certidão emitida pelo Tribunal de origem a que alude o artigo 54º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000.

2. A extinta 2ª Vara Cível de Lisboa declarou-se incompetente para conhecer do presente procedimento especial e ordenou a remessa dos autos aos extintos Juízos Cíveis de Lisboa.

3. No extinto 3º Juízo Cível de Lisboa, a 06.06.2014, foi então proferida a seguinte decisão:

«Nos presentes autos de ação especial, em que são requerentes AA, BB e CC e requerida Caixa Geral de Depósitos, S.A., atentos os factos e o direito expendido, declaro a executoriedade da sentença proferida pela 7ª Secção, competente em matéria cível, do Cour d´Appel du Grand Duché de Luxemburgo, em 13/11/2013, no processo nº 39427, em que foram Recorrentes os aqui Requerentes e Recorrida a aqui Requerida».

4. Não se conformando com esta decisão, a Requerida interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

5. O Tribunal da Relação de Lisboa, negando provimento ao recurso, veio a «confirmar a declaração de executoriedade constante da sentença apelada» e a indeferir a requerida suspensão da instância.

6. Mais uma vez inconformada, a Requerida veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (procedendo-se à correção do lapso constante da respectiva numeração, decorrente da duplicação dos números 4 e 44):

1ª. Em 7.5.2014, os aqui Recorridos requereram a "declaração e executoriedade de sentença estrangeira", ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2011.

2ª. A sentença cuja executoriedade foi requerida foi assim identificada: sentença proferida pela Cour d'Apell du Grand-Duché de Luxemburgo, de 13.11.2013, em que a Requerida foi condenada "a pagar aos aqui Requerentes a quantia de 3.527.000,00 (três milhões quinhentos e vinte e sete mil euros) acrescida de juros legais desde o dia 24 de maio de 2012 até integral pagamento" (art. 1.º da p.i.)

3ª. Em face do pedido, a sentença em recurso, decretou a executoriedade da sentença proferida, sem qualquer restrição.

4ª. Este é o primeiro erro da sentença, mantido no ac. recorrido, induzido pela forma como o requerimento é apresentado.

5ª. De facto, a Requerida não foi pura e simplesmente condenada a pagar a quantia referida. E é este tipo de condenação, "par provision", provisória, ou cautelar, como melhor seria traduzido, que obrigaria à restrição do âmbito da executoriedade da sentença em causa, o que não aconteceu.

6ª. Compreender a natureza da condenação, supõe a prévia apreensão do ato que lhe deu origem - o référé -, ato que vem igualmente omitido na petição inicial.

7ª. Os arts. 34.º e 35.º do Regulamento definem as condições de reconhecimento por forma negativa, indicando os casos em que não pode haver reconhecimento.

8ª. No entanto, há pressupostos de declaração de executoriedade que são impostos por outras normas do Regulamento, designadamente que o objeto da decisão caia no âmbito material de aplicação do Regulamento (art.1.º) e que a decisão tenha força executiva (art.38.º).

9ª. Ora, não se verificam os dois últimos requisitos.

10ª. Em 30.10.2012, foi proferida decisão, nos termos da qual o juiz das decisões provisórias do Luxemburgo indeferiu o pedido de decretamento de todas as solicitadas pelos aqui Requeridos.

11ª. Desta decisão foi interposto recurso para a Cour d'Apell, que proferiu decisão parcialmente revogatória da anterior, decisão essa que foi objeto do pedido de declaração de executoriedade.

12ª. A decisão cuja executoriedade foi requerida não havia transitado em julgado aquando do pedido apresentado pelos Recorridos, facto que foi omitido pelos Requerentes e não foi fiscalizado pelo tribunal.

13ª. Tal é, aliás, reconhecido no Acórdão recorrido, que igualmente reconhece que a decisão de tal recurso apenas veio a ocorrer em 10/7/2014 (p. 10).

14ª. Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 26/5/2011, Proc. 848/8.8TBPTL.G1: "A declaração de executoriedade de sentença estrangeira poderá ser requerida, após o respectivo trânsito em julgado. Este requisito terá de se verificar na altura da apresentação do requerimento de executoriedade."

15ª. Se os arts.38.º e 53.º do Regulamento exigem que a decisão tenha "força executiva" e se tal força executiva não existe no estado de origem, não se verifica o requisito em causa.

16ª. Para além da falta de trânsito em julgado, é essencialmente a natureza da decisão cuja executoriedade vem requerida que está em causa, atendendo ao tipo de decisão em que se suporta o pedido dos Requerentes.

17ª. De facto, os Requerentes omitem no seu requerimento que a decisão cuja atribuição de executoriedade solicitam provém de um processo denominado de "référé", com um âmbito de eficácia bem restrito.

18ª. Assim, induzem em erro o julgador, que atribui ao acórdão uma executoriedade sem limites, como se, com base no mesmo, os Requerentes pudessem instaurar uma normal ação executiva, e nele penhorar e fazer vender bens da Requerida.

19ª. Por aplicação do regulamento 44/2001, o reconhecimento do acórdão da "Cour d'appel" não pode conferir mais direitos, mais meios de execução, do que a execução por meios apenas cautelares.

20ª. De facto, se no país de origem uma determinada sentença tem uma executoriedade com determinado âmbito - no caso apenas provisória, ou seja, para efeitos conservatórios -, não pode o "exequatur" do tribunal português alterar tal âmbito.

21ª. Atendendo ao pedido, sem restrições, e à decisão, tomada por simples referência para tal pedido, parece manifesto que o âmbito da executoriedade atribuído à sentença viola flagrantemente o artigo 38.º do Regulamento, por violação do art. 933.º, al. 2 do NCPC do Luxemburgo.

22ª. A provisoriedade da decisão cuja executoriedade foi requerida resulta ainda de outra questão, igualmente omitida ao tribunal pelos aqui Recorridos.

23ª. Caso fosse negado provimento ao recurso, como aconteceu, o processo terá que voltar à 1.ª instância, para que o juiz decida o processo na sua totalidade.

24ª. Com efeito, o tribunal tinha ordenado a apensação ao référé do pedido apresentado pela CGD contra a sua seguradora DD S.A., pedindo que esta se substitua ao banco no pagamento de qualquer indemnização em que aquele pudesse vir a ser condenado ainda que provisoriamente, até ao montante do seguro - 2.500.000,00€.

25ª. Na medida em que o despacho de 30 de outubro de 2012 não tinha condenado o banco no pagamento do aludido montante aos requerentes, tinha sobrestado a decisão sobre a condenação da seguradora em lugar e substituição do banco.

26ª. Ou seja, mesmo tendo entretanto a Cour de Cassation revogado o acórdão da "Cour d'appel", de 13 de Novembro de 2013, sempre o "Tribunal d'arrondissement" terá ainda que decidir se a seguradora deve pagar ou não em lugar do banco, mesmo que apenas até ao montante máximo segurado.

27ª. Ora, esta decisão encontra-se suspensa, como foi provado e vem reconhecido no acórdão em recurso.

28ª. Se, a final, se decidir favoravelmente a pretensão da CGD, esta apenas terá que pagar, e a título provisório, repita-se, cerca de 1 milhão de euros em vez de 3,5 milhões.

29ª. Um processo de execução imediata em Portugal pela totalidade do valor em causa é, pois, contrário à real situação existente no país de origem, levando a que se possa afirmar, com inteira propriedade, que a sentença que condenou no pagamento de 3,5 milhões de euros não é título executivo no país de origem, nem sequer a título provisório, assim saindo violado o art. 38.º do Regulamento.

30ª. Defender-se o contrário equivaleria a algo de equivalente à violação do princípio da proibição da reformatio in pejus.

31ª. Esta é outra das razões que impedem a executoriedade da sentença, tal como foi requerida e veio a ser decidida, ainda que por completa omissão de elementos trazidos até ao julgador pelos ora Recorridos.

32ª. Sem dúvida que o art. 31.º do Regulamento prevê que "(a)s medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer da questão e fundo".

33ª. O que sejam "medidas provisórias ou cautelares" não é, porém, pacífico.

34ª. Como salienta, Luís Lima Pinheiro, ob. cit, págs., 228/229, "Das diversas formulações ressalta a inclusão neste conceito das providências provisórias conservatórias. Não é tão claro até que ponto podem ser abrangidas providências provisórias antecipatórias. No caso Van Uden, o TCE decidiu que 'o pagamento a título provisório de uma contraprestação contratual não constitui uma medida provisória na aceção desta disposição a menos que, por um lado, o reembolso ao demandado da soma atribuída esteja garantido na hipótese de o demandante não obter ganho de causa quanto ao mérito e, por outro lado, a medida requerida apenas incida sobre bens determinados do demandado que se situam ou se devam situar na esfera da competência territorial do juiz a quem é pedida" (com realces aditados).

35ª. Ou seja, ali se decidiu que o pagamento a título provisório de uma contraprestação contratual não constitui uma medida provisória na aceção desta disposição a menos que, por um lado, o reembolso ao demandado da soma atribuída esteja garantido na hipótese de o demandante não obter ganho de causa quanto ao mérito e, por outro lado, a medida requerida apenas incida sobre bens determinados do demandado que se situam ou se devam situar na esfera da competência territorial do juiz a quem é pedida.

36ª. Esta decisão foi confirmada pelo Ac. do TCE de 27/4/1999, caso Mietz.

37ª. E não se diga, como o faz a decisão recorrida, que o acórdão Van Uden em nada contende com a questão dos autos. De facto, apesar de a questão essencial a decidir respeitar à competência do tribunal, o certo é que o tribunal não deixou de apreciar a natureza das medidas cautelares, para os fins que aqui estão em causa.

38ª. Mais relevante ainda: o requisito da necessidade de tutela do credor, autonomizado no ac. Van Uden não se encontra de facto verificado.

39ª. Os Recorridos deram já a possível execução provisória à sentença no Luxemburgo, procedendo ao registo de duas hipotecas judiciais sobre dois imóveis da sucursal da Recorrente, sitos no Luxemburgo.

40ª. Ora, sem sequer invocarem a insuficiência dos bens já apreendidos  - insuficiência que aliás não existe  - os Recorridos pretendem obter novamente em Portugal a execução de uma sentença que se encontra já executada e que tem, pois, já esgotados os seus efeitos.

41ª. Por outro lado, bem sabem os Recorridos e o tribunal que a Recorrente tem património suficiente para responder pela dívida, caso viesse a ser condenado, pelo que o risco de perda de garantia patrimonial dos Recorridos é inexistente, visando a pretensão da executoriedade da sentença em Portugal o mero alarme público, como meio de pressão para, por via ínvia e abusiva, pressionar ao termo dos litígios judiciais.

42ª. Pelo exposto, falta novo requisito de executoriedade à decisão, qual seja o de que o objeto da decisão caia no âmbito material de aplicação do Regulamento (art. 1.º).

43ª. O presente pedido de executoriedade representa um manifesto abuso de direito por parte dos aqui Recorridos.

44ª. Na verdade, há uma manifesta desproporção entre a utilidade que os Recorridos visam obter - execução imediata de uma decisão provisória, ademais já executada no seu país de origem - e as consequências que a Recorrente tem de suportar.

45ª. É patente que, o pedido para que seja declarada a executoriedade de uma decisão meramente provisória, já executada, de montante ainda não definitivamente fixado, e dependente de uma apreciação do mérito, bem como de uma decisão penal, ofende o sentimento jurídico socialmente dominante na ordem jurídica portuguesa.

46ª. E sobre estes fundamentos o acórdão recorrido nada diz.

47ª. Não se esqueça que a execução de uma sentença se inicia pela penhora, previamente à citação, e que, como o demonstram pela forma como requereram a executoriedade, os Recorridos pretendem obter penhora sobre bens da Recorrente por valor que se encontra já assegurado com as hipotecas registadas no Luxemburgo.

48ª. Executar duas vezes a mesma decisão é inconciliável com as conceções jurídicas que alicerçam o sistema português e internacional, e sobre esta vertente nada foi decidido.

49ª. A decisão recorrida, que tanto se baseia nas diversas decisões luxemburguesas entretanto proferidos desde a interposição do recurso, omite qualquer referência, neste domínio, ao que consta da decisão de suspensão dos autos principais, e acima já transcrita: “A posição do Banco consiste desde logo em alegar que a ordem de transferência em litígio pode ter emanado dos próprios depositantes".

50ª. Se tal vier a ser provado no processo-crime luxemburguês, haveria nova causa de ofensa à ordem pública: os Recorridos nunca tiveram o prejuízo que ora invocam, não tendo qualquer direito à indemnização que reclamam, direito que artificialmente criaram.

51ª. Assim sendo, é o art. 34.º do Regulamento que impede a atribuição de executoriedade à sentença em causa.

52ª. Por outro lado, havendo dúvidas na interpretação do Regulamento, no que respeita ao art. 31.º e, mediatamente, por força deste, quanto ao art. 38.º, tornou-se agora obrigatório o reenvio prejudicial.

53ª. Atente-se em que no acórdão recorrido se afastou a hipótese de reenvio, aqui facultativo, por o mesmo assentar em sucessivos erros anteriores, designadamente na aplicação das normas comunitárias, que se supõe não serão repetidos.

54ª. Deve, pois, este Supremo Tribunal, caso não decida pela inaplicabilidade do Regulamento à decisão provisória cuja executoriedade vem pedida, com os fundamentos antes invocados, utilizar o mecanismo do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do art. 267°, nº1 b), e nº 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, reenvio, este, que cremos ser obrigatório nos termos destas disposições.

55ª. O reenvio deve ter como objeto a decisão das seguintes questões prejudiciais, indispensável à decisão do presente caso:

1) A possibilidade, prevista no artigo 933.º, al. 2 do NCPC luxemburguês, de se requerer, com fundamento em urgência, um despacho de medida provisória (référé) constitui uma "medida provisória ou cautelar", na aceção do artigo 31.º do Regulamento n.º 44/2001 ICE)?

2) A resposta à questão 1) será diferente se estiver pendente o processo principal?

3) A resposta à questão 1) será diferente, quando a medida provisória requerida tenha por objeto o cumprimento de uma obrigação de pagamento do valor de uma obrigação correspondente ao invocado incumprimento contratual?

4) Se a resposta à questão 1) for afirmativa, o órgão jurisdicional que decide executoriedade destas medidas provisórias deve fazê-lo automaticamente, ou a sua decisão está dependente da satisfação de condições suplementares mais específicas, por exemplo, que o reembolso ao demandado da soma atribuída esteja garantido na hipótese de o demandante não obter ganho de causa quanto ao mérito, e/ou que a medida requerida apenas incida sobre bens determinados do demandado que se situam ou se devam situar na esfera da competência territorial do juiz a quem é pedida?

56ª. Ainda que nenhum dos argumentos anteriores fosse acolhido, o que de todo se configura como possível, sempre ao caso seria aplicável a previsão contida no art. 46.º do Regulamento, numa necessária interpretação extensiva, devendo suspender-se a instância, pelo menos até que sobrevenha uma das seguintes situações:

a. Seja determinado o montante da quantia em que a CGD foi provisoriamente condenada (por relação com a existência do seguro);

b. Seja proferida decisão na ação principal;

c. Seja provada a insuficiência dos bens já hipotecados para pagamento da dívida, caso esta venha a ser reconhecida.

57ª. Se os acórdãos citados na decisão recorrida sobre a interpretação do art. 46.º cobrem a segunda das situações invocadas para a suspensão da instância, por maioria de razão a teleologia do art. 46.º há-de cobrir a que acima foi primeiramente identificada, relativa à fixação do valor em dívida, se dívida houver. Quanto à terceira situação, ela é uma imposição do previsto no art. 752.º, n.º 1 do CPC.

Conclui pelo provimento do recurso, anulando-se a decisão anterior, substituindo-a por outra que indefira o pedido dos aqui Recorridos.

7. Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista.

8. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objecto do recurso

1. Questão prévia da invocada existência de uma situação de "dupla conforme" prevista no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil

Em sede de contra-alegação, vêm os Recorridos arguir, além do mais, a inadmissibilidade da presente revista, dado o Acórdão da Relação de Lisboa ora em crise ter confirmado, sem voto de vencido e sem fundamentação diferente, a decisão proferida em 1ª instância.

Efetivamente, o artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, estabelecendo o chamado "regime da dupla conforme", dispõe que, sem prejuízo dos casos em que o recurso de revista é sempre admissível (cfr. artigo 629º, nº 2, do mesmo diploma), esse recurso não é admitido de um acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo se desse mesmo acórdão for admissível interpor a revista excecional.

Tal regime caracteriza-se, assim, por excluir um recurso para o STJ que, em princípio, seria admissível, pelo que o que há que determinar é se as decisões das instâncias são conformes.

Ora, no caso em presença, do enquadramento processual da declaração de executoriedade de decisão estrangeira regulado nos artigos 38º e seguintes do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000 (e que infra, sob o ponto III.2.4. melhor se analisará), decorre que:

— Em 1ª instância, o processo de declaração de executoriedade é um processo sumário não contraditório, em que a parte requerida não pode apresentar observações, limitando-se o tribunal de 1ª instância a fiscalizar o cumprimento das formalidades exigidas para efeitos da emissão da declaração de executoriedade da decisão estrangeira;

— E, apenas em 2ª instância, tal processo é (necessariamente) contraditório.

Assim, apesar da coincidência das decisões das instâncias, quanto à declaração de executoriedade da decisão estrangeira, a revista é admissível, atenta a parcela inovatória do acórdão da Relação de Lisboa, que não se pode ter por compreendida ou incluída na declaração de executoriedade proferida em 1ª instância, dado que, apenas em 2ª instância, teve lugar a apreciação, quer da invocada não verificação das condições das quais depende a atribuição de executoriedade à decisão estrangeira, quer da pretextada verificação de fundamento de recusa de tal atribuição, não sendo, em consequência, aplicável a restrição decorrente da dupla conforme prevista no nº 3 do actual artigo 671º do Código de Processo Civil.

2. Do objeto do presente recurso de revista

No que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635º, nºs. 3 a 5, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil.

Dentro de tais parâmetros, o objeto do presente recurso de revista abarca as seguintes questões:

 (i) Da pretextada inverificação dos pressupostos de declaração de executoriedade do "arrêt référé" da 7ª Secção ("siégeant en matière d´appel de référé") da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg de 13.11.2013 (conclusões recursórias 1ª a 42ª);

(ii) Da invocada manifesta contrariedade da decisão estrangeira com a ordem pública, enquanto fundamento de revogação da atribuição de executoriedade ao acórdão da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg, datado de 13.11.2013 (conclusões recursórias 43ª a 51ª);

(iii) Da obrigatoriedade do reenvio prejudicial com o objeto definido sob o ponto 55 das conclusões recursórias, decorrente da existência de dúvidas na interpretação do Regulamento (CE) nº 44/2001, no que respeita ao artigo 31º, e, mediatamente, por força deste, quanto ao artigo 38º (conclusões recursórias 52ª a 55ª);

(iv) Da requerida suspensão da instância do exequatur, por interpretação extensiva do disposto no artigo 46º do Regulamento (CE) nº 44/2001(conclusões recursórias 56ª e 57ª).

                III. Fundamentação.

1. Das ocorrências processuais relevantes

Com relevo para a apreciação do objeto do presente recurso de revista, destaca-se o seguinte factualismo processual:

1.1. Em 24.05.2012, os Recorridos instauraram, no "Tribunal d´Arrondissement" ("siégeant en matière de référé") do Luxemburgo um procedimento de "référé-provision", em que formularam, além do mais, o pedido de condenação da Recorrente no pagamento, a título provisório ("par provision"), da quantia de €3.527.000,00, ao abrigo do disposto no artigo 933º, al. 2, do NCPC.

(Cfr. fls. 127-136; 371-380; 387-396)

1.2. Em 05.07.2012, a Recorrente demandou a seguradora DD, S.A., pedindo que esta se substituísse ao Banco no pagamento de qualquer indemnização em que aquele pudesse vir a ser condenado, ainda que provisoriamente, até ao montante do seguro, €2.500.000,00.

(Cfr. fls. 139-142; 383-386)

1.3. O "Tribunal d´Arrondissement" ordenou a apensação da demanda apresentada pela aqui Recorrente ao "réferé".

(Cfr. fls. 125-126; 407)

1.4. Nos debates realizados a 22.10.2012, Recorrente e DD, S.A. acordaram na suspensão até à conclusão da acção principal interposta pelos aqui Recorridos.

(Cfr. fls. 155-156; 399-400)

1.4. Por decisão ("ordonnance de référé") de 30.10.2012, o juiz "des référés" declarou inadmissível a pretensão dos ora Recorridos quanto ao pagamento, "par provision", da quantia de €3.527.000,00, com base no artigo 933º, al. 2, do NCPC.

Mais sobrestou na apreciação do pedido de intervenção da DD, S.A., relegando as respectivas alegações para audiência posterior.

(Cfr. fls. 125-163; 368-407)

1.5. Em 21.12.2012, os Recorridos interpuseram recurso de apelação para a Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg, que, por acórdão ("arrêt référé") da 7ª Secção ("siégeant en matière d´appel de référé"), de 13.11.2013, considerou parcialmente fundado o recurso, procedendo à reforma da decisão de 30.10.2012, e, em consequência, condenou a Recorrente a pagar, "par provision" (a título provisório - a título de provisão), aos Recorridos a quantia de €3.527.000,00, acrescida de juros legais devidos desde 24.05.2012 até efetivo pagamento.

(Cfr. fls. 13-21)

1.6. Na fundamentação de facto de tal acórdão de 13.11.2013, consignou-se que, na sequência da ordem de pagamento de 16 de Setembro de 2011, assinada pelo director da sucursal do Luxemburgo, EE, e pelo gestor de conta dos ora Recorridos, FF, o montante de €3.527.000,00 fora transferido da conta dos mesmos para a conta ... pertencente a GG

(Cfr. fls. 16)

           1.7. Na fundamentação de direito, a Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg considerou que as contestações da ora Recorrente não podiam ser consideradas sérias e que a obrigação da Recorrente de restituir aos Recorridos a quantia em litígio de €3.527.000,00 não era seriamente contestável.

            (Cfr. fls. 19)

1.8. Em 22.01.2014, a aqui Recorrente interpôs recurso deste acórdão para a Cour de Cassation du Grand-Duché de Luxembourg, que, já na pendência deste processo, por acórdão de 10.07.2014, rejeitou tal recurso.

(Cfr. fls. 174-192, 450-460)

1.10. Em 17.05.2013, os aqui Recorridos intentaram a ação principal ("assignation" nº 154470) no "Tribunal d´Arrondissement"("siégeant en matière civile") contra a aqui Recorrente, pedindo a condenação desta, além do mais, no pagamento da quantia de €3.527.000,00.

(Cfr. fls. 241-282)

1.12. A 25.07.2013, a aqui Recorrente suscitou a intervenção da Seguradora DD, S.A. ("assignation en intervention" nº ...)

(Cfr. fls. 283-287)

1.13. Por despacho de 24.12.2013, foi ordenada a apensação dos dois processos.

                (Cfr. fls. 526)

1.14. Na ação principal, por decisão proferida a 18.03.2015, foi determinada a suspensão da instância até à conclusão do processo crime iniciado por participação feita pela aqui Recorrente, a 24.10.2011, contra antigos "funcionários" da sucursal do Luxemburgo, entre eles FF, decisão da qual não foi interposto recurso.

(Cfr. fls. 225; 524-537, 597-598)

2. Da pretextada inverificação dos requisitos da atribuição de executoriedade ao "arrêt référé" da 7ª Secção ("siégeant en matière d´appel de référé") da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg de 13.11.2013

2.1. Enquadramento preliminar

Conforme decorre do precedentemente relatado:

— Em 24.05.2012, os Recorridos AA, BB e CC instauraram, no "Tribunal d´Arrondissement, siégeant en matière de référé" do Luxemburgo um procedimento de "référé", formulando, além do mais, o pedido de condenação da Recorrente no pagamento, a título provisório ("par provision"), da quantia de €3.527.000,00, ao abrigo do disposto no artigo 933º, al. 2, do NCPC;

— Por decisão ("ordonnance de référé") de 30.10.2012, o juiz "des référés" declarou inadmissível a pretensão dos ora Recorridos quanto ao peticionado pagamento, "par provision", da quantia de €3.527.000,00, com base no aludido artigo 933º, al. 2, do NCPC;

— Inconformados, os Recorridos interpuseram recurso de apelação para a Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg, que, por acórdão ("arrêt référé") da 7ª Secção ("siégeant en matière d´appel de référé"), de 13.11.2013, considerou parcialmente fundado o recurso, procedendo à reforma da decisão de 30.10.2012, e, em consequência, condenou a Recorrente a pagar, "par provision" (a título provisório - a título de provisão), aos Recorridos a quantia de €3.527.000,00, acrescida de juros legais devidos desde 24.05.2012 até efetivo pagamento;

— Deste acórdão de 13.11.2013, interpôs a Recorrente recurso para a Cour de Cassation du Grand-Duché de Luxembourg, que, por acórdão de 10.07.2014, rejeitou tal recurso;

— Entretanto, em 07.05.2014, os ora Recorridos AA, BB e CC requereram, na extinta 2ª Vara Cível de Lisboa, declaração de executoriedade de sentença estrangeira, pretendendo que «seja atribuído caráter executório à sentença proferida pelo Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxemburgo, de 13.11.2013»;

— Por decisão de 06.06.2014, o Tribunal de 1.ª instância declarou a executoriedade da sentença proferida pela 7ª Secção, competente em matéria cível, do Cour d´Appel du Grand Duché de Luxemburgo, em 13/11/2013, no processo nº 39427, em que foram Recorrentes os aqui Requerentes e Recorrida a aqui Requerida;

— Na fundamentação da mesma decisão, consignou-se:

«Examinada a certidão da decisão cuja declaração é peticionada nestes autos (fls. 9-21 e tradução certificada de fls. 44-56), mostra-se a mesma conforme ao estabelecido nas disposições legais citadas (artºs. 32º, 33º, nº 1, 38º, 41º e 53º do Regulamento (CE) nº 44/2001, de 22.12.2000), designadamente no artº 53º, satisfazendo os requisitos de autenticidade e do formulário constante do anexo V do mesmo Regulamento.

— Por acórdão de fls. 618-640, o Tribunal da Relação de Lisboa, negando provimento ao recurso, veio a «confirmar a declaração de executoriedade constante da sentença apelada» e a indeferir a requerida suspensão da instância.

Pretendendo a ora Recorrente que seja anulada a decisão anterior, substituindo-a por outra que indefira o pedido dos aqui Recorridos, antes do mais, importa delinear o quadro normativo em que se inscreve uma tal pretensão de revogação da atribuição de executoriedade ao acórdão ("arrêt référé") da 7ª Secção ("siégeant en matière d´appel de référé") da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg, datado de 13.11.2013.

2.2. Do âmbito de aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000

Como é sabido, as situações jurídicas plurilocalizadas suscitam várias questões (v.g., a determinação da lei aplicável a essas relações; a determinação do tribunal competente para julgar e decidir os litígios que decorram dessas situações; a determinação de que os efeitos que cabem à sentença no Estado em que foi proferida se devem produzir na ordem jurídica de outro Estado), entre as quais se inscreve a questão da atribuição de executoriedade de decisões estrangeiras num Estado diferente daquele que é o Estado da sua origem, ou seja, a concessão da qualidade de título executivo a essas decisões num segundo Estado.

Daí que o Direito Processual Civil Internacional, visando harmonizar a solução dos problemas que surgem num processo que apresenta conexões com várias ordens jurídicas, encontre a sua justificação, quer num fundamento de garantia do acesso à justiça por qualquer interessado (ainda que este não tenha domicílio no Estado do foro ou mesmo que a apreciação da causa imponha a realização de atos processuais no estrangeiro), quer, ainda, na harmonização e circulação de decisões judiciais, pois que importa evitar o proferimento de decisões contraditórias sobre a mesma questão e fomentar o reconhecimento mútuo de decisões, sendo, assim, a área do reconhecimento e da execução de decisões estrangeiras uma das principais áreas abrangidas pelo Direito Processual Civil Internacional.

Por outro lado, estando associada à criação de um espaço europeu de livre circulação de pessoas, bens e serviços, a implementação de um espaço único europeu de liberdade, de segurança e de justiça, que fosse suscetível de garantir, quer a uniformização das regras de competência internacional que cada um dos Estados-membros continha no seu ordenamento jurídico interno, quer a circulação das decisões proferidas pelos tribunais dos diferentes Estados-membros, como resultado da harmonização do Direito Processual Civil Internacional realizada no âmbito da União Europeia, surge-nos, então, o Direito Processual Civil Europeu, aplicável no âmbito civil e comercial.

Aqui, numa primeira fase, no desenvolvimento do disposto no artigo 220º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (actual 293º do TCE)  - que estipulava que os Estados-membros se comprometiam a entabular entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus nacionais, a simplificação das formalidades a que se encontram subordinados o reconhecimento e a execução recíprocos tanto das decisões judiciais, como das arbitrais -, logo em 27.09.1968, os então Estados-Membros da Comunidade Europeia celebraram, em Bruxelas, a Convenção Relativa à Competência e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (frequentemente designada por "Convenção de Bruxelas"), sucessivamente adaptada pelas adesões de novos Estados-membros em 1978, 1982, 1989 e 1996, e alargada, em 1988, ao Espaço Económico Europeu através da paralela "Convenção de Lugano".

Posteriormente, utilizando os poderes conferidos pelo artigo 61º, al. c), TCE, e concretizando o disposto no artigo 65º, al. a), ambos do TCE, o Conselho veio a adotar, em 22 de Dezembro de 2000, o Regulamento (CE) nº 44/2001, relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (também conhecido pela designação de "Regulamento Bruxelas I").

Tal Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, enquanto "instrumento jurídico comunitário vinculativo e diretamente aplicável", que visou facilitar o bom funcionamento do mercado interno através da prossecução de um duplo objetivo: unificar as regras de conflitos de jurisdições em matéria civil e comercial e assegurar o reconhecimento e a execução rápidos e simples das decisões judiciais [cfr. Considerando (2)], oferecendo, assim, uma significativa harmonização das normas de competência internacional (direta e indireta) vigentes na União Europeia, sendo um règlement double, contém, então, normas:

— quer de competência direta, que definem a competência dos Estados-membros (artigos 2º a 31º);

— quer, ainda, de competência indireta, relativas ao reconhecimento e à execução das decisões judiciais num Estado diferente daquele em que foram proferidas  (artigos 32º a 56º).

O aludido Regulamento entrou em vigor em 01.03.2002 (artigo 76º), sendo as suas disposições relativas à competência internacional aplicáveis às ações judiciais instauradas após essa data (artigo 66º, nº 1), e veio substituir, entre os respetivos Estados-membros, aquela Convenção de Bruxelas (cfr. artigo 68º).

Entretanto, em 12.12.2012, veio a ser publicado o Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (conhecido pela designação de "Regulamento Bruxelas I bis"), que veio "reformular" o Regulamento (CE) nº 44/2001, acerca da mesma matéria (nele ressaltando a supressão da declaração de executoriedade), mas sendo este aplicável apenas a partir de 10.01.2015 (cfr. artigos 80º e 81º do Regulamento (UE) nº 1215/2012), ao caso dos autos é aplicável o Regulamento (CE) nº 44/2001.

No que concerne ao âmbito material ou objetivo de aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001, o mesmo é aplicável em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição, isto é, do tribunal que é competente na ordem interna (artigo 1º, nº 1, 1ª parte).

E tal referência à «matéria civil e comercial», que delimita o âmbito de aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001, deve ser interpretada autonomamente, ou seja, não deve ser interpretada segundo o direito de qualquer dos Estados-membros, mas de acordo com os objetivos e o sistema do Regulamento e com observância dos princípios gerais que decorrem do conjunto dos sistemas de direito nacionais, conforme jurisprudência constante do TJUE.

[Neste sentido: DÁRIO MOURA VICENTE, «Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001», in Scientia Iuridica, Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LI, nº 293, 2002, p. 356; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, «Âmbito de aplicação do Regulamento nº 44/2001, de 22 de Dezembro de 2000 (Regulamento Bruxelas I)», in "Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço", p. 676-691)]

Estão, no entanto, excluídas da sua aplicação as matérias que, apesar de revestirem natureza civil ou comercial, digam respeito ao estado e à capacidade jurídica das pessoas singulares; aos regimes matrimoniais; aos testamentos e sucessões; às falências, concordatas e outros processos análogos; à segurança social e, finalmente, à arbitragem (artigo 1º, nº 2).

De igual modo, estão excluídas da sua aplicação as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas (artigo 1º, nº 1, 2ª parte).

Ademais, em matéria de reconhecimento e execução, suscita-se ainda a questão de saber se o tribunal do Estado requerido está vinculado à qualificação do objeto da ação que foi realizada pelo tribunal de origem, prevalecendo, atualmente (sob influência da jurisprudência do Tribunal de Justiça), a orientação doutrinária favorável à liberdade de qualificação do tribunal requerido.

2.3. Dos requisitos de atribuição de executoriedade a decisões estrangeiras num Estado diferente (Estado da execução ou segundo Estado) daquele que é o Estado da sua origem

Como se sabe, enquanto o reconhecimento de decisões estrangeiras consiste na extensão a um segundo Estado dos efeitos processuais que elas produzem no Estado de origem, a execução de decisões estrangeiras consiste na atribuição de executoriedade a essas decisões num segundo Estado (isto é, consiste na concessão da qualidade de título executivo a essas decisões num Estado diferente daquele que é o Estado da sua origem), só podendo, assim, recair sobre decisões com um conteúdo condenatório.

Assim, a declaração de executoriedade de uma decisão estrangeira num Estado diferente daquele que é o Estado da sua origem pressupõe:

Por um lado, que essa decisão estrangeira satisfaça as condições para ser reconhecida nesse mesmo Estado, uma vez que um Estado só pode atribuir a qualidade de título executivo a uma sentença estrangeira que ele próprio pode reconhecer, o que justifica que os critérios de concessão (ou de recusa) do exequatur a uma decisão estrangeira coincidam, em regra, com os critérios do reconhecimento (ou do não reconhecimento) dessa mesma decisão (cfr. artigo 45º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001);

Por outro lado, o requisito específico a que alude o artigo 38º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/200, ou seja, que a decisão estrangeira seja, ela própria, título executivo no Estado de origem.

Em sede de delimitação dos fundamentos do recurso interposto da declaração de executoriedade de uma decisão proferida num Estado-Membro diferente do Estado-Membro requerido, mais observa LUÍS DE LIMA PINHEIRO, «apesar da formulação restritiva do art. 45º/1, é forçoso reconhecer, por razões de coerência intrassistemática, que há pressupostos da declaração de executoriedade que devem ser tidos em conta: que se trate de uma decisão na acepção relevante para o Regulamento; que o objecto da decisão caia dentro do âmbito material de aplicação do Regulamento e que a decisão tenha força executiva no Estado de origem (art. 38.º/1)» (in «Direito Internacional Privado», vol. III, "Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras", 2002, p. 283).

Procedendo agora a uma breve indagação de tais requisitos:

(i) Da definição de «decisão» relevante à luz do Regulamento (CE) nº 44/2001

Desde logo, a noção jurídica de «decisão» é dada pelo artigo 32º, ao defini-la como «qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado-Membro independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como a fixação pelo secretário do tribunal do montante das custas do processo».

Desta definição do artigo 32º resultam, assim, as seguintes características:

Quanto à origem (origem jurisdicional):

— Apenas decisões proferidas por tribunais estaduais (noção de tribunal que o Tribunal de Justiça concretizou, nos parâmetros de uma interpretação autónoma, como o órgão jurisdicional que decide, por autoridade própria, questões controvertidas entre as partes) podem ser (reconhecidas ou) executadas segundo o regime previsto no Regulamento (CE) nº 44/2001;

— O Regulamento (CE) nº 44/2001 só é aplicável (ao reconhecimento e) à execução de decisões proferidas por tribunais de um dos Estados-membros, embora de acordo com o estabelecido no referido artigo 1º, nº 1, seja irrelevante a natureza da jurisdição (civil, laboral, penal ou outra) que proferiu a decisão no Estado-membro de origem;

Quanto ao objeto da decisão:

— Só podem receber o exequatur as decisões cujo conteúdo seja compatível com a execução, isto é, aquelas que impõem um dever de prestar;

Quanto à tutela jurisdicional provisória concedida (providências cautelares - procédure de référé):

— São suscetíveis de (reconhecimento e) execução as decisões respeitantes a medidas provisórias e cautelares (nesta definição de medidas provisórias e cautelares se incluindo a medida adotada em procédure de référé), conservatórias e antecipatórias, desde que: (1) sejam provenientes de um tribunal com competência para conhecer do mérito da causa; (2) elas próprias, e não o direito acautelado, caibam no âmbito de aplicação material determinado pelo artigo 1º, nºs 1 e 2, do Regulamento (CE) nº 44/2001; e (3) tenham sido proferidas com audição prévia do requerido e se destinem a serem executadas com prévia comunicação a essa parte (ou seja, mostram-se excluídas as "decisões" que tenham decretado uma medida provisória ou cautelar ex parte).

Efetivamente, tal como já sucedia com a "Convenção de Bruxelas", o Regulamento (CE) nº 44/2001 não dispõe diferentemente caso se esteja em presença de uma decisão proferida numa acção, numa providência cautelar ou em procédure de référé, sendo, antes, aplicáveis as mesmas regras, independentemente da tipologia da relação processual (relação processual fundamental ou de natureza instrumental) ou da forma de tutela concedida [tutela definitiva ou tutela provisória (podendo esta ser, por seu turno, conservatória ou antecipatória)].

Para efeitos de reconhecimento e execução, o que releva é que se esteja em presença de uma decisão (na definição ampla do artigo 32º), com conteúdo definitivo ou provisório [na impressiva afirmação de LUÍS DE LIMA PINHEIRO, «não é necessário que a força executiva seja definitiva, visto que se admite a atribuição de força executiva a providências provisórias» (in ob.cit., 2002, p. 281-282)], proferidas em matéria civil e comercial.

Por fim, para efeitos de reconhecimento e execução, segundo a jurisprudência do TJUE, apenas as decisões que autorizem medidas provisórias, mas proferidas sem que o requerido seja citado e destinadas a serem executadas sem previamente serem comunicadas a essa parte, não beneficiam do regime de reconhecimento e execução da Convenção de Bruxelas, porquanto os processos destinados ao proferimento de decisões judiciais devem ser conduzidos com garantia do contraditório [cfr. Acórdão TJ de 21.05.1980, proferido no Proc. C-125/79 (Denilauler/Couchet Frères)].

[De resto, na esteira de tal jurisprudência, sob o artigo 2º do Regulamento (UE) nº 1215/2012 passou a dizer-se expressamente que, para efeitos de reconhecimento e execução, «o termo "decisão" abrange as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, decididas por um tribunal que, por força do presente regulamento, é competente para conhecer do mérito da causa. Não abrange as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, impostas por esse tribunal sem que o requerido seja notificado para comparecer a menos que a decisão que contém a medida seja notificada ao requerido antes da execução».]

(ii) O objeto da decisão caia dentro do âmbito material de aplicação do Regulamento

Tendo presente o anteriormente referido, sob o ponto III.2.2., para determinar se uma determinada matéria cabe ou não no âmbito de aplicação objetivo do Regulamento (CE) nº 44/2001, importa analisar os elementos que caracterizam a natureza das relações jurídicas entre as partes no litígio ou o objeto deste.
(iii) A decisão tenha força executiva no Estado de origem
Dado que a atribuição de executoriedade à decisão estrangeira visa atribuir-lhe a qualidade de título executivo no Estado da execução, então:

Por um lado, tal atribuição de executoriedade não deve verificar-se relativamente a uma decisão que, segundo a lei do Estado de origem, não seja um título executivo e que, por isso, não possibilita a realização de uma prestação através do recurso ao ius imperii estadual;

Por outro lado, também o Estado requerido não pode conceder o exequatur a uma decisão estrangeira que não preenche, segundo o seu direito, as condições para poder ser reconhecida na respetiva ordem jurídica.
Ou seja: dado que a concessão do exequatur à decisão estrangeira se destina a atribuir-lhe a qualidade de título executivo no Estado da execução, a obrigação a que o demandado foi condenado tem de preencher as condições de exequibilidade exigidas pelo direito daquele Estado.
[Neste particular, e quanto ao direito português, como resulta do disposto no artigo 713º do Código de Processo Civil, a obrigação que consta do título executivo não tem de ser certa, nem exigível, nem líquida.]
Ademais, quanto à admissibilidade da execução de decisões estrangeiras não transitadas ("execução provisória"), importa ter presente que o trânsito em julgado da decisão não é um requisito do reconhecimento ou da execução de uma decisão estrangeira, como resulta expressamente do disposto nos artigos 37º, nº 1, e 46º, nº 1, ambos do Regulamento (CE) nº 44/2001: a circunstância de a decisão ser objeto de recurso ordinário no Estado de origem ou de ainda não ter expirado o prazo para a sua interposição não obsta ao seu reconhecimento ou execução no Estado requerido.

Ou seja: a concessão do exequatur não depende, em regra, da eficácia de caso julgado da decisão, sendo admissível a concessão de exequatur a uma decisão que ainda não transitou em julgado

Impõe, no entanto, o aludido artigo 38º, nº 1, uma restrição: é necessário que a decisão não transitada seja considerada título executivo pela própria lei do Estado de origem.
 [Quanto ao direito português, como é sabido, esta condição preenche-se em relação às sentenças contra as quais tenha sido interposto um recurso com efeito meramente devolutivo (artigos 703º, nº 1, al. a), e 704º, nº 1, 2ª parte, ambos do Código de Processo Civil.]

2.4. Características do processo de concessão do exequatur
Não sendo a atribuição de executoriedade a uma decisão estrangeira realizada ope legis, então tal aquisição da qualidade de título executivo por uma decisão estrangeira pressupõe um processo, que culmina com a concessão ou a recusa do exequatur a essa decisão (cfr. artigo 38º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001 / artigos 706º, nº 1, e 978º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil).
Tal processo de concessão do exequatur a uma decisão estrangeira proferida num outro Estado-membro encontra-se regulado no Capítulo III do Regulamento (CE) nº 44/2001, sob os artigos 38º a 56º, constituindo um sistema autónomo e completo, independente dos sistemas jurídicos dos Estados-membros, no âmbito do qual o tribunal requerido, dada a proibição da révision au fond (cfr. artigo 45º, nº 2), só pode verificar se estão preenchidos os requisitos para a atribuição do exequatur à decisão estrangeira (cfr. artigo 45º, nº 1).
O mesmo processo de concessão do exequatur reparte-se então:
— Pela primeira instância (artigos 39º a 42º), onde apresenta a particularidade de o tribunal requerido não poder rejeitar a concessão de executoriedade com fundamento em que a decisão estrangeira não preenche as condições para ser reconhecida e de a parte requerida não poder ser ouvida (artigo 41º);
[Assim, em primeira instância: a decisão é imediatamente declarada executória, logo que sejam juntas a cópia daquela decisão e a respetiva certidão segundo o formulário uniforme (artigo 41º, 1ª parte), não podendo o tribunal controlar a verificação das circunstâncias que obstam ao reconhecimento da decisão (artigo 41º, 1ª parte), nem podendo a parte contra a qual a execução é promovida apresentar quaisquer observações (artigo 41º, 2ª parte). ]
— Pela segunda instância (artigo 43º), onde se inicia o contraditório entre as partes através do recurso que é interposto pelo requerido da decisão que concedeu o exequatur à decisão estrangeira (cfr. artigo 43º, nº 3), sendo que só neste podem ser apreciadas as condições das quais depende o reconhecimento dessa decisão (cfr. artigo 45º, nº 1). Assim, na falta de interposição desse recurso, o exequatur é concedido sem que se verifique se a decisão estrangeira está em condições de ser reconhecida no Estado requerido.
— E, ainda, pelo Supremo Tribunal de Justiça, onde é restrito à matéria de direito (artigo 44º).
Sublinhe-se, ainda, que embora se limitem os fundamentos do recurso contra a decisão que conceda executoriedade à decisão estrangeira aos previstos nos artigos 34º e 35º do Regulamento (CE) nº 44/2001, para os quais remete o artigo 45.° do mesmo Regulamento [assim, segundo o Ac. do TJUE de 13.10.2011, Proc. C-139/10 (Prism Investments BV / Jaap Anne van der Meer), «o artigo 45.° (…) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o órgão jurisdicional que conhece de um recurso interposto nos termos dos artigos 43.° ou 44.° deste regulamento recuse ou revogue uma declaração de executoriedade de uma decisão com base num fundamento diferente dos indicados nos artigos 34.° e 35.° deste, como o cumprimento dessa decisão no Estado Membro de origem»], não podendo em caso algum proceder-se a uma "revisão de mérito" das decisões estrangeiras (artigo 45º), na esteira da posição de LUÍS DE LIMA PINHEIRO já referida, sempre poderá o requerido, para além da falta de qualquer dos aludidos requisitos de reconhecimento da decisão (cfr. artigos 34º e 35º), em termos prévios, fundamentar o seu recurso na circunstância de a decisão executada não se enquadrar na definição do artigo 32º ou não ser executória no Estado de origem (cfr. artigo 38º, nº 1).
Aqui chegados, indaguemos, então, da (prévia) verificação de circunstâncias obstativas da atribuição de executoriedade ao "arrêt référé" da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg de 13.11.2013.

2.5. Da invocada falta de verificação dos requisitos para atribuição de executoriedade ao "arrêt référé" da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg de 13.11.2013
2.5.1. Das características do "arrêt référé" da 7ª Secção ("siégeant en matière d´appel de référé") da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg  de 13.11.2013

No caso em presença, verifica-se que:

 — Em 24.05.2012, os Recorridos instauraram, no "Tribunal d´Arrondissement" ("siégeant en matière de référé") do Luxemburgo um procedimento de "référé", em que formularam, além do mais, o pedido de condenação da Recorrente no pagamento, a título provisório ("par provision"), da quantia de €3.527.000,00, ao abrigo do disposto no artº. 933º, § 2, do Nouveau Code de Procédure Civil do Luxemburgo (doravante designado por NCPC), que estatui «dans le cas où l’ existence de l óbligation n´est pas sérieusement contestable, il peut accorder une provision au créancier»;

— Por decisão ("ordonnance de référé") de 30.10.2012, o juiz "des référés" declarou inadmissível a pretensão dos ora Recorridos quanto ao pagamento, "par provision", da quantia de €3.527.000,00, com base no aludido artº. 933º, §2, do NCPC;

— Em 21.12.2012, os Recorridos interpuseram recurso de apelação para a Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg, que, por acórdão ("arrêt référé") da 7ª Secção ("siégeant en matière d´appel de référé"), de 13.11.2013, considerou parcialmente fundado o recurso, procedendo à reforma da decisão de 30.10.2012, e, em consequência, condenou a Recorrente a pagar, "par provision" (a título provisório - a título de provisão), aos Recorridos a quantia de €3.527.000,00, acrescida de juros legais devidos desde 24.05.2012 até efetivo pagamento.

            Como assim, a decisão estrangeira objeto da declaração de executoriedade ora sob recurso:

— Foi proferida por um tribunal estadual de um Estado-membro ("arrêt référé" - acórdão da 7ª Secção, "siégeant en matière d´appel de référé", da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg de 13.11.2013), que é competente para a ação principal;

— Foi proferida no âmbito do procedimento de référé regulado na Secção I do Título XV do Livro VII da 1ª Parte do NCPC, respeitante a medidas provisórias, no qual ao "arrêt référé" - acórdão da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg é atribuída "força executiva" provisória, conforme decorre do disposto no §2 do artº. 938º do NCPC   ("Elle est exécutoire à titre provisoire sans caution"= "é executória a título provisório sem caução", conforme tradução acolhida nos autos);

[No âmbito de tal procedimento de référé, embora o "arrêt référé" não tenha força de caso julgado na ação principal, tem autoridade de caso julgado no procedimento de référé, embora mantendo a eficácia (relativa) própria da sua natureza de decisão cautelar, ou seja, é "definitivo" no âmbito do procedimento (cfr. §1 do artº. 938º do NCPC), pelo que é executório de pleno direito a título provisório/transitório.]

— Tem um conteúdo compatível com a execução, dado conter um segmento condenatório da Requerida - ora Recorrente CGD a pagar, "par provision", aos Recorridos a quantia de €3.527.000,00, acrescida de juros legais devidos desde 24.05.2012 até efetivo pagamento;

— Tendo por objeto o referido cumprimento de uma obrigação de pagamento de determinada quantia, em decorrência da efetivação da responsabilidade bancária emergente de incumprimento contratual, integra-se no âmbito da "matéria civil e comercial", que justifica a aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001 ao caso.

2.5.2. Da pretendida restrição do âmbito da executoriedade atribuído à decisão estrangeira decorrente da natureza provisória da tutela concedida
A Recorrente vem arguir, em primeira linha, que, tendo a sentença proferida na 1ª instância, em face do pedido, decretado a executoriedade da sentença proferida, sem qualquer restrição, tal circunstância constitui o primeiro erro da sentença, mantido no ac. recorrido, induzido pela forma como o requerimento é apresentado, uma vez que a Requerida não foi pura e simplesmente condenada a pagar a quantia referida, obrigando  o tipo de condenação em referência, "par provision", provisória, ou cautelar, à restrição do âmbito da executoriedade da sentença em causa, o que não aconteceu.

Conforme já ficou referido, o processo de concessão do exequatur reparte-se pela primeira instância (artigos 39º a 42º), pela segunda instância (artigo 43º), e, ainda, pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigo 44º), sendo que, em primeira instância:

— A declaração de executoriedade é «dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos» [cfr. considerando (17) do Regulamento (CE) nº 44/2001];

— O controlo tem de ser formal, não só porque o tribunal do Estado requerido não pode rejeitar a concessão do exequatur com fundamento em que a decisão estrangeira não preenche as condições para ser reconhecida e de a parte requerida não poder ser ouvida (cfr. artigo 41º), mas ainda porque o exequatur pode ser solicitado a uma autoridade não jurisdicional (cfr. artigo 39º, nº 1).

No caso em apreço, os interessados AA, BB e CC requereram que fosse atribuído carácter executório à sentença proferida pela 7ª Secção, competente em matéria cível, do Cour d´Appel du Grand Duché de Luxemburgo, em 13.11.2013, no processo nº 39427, em que foram Recorrentes os aqui Requerentes e Recorrida a aqui Requerida, e que condenou a Requerida a pagar aos aqui Requerentes a quantia de €3.527.000,00, acrescida de juros legais devidos desde 24.05.2012 até efetivo pagamento.

Após concluir que a decisão estrangeira se enquadrava na noção do artigo 32º, era executória no Estado de origem e que a cópia da mesma decisão estrangeira satisfazia os necessários requisitos de autenticidade, bem como se mostrava junta a certidão referida no artigo 54º, o tribunal de 1ª instância declarou a executoriedade «da sentença proferida pela 7ª Secção, competente em matéria cível, do Cour d´Appel du Grand Duché de Luxemburgo, em 13/11/2013, no processo nº 39427, em que foram Recorrentes os aqui Requerentes e Recorrida a aqui Requerida», remetendo, assim, para os precisos termos do segmento condenatório daquela decisão (e não para o que consta do artigo 1º requerimento de concessão do exequatur), de tal declaração da executoriedade por remissão decorrendo a atendibilidade da natureza provisória da tutela concedida, pelo que, neste particular, improcede, desde logo, a argumentação da Recorrente. 

Ademais, tal decisão estrangeira, enquadrando-se na noção do artigo 32º e sendo executória, ainda que a título provisório, no Estado de origem, tem um âmbito de exequibilidade (provisória) pleno (uma vez que tal eficácia executória não exige a natureza definitiva da tutela concedida, ao invés do que recursoriamente se mostra argumentado), ou seja, a decisão estrangeira, mantendo a eficácia própria da sua natureza de "medida provisória", pode servir de base, conforme o seu conteúdo dispositivo, à execução "provisória" da obrigação patrimonial para pagamento de quantia certa.

Questão diversa é saber se a decisão estrangeira em referência reúne tais requisitos de atribuição de executoriedade, face ao ordenamento jurídico luxemburguês, o que se passa a analisar à luz dos fundamentos do recurso invocados.
2.5.3. Das pretextadas circuntâncias de (i) não inclusão do objeto da decisão estrangeira dentro do âmbito material de aplicação do Regulamento e (ii) não preenchimento das condições de exequibilidade exigidas pelo direito do Estado de origem pela obrigação a que a Recorrente foi condenada.

Neste capítulo, começa a Recorrente por sustentar que a decisão estrangeira objeto da declaração de executoriedade sob recurso não tem "força executiva", dado que ainda não havia transitado em julgado aquando do pedido apresentado pelos Recorridos.

Da não verificação do trânsito em julgado da decisão estrangeira ("decisão provisória") enquanto circunstância impeditiva da atribuição de executoriedade:
Ora, quanto a tal invocação da não verificação do trânsito em julgado da decisão estrangeira enquanto circunstância impeditiva da atribuição de executoriedade, importa referir o seguinte:

Efetivamente, do aludido "arrêt référé" da 7ª Secção da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg  de 13.11.2013, em 22.01.2014, a Recorrente interpôs recurso para a Cour de Cassation du Grand-Duché de Luxembourg, que, por acórdão de 10.07.2014,  veio a rejeitar tal recurso.

Todavia, conforme precedentemente analisado (sob o ponto III.2.3.), à luz do disposto nos artigos 37º, nº 1, e 46º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001, não há qualquer dúvida de que o mesmo Regulamento, não exige o trânsito em julgado da decisão como um requisito da execução de uma decisão estrangeira (nem a falta deste constitui fundamento de revogação da declaração de executoriedade), sendo, assim, admissível a concessão de exequatur a uma decisão que ainda não transitou em julgado, desde que a decisão não transitada seja considerada título executivo pela própria lei do Estado de origem.

[De resto, a este propósito, já no contexto da "Convenção de Bruxelas", MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA e DÁRIO MOURA VICENTE explicitavam, «tal como acontece quanto ao reconhecimento, também a concessão do exequatur não depende da eficácia de caso julgado da decisão: também é admissível uma execução provisória, excepto se uma tal execução for excluída pela própria lei do Estado de origem da decisão» (in "Comentário à Convenção de Bruxelas", 1994, p. 52)].

Assim, considerando que:

— No direito do Estado de origem, esta última condição se preenche nos termos do já assinalado §2 do artº. 938º do NCPC ("Elle est exécutoire à titre provisoire sans caution");

[De resto, sublinhe-se que, ilustrando tal admissibilidade de execução provisória no Estado de origem, logo no recurso de apelação interposto para a Relação de Lisboa a 14.07.2014, a Recorrente refere que os Recorridos já deram execução provisória à sentença no Luxemburgo, procedendo a registos de duas hipotecas judiciais sobre dois imóveis da sucursal da Recorrente, sitos no Luxemburgo (conclusão 32ª da alegação constante de fls. 90-117).]

— Devendo a verificação da condição específica da "força executiva" da decisão estrangeira segundo o direito do Estado de origem basear-se exclusivamente na certidão referida no artigo 54.º do Regulamento (CE) nº 44/2001 (cfr. LUÍS DE LIMA PINHEIRO, ob. cit. cit., p. 280), também no caso dos autos, da certidão de fls. 10-12, consta o carácter executório da decisão no Estado-membro de origem ["la décision est exécutoire dans l’Etat membre d’origine (articles 38 et 58 du règlement) contre la société anonyme de droit portugais Caixa Geral de Depósitos, préqualifiée": cfr. ponto 5. de fls. 12];

— A decisão em causa já transitou em julgado, dado que, por acórdão de 10.07.2014, a Cour de Cassation du Grand-Duché de Luxembourg rejeitou o recurso interposto pela Recorrente,

improcede, necessariamente, a argumentação da Recorrente.

   Da necessidade da baixa dos autos ao "Tribunal d´Arrondissement" para apreciação da condenação da seguradora DD S.A. enquanto circunstância impeditiva da executoriedade da sentença:

  Obtempera, ainda, a Recorrente que, da provisoriedade da decisão cuja executoriedade foi requerida (e concedida nas instâncias) resulta ainda a seguinte questão, impeditiva da executoriedade daquela decisão estrangeira: ainda que seja negado provimento ao recurso interposto para a Cour de Cassation, o processo terá que voltar à 1ª instância, para que o juiz decida o processo na sua totalidade, decidindo sobre a peticionada condenação da seguradora DD S.A., ainda que provisoriamente e até ao montante do seguro (€2.500.000,00), em lugar e substituição do banco.

No que concerne a tal argumentação, importa considerar que:

— Desde logo, que aquela decisão da Cour de Cassation de 14.07.2014 rejeitou o recurso interposto pela Recorrente do "arrêt référé" da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg de 13.11.2013, que, assim, se mostra transitado em julgado (embora o mesmo já fosse executório à data em que os ora Recorridos requereram a declaração da respectiva excutoriedade);

— Depois, e quanto à necessidade da baixa dos autos à 1ª instância (para apreciação da peticionada condenação da seguradora DD S.A.):

Em 1º lugar, tal necessidade da baixa à 1ª instância nos termos ora recursoriamente sustentados não se verifica, porquanto, na demanda apresentada pela Recorrente contra a seguradora DD S.A. (pedindo que esta se substituísse ao Banco no pagamento de qualquer indemnização em que aquele pudesse vir a ser condenado, ainda que provisoriamente, até ao montante do seguro, €2.500.000,00), e que foi apensada ao "référé", nos debates realizados a 22.10.2012, Recorrente e DD S.A. acordaram na suspensão até à conclusão da ação principal interposta pelos aqui Recorridos;

Depois, sempre o desfecho possível de tal apreciação da peticionada condenação da seguradora DD S.A., na demanda apensada ao procedimento de référé, será insuscetível de fazer desaparecer o fundamento da tutela provisória concedida no âmbito do mesmo procedimento de référé.

Improcedem, assim, também neste particular, as razões da Recorrente.

Da invocada natureza provisória antecipatória da tutela concedida pela decisão estrangeira ("medida provisória antecipatória") obstativa da declaração de executoriedade:

Mais sustenta a Recorrente que a natureza de medida cautelar ou provisória antecipatória da decisão cuja executoriedade foi requerida (e concedida) a torna insuscetível de execução nos termos decretados nas instâncias.

Desde logo, conforme anteriormente referido (sob os antecedentes pontos III.2.3. e III.2.5.2.), não sendo necessário o carácter definitivo ou provisório do conteúdo da decisão, nem que a "força executiva" seja definitiva, as decisões respeitantes a medidas provisórias (conservatórias ou antecipatórias) são suscetíveis de execução, desde que, no que para o caso releva, sejam provenientes de um tribunal com competência para conhecer da ação principal e se integrem (rectius, a matéria a que elas próprias respeitam e não a matéria a que se refere a ação principal) no âmbito de aplicação material determinado pelo artigo 1º, nºs 1 e 2, do Regulamento (CE) nº 44/2001.

Ora, para sustentar a sua interpretação (restritiva) de não inclusão no conceito de "medidas provisórias" das "medidas provisórias antecipatórias", convoca a Recorrente a interpretação dada pelo TJUE, no caso Van Uden, ao artigo 24.º da "Convenção de Bruxelas" [equivalente ao artigo 31.º do Regulamento (CE) nº 44/2001], nos termos da qual «o pagamento a título provisório duma contraprestação contratual não constitui uma medida provisória na aceção do artigo 24.º da convenção de 27 de Setembro de 1968, a menos que, por um lado, o reembolso ao demandado da soma atribuída esteja garantido na hipótese de o demandante não obter ganho de causa quanto ao mérito e, por outro lado, a medida requerida apenas incida sobre bens determinados do demandado que se situam, ou se devam situar, na esfera da competência territorial do juiz a quem é pedida».

Efetivamente, no âmbito das competências especiais, o Regulamento (CE) nº 44/2001 contém uma norma remissiva concernente à competência para o proferimento de medidas provisórias e cautelares (artigo 31º), como solução normativa justificada pela necessidade da tutela de urgência, sendo que, nos termos da mesma, as medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado-membro podem ser requeridas nos tribunais desse Estado, mesmo que, por força do disposto no Regulamento, um tribunal de um outro Estado seja competente para conhecer da ação principal.

   Isto significa apenas que o requerente pode solicitar a medida provisória num tribunal de um outro Estado que não tenha competência para conhecer do mérito da causa / da acção principal, contendo, assim, tal norma do artigo 31º uma simples referência à lei nacional do tribunal demandado que aplicará a lex fori, tanto para determinar as medidas a impor, como à sua própria competência para as impor.

E, para estritos efeitos de aferição deste critério especial de competência, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça adoptada no invocado Acórdão do TJ de 17.11.1998, Proc. C-391/95 (Van Uden/Deco-Line) [e mantida no Acórdão de 27.04.1999, Proc. C-99/96 (Mietz/Intership Yachting Sneek)], não pode então ser qualificada como medida provisória aquela que ordena o pagamento, a título de provisão, de uma contraprestação contratual, a menos que, por um lado, esteja assegurado ao requerido o reembolso da soma na hipótese de o requerente não obter a procedência da causa principal e que, por outro, a medida solicitada recaia apenas sobre bens determinados do requerido que se situam, ou deviam situar, na esfera da competência territorial do tribunal.

Tal interpretação restritiva do conceito de "medidas provisórias ou cautelares", conforme decorre dos aludidos Acórdãos do TJUE proferidos nos casos Van Uden/Deco-Line e Mietz/Intership Yachting Sneek, é efetuada apenas para efeitos de aferição da competência do "juiz das medidas provisórias" (que não seja competente para a acção definitiva), ou seja, na aceção relevante à luz do artigo 31º (âmbito da competência direta).

Todavia, em momento algum, no âmbito da competência indireta, e para efeitos de declaração da executoriedade de uma decisão estrangeira respeitante a uma medida provisória, proveniente de um tribunal estadual competente para a ação principal, o TJUE adotou uma interpretação restritiva do conceito de "medidas provisórias ou cautelares" às "medidas provisórias conservatórias", na aceção relevante à luz dos artigos 32º e 38º.

Como assim, também aqui não colhe a argumentação da Recorrente.

Da invocada inverificação do requisito de tutela do credor autonomizado no caso Van Uden/Deco-Line.

Mais sustenta a Recorrente que o requisito da necessidade de tutela do credor, autonomizado no referido Acórdão Van Uden não se encontra de facto verificado, uma vez que (i) os Recorridos deram já possível execução provisória à sentença no Luxemburgo, procedendo ao registo de duas hipotecas judiciais sobre dois imóveis da sucursal da Recorrente, sitos no Luxemburgo; (ii) sem sequer invocarem a insuficiência dos bens já apreendidos, os Recorridos pretendem obter novamente em Portugal a execução de uma sentença que se encontra já executada e que tem, pois, já esgotados os seus efeitos; e (iii) bem sabendo os Recorridos e o tribunal que a Recorrente tem património suficiente para responder pela dívida, caso viesse a ser condenada, pelo que o risco de perda de garantia patrimonial dos Recorridos é inexistente, visando a pretensão da executoriedade da sentença em Portugal o mero alarme público, como meio de pressão para, por via ínvia e abusiva, pressionar ao termo dos litígios judiciais.

Neste âmbito, importa considerar:

Em 1º lugar, reportando-se o aludido Acórdão do TJ de 17.11.1998, proferido no Proc. C-391/95 (Van Uden/Deco-Line) à questão da competência dos Estados-membros para decretar medidas provisórias e cautelares (quando seja competente para conhecer da ação principal um tribunal de um outro Estado), a questão da tutela do credor é equacionada à luz da verificação da necessidade de tutela provisória pressuposta pela providência cautelar que aqueles Estados tenham competência para decretar;

— Em 2º lugar, importa ter presente que, em causa nos presentes autos, se encontra (tão-só) a atribuição de força executiva a decisão estrangeira que decretou medida provisória antecipatória (sendo competente para a ação definitiva o tribunal do mesmo Estado de origem), e não a execução provisória propriamente dita dessa medida provisória, sendo no âmbito da (eventual) execução provisória, que os credores - ora Recorridos promoverem, que à Recorrente, enquanto executada, caberá lançar mão dos meios de oposição que lhe são conferidos pelo direito interno português (designadamente, no que aos requisitos da obrigação exequenda e satisfação do crédito exequendo possa respeitar);

— Por último, a circunstância do "arrêt référé" da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg de 13.11.2013 constituir um título executivo provisório, de acordo com o disposto no §2 do artº. 938º do NCPC, e de tal título executivo provisório já estar a ser objeto de execução provisória no Estado de origem (o que não equivale ao esgotamento dos respetivos efeitos, designadamente, à luz da extinção da obrigação exequenda), não constitui qualquer obstáculo à atribuição da executoriedade ao mesmo "arrêt référé" da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg de 13.11.2013 em Portugal, não cabendo, no procedimento de atribuição de executoriedade a decisão (provisória) estrangeira, aferir quer da proporcionalidade entre os meios de coerção utilizados para satisfação da medida provisória decretada pelo tribunal de origem e os interesses que, com a mesma, se visaram acautelar, quer da possibilidade de os Recorridos, enquanto credores que logrem obter declaração de executoriedade também em Portugal, poderem decidir pela promoção (parcial/total) da execução provisória em Portugal, tudo sem prejuízo da margem de manobra material considerável deixada à Recorrente na (eventual) execução provisória posterior à declaração de executoriedade em causa (consubstanciada na oportuna suscitação de fundamentos de oposição àquela execução).

Ao invés, no contexto deste procedimento de atribuição de executoriedade (a decisão estrangeira, respeitante a medida provisória antecipatória, decretada por tribunal competente para a acção definitiva), estando simplesmente em causa a questão da declaração de executoriedade (que é prévia à execução), nos termos dos citados artigos 33º e segs. e 38º e segs., do Regulamento (CE) nº 44/2001, cabe declarar tal executoriedade, desde que não se verifiquem quaisquer fundamentos de recusa - da revogação da concessão de exequatur.

Termos em que improcedem, também neste ponto, as razões da Recorrente.

3. Da manifesta contrariedade da decisão estrangeira com a ordem pública, enquanto fundamento de revogação da atribuição de executoriedade ao acórdão da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg, datado de 13.11.2013

No contexto da concessão do exequatur, mais sustenta a Recorrente:

 — O pedido para que seja declarada a executoriedade de uma decisão meramente provisória, já executada, de montante ainda não definitivamente fixado, e dependente de uma apreciação do mérito, bem como de uma decisão penal, ofende o sentimento jurídico socialmente dominante na ordem jurídica portuguesa, pelo que o art. 34.º do Regulamento impede a atribuição de executoriedade à sentença em causa;

— Os Recorridos exercem um alegado direito com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico e social do direito, porquanto há uma manifesta desproporção entre a utilidade que os Recorridos visam obter (execução imediata de uma decisão provisória, ademais já executada no seu país de origem) e as consequências que a Recorrente tem de suportar.

Conforme sublinhado sob o antecedente ponto III.2.4., a Recorrente, enquanto Requerida, pode fundamentar o seu recurso na falta de qualquer dos requisitos de reconhecimento da decisão [cfr. artigos 34º e 35º do Regulamento (CE) nº 44/2001].

Ora, constituem motivos de recusa do reconhecimento das decisões proferidas nos Estados-membros: a ofensa manifesta à ordem pública do Estado requerido (artigo 34º, nº 1); a violação dos direitos de defesa do demandado no Estado de origem (artigo 34º, nº 2); a contradição da decisão estrangeira com outra decisão (artigo 34º, nºs 3 e 4) e, ainda, a incompetência do tribunal de origem (artigo 35º, nº 1), sendo tais requisitos são extensíveis à concessão do exequatur a essas mesmas decisões (cfr. artigo 45º, nº 1).

Ademais, tais impedimentos à concessão do exequatur a decisões estrangeiras enumerados no artigo 34º devem ser objeto de uma interpretação restritiva, na medida em que constituem um obstáculo à livre circulação das decisões [cfr., por todos, Acórdão TJ de 02.06.1994, Proc. C-414/92 (Solo Kleinmotoren/Boch)].

Em concreto, quanto ao respeito da ordem pública do Estado requerido invocado pela Recorrente, verifica-se que:

Os tribunais dos Estados-membros podem recusar a concessão do exequatur a uma decisão proferida por um tribunal de um outro desses Estados, se essa concessão determinar uma violação inaceitável de princípios estruturantes do seu ordenamento jurídico [cfr. Acórdão TJ de 28.03.2000, Proc. C- 7/98 (Krombach/Bamberski)]. Sublinhe-se que o que é relevante não é se a decisão estrangeira em si mesma ofende a ordem pública do Estado requerido, mas se a concessão do exequatur conduz a essa violação.

E, compreendendo a ordem pública de cada Estado-membro igualmente a ordem pública comunitária, também não deve ser reconhecida em nenhum Estado da União Europeia uma decisão que, apesar de não violar as regras internas do Estado requerido, contraria os princípios comunitários [cfr. Acórdão TJ de 11.05.2000, Proc. C-38/98 (Régie nationale des usines Renault SA/Maxicar SpA e Orazio Formento)].

Mais importa referir que, não devendo ser dificultada a circulação de decisões entre os Estados-membros, quer no domínio da "Convenção de Bruxelas", quer quanto ao Regulamento (CE) nº 44/2001, a jurisprudência do TJUE tem afirmado uniformemente que a reserva da ordem pública do Estado requerido só deve operar em casos muito excecionais [cfr., a título meramente exemplificativo: Acórdão TJ de 04.02.1988, Proc. C-145/86 (H. L. M. Hoffmann/A. Krieg); Acórdão TJ de 10.10.1996, Proc. C-78/95 (Hendrikman e Feyen/Magenta); Acórdão TJ de 28.03.2000, Proc. C-7/98 (Dieter Krombach/André Bamberski); Acórdão TJ de 11.05.2000, Proc. C-38/98 (Régie nationale des usines Renault SA/Maxicar SpA e Orazio Formento); Acórdão TJ de 28.04.2009, Proc. C-420/07 (Meletis Apostolides/David Charles Orams e Linda Elizabeth Orams); Acórdão TJ de 06.09.2012, Proc. C-619/10 (Trade Agency Ltd. / Seramico Investments, Ltd)].

Isto significa, nomeadamente, que não se pode considerar ofensa da ordem pública qualquer desrespeito do direito do Estado requerido, ainda que imperativo, mas apenas aquela violação que, de forma inaceitável, atinge princípios essenciais do seu ordenamento jurídico [cfr., por todos, Acórdão TJ de 23.10.2014, Proc. C-302/13 (flyLAL-Lithuanian Airlines AS /Starptautiskā lidosta Rīga VAS e Air Baltic Corporation AS)].
[Ou seja: a concessão de exequatur a uma decisão judicial estrangeira não deve ser recusada com base apenas no facto de haver uma divergência entre a norma jurídica aplicada pelo juiz do Estado de origem e a que seria aplicada pelo juiz do Estado de concessão do exequatur se fosse ele a decidir o litígio. Antes,  e a fim de respeitar a proibição de revisão de mérito da decisão proferida noutro Estado Membro, regulada no artigo 45°, n°2, do Regulamento (CE) n°44/2001, essa infração deve constituir uma violação manifesta de uma norma jurídica considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica.]

Ensaiando uma maior concretização, temos que a ofensa da ordem pública pode respeitar:
— À ordem pública material, quando envolva a violação de princípios e normas de direito material ou de Direito Internacional Privado, sendo que, perante a relativa igualdade cultural e civilizacional dos Estados-membros, se constata não serem frequentes as situações nas quais a concessão de exequatur a decisão estrangeira possa configurar uma ofensa da ordem pública material do Estado requerido;
[Assim, refere-se habitualmente, como exemplo dessa violação, a decisão estrangeira que, numa situação que apresenta uma conexão com o Estado requerido, não aplica as suas normas imperativas sobre a concorrência.]
— Ou à ordem pública processual, quando forem violados princípios e normas de direito processual, ou seja, tal violação da ordem pública processual verifica-se sempre que a decisão estrangeira tenha sido proferida num processo que violou princípios considerados fundamentais pelo Estado requerido, isto é, sempre que o processo no qual a decisão foi proferida não possa ser considerado equitativo (a título exemplificativo: viola a ordem pública processual a concessão do exequatur a uma decisão que não se encontra fundamentada, ou que foi proferida num processo no qual foi desrespeitado o princípio do contraditório, ou, ainda, no qual não foi observada a garantia da imparcialidade do tribunal).
Ademais, na sistemática do artigo 34º, a reserva da ordem pública prevista no seu nº1 cede perante as previsões especiais que constam dos seus nºs 2 a 4, quanto à ordem pública processual [cfr., em referência ao equivalente artigo 27º da Convenção de Bruxelas, o referido Acórdão TJ de 04.02.1988, Proc. C-145/86 (H. L. M. Hoffmann/A. Krieg)], tendo, assim, uma aplicação residual perante outras manifestações do respeito da ordem pública do Estado que se encontram nesse mesmo preceito.

Vejamos, então, se a atribuição de executoriedade à decisão estrangeira respeitante a uma medida provisória antecipatória, proferida pelo tribunal do Estado de origem, que é competente para a ação principal, e que reúne, do ponto de vista formal, os requisitos para ser declarada executória, viola de forma manifestamente inaceitável a ordem jurídica do Estado português.

Quanto à manifesta contrariedade à ordem pública processual:

No caso vertente, estamos em presença de uma executoriedade provisória concedida, no âmbito do procedimento de référé, ao abrigo do §2 do artigo 938º do NCPC luxemburguês.

Trata-se de uma realidade jurídica que o ordenamento jurídico português não desconhece, aqui se encontrando paralelo com o que sucede:

— Quer com a execução das decisões que deferem providências cautelares, e, designadamente, no caso de alimentos provisórios (artigo 384º do Código de Processo Civil), de arbitramento de reparação provisória (artigo 388º, nºs. 1 e 3, do Código de Processo Civil) ou de decretação de providência inibitória ou mesmo de condenação em prestação de facto positivo (artigo 362º, nº1, do Código de Processo Civil);

Quer com a execução que tem por base, como título executivo, uma sentença ainda não transitada em julgado, da qual se recorre com efeito meramente devolutivo, execução essa que se inicia na pendência de recurso e que se extingue ou modifica em conformidade com a decisão definitiva comprovada por certidão (artigo 704º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Por outro lado, a circunstância de se tratar de uma decisão que condena a Requerida - ora Recorrente no pagamento, a título provisório ("par provision"), da quantia de €3.527.000,00, que está a ser objeto de execução provisória no Estado de origem, enquanto o reconhecimento definitivo do direito dos Requerentes - ora Recorridos ainda se mostra objeto de discussão na ação principal, além de estar pendente processo-crime, sendo que as decisões que vierem a ser proferidas num e noutro processo poderão vir a alterar, modificar ou mesmo extinguir o segmento condenatório "par provision" em causa, precisamente dada a natureza provisória da tutela concedida, não colide, assim o consideramos, com nenhum dos princípios que enformam o nosso ordenamento jurídico-processual, à luz dos interesses prevalecentes que procura tutelar, porquanto:

Desde logo, a atribuição de executoriedade ora em causa respeita ao procedimento de référé e não à ação principal, e, à atribuição de executoriedade provisória concedida ao abrigo do citado artigo 938º,§2 do NCPC, já se encontra subjacente a ponderação das consequências do desfecho da ação principal, como sucede no processo civil português nas relações estabelecidas entre as providências cautelares e a ação principal;

Depois, sendo no âmbito da ação principal que foi determinada a suspensão da instância até à conclusão do processo crime iniciado por participação feita pela Recorrente, ainda que o conhecimento da questão do foro criminal constitua precedente lógico do objeto da ação principal, não há lugar a qualquer transposição de tal dependência de questão prejudicial para o contexto processual do procedimento de référé;

Por fim, à luz do Regulamento (CE) nº 44/2001, não se mostra vedado que o credor obtenha a declaração de executoriedade em vários Estados-membros, ficando, assim, em posição de decidir em que Estado virá a promover, integral ou parcialmente, a execução.

Tendo em conta o exposto, a executoriedade (provisória) da decisão (provisória) estrangeira não comporta um resultado intolerável, do ponto de vista dos princípios fundamentais do direito processual civil português, e, não sendo inconciliável com as conceções jurídicas que alicerçam o sistema jurídico-processual português, não se verifica o fundamento de revogação da declaração de executoriedade esgrimido pela Recorrente.

Quanto ao abuso de direito:

E, desde já, se adianta que igualmente não se descortina como os Recorridos, ao requererem a declaração da executoriedade da decisão estrangeira, estejam a utilizar o poder contido na estrutura do direito exercitado para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido, porquanto o exercício do direito em questão consubstancia a adoção de um comportamento intra legem à luz do Regulamento (CE) nº 44/2001.

Senão vejamos:

O abuso do direito, conforme flui da norma do artigo 334º do Código Civil, traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé (expressão que é acolhida neste preceito com um sentido objetivo e vincadamente ético, consubstanciando-se, assim, a atuação de boa fé num agir com diligência, zelo e lealdade, correspondentes aos legítimos interesses da contraparte, na adoção de uma conduta honesta e conscienciosa, de uma linha de correção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e num não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar), pelos bons costumes (enquanto conjunto de regras, de práticas de vida, munidas de peso social relevante, que, num dado meio e em certo momento, as pessoas honestas, corretas e de boa fé aceitam comummente) ou pelo fim social ou económico desse direito (o que, valorizando uma dimensão teleológica, se traduz na satisfação do interesse do credor, mediante a realização da prestação por banda do devedor).

Na formulação legal não basta, assim, que o titular do direito exceda os limites resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim económico-social do direito, sendo ainda necessário que esse excesso seja manifesto e de molde a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.

Por outro lado, não se exige que o titular do direito atue com consciência de que o seu procedimento é abusivo (ou seja, não é necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou com animus nocendi do direito da contraparte), bastando que, na realidade (objetivamente), esses limites se mostrem de forma ostensiva e intolerável excedidos, pois, como referido, o nosso ordenamento jurídico acolheu a concepção objetiva do abuso do direito.

Retomando o caso em apreço, vejamos, então, se ocorre a invocada excessiva desproporção entre os benefícios visados pelos Recorridos com a requerida declaração de executoriedade e o prejuízo causado à Recorrente com a tal atribuição de executoriedade.

Assim, e quanto às circunstâncias especiais que, alegadamente, traduzem tal desproporção, constata-se que:

— Não obstante a Recorrente convocar o regime processual aplicável à execução instaurada com base em sentença judicial, certo é que estamos num momento prévio, ou seja, não estamos no âmbito de uma "execução provisória", mas no prévio procedimento de atribuição de executoriedade a uma decisão de um Estado-Membro, pelo que, igualmente, não colhe o argumento extraído da invocada pendência de duas execuções para pagamento de quantia certa;

— A circunstância de se mostrar pendente a ação principal para conhecimento do mérito da questão, bem como a questão da suspensão da mesma, igualmente não relevam para efeitos de se considerar que o direito está a ser exercido por forma anormal, de modo a criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do respetivo exercício por parte dos Recorridos e as consequências que a Recorrente possa ter de suportar, antes consubstanciando tal exercício a mera atuação de uma potencialidade reconhecidas pelo Regulamento (CE) nº 44/2001;

— Da mera invocação de que a pretensão da declaração de executoriedade da decisão estrangeira em Portugal visa causar alarme público não decorre a transmutação de um exercício efetuado ao abrigo do mecanismo de concessão de exequatur plasmado no Regulamento (CE) nº 44/2001 num pretextado exercício por forma anormal do direito concedido aos Recorridos a coberto do mesmo Regulamento, de resto, sendo tal invocação de alarme público suscetível de um outro tipo de equacionamento à luz, quer da violação do princípio da livre circulação de sentenças no espaço da União Europeia, quer do não cumprimento de uma decisão proferida por um Tribunal de um Estado-Membro.

Feita tal análise atenta dos elementos coligidos, bem como a correspondente valoração jurídica à luz dos normativos e princípios expostos, constatamos, assim, que não se verificam os pressupostos do invocado abuso do direito.

Improcedem, assim, também nesta matéria, as razões da Recorrente.

5. Da obrigatoriedade do reenvio prejudicial com o objeto definido sob o ponto 55 das conclusões recursórias

Consabido é que, quando o juiz nacional (enquanto "juiz comum" do Direito da União Europeia), ao resolver um caso concreto mediante a aplicação de uma norma de Direito da União Europeia, seja confrontado com o surgimento de dúvidas e de questões, quer quanto à interpretação do direito comunitário, quer quanto à validade das normas ou dos atos emanados dos órgãos, instituições ou agentes da União Europeia, pode (e, tratando-se de um tribunal nacional que decida em última instância, deve) solicitar a pronúncia do TJUE acerca das mesmas questões.

Efetivamente, com vista a garantir a uniformidade na interpretação e aplicação das normas europeias pelos tribunais nacionais (e, deste modo, alcançar a unidade e coerência do ordenamento jurídico europeu), ao serviço de interesses maiores de igualdade entre os cidadãos da UE e do projeto de integração que a mesma representa, instituiu-se o mecanismo processual do reenvio prejudicial, previsto no artigo 267º do TFUE (ex-artigo 177º, ex-artigo 234º), enquanto mecanismo clássico de cooperação judicial.

Daí que, dando corpo normativo ao mecanismo de reenvio prejudicial, instrumento basilar de interação entre os tribunais de cada Estado-Membro (tribunais nacionais) e o TJUE, o artigo 267º do TFUE disponha que, sempre que uma questão de interpretação seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional, este órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao TJUE que sobre ela se pronuncie. Se, porém, a questão for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no Direito interno, este órgão é obrigado a submeter a questão ao TJUE.

Constituem, assim, pressupostos do reenvio prejudicial:

i) Primeiro, que se suscite uma questão de interpretação do Regulamento num processo pendente (§s 1º e 2º do artigo 267º do TFUE);

ii) Segundo, que a decisão sobre a questão seja necessária ao julgamento da causa, à solução do litígio (§2º do artigo 267º do TFUE);

iii) Verificados os pressupostos anteriores, se a questão de interpretação for suscitada perante tribunal nacional, de cujas decisões não caiba recurso ordinário, o reenvio é obrigatório ((§3º do artigo 267º do TFUE)).

Todavia, esta obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação, por insuscetibilidade de recurso, pode ser dispensada nas seguintes situações [segundo jurisprudência firmada, designadamente, no Ac. do TJUE de 06.10.1982, Proc. C-283/81 (Cilfit)]:

Em 1º lugar, cessa a obrigação de reenvio quando a questão de direito da UE suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto;

Em 2º lugar, verifica-se dispensa de reenvio quando o TJUE já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões;

Por último, a obrigação de reenvio não tem lugar quando o tribunal nacional considere que as normas da UE aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas, ou sejam claras (rectius, suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico, social e económico em que foi adotado).

No caso concreto:

Desde logo, a norma constante do artigo 31º que a Recorrente pretende ver interpretada pelo TJUE, a título de reenvio prejudicial, não tem, como supra se deixou referido (sob o ponto III.2.5.3.), aplicação na presente atribuição de executoriedade a sentença estrangeira, mostrando-se, assim, desnecessária a respetiva convocação;

Por outro lado, as aplicáveis normas dos artigos 32º e 38º, contextualizadas e interpretadas à luz do conjunto das disposições respeitantes à competência indireta, das finalidades e requisitos do mecanismo de concessão do exequatur, não suscitam dúvidas interpretativas quanto à definição ampla constante do artigo 32º (que não distingue a natureza da tutela jurisdicional provisória concedida) e à condição imposta pelo artigo 38º (que tal decisão consubstanciadora da tutela provisória antecipatória concedida constitua título executivo no Estado de origem).

Ocorre, assim, fundamento de dispensa de suscitação da recursoriamente pretendida questão prejudicial de interpretação ao TJUE.

6. Da requerida suspensão da instância do exequatur, por interpretação extensiva do disposto no artigo 46º do Regulamento nº 44/2001

6.1. Dos fundamentos da suspensão da instância do exequatur

Por último, vem a Recorrente pugnar pela aplicação ao caso da previsão contida no artº. 46º do Regulamento numa necessária interpretação extensiva, devendo suspender-se a instância pelo menos até que sobrevenha uma das seguintes situações:

a. Seja determinado o montante da quantia em que a CGD foi provisoriamente condenada (por relação com a existência do seguro);

b. Seja proferida decisão na ação principal;

c. Seja provada a insuficiência dos bens já hipotecados para pagamento da dívida, caso esta venha a ser reconhecida.

Conforme ficou amplamente demonstrado (sob os antecedentes pontos III.2.3. e III.2.5.3.), a concessão do exequatur não depende, em regra, da eficácia de caso julgado da decisão, sendo admissível a concessão de exequatur a uma decisão que ainda não transitou em julgado, exceto se ela não for considerada título executivo pela própria lei do Estado de origem.

Reconhecendo, porém, os riscos advenientes de uma sistemática execução de decisões não transitadas em julgado (e visando, assim, evitar consequências, eventualmente irreversíveis, que possam resultar da execução da decisão no Estado requerido), vem efetivamente o Regulamento facultar ao tribunal do Estado requerido (para o qual foi interposto recurso da decisão que concedeu o exequatur) a possibilidade de suspender a instância sempre que essa decisão, no Estado de origem, for objeto de recurso ordinário ou se o prazo para o interpor ainda não tiver expirado [cfr. artigo 46º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001], resultando claramente dos termos do que se estabelece no aludido artigo 46º que se trata de uma faculdade e não de uma imposição.

Relativamente a esta suspensão da instância do exequatur, importa ainda considerar os seguintes aspetos:

— Como fundamento do requerimento de suspensão da instância, a parte requerida só pode alegar circunstâncias que não podia ter invocado perante o tribunal de origem da decisão, porque, de outro modo, violar-se-ia a proibição da révision au fond da decisão exequenda (cfr. artigo 45º, nº 2);

— A suspensão é decretada segundo um critério de discricionariedade (designadamente, segundo a apreciação que o tribunal de recurso faça do possível êxito da impugnação da decisão no Estado de origem) e mantém-se até a decisão exequenda se tornar definitiva.

Sucede que, no caso em presença:

Em primeira linha, o "arrêt référé" da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg datado 13.11.2013, já foi objeto de recurso para a Cour de Cassation du Grand-Duché de Luxembourg, que, por acórdão de 10.07.2014, rejeitou tal recurso, pelo que, já tendo a decisão "provisória" transitado em julgado, não há lugar a qualquer ponderação no sentido de indagar se cumpre prevenir a consumação da "execução provisória" de uma decisão que viesse a ser posteriormente revogada ou alterada no Estado de origem, por força do recurso ordinário interposto;

Por outro lado, a circunstância do "arrêt référé" da Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg, face ao ordenamento jurídico do Estado de origem, constituir um título executivo "provisório", mas agora à luz da natureza da tutela concedida, não equivale à provisoriedade resultante da circunstância de tal "arrêt référé" não ter transitado em julgado, pelo que a norma prevista no Regulamento para esta segunda hipótese não comporta a interpretação extensiva proposta pela Recorrente, por tal suspensão se mostrar de índole contrária à pretendida celeridade e eficácia na executoriedade de decisões de um Estado-membro, ainda que revistam carácter provisório;

— Por fim, no âmbito da tutela provisória concedida, o distanciamento temporal do desfecho da ação principal (decorrente quer da suspensão da instância nela verificada, quer da respetiva repercussão de tal distanciamento na decisão da demanda instaurada pela Recorrente contra a seguradora DD, S.A. e em cuja suspensão até ao desfecho da ação principal, Recorrente e Seguradora acordaram) potencia os inconvenientes que, para os Recorridos, poderão advirão da insatisfação do seu elevado crédito "provisório", pelo que importa que a presente atribuição de executoriedade se desenvolva com "total normalidade", ou seja, sem qualquer crise da presente instância recursória.

Deste modo, tendo sido proferida decisão definitiva pela Cour de Cassation du Grand-Duché de Luxembourg no âmbito do procedimento de référé e não equivalendo, teleologicamente, a natureza provisória da tutela jurisdicional concedida ao carácter provisório decorrente do não trânsito em julgado da decisão, antes excluindo a proposta interpretação extensiva, não se verifica qualquer causa justificativa da requerida suspensão da presente instância recursória.
               
6.2. Da inadmissibilidade de recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-01-2016 de indeferimento da suspensão da instância

No caso em apreço, tal pedido de suspensão da instância já havia sido formulado pela Recorrente, sob as conclusões 40ª a 46ª da Apelação interposta para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido objeto de indeferimento pelo Acórdão da Relação de Lisboa de fls. 618-640.

Ora, não é admissível qualquer recurso contra a decisão de suspensão ou de não suspensão da instância, ainda que limitado unicamente à análise das questões de direito, não constituindo, assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.01.2016, no segmento em que indeferiu da requerida suspensão da instância, uma "decisão proferida no recurso" na aceção relevante à luz do artigo 44º do Regulamento (CE) nº 44/2001 [cfr., no contexto da Convenção de Bruxelas, Acórdão TJ de 11.08.1995, Proc.432/93 (SISRO/Ampersand)].
                Não colhe, assim, a pretensão recursória vertida sob as conclusões 56ª e 57ª.


IV. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 14 de março de 2017

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

( Lima Gonçalves)
 (Sebastião Póvoas)
(Paulo Sá)