Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
41/09.2TOLSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL BRAZ
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COMPETÊNCIA DA SECÇÃO CRIMINAL
CUSTAS CRIMINAIS
EXECUÇÃO POR CUSTAS
RECLAMAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 04/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA
Decisão: SECÇÃO CRIMINAL INCOMPETENTE EM RAZÃO DA MATÉRIA / COMPETÊNCIA DAS SECÇÕES CÍVEIS
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 688.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 11.º, N.º 4, AL. B).
LEI 52/2008, DE 28-08: - ARTIGOS 42.º, N.º1, 44.º, AL. A).
Sumário :


I - Nos termos do art. 11.º, n.º 4, al. b), do CPP, compete às secções criminais do STJ julgar recursos “em matéria penal”. Concordantemente, os arts. 42.º, n.º 1, e 44.º, al. a), da Lei 52/2008, de 28-08, determinam que as secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas às secções criminais e sociais do STJ.
II - É da competência das secções cíveis do STJ o julgamento da reclamação do despacho de não admissão do recurso de decisão proferida em processo de execução por custas, que não tem natureza penal, ainda que proferida por secção criminal do Tribunal da Relação.


Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

No âmbito de um recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional no processo nº 6915/05.2TDLSB do 5º juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, AA foi condenada no pagamento de custas.
Com vista a obter o pagamento coercivo do respectivo montante, foi, com base em certidão extraída desse processo, instaurado contra aquela processo de execução, que veio a ser distribuído ao 1º juízo do TIC de Lisboa, tendo-lhe sido atribuído o nº 41/09.2TOLSB.
Foi proferido despacho judicial que declarou este último juízo incompetente, no entendimento de que a execução devia correr no 5º juízo do TIC de Lisboa por apenso àquele processo 6915/05.2TDLSB.
O MP interpôs recurso desse despacho para a Relação de Lisboa.
O recurso foi julgado procedente, na 5ª secção, que é uma das secções criminais desse tribunal, por acórdão de 22/03/2011.


Após reclamação, que foi indeferida, por acórdão de 15/04/2011, a executada interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo assim a sua alegação:
«1. Tendo o recurso sido interposto e admitido ao abrigo da lei processual civil, a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa é incompetente, em razão da matéria, para dele conhecer, ex vi o disposto nos artigos 66°, al. f), 67°, n° 1, 42°, n° 1, e 45°, n° 1, da LOFTJ.
2. Os acórdãos recorridos são nulos e não podem deixar de ser declarados como tal, por haverem sido prolatados por tribunal incompetente em razão da matéria, mas também por enfermarem de vícios intrínsecos nos termos previstos nos artigos 668°, n° 1, alíneas b) e d), e 722°, n° 1, alíneas b) e e), do CPC.
3. O acórdão de 15.4.2011 é nulo também por falta de fundamentação da decisão sobre custas, e inexistir norma que a permita.
Termos em que a Recorrente pede seja julgado procedente o presente recurso».


O recurso não foi admitido, com fundamento em irrecorribilidade do acórdão da Relação, à luz dos artºs 400º, nº 1, alínea c), e 432º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal.


A recorrente reclamou desse despacho, nos seguintes termos:
«EXMOS JUIZES CONSELHEIROS
AA, Recorrente, notificada do despacho do Exmo Relator na Relação, de 31.5.2011, prolatado sobre recurso interposto com fundamento em normas do Código de Processo Civil (CPC), mas fundamentado em preceitos do Código de Processo Penal (CPP), vem, com a devida vénia, dizer e requerer o seguinte:
1. Por força do disposto no artigo 510° do CPP, a execução de bens rege-se pelo disposto no CPC.
2. Foi com fundamento no disposto no artigo 678°, n° 2, alínea a), no segmento relativo à competência em razão da matéria, 685°, n° 1, 721°, n° 1, e 722°, n° 1, alíneas b) e e), do CPC, na redacção dada pelo Dec. Lei n° 303/2007, de 24 de Agosto, que o recurso foi interposto.
3. O despacho de não admissão do recurso fundamenta-se em normas dos artigos 400° e 432° do CPP que, obviamente, não são aplicáveis ao processo; tal aplicação viola o disposto no artigo 510° do CPP.
Pelo que se requer a sua revogação e a sua substituição por outro que admita o recurso.
4. Quanto às razões por que existe direito ao recurso, a Reclamante dá aqui por reproduzido o teor do respectivo requerimento que, nos termos do disposto no artigo 688°, n° 3, do CPC, instruirá a presente reclamação».


Enviado o processo ao STJ, o Vice-presidente proferiu o seguinte despacho:
«O requerimento de fls. 2, dirigido ao «Supremo Tribunal de Justiça, Exmos. Juízes Conselheiros» e não ao Presidente, foi considerado como reclamação por se afigurar ao Relator «que está a ser suscitada a reclamação do despacho de não admissão do recurso».
Porém, face ao vocativo do órgão, do requerimento não resulta inteiramente claro qual a formação do Supremo Tribunal a que o requerimento se dirige.
Notifique a requerente para esclarecer qual a formação do Supremo Tribunal de Justiça a que se pretende dirigir, que considera a competente para a decisão sobre o requerimento que formulou».


A recorrente veio dizer:
«AA, notificada, por ofício de 9.3.2012, do despacho de 8.3.2012, diz e requer:
1. O oficio de 9.3.2012 identifica o processo com sendo «Reclamação – art° 405° CPP». Ora, conforme consta do requerimento de 11.7.2011, a fls 2, a reclamação é apresentada ao abrigo do artigo 688° do CPC, na redacção do Dec. Lei n° 303/2007, de 24 de Agosto.
2. Presume-se que tal identificação corresponda ao que, na Relação, terá sido aposto na capa do Processo. Mas, esse facto compreende-se no objecto do recurso interposto por requerimento de 6.5.2011. Seja como for, tal designação é ilegal, e não pode deixar de ser corrigida – como se pede seja ordenado.
3. Quanto à questão suscitada pelo despacho de 8.3.20 12:
1) o recurso interposto é de REVISTA;
2) a reclamação de decisão de não admissão de recurso de revista tem de ser apreciada por uma secção cível do Supremo Tribunal de Justiça; mas, salvo melhor entendimento,
3) a competência para declarar a incompetência em razão da matéria de uma secção criminal da Relação – que se julgou competente para o recurso interposto e admitido em 1ª instância, ao abrigo de preceitos do Código de Processo Civil – afigura-se ser de uma secção criminal, apesar de a tramitação da reclamação ter de obedecer ao actualmente disposto no invocado artigo 688° do CPC».


O Vice-presidente decidiu então:
«Após convite para esclarecer qual a formação do Supremo Tribunal de Justiça a que se dirige, por considerar competente para a decisão da reclamação, a requerente AA respondeu a fls. 61.
Deste modo, interpretando a parte 3, na conjugação dos subpontos 2 e 3, e independentemente de todas as questões que nesta perspectiva possam ser suscitadas, a requerente aparenta indicar como entidade competente a secção criminal, dirigindo-lhe o pedido. O princípio de que o órgão a quem uma petição é dirigida será o competente para se pronunciar sobre a sua própria competência determina que a reclamação, nos termos em que vem formulada, seja apresentada para decisão à formação do STJ à qual a requerente a dirige (na interpretação possível do requerimento de fls. 61).
Distribua-se, pois pelas secções criminais».

Colhidos os vistos, cumpre decidir.



Fundamentação:
Está em causa o julgamento de reclamação oposta a despacho de não admissão de recurso interposto de decisão proferida num processo de execução por custas, sendo aplicável o regime do artº 688º do Código de processo Civil, na redacção dada pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto.
O processo de execução por custas não tem natureza penal, visto não ser regulado por normas penais ou processuais penais, designadamente em matéria de recursos.
Nos termos do artº 11º, nº 4, alínea b), do CPP, às secções criminais do STJ compete julgar recursos «em matéria penal». Concordantemente, o artº 44º, alínea a), da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, afirma competir às secções do STJ, «segundo a sua especialização: Julgar os recursos que não sejam da competência do pleno das secções especializadas», e o artº 42º, nº 1, definindo a especialização das secções, estabelece que «as secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções, as secções criminais julgam as causas de natureza penal e as secções sociais julgam as causas referidas no artigo 118º».
O critério adoptado foi, pois, o de identificar as causas que compete julgar às secções criminais e sociais, sendo o julgamento das restantes da competência das secções cíveis.
Aqui, a causa a julgar não é de natureza penal, como se disse, nem se inclui nas referidas no artº 118º. Logo, é da competência das secções cíveis. É irrelevante a circunstância de a decisão recorrida ter sido proferida por uma secção criminal da Relação, visto o critério definidor da competência ser o da natureza da causa. Como é o facto de, em 1ª instância, a competência poder, eventualmente, caber a um tribunal criminal.


Decisão:
Em consequência, decide-se que esta secção criminal é incompetente, em razão da matéria, para julgar a reclamação do despacho de não admissão do recurso, sendo competentes as secções cíveis.
Ao abrigo do disposto no artº 33º, nº 1, do CPP, remeta oportunamente os autos à distribuição pelas secções cíveis deste Supremo Tribunal.
Sem custas.

Lisboa, 26 de Abril de 2012




Manuel Braz (relator)
Santos Carvalho (com declaração de voto nos seguintes termos: «fiquei vencido, pois considero que é da competência do Presidente do STJ, nos termos do art. 405.º do CPP, decidir a reclamação do despacho que não admitiu o recurso para este tribunal do acórdão proferido por uma secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, independentemente de esta última não ter, alegadamente, competência material para o efeito. As secções cíveis do STJ não têm competência para decidir se um acórdão da secção criminal da Relação é ou não recorrível para o STJ.»).
Rodrigues da Costa