Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A2645
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: COMPRA E VENDA COMERCIAL
DEFEITO DA COISA OBJECTO DO CONTRATO
DENÚNCIA
PRAZO DE CADUCIDADE
GARANTIAS
Nº do Documento: SJ200810140026456
Data do Acordão: 10/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

I – O art. 471º do Código Comercial estabelece, na sua parte final, um prazo de 8 dias para o comprador denunciar os defeitos da coisa, caso a não examine no acto da compra, não indicando, no entanto, desde quando se conta o início desse prazo, estabelecendo um regime legal diverso do previsto no Código Civil – arts. 916º, nº2, e 925º, nº2 – sendo claramente mais restritivo.

II – A questão do início da contagem de tal prazo tem sido objecto de controvérsia, pois se é possível, em certos casos, ao comprador examinar a coisa vendida no acto da entrega, ou no prazo de oito dias – sempre supondo a sua diligente actuação conforme o paradigma do bonus pater familias e os usos do comércio – casos haverá em que o comprador não pode, naquele curto prazo, saber se existe conformidade entre o produto encomendado e o que lhe foi fornecido.

III) Tal dificuldade existe quando se trata de coisas dificilmente examináveis, ou cujos possíveis defeitos apenas podem emergir quando for pericialmente vistoriada ou utilizada.

IV) A noção de defeito da coisa vendida não é definida especificamente no Código Comercial, pelo que se deve apelar ao regime do Código Civil, subsidiariamente aplicável – art. 3º do Código Comercial.

V) Um vez os bens vendidos “os “stand posts” em causa seriam montados junto a uma ilha de enchimento de químicos (tóxicos, aromáticos e inflamáveis), e iriam servir não só para suportar o peso de um braço de carga (também fornecido pela Autora), mas também como um dos pontos de circulação dos produtos químicos”, não era exigível ao comprador que verificasse possíveis defeitos no acto de entrega, nem no prazo e oito dias, por não ter sido estipulado prazo para a montagem.

VI) – Se no contrato consta uma cláusula que estatui – “o fornecimento será garantido contra defeitos de fabrico, por um prazo de 12 meses desde que estes sejam comprovadamente originados por defeitos de execução”, existe uma garantia dada pela vendedora.

VI) – Estando provado que a Autora fabricou com defeito os postes recusados pela Ré, e que foi estabelecida uma garantia “contra defeitos de fabrico por um prazo de 12 meses”, deve concluir-se que a Autora-vendedora, tendo dado aquela garantia, concedeu, em derrogação do prazo previsto no art. 471º do Código Comercial, o prazo de um ano para a compradora poder denunciar os defeitos de que a coisa vendida padecesse.

VII) – Tendo a denúncia dos defeitos sido feita dentro do prazo de um ano após a entrega dos “stand posts” não ocorreu caducidade.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA-Equipamentos Industriais, Ldª intentou, em 3.5.2002, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – 9ª Vara – acção declarativa comum sob a forma ordinária, contra:

Petróleos de Portugal, Petrogal, Ldª.

Pedindo a condenação desta no pagamento de € 17.741,22, acrescida dos juros de mora vencidos a 12% desde o vencimento e até à propositura da acção no valor de € 1.017,68, bem como nos vincendos à taxa legal.

Para tanto alegou, em síntese, que, após consulta pública, a Ré adjudicou à Autora a compra de determinados equipamentos industriais. Todos os equipamentos foram entregues à Ré pela Autora, que pagou parte do seu preço, não tendo todavia pago até ao presente os 24 “stand posts”, no valor peticionado, como deveria ter feito nos trinta dias posteriores à data de emissão da factura.

A Ré contestou, alegando ter anulado a encomenda dos 24 “stand posts”, pois estes não eram próprios para o fim a que se destinavam e padeciam de defeitos de fabrico.

Pelos “stand-posts” iriam circular produtos químicos tóxicos e inflamáveis, e a existência de juntas, soldaduras e espessuras mal preparadas poderia permitir que vertessem para fora, causando problemas de segurança.

Assim, devia a Autora ter substituído aqueles equipamentos por outros que satisfizessem as necessárias condições técnicas. Mesmo que assim não se entendesse, sempre a Ré poderia invocar a excepção de não cumprimento do contrato, não pagando os “stand-posts” enquanto se mantiver o incumprimento contratual da Autora.

Replicou a Autora, defendendo que, por se tratar de compra e venda comercial, deveria a Ré ter denunciado qualquer defeito no prazo de oito dias subsequente à entrega, e não o fez. A isto acresce que o equipamento não tem defeitos, a Ré não fez, aquando da encomenda, quaisquer exigências de especificações técnicas e optou pela alternativa mais barata, a qual, obviamente, tem qualidade inferior à mais cara.

Por fim, é inadmissível a invocação da exceptio porquanto o contrato tem-se por perfeito.

Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto relevante.

Foi realizada perícia.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida decisão quanto à matéria de facto que não sofreu reclamação.



A final, foi proferida sentença que julgou improcedentes as excepções invocadas e procedente a acção, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 17.741,22 (dezassete mil, setecentos e quarenta e um euros e vinte e dois cêntimos), a que acrescem os juros de mora, à taxa de juros comerciais, sendo os vencidos até à propositura da acção no montante de 1.017,68 € (mil e dezassete euros e sessenta e oito cêntimos), bem como nos posteriormente vencidos e nos vincendos, até integral pagamento.

Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 18.12.2007 – fls. 1010 a 1025 – julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.


De novo inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. Ficou demonstrado em sede de julgamento, designadamente após a realização das diligência periciais, que os stand posts, ou postes de suporte, não se encontravam nas condições adequadas ao desempenho das funções para as quais haviam sido adquiridos, por força de defeitos de fabrico, tal como se demonstra pelo relatório da Rinave-Qualidade e Segurança e do relatório pericial do ISQ.

2. Na verdade, a vontade das partes, expressa no sentido de, derrogando as disposições supletivas do Código Comercial, estabelece uma garantia “contra defeitos de fabrico, por um prazo de 12 meses desde que estes sejam comprovadamente originados por defeitos de execução” relativa aos bens cuja venda foi acordada (cfr. vg. pág. 6, Ponto E do Doc. nº2 junto à P.I. — garantia dos fornecimentos, e Doc. nº1 junto à contestação) deve prevalecer sobre as regras supletivas daquele código.

3. Face ao exposto a respeito da garantia de doze meses que integrava o contrato, a discussão relativa ao prazo de reclamação, previsto no artigo 471° do Código Comercial, é supérflua, inócua e por isso irrelevante.

4. Como a Recorrente procurou evidenciar durante o pleito em primeira instância, a ausência das necessárias características técnicas dos stand posts torna-os inúteis, na medida em que, não oferecendo as condições essenciais de eficácia e segurança, não poderiam desempenhar as suas funções num local em que as medidas de segurança têm de ser estritamente cumpridas e observadas, como é a Refinaria do Porto, local a que se destinavam os referidos postes de suporte.

5. Ora, não consubstanciando os vinte e quatro stand posts bens que possam ser inspeccionáveis a olho nu, no que concerne à totalidade das suas componentes e especificações técnicas, leia-se, nomeadamente, diâmetros, soldaduras ou revestimentos, não podia a Recorrente proceder à sua inspecção imediata aquando do acto de entrega dos mesmos.

6. No seu acórdão aqui recorrido, o Tribunal da Relação refere que a Recorrente nunca suscitou ao longo do processo a garantia “contra defeitos de fabrico, por um prazo de 12 meses desde que estes sejam comprovadamente originados por defeitos de execução” e que, por isso, tal matéria não foi incluída na selecção da matéria de facto, o que não é porém exacto: a referida garantia é parte integrante do contrato que foi celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, contrato esse cuja existência e teor são inequivocamente afirmados e dados como provados nas alíneas h), j) e g) da matéria dada como provada, com expressa remissão para os correspondentes documentos constantes nos autos, pelo que, não pode em boa verdade pôr-se em causa a existência e teor da mencionada garantia contra defeitos de fabrico, tal como as restantes cláusulas e condições do contrato dada, devendo por isso aplicar-se-lhe o direito em conformidade, o que está para além dos poderes do Tribunal de recurso.

7. O prazo de oito dias a que se refere o artigo 471° do Código Comercial apenas se inicia com a descoberta do vício da coisa comprada ou, pelo menos, a partir do momento em que o descobriria se agisse com a diligência devida.

8. Razões pelas quais se considera que deveriam ter sido julgadas procedentes as excepções de incumprimento defeituoso (cfr. artigos 913°, 916°, nº2, 917° e 287°, nº2, todos do Código Civil) e de não cumprimento do contrato (cfr. artigo 428°do Código Civil) ambas invocadas na contestação.

Nestes termos, e nos mais do Direito aplicável, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se, em consequência, a douto acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por douto acórdão que julgue procedentes as excepções invocadas na contestação, com todas as legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça.

A Autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.


Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto:

a) A Autora dedica-se à compra e venda de equipamentos industriais.

b) No dia 4 de Outubro de 2000, a Ré levou a cabo uma consulta de mercado com vista a aquisição de vários equipamentos industriais (braços de carga, braços de recuperação de vapor, com mangueira flexível e stand posts), tendo para o efeito consultado a Autora (através do documento junto a fls. 05:consulta nº ......, de 04/10/2000, nº colectivo MJS24184AD) e outras empresas do sector.

c) Na consulta referida em B, referia-se, em “Nota”, que “Esta consulta anula e substitui a de número colectivo MJS24184”.

d) A Autora emitiu e enviou à Ré a factura nº 136, datada de 01/10/2001, no montante de 3.356.781$00 (€ 17.741,22), referente a “24 Stand Posts, Diam. 6’’, Aço Carbono, Pintura Com Primário Anti-Ferrugem”, no valor unitário de 126.666$00, e tendo como referências “N/ AA-........../2001 N/GUIA DE REMESSA N 784 V/ NOTA DE ENC. ............ DE 06.06.2001”.

e) Com excepção dos 24 Stand-Posts, todos os produtos encomendados pela Ré foram entregues pela Autora e pagos pela Ré.

f) A Autora apresentou à Ré a “Proposta Comercial junta a fls. 39-40, referência “AA-....../2000”, respeitante ao “NC MJS24184AD” (documento de fls. 39-40, cujo conteúdo se reproduz).

g) A Ré enviou à Autora, datada de 06/06/2001, a comunicação junta a fls. 10, com a indicação da referência desta última, ....../200, para encomenda de Braços de Carga e Braços de Recuperação de vapor, com stand-posts, para enchimento por baixo, de químicos em carros cisterna (20 Braços de carga de 3’’. Marca OMC, modelo 750.438.783$00/cada; 4 Braços de recuperação de Vapor de 4’’, marca OMC, modelo 750, 508.783$00/cada; 24 Stand-Posts de 6’’, em aço carbono, pintura com primário anti-ferrugem, 126.666$00/cada), “conforme nossas especificações e de acordo com a vossa Proposta ref. AA-....../2000 de 2000-10-17 e respectivos aditamentos ref. ....../2000 de 2000/11/02, Fax ref. AA-....../2001 de 2001-03-01, ref. ....../2001 de 2001/04/23. Fax ref. ....../2001 de 2001/05-15 e Fax ref. ....../2001 de 2001/05/29, no valor global sem IVA, de 13.850.776$00”, nas “condições de pagamento” de “30 dias após entrada Fact. na Petrogal”, entrega “9 semanas após aprovação dos desenhos (excluindo Agosto”) e “instalação na “Nossa Refinaria do Porto”.

h) Os 24 stand-posts não foram pagos pela Ré à Autora.

i) A Autora remeteu à Ré (“Petrogal, S.A. Refinaria do Porto”), a guia de remessa nº 0784, datada de 24/09/2001, reportada a “N/ AA-....../2001” e “V/ NOTA DE ENC. ...... de 06.06.2001”, referente a “24 Stand-Posts, Diam. 6’’, Aço Carbono, Pintura Com Primário Anti Ferrugem”, tendo como “Local de Carga – Tires” e “Local de Descarga – Matosinhos”, e onde se faz a indicação de que “Só aceitamos devoluções no prazo de oito (8) dias a contar da data indicada neste documento”.

j) A Autora enviou à Ré, o fax datado de 07/11/2001, na qual refere que “Após Vossa recusa em efectuar reunião em conjunto com Dra. BB e para que possamos ultrapassar esta situação e por tratar-se da Petrogal, S.A., cliente que estimamos à semelhança de outros, propomos o seguinte:

A) Dos vários orçamentos pedidos o mais barato é de 1.458.000$00+IVA, para desfazer, limpar, chanfrar e refazer as soldaduras, por onde passa o produto.
Assim, a AA-Equipamentos Industriais, Ldª, propõem-se suportar 50% se a Petrogal, S.A. também suportar 50%.
B) Em alternativa ao exposto na alínea anterior, também estamos disponíveis para efectuarmos por nossa conta os trabalhos de remoção das soldaduras existentes, limpeza e chanfro por onde passa o produto e entregar o material à Petrogal, S.A., para que possa fazer as soldaduras que deseja por sua conta”.

k) A Autora enviou à Ré, o fax datado de 12/11/2001, na qual refere que “No seguimento da Vossa solicitação telefónica, informamos que a empresa que nos deu o orçamento para a rectificação das soldaduras, constante do nosso fax de 07/11/2001, não tem os documentos por V. Exas. exigidos, estando nesta data em fase de certificação.
Atendendo às exigências por Vós indicadas para apresentação de:

- Qualificação do Processo de Soldadura
- Certificados de Soldador
- Certificados do Material Adicional
contactamos outra empresa que faz o trabalho de acordo com a V. exigência.
Neste caso o valor suplementar a crescer ao anterior será 790.000$00+IVA, a suportar na totalidade pela Petrogal, S.A.
Nota: Todas as radiografias serão de Vossa conta”.

l) A Autora enviou à Ré, o fax datado de 21/11/2001, na qual refere que “No nosso fax de 12/11/2001, em resposta à Vossa solicitação telefónica, informamos que a empresa que nos deu o orçamento de 1.458.000$00+IVA não era certificada e informamos também que para as exigências por Vós apresentadas e por Ter que ser uma empresa certificada, tinham um agravamento de 790.000$00+IVA, a suportar na totalidade pela Petrogal.
Nota: Continuamos a salientar que nenhuma das situações técnicas agora exigidas, fazia parte da Vossa consulta ou encomenda. Salientamos também que na nossa proposta havia uma alternativa que contemplava essas exigências, pela qual não optaram”.

m) A Ré enviou à Autora o fax datado de 11/12/2001, subordinado ao “Assunto : Anulação item “stand post” na n/encomenda ........, de 2001-06-06”, na qual refere que “Relativamente à encomenda identificada em assunto vimos informar que procedemos à anulação do item relativo ao fornecimento dos 24 “stand posts” de 6’’ (em aço carbono. Pintura com primário anti-ferrugem), no valor total de 3.039.884$00.
Como é do conhecimento de V. Exas. os motivos desta anulação são de carácter técnico, concretamente devem-se ao facto de o material em causa não satisfazer as condições contratadas.
Mais se informa que esta decisão decorre do inerente parecer técnico, emitido pelo nosso “cliente interno”, suportado no Relatório emitido pela RINAVE-Qualidade e Segurança, a quem foram solicitados ensaios radiográficos.
Assim, os 24 “stand post”, entregues pela AA no armazém da nossa Refinaria do Porto, deverão ser levantados, devendo para o efeito ser contactado o nosso colaborador Sr. Eng.CC ou o responsável do armazém (Sr. Eng. DD)”.

n) A Autora enviou à Ré, o fax datado de 14/12/2001, na qual refere que “Acusamos a recepção do Vosso fax de 11/12/2001 e é com bastante estranheza que lemos o seu conteúdo.
Não pretendemos que se proceda à anulação deste item, mas sim arranjar um entendimento entre ambas as partes para que o assunto seja resolvido, sem que fiquem atritos.
Neste contexto, iremos enviar uma nova proposta ao Vosso gabinete de projectos A/C Eng. CC, que esperamos seja aceite, afim de encerrarmos o assunto e procedermos à reparação dos Stand Posts”.

o) A Autora enviou à Ré, o fax datado de 14/12/2001, na qual refere que “Após a recepção do fax da Vossa secção de compras e nossa resposta ao mesmo, vimos apresentar nova proposta com a finalidade de ser encerrado o assunto e se proceder à reparação dos Stand Posts.
Assim, aceitamos suportar também 50% do suplemento de 790.000$00+IVA, para que os Stand Posts sejam reparados numa empresa qualificada, com soldadores qualificados e que apresentará certificados dos materiais de adição.
Se alguma soldadura tiver problemas, o trabalho de reparação será de nossa conta. A pintura com primário das partes reparadas será feita pela Petrogal”.

p) A Ré enviou à Autora, o fax datado de 09/01/2002, tendo como assunto “Resposta ao vosso fax ref. 5067/2001, de 2001-12-14”, no qual refere “Em resposta ao vosso fax em assunto, e após termos colhido o parecer do nosso Gabinete de Projectos (Eng. CC), vimos por este meio reafirmar a decisão tomada de anular o item relativo ao fornecimento dos 24 “stand posts” de 6’’, da nossa encomenda ........, de 2001-06-06”.

q) À consulta referida em B, respondeu a Autora com o documento junto a fls. 25-32, intitulado “Proposta Comercial”, referência AA-....../2000; NC – MJS24184AD).

r) Os “stand posts” em causa seriam montados junto a uma ilha de enchimento de químicos (tóxicos, aromáticos e inflamáveis), e iriam servir não só para suportar o peso de um braço de carga (também fornecido pela Autora), mas também como um dos pontos de circulação dos produtos químicos.

s) As juntas, as soldaduras e espessuras dos postes de suporte em causa, atenta a forma como foram realizadas, poderiam levar a um fenómeno de fadiga, eventualmente conducente à rotura brusca da zona pressurizada dos “stand-posts” após determinado número de ciclos de carga ou enchimentos.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do litígio, afora as questões de conhecimento oficioso – cumpre saber:

- se a Ré vendeu à Autora coisa defeituosa;

- se ocorreu caducidade do direito de denunciar os alegados defeitos da coisa objecto do contrato de compra e venda.

A relação jurídico-contratual estabelecida entre a Autora e a Ré consubstancia um contrato de compra e venda – arts. 874º e 879º do Código Civil e 13º, nº2, e 2º, 2ª parte, do Código Comercial.

O art. 471º Cód. Comercial submete a compra e venda comercial a um regime de prazo curto para as reclamações do comprador contra as qualidades da coisa, acautelando a necessidade de segurança das transacções, indispensável à vida mercantil.

O contrato em causa é uma compra e venda comercial e não civil, a Autora-vendedora e a Ré-compradora são sociedades comerciais, logo comerciantes, e o negócio é um acto do comércio (objectivo).

O art. 2º do C.Comercial estatui: “Serão considerados actos do comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e além deles todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”.

Em função da sua natureza comercial – art. 13º, 1º e 2º, do C. Comercial, aplicam-se, desde logo, os arts. 463º e art. 471º do mesmo diploma, estatuindo este último preceito:

“As condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamou contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamou dentro de 8 dias;
§ único. O vendedor pode exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no acto da entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os efeitos como verificado”.

Este normativo estabelece um regime de denúncia dos defeitos da coisa objecto do contrato, diverso do previsto no Código Civil – arts. 916, nº2, e 925º, nº2 – sendo claramente mais restritivo o regime de denúncia do Código Comercial.

Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial” – 1994 – indica como fundamento para a disparidade - “…Ao impor ao comprador o ónus de analisar a mercadoria e de denunciar ao vendedor, no acto da entrega, qualquer diferença em relação à amostra ou à qualidade tidas em vista ao contratar sob pena de o contrato ser havido como perfeito, pretende a lei fundamentalmente tornar certa, num prazo muito curto, a compra e venda mercantil.
Este regime, nitidamente diverso do estabelecido na lei civil para as vendas do mesmo tipo (art. 916º do Código Civil) tem na base a ideia de que a rescisão de um contrato “pode causar ao comércio entorpecimento ou danos, no sentido de que envolva insegurança para os direitos, perturba a rapidez das actividades e, ao originar a ineficácia de mera operação já realizada, transforma ou impede o encadeamento económico das operações sucessivas”.

Vaz Serra, in R.L.J., 104º, pág 254, opina que a ratio legis do art. 471º do Código Comercial, está na vantagem de não deixar por muito tempo exposto o vendedor à reclamação por defeitos da coisa vendida e nas necessidades do tráfico comercial; deverá, pois, o comprador examinar, tão depressa quanto possível, a coisa comprada a fim de verificar se ela tem vícios e denunciá-los, tão logo, ao vendedor.

O normativo em análise (art. 471º do C.Com) estabelece, na sua parte final, um prazo de 8 dias para o comprador reclamar os defeitos, caso não examine as coisas compradas no acto da compra.

Todavia, o citado normativo não indica desde quando se conta o início desse prazo de oito dias.

Sobre tal ponto Pedro Romano Martinez “Cumprimento Defeituoso…” 1994, pág. 422, sustenta que o prazo se inicia a partir do conhecimento dos defeitos, em ordem à sua denúncia.

Perante a omissão de C.Comercial (art. 471º) são de aplicar as correspondentes disposições do C.Civil por força do art. 3º do Cód. Comercial.

O Ac. deste S.T.J. de 28.3.2001 – in www.dgsi.pt doutrinou que o prazo de 8 dias para a reclamação se conta a partir do momento em que o comprador teve, ou podia ter tido conhecimento de vício, se agisse com a diligência exigível ao tráfego comercial.

Esta questão do início da contagem do prazo tem sido objecto de controvérsia, pois se é possível, em certos casos, ao comprador examinar no acto da entrega ou no prazo de oito dias a coisa objecto do contrato – sempre supondo a diligente actuação conforme o paradigma do bonus pater famílias e os usos do comércio – casos haverá em que o comprador não pode, no prazo curto de oito dias, saber se existe conformidade entre o produto encomendado e o que lhe foi fornecido.

Esta dificuldade existe quando se tratar de coisas dificilmente examináveis, ou cujos possíveis defeitos apenas podem emergir quando a coisa for pericialmente vistoriada ou utilizada.

Como se pode ler no Ac. deste STJ de 26.1.1999, in BMJ 483-237, - “Vaz Serra [in RLJ Ano 104, págs. 254-256] pondera que a razão de ser da norma resultará que o prazo de oito dias não é aplicável quando não for possível dentro dele descobrir os vícios da coisa comprada, por isso exigir uma investigação mais demorada: a lei fixa aquele prazo por partir de que, normalmente, é possível ao comprador descobrir o defeito dentro dele, não sendo, portanto, aplicável tal prazo quando, dadas as circunstâncias do caso concreto, não for praticável o exame da mercadoria em tão curto espaço de tempo.”

Também nesse aresto se dá conta que “já para Pedro Nuno Tavares Romano e Soares Martinez, “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Coimbra, 1994, págs. 422-423, o prazo de oito dias para a denúncia dos defeitos conta-se a partir do respectivo conhecimento/descobrimento, sendo aplicáveis, perante a omissão do diploma mercantil, as correspondentes disposições do Código Civil”.

Refere ainda aquele Acórdão que a jurisprudência deste Tribunal é dominante no sentido de considerar que o prazo se inicia com o conhecimento do vício da coisa, devendo o comprador usar de diligência normal, recorrendo “aos meios eficientes para se certificar” que é isenta de defeitos.

Já no Acórdão deste Tribunal de 7.6.1966 – BMJ 18-345 – se sentenciou:

“O prazo para a reclamação pelo comprador estabelecido pelo artigo 471° do Código Comercial pode ser alterado por convenção das partes e esta pode resultar das próprias circunstâncias do contrato ajustado.
Ninguém pode ser compelido a formular uma reclamação, nem privado do direito de a fazer, sem que, usando de diligência normal e recorrendo aos meios eficientes, possa certificar-se de que a mercadoria entregue reúne ou não as qualidades que condicionaram o contrato ajustado.
Seria exigir o impossível do comprador ou incitá-lo a, por cautela, reclamar mesmo antes de ter uma razão séria para o fazer.
De resto o § único do artigo 471° prevê a impossibilidade do exame no momento da entrega e concebe-se facilmente que, nos oito dias do prazo fixado no corpo do artigo, seja impossível uma averiguação segura e conscienciosa de determinadas coisas ou mercadorias.” (destaque nosso).

Quanto ao ónus da prova sobre a tempestividade da denúncia dos defeitos, incumbe ao comprador que deve provar, além da factualidade demonstrativa da eventual impossibilidade, a data em que cessou essa impossibilidade e o defeito passou a ser detectável. Não cumprindo esse ónus, o prazo ter-se-á de contar da data da entrega da coisa.

Como sentenciado no Acórdão citado, de 26.1.1999, pág. 241, o comprador tem de provar:
“A eventual impossibilidade de exame do material no momento da entrega o momento em que terá cessado essa impossibilidade; a data em que detectou os defeito e a data da reclamação”.

Vejamos, desde logo, se dada a natureza da coisa vendida, a Ré poderia no prazo de oito dias verificar com certeza se a coisa – os 24 postes de suporte – “stand posts” – estavam isentos de defeitos.

A noção de defeito da coisa vendida não é definida especificamente no Código Comercial pelo que, mais uma vez, se deve apelar ao regime do Código Civil, subsidiariamente aplicável.

A coisa entregue pelo vendedor, na execução do contrato de compra e venda, deve estar isenta de vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material que estejam em desconformidade com o contratualmente estabelecido, ou em desconformidade com o que, legitimamente, for esperado pelo comprador.

O art. 913º do Código Civil estatui:

“1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.

Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 205, comentam a certo trecho.

“...O artigo 913º cria um regime especial (cuja real natureza constitui um dos temas mais debatidos na doutrina germânica [...]) para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas:

a) Vício que desvalorize a coisa;
b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada;
c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor;
d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.

Equiparando, no seu tratamento, os vícios às faltas de qualidades da coisa e integrando todas as coisas por uns e outras afectadas na categoria genérica das coisas defeituosas, a lei evitou as dúvidas que, na doutrina italiana por exemplo, se têm suscitado sobre o critério de distinção entre um e outro grupo de casos.
Como disposição interpretativa, manda o nº2 atender, para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria [...]”.

O relevante para se aferir da correcta execução da prestação do contraente vendedor é saber se a coisa vendida é hábil, idónea, para a função a que se destina.

A lei consagra um critério funcional.

A venda da coisa pode considerar-se venda defeituosa quando, numa perspectiva de “funcionalidade”, contém:

“ Vício que a desvaloriza ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destina.
Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913º,nº2,)” – cfr. “Compra e Venda de Coisas Defeituosas-Conformidade e Segurança”, de Calvão da Silva, pág. 41.

“A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado.
O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa a discordância com respeito ao fim acordado.
Os vícios e as desconformidades constituem defeito da coisa” – “Direito das Obrigações” – Pedro Romano Martinez, edição de Maio 2000, pág. 122-123.

Como se acha provado:

r) Os “stand posts” em causa seriam montados junto a uma ilha de enchimento de químicos (tóxicos, aromáticos e inflamáveis), e iriam servir não só para suportar o peso de um braço de carga (também fornecido pela Autora), mas também como um dos pontos de circulação dos produtos químicos.
s) As juntas, as soldaduras e espessuras dos postes de suporte em causa, atenta a forma como foram realizadas, poderiam levar a um fenómeno de fadiga, eventualmente conducente à rotura brusca da zona pressurizada dos “stand-posts” após determinado número de ciclos de carga ou enchimentos.”.

Temos de concluir, e isso resulta também da fundamentação da decisão da matéria de facto, por referência ao exame pericial, que os postes destinados à refinaria da “Petrogal”, no Porto, apresentavam defeitos de soldadura e nas juntas, pelo que o risco de fadiga poderia causar acidentes. O defeito apenas seria detectável após a montagem dos postes, não tendo sido convencionado qualquer prazo para tal montagem.

Daqui devemos também concluir que a compradora, de modo algum, estaria em condições de, no prazo de oito dias, a partir da entrega, denunciar os defeitos existentes nos 24 postes, já que não seria prudente começar a utilizar esse equipamento sem comprovar a sua segurança que foi objecto de peritagem por uma empresa especializada que detectou aqueles defeitos.

Os postes foram entregues à Ré, em 24.9.2001, e em 11.12.2001 a Ré “anulou a encomenda”, afirmação que, no contexto da correspondência trocada com a Autora e, sobretudo, face à alusão ao relatório da “Rinave” – cfr. n) dos factos provados – exprime denúncia dos defeitos da coisa.

Ademais, como resulta provado no Acórdão recorrido:

n) A Autora enviou à Ré, o fax datado de 14/12/2001, na qual refere que “Acusamos a recepção do Vosso fax de 11/12/2001 e é com bastante estranheza que lemos o seu conteúdo.
Não pretendemos que se proceda à anulação deste item, mas sim arranjar um entendimento entre ambas as partes para que o assunto seja resolvido, sem que fiquem atritos.
Neste contexto, iremos enviar uma nova proposta ao Vosso gabinete de projectos A/C Eng. CC, que esperamos seja aceite, afim de encerrarmos o assunto e procedermos à reparação dos Stand Posts”.

o) A Autora enviou à Ré, o fax datado de 14/12/2001, na qual refere que “Após a recepção do fax da Vossa secção de compras e nossa resposta ao mesmo, vimos apresentar nova proposta com a finalidade de ser encerrado o assunto e se proceder à reparação dos Stand Posts.
Assim, aceitamos suportar também 50% do suplemento de 790.000$00+IVA, para que os Stand Posts sejam reparados numa empresa qualificada, com soldadores qualificados e que apresentará certificados dos materiais de adição.
Se alguma soldadura tiver problemas, o trabalho de reparação será de nossa conta. A pintura com primário das partes reparadas será feita pela Petrogal”.

p) A Ré enviou à Autora, o fax datado de 09/01/2002, tendo como assunto “Resposta ao vosso fax ref. 5067/2001, de 2001-12-14”, no qual refere “Em resposta ao vosso fax em assunto, e após termos colhido o parecer do nosso Gabinete de Projectos (Eng. CC), vimos por este meio reafirmar a decisão tomada de anular o item relativo ao fornecimento dos 24 “stand posts” de 6’’, da nossa encomenda ..............., de 2001-06-06”.

Daqui resulta que a Ré denunciou à Autora a existência de defeitos, em 14.2.2001, tendo a Autora proposto uma solução em que, claramente, reconhece existência de defeitos nos postes quando afirma: “Assim, aceitamos suportar também 50% do suplemento de 790.000$00+IVA, para que os Stand Posts sejam reparados numa empresa qualificada, com soldadores qualificados e que apresentará certificados dos materiais de adição.
Se alguma soldadura tiver problemas, o trabalho de reparação será de nossa conta.
A pintura com primário das partes reparadas será feita pela Petrogal”.
Assente que a coisa vendida padecia de defeitos, vejamos que prazo aplicar.

A Ré alegou que, no contrato, as partes derrogaram implicitamente o prazo do art. 471ºdo C. Comercial ao estipularem um prazo de garantia de 12 meses.

No Acórdão recorrido afirma-se que só nas alegações a apelante (ré) invoca ter sido estabelecida uma garantia “contra defeitos de fabrico, por um prazo de 12 meses desde que estes sejam comprovadamente originados por defeitos de execução”, questão que nunca foi suscitada no processo.

Com o devido respeito discordamos.

Como consta do contrato junto com a contestação – fls. 30 – existe uma garantia dada pela vendedora:

O fornecimento será garantido contra defeitos de fabrico, por um prazo de 12 meses desde que estes sejam comprovadamente originados por defeitos de execução”.

Estando provado que a Autora fabricou com defeito os postes recusados pela Ré, e que foi estabelecida uma garantia “contra defeitos de fabrico por um prazo de 12 meses” deve concluir-se que, durante um ano a contar da entrega, a Autora fabricante, por ter dado aquela garantia, concedeu, em derrogação do art. 471º do Código Civil, à Ré o prazo de um ano para denunciar os defeitos de que a coisa vendida padecesse.

Será incongruente considerar que este prazo de garantia não fosse de atender, se se mostra estabelecido no contrato, documento que as partes aceitaram.

Nem se diga que o prazo de denúncia é distinto do prazo de garantia.

São realidades diversas, mas compreende-se que destinando-se os postes a um uso de risco numa refinaria, e devendo obedecer a rigorosas especificações técnicas, as partes tenham pactuado um prazo de garantia longo, quiçá para propiciar ao comprador a faculdade de testar o equipamento.

Assim, aproximando a conclusão, afirmamos que, no caso, não seria de considerar, como as instâncias consideraram, o prazo de caducidade de oito dias – art. 471º do Código Comercial – contado desde a data da entrega dos postes em 24.9.2001 – por ter sido estabelecido um prazo de 12 meses como garantia dada pelo vendedor, pelo que dentro desse prazo sempre a compradora poderia denunciar defeitos de fabrico, como aconteceu.

Tendo sido respeitado esse prazo pela recorrente, não caducou o seu direito de recusar o pagamento do preço da coisa defeituosa.

Decisão:

Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido com a inerente absolvição da Ré do pedido.

Custas, neste Tribunal e nas Instâncias, pela Autora/recorrida.


Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Outubro de 2008

Fonseca Ramos (Relator)

Cardoso de Albuqerque
Azevedo Ramos