Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
78/16.5PWLSB-B.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO PREVENTIVA
ESPECIAL COMPLEXIDADE
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 11/02/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão:
IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ACTOS PROCESSUAIS / FORMAS DOS ACTOS E DOCUMENTAÇÃO – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS / MODOS DE IMPUGNAÇÃO – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 97.º, N.º 5, 215.º, N.º1, 2 E 3, 219.º, 222.º, N.º 2 E 399.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 31.º, N.º 1, 27.º E 28.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 16-07-2003, N.º 2860/03;
- DE 30-12-2013, PROCESSO N.º 379/13.4TXPRT-G.S1;
- DE 25-06-2014, PROCESSO N.º 35/14.6YFLSB.S1;
- DE 08-08-2014, PROCESSO N.º 1042/13.1SELSB-B.S1;
- DE 20-11-2014, PROCESSO N.º 59/08.2PFBRR-A.S1;
- DE 21-01-2015, PROCESSO N.º 9736/08.7TDPRT;
- DE 21-01-2015, PROCESSO N.º 9/15.0YFLSB.S1;
- DE 06-05-2015, PROCESSO N.º 53/15.7YFLSB.S1;
- DE 17-06-2015, PROCESSO N.º 122/13.8TELSB-P.S1;
- DE 28-10-2015, PROCESSO N.º 95/14.0T9STS-E.A.S2;
- DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 289/16.3JABRG-A.S1;
- DE 05-08-2016, PROCESSOS N.º 52/16.1YFLSB.S1;
- DE 05-08-2016, PROCESSOS N.º 51/16.3YFLSB.S1;
- DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 109/16.9GBMDR-B.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-01-2017, PROCESSO N.º 109/16.9GBMDR-B.S1.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 26-10-2018.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 423/2003, DE 24-09-2003, PROCESSO N.º 571/2003, IN DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, N.º 89, DE 15-04-2004 E ATC, VOLUME 57.º, P. 343 E SS.
Sumário :

1. O habeas corpus, consagrado no artigo 31.º, n.º 1, da Constituição como direito fundamental contra o abuso de poder, consiste numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo uma garantia privilegiada do direito à liberdade garantido nos artigos 27.º e 28.º da lei fundamental.

2. As decisões relativas à aplicação e reexame da prisão preventiva podem ser impugnadas por via de recurso, nos termos gerais (artigos 219.º e 399.º e segs. do CPP), sem prejuízo de recurso à providência de habeas corpus por virtude de prisão ilegal, com os fundamentos enumerados no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, nomeadamente por a prisão se manter para além dos prazos previstos na lei (artigo 215.º do CPP), findos os quais se extingue.

4. Enquanto a elevação do prazo pelo tipo de crime (n.º 2 do artigo 215.º do CPP) decorre directamente da lei, a elevação do prazo por via da excepcional complexidade depende de decisão judicial fundamentada (artigo 97.º, n.º 5, do CPP) que declare verificada, em concreto, essa complexidade, em função do critério material da previsão aberta da parte final do n.º 3 do artigo 215.º do CPP.

5. A alegada não observância do prazo de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1, do CPP, para a audição prévia à declaração da excepcional complexidade do processo, não constitui fundamento de habeas corpus.

6. A decisão que, no processo, conhecer da ilegalidade e das nulidades invocadas da decisão de declaração da excepcional complexidade é passível de recurso, de acordo com o princípio geral de recorribilidade das decisões judiciais (artigo 399.º do CPP) e com as regras dos recursos ordinários, não se destinando a providência de habeas corpus a conhecer dessas questões.

7. Não havendo despacho que conheça e declare a nulidade da pronúncia quanto a crime de homicídio qualificado que não constava da acusação, não se pode, nesta sede, concluir pela não verificação do pressuposto de elevação do prazo de prisão preventiva; a controvérsia que possa gerar-se a propósito deste despacho, do seu sentido em alcance, constitui, também ela, matéria a resolver pelas vias processuais próprias de impugnação e recurso.

8. O pedido carece de fundamento, devendo ser indeferido.

Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, arguido com melhor identificação nos autos acima mencionados, alegando que se encontra “ilegalmente preso em violação do artigo 215.º do Código de Processo Penal”, por estar “excedido o prazo de prisão preventiva”, apresenta  petição de habeas corpus, subscrita pelo seu advogado, nos seguintes termos (transcrição):

«No dia 21 de abril de 2017, foi decretada a prisão preventiva do arguido AA no âmbito do processo n° 78/16.5PWLSB, a que corresponde o Ministério Público de ... e o juízo de competência genérica do tribunal dessa localidade, integrado na comarca de Portalegre.

Em 16 de outubro de 2018, foi proferido despacho de pronúncia.

Em 18 de outubro de 2018, foi proferido despacho saneador, ao abrigo dos artigos 311.º a 313.º do CPP.

A 19 de outubro de 2018, foi decretada a excecional complexidade do processo, não obstante o arguido AA ter declarado expressamente, nos termos do n.º 1 do artigo 107.º do CPP, não abdicar do direito de se pronunciar sobre a matéria, não renunciando ao decurso do prazo para tanto, incluindo o limite temporal previsto no artigo 107.°-A do CPP.

Não se diga que, no despacho de 18 de outubro de 2018 foi concedido ao arguido um prazo para se pronunciar sobre a declaração de excecional complexidade "até às 14 h do dia de amanhã – 19 de Outubro de 2018", pois tal terminaria antes do dia em que se presume realizada a notificação; n° 12 do artigo 113.º do CPP. Na carta redigida pela secretaria até surge essa alusão, acertadamente no ver do arguido. E a circunstância de essa carta de, alguma forma, colidir com o objetivo que se pretendia alcançar com o despacho não pode prejudicar o arguido: n.º 6 do artigo 157.º do CPC, aplicável por força do artigo 4.º do CPP. Mas, acima de tudo, a audição do arguido, a que alude o n.º 4 do artigo 215.º do CPP, pressupõe a escrupulosa observância do prazo previsto no n.º 1 do artigo 105.º desse compêndio normativo, sem afastar o limite temporal aludido no seu artigo 107.º-A. Qualquer outra interpretação do disposto no n.º 4 do artigo 215.º do CPP contraria o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da constituição, violando outrossim o artigo 6.º da convenção europeia dos direitos humanos.

Mostra-se violado o artigo 215.º do CPP.

O arguido encontra-se privado da liberdade no estabelecimento prisional de Lisboa.

Em conclusão:

i. Encontra-se excedido o prazo de duração máxima da prisão preventiva.

ii. O arguido encontra-se ilegalmente preso em violação do artigo 215.º código de processo penal.

iii. Termos em que:

segundo o disposto nos artigos 222.º e 223.º do código de processo penal, deve ser ordenada a imediata libertação do arguido.»

2. Da informação prestada pela Senhora Juiz do processo, a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre as condições em que foi efectuada e se mantém a prisão, consta o seguinte (transcrição):

«Em virtude da apresentação de petição de habeas corpus por parte do arguido AA, informo, para os efeitos do disposto no artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que o arguido referido (à semelhança do arguido CC, que se encontra em idêntica situação) se mantém preso preventivamente à ordem dos presentes autos, nas seguintes condições:

1.º - O arguido AA foi submetido a primeiro interrogatório judicial em 21 de Abril de 2017, data em que lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva (cf. fls. 1010 a 1022);

2.º - Por despacho proferido em 18 de Julho de 2017 foi mantida essa mesma medida de coacção (cf. fls. 1260 e 1260 verso);

3.º - Em 13 de Outubro de 2017 foi deduzida acusação, entre outros, contra o arguido, imputando-lhe a prática, em co-autoria, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, de um crime de coacção agravado, p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, bem como da autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (cf. fls. 1517 a 1529);

4.º - Por despacho proferido em 17 de Outubro de 2017 foi mantida a medida de coacção de prisão preventiva (cf. fls. 1552);

5.º - Por despacho proferido em 16 de Janeiro de 2018 foi novamente mantida aquela medida de coacção (cf. fls. 1980);

6.º - Tendo sido requerida a abertura de instrução pelo assistente BB, em 25 de Janeiro de 2018, foi proferida decisão instrutória, pronunciando os arguidos nos termos constantes da acusação, mantendo-se a medida de coacção de prisão preventiva para o arguido AA (cf. fls. 2001 a 2010);

7.º - Por despacho de 19 de Abril de 2018 foi mantida aquela medida de coacção (cf. fls. 2091);

8.º - Na sequência de recurso interposto pelo assistente da decisão instrutória, foi, em 3 de Julho de 2018, proferida decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, na qual se acorda em dar provimento ao recurso e tendo em atenção a nova qualificação jurídica dos factos em apreço, determinar a remessa dos autos ao tribunal a quo para proceder em conformidade (cf. fls. 2200 a 2212);

9.º - Tendo o arguido CC arguido a nulidade deste acórdão, foi, em 19 de Setembro de 2018, proferido novo acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se acorda em indeferir a nulidade arguida (cf. fls. 2248 a 2251);

10.º - Nessa sequência, pelo Juiz 1 do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, em 16 de Outubro de 2018, em acatamento da decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferida decisão instrutória, imputando ao arguido um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.º, n.º 2, alíneas c) e g), do Código Penal, bem como de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do mesmo Código, para além do crime de detenção de arma proibida, determinando-se a imediata remessa dos autos à distribuição (cf. fls. 2275);

11.º - Os autos foram distribuídos, neste Juízo Central Criminal de Lisboa, ao J16, e, tendo-lhe sido conclusos em 18 de Outubro de 2018, nessa mesma data, foi proferido despacho a designar datas para a realização da audiência de julgamento, assim como se determinou a notificação dos arguidos e assistentes, para, no prazo de 24 h, se pronunciarem quanto à possibilidade de vir a ser declarada a excepcional complexidade do processo (cf. despacho com a referência 38064638);

12.º - O arguido AA respondeu a essa notificação, em 19 de Outubro de 2018 (cf. requerimento com a referência 30436078);

13.º - Por despacho proferido em 19 de Outubro de 2018 foi declarada a excepcional complexidade do processo e mantida a medida de coacção de prisão preventiva a que o arguido AA se encontra sujeito (cf. fls. 2304 a 2311).

Face à já mencionada apresentação de petição de habeas corpus por parte do arguido AA, remeta, de imediato, ao Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a presente informação, acompanhada de cópia de todas as peças mencionadas nesta mesma informação.

Informe-se, igualmente, que no âmbito deste mesmo processo, foi no dia de ontem remetido idêntico pedido de habeas corpus ao Supremo Tribunal de Justiça, em que é requerente CC, o outro arguido que se encontra preso preventivamente à ordem destes autos.»

3. O processo vem instruído com certidão dos seguintes actos processuais:

(a) Auto de interrogatório judicial do arguido, de 21 de Abril de 2017, e do despacho judicial, da mesma data, que lhe aplicou a medida de prisão preventiva;

(b) Despachos judiciais de 18 de Julho de 2017, de 17 de Outubro de 2017, de 16 de Janeiro de 2018, de 19 de Abril de 2018 e de 18 de Outubro de 2018 que mantiveram a prisão preventiva;

(c) Despacho de acusação do Ministério Público, de 13 de Outubro de 2017;

(d) Despacho de pronúncia e de não pronúncia parcial, de 25 de Janeiro de 2018, proferido após encerramento da instrução realizada a requerimento do assistente;

(e) Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Julho de 2018 e de parte do acórdão do mesmo tribunal de 19 de Setembro de 2018, que conheceram do recurso do despacho de não pronúncia parcial interposto pelo assistente, concedendo-lhe provimento;

(f) Despacho da Senhora Juiz de instrução de 16 de Outubro de 2018, que ordenou a remessa do processo para julgamento;

(g) Despacho judicial de 18 de Outubro de 2018, que designou dia para julgamento, manteve a prisão preventiva e ordenou a notificação do arguido, na pessoa do seu advogado, para, querendo, se pronunciar “quanto à possibilidade de o tribunal vir a declarar a excepcional complexidade do processo”;

(h) Requerimento do advogado do arguido de 19 de Outubro de 2018, que argui a “invalidade” dos despachos de 16 e de 18 de Outubro, “nos termos e para os efeitos previstos” no n.º 1 do artigo 122.º e no n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal; e

(i) Despacho de 19 de Outubro de 2018 que declarou a especial complexidade do processo, esclarecendo, em consequência, que o termo do prazo máximo de prisão preventiva será alcançado em 21 de Outubro de 2019, e que, quanto às nulidades invocadas pelo arguido, ordenou que os autos fossem com vista ao Ministério Público.

4. Posteriormente, o Senhor Advogado do arguido, «nos termos consentidos pelos artigos 98.º e 63.º do CPP», veio aos presentes autos dizer que:

«Tendo sido invocada a invalidade do despacho de pronúncia de 16 de outubro de 2018, foi o mesmo dado sem efeito por decisão de 26 de outubro, hoje notificado ao arguido.

Não estando encerrada a fase instrutória e sendo desse término dependente a remessa do processo para julgamento após recurso ou esgotamento do correspondente prazo (n.º 1 do artigo 310.º, a contrario sensu), são inválidos os actos subsequentes, visto terem sido afectados pelo vício que inquinava o despacho de 16 de outubro: n.º 1 do artigo 122.º do CPP).

Se outras razões não houvesse para considerar que a decisão de 19 de outubro de 2018 respeitante a excepcional complexidade do processo é insusceptível de produzir efeitos, seria agora forçosos admitir que, não tendo sido validamente proferida a correspondente declaração, está ultrapassado o prazo previsto no artigo 215.º do CPP.»

Requereu junção aos autos de cópia do despacho de 26 de Outubro, que acompanhou o requerimento.

5. Em consequência, foi solicitada informação sobre o conteúdo deste requerimento e documento anexo, bem como sobre outros elementos relevantes destinados a avaliar a actual situação da privação da liberdade do arguido, e ainda sobre a subsistência do despacho que declarou a excepcional complexidade do processo e do termo do prazo da prisão preventiva.

5.1. Informa a Senhora Juiz de instrução criminal:

«O despacho que declarou a especial complexidade do processo não foi alterado, mantendo-se todos os pressupostos que ditaram a mesma.

Foi proferido despacho por este TIC a dar sem efeito o despacho proferido no dia 16/10 (fls. 2275) porquanto, contrariamente ao determinado pelo TRL, não tinha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 309.º do CPP, padecendo assim de uma irregularidade, sanada com a referida comunicação, cujas cópias se juntam para melhor apreciação (fls. 2275, 2339-2341 e 2352).

A irregularidade em causa não afecta a declaração de especial complexidade, antes pelo contrário.

Nestes autos existe uma decisão instrutória, válida, que não foi revogada pelo TRL, sendo que o que tal Tribunal decidiu foi alterar a qualificação jurídica de um dos crimes imputado aos arguidos, o qual, sendo um crime mais grave, determinou a comunicação a que acima se faz referência (…).

Face à declaração de especial complexidade por um lado, e ao facto de já existir uma decisão instrutória – que apenas parcialmente foi alterada – o prazo de prisão preventiva é de 2 anos e 6 meses (artigo 215.º, n.º 3, tendo os arguidos CC e AA sido detidos no dia 20/4/2017)».

5.2. Em anexo, vem cópia do despacho de 26.10.2018 (que consta de fls. 2339 e 2340 do processo), tendo por objecto a arguição da “nulidade/irregularidade do despacho proferido no dia 16.10.2018 (constante de fls. 2275) ”, pelo co-arguido CC, do seguinte teor:

«Assiste razão ao requerente.

Assim, dou sem efeito a decisão de fls. 2275 e em sua substituição profiro o seguinte despacho:

Em acatamento de decidido pelo TRL, reabro a fase de instrução.

Notifique os arguidos, na pessoa dos respectivos defensores, do teor do acórdão do TRL para, em 5 dias, se pronunciarem sobre a alteração da qualificação jurídica operada em tal acórdão, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 303.º e 309.º do CPP (…)».

6. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa mencionado na informação da Senhora Juiz e no despacho de 26.10.2018 (supra, 5) – que conheceu do recurso interposto, pelo assistente, do «despacho de não pronúncia com fundamento na inexistência de indícios suficientes da prática, em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, dos artigos 131.º e 132.º als. c) e g), em concurso real com um crime de roubo qualificado, dos artigos 210.º, n.º 1, e n.º 2, al. b), do C. Penal, que lhes era imputado pelo assistente» –, não alterando a matéria de facto, concluiu, dizendo:

«Nesta conformidade, considera-se que estes factos indiciam suficientemente a prática pelos arguidos, em co-autoria material, de um crime de homicídio qualificado  pelas circunstâncias elencadas nas als. c) e g) do n.º 2 do artigo 132.º do C. Penal.

Como este crime se consumou com o posterior falecimento da vítima, não se entende curial determinar que sejam os arguidos pronunciados pela prática deste crime na sua forma tentada, como pretende o assistente.

Assim, face à alteração da qualificação jurídica dos factos que se têm por indiciados e tendo em consideração o disposto no artigo 309.º do CPP, determina-se a remessa dos presentes autos ao tribunal “a quo” para se proceder em conformidade com os factos indiciados”.

Nestes termos, acordam em conceder provimento ao recurso e tendo em atenção a nova qualificação jurídica em apreço, deverão os autos serem remetidos ao Tribunal “a quo” para proceder em conformidade».

7. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, tudo em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

Terminada a audiência, a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

II. Fundamentação

8. O artigo 31.º, n.º 1, da Constituição da República consagra, como direito fundamental, o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal, afectando o direito à liberdade – o direito à liberdade física e ao consequente direito de não ser detido, aprisionado ou confinado a um espaço fora das condições legais.

O habeas corpus, que pode ser requerido pela própria pessoa lesada no seu direito à liberdade ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (n.º 2 do artigo 31.º da Constituição), consiste numa providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão “contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade”, “em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade”, sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 31.º, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, anotação ao artigo 31.º, p. 303, 343-344).

Nos termos do artigo 27.º, todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena ou de aplicação judicial de medida de segurança. Exceptua-se desta regra a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, em que se inclui a prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos (n.º 3, al. b).

De acordo com o artigo 28.º, a prisão preventiva tem natureza excepcional e está sujeita aos prazos previstos na lei. A prisão preventiva constitui uma medida de coacção que só pode ser aplicada por um juiz, que, em despacho fundamentado, verifica a sua necessidade, adequação e proporcionalidade, bem como o preenchimento dos respectivos requisitos e pressupostos legais (artigos 193.º, 194.º, n.ºs 1 e 5, e 202.º do CPP).

9. A prisão preventiva, enquanto medida de coacção de ultima ratio, está sujeita aos prazos de duração máxima previstos no artigo 215.º do CPP, a contar do seu início, findos os quais se extingue. Não tendo havido condenação em 1.ª instância, estes prazos são de quatro meses até à dedução de acusação, de oito meses até ser proferida decisão instrutória, se houver instrução, e de um ano e dois meses até à condenação, os quais são elevados para seis meses, dez meses e um ano e seis meses, respectivamente, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de máximo superior a 8 anos ou por um dos crimes indicados nas alíneas do n.º 2 do artigo 215.º. Quando o procedimento se revelar de especial complexidade, por qualquer destes crimes, e estando o processo em 1.ª instância, os prazos são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses e dois anos e seis meses, devendo a complexidade ser judicialmente declarada, por despacho fundamentado do juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvido o arguido e o assistente (n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito).

Enquanto a elevação do prazo pelo tipo de crime (n.º 2 do artigo 215.º) decorre directamente da lei, a elevação do prazo por via da excepcional complexidade depende de decisão judicial fundamentada (artigo 97.º, n.º 5, do CPP) que declare verificada, em concreto, essa complexidade, em função do critério material da previsão aberta da parte final do n.º 3 do artigo 215.º do CPP, que a pode justificar, nomeadamente, por razões decorrentes do elevado número de arguidos ou de ofendidos ou do carácter altamente organizado do crime.

Tendo em vista o efectivo controlo da necessidade da prisão preventiva, na consideração das exigências decorrentes do princípio da presunção de inocência e do carácter excepcional da medida, o artigo 213.º do CPP impõe ao juiz o dever de proceder oficiosamente ao reexame dos pressupostos que justificaram a sua aplicação, decidindo se deve ser substituída por outra medida de coacção ou revogada, em qualquer momento e, em todo o caso, no prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou do último reexame e ainda quando for proferido despacho de acusação ou de pronúncia, sem prejuízo do direito que ao arguido sempre assiste de suscitar tal reexame.

As decisões relativas à aplicação e reexame da prisão preventiva, bem como à declaração da excepcional complexidade do processo, podem ser impugnadas por via de recurso (ordinário), nos termos gerais (artigos 219.º e 399.º e segs. do CPP), designadamente quanto aos pressupostos e às questões processuais que lhes digam respeito, sem prejuízo de recurso à providência de habeas corpus por virtude de prisão ilegal com abuso de poder (artigos 31.º da Constituição e 222.º a 224.º do CPP), com os fundamentos taxativamente enumerados no n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

10. Tratando-se de um caso de alegada prisão ilegal, é aplicável o artigo 222.º do CPP, que dispõe:

“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”

11. Como tem sido sublinhado na jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, a providência de habeas corpus constitui uma medida extraordinária ou excepcional de urgência (no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de impedir ou reagir contra prisão ou detenção ilegais) perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei; não constitui um recurso tendo por objecto actos do processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs. do CPP). A providência não se destina a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (cfr., por todos, o acórdão de 04.01.2017, no processo n.º 109/16.9GBMDR-B.S1, e jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt).

A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe a actualidade da ilegalidade da prisão reportada ao momento em que é apreciado o pedido. Assim tem decidido uniformemente este tribunal, como se dá nota no acórdão de 21-11-2012 (Proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1 – 3.ª Secção) e na jurisprudência nele mencionada, bem como nos acórdãos de 09-02-2011 (Proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1 – 3.ª Secção), de 11-02-2015 (Proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1 – 3.ª Secção), e de 17-03-2016 (Proc. n.º 289/16.3JABRG-A.S1 – 3.ª Secção).

À luz deste princípio, o que está em causa, neste caso, é a questão da legalidade da actual situação de privação de liberdade do peticionante, tendo em conta o seu tempo de duração, de modo a apurar-se da verificação do alegado fundamento do pedido.

12. Da petição, da informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP e dos documentos juntos, resulta, em síntese, o seguinte, com relevância para a apreciação e decisão da petição:

¾ O arguido, agora peticionante, foi preso preventivamente em 21 de Abril de 2017.

¾ Em 13 de Outubro de 2017, foi proferido despacho de acusação, imputando-lhe a prática, em concurso, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, de um crime de coacção agravado, p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, bem como da autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

¾ Na procedência do recurso do despacho de não pronúncia interposto pelo assistente, foi proferida decisão, em cumprimento do acórdão do tribunal da Relação, imputando ao arguido um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.º, n.º 2, alíneas c) e g), do Código Penal, bem como de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do mesmo Código, para além do crime de detenção de arma proibida, determinando-se a imediata remessa dos autos à distribuição.

¾ O processo foi remetido ao Juízo Central Criminal de Lisboa, para julgamento.

¾ No dia 18 de Outubro de 2018, foi proferido despacho judicial a designar datas para a realização da audiência, tendo, então, sido ordenada a notificação do arguido, para, no prazo de 24 horas, se pronunciar quanto à possibilidade de vir a ser declarada a excepcional complexidade do processo, tendo em conta o disposto no n.º 4 do artigo 215.º do CPP, que impõe a prévia audição do arguido.

¾ Tendo conhecimento deste despacho, o arguido, pelo seu advogado, veio ao processo suscitar a questão da validade do despacho, alegando, em síntese, que, tendo o prazo de 10 dias para se pronunciar, nos termos do n.º 1 do artigo 105.º do CPP, por o n.º 4 do artigo 215.º do CPP não constituir disposição legal em contrário ao estipulado nesse preceito, não pode o juiz reduzir esse prazo, de que não prescinde, pelo que, argumenta, para além de violar aquela disposição legal, está também o despacho ferido de nulidade por falta de fundamentação. Para além disso, invocou que qualquer interpretação do n.º 1 do artigo 105.º e do n.º 4 do artigo 215.º do CPP que admita a fixação de prazo de pronúncia em tempo inferior a 10 dias contraria o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

¾ Proferido despacho de pronúncia, em que, pela alteração da qualificação jurídica decidida pelo tribunal da Relação, se inclui um crime de homicídio qualificado da previsão do artigo 132.º do Código Penal, punível com pena de prisão de 12 a 25 anos, alterando a anterior incriminação do despacho de acusação pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, ou seja, por um crime punível com pena a de prisão superior a 8 anos, o prazo máximo de prisão preventiva era, assim, de 1 ano e 6 meses (artigo 215.º, n.º 2, do CPP), pelo que, tendo a medida sido aplicada por despacho de 21 de Abril de 2017, esta medida extinguir-se-ia no dia 21 de Outubro de 2018.

¾ Porém, por despacho de 19 de Outubro de 2018, foi judicialmente declarada a excepcional complexidade do processo, a qual, nos termos do n.º 3 do artigo 215.º do CPP, tem por consequência a elevação do prazo máximo de prisão preventiva para 2 anos e 6 meses de prisão. Assim, por força deste despacho, como nele se explicita, o termo do prazo só virá a ocorrer em 21 de Outubro de 2019.

13. Na petição da presente providência de habeas corpus, que, em grande parte, reproduz a argumentação apresentada na arguição de nulidade perante o juiz do processo, alega o peticionante que “foi decretada a excecional complexidade do processo, não obstante (…) ter declarado expressamente, nos termos do n.º 1 do artigo 107.º do CPP, não abdicar do direito de se pronunciar sobre a matéria, não renunciando ao decurso do prazo para tanto, incluindo o limite temporal previsto no artigo 107.°-A do CPP”, acrescentando que não lhe foi concedido o prazo (de 10 dias) previsto no artigo 105.º, n.º 1, do CPP, para a sua audição, nos termos do n.º 4 do artigo 215.º, em violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, pelo que, conclui, se mostra excedido o prazo de duração máxima de prisão preventiva. Dito de outro modo, na tese do peticionante, que agora não invoca qualquer nulidade ou irregularidade da decisão, a não observância do prazo de 10 dias para a audição prévia à declaração da excepcional complexidade do processo determinaria que esta declaração não pudesse ter por efeito a elevação do prazo de prisão preventiva para 2 anos e 6 meses de prisão.

Na argumentação do requerimento posteriormente apresentado em 30 de Outubro (supra, 4), tendo sido invocada, pelo co-arguido CC (supra, 5.2), a invalidade “do despacho de pronúncia de 16 de Outubro de 2018” e tendo este sido dado “sem efeito” por decisão de 26 de Outubro, daí resultaria não estar encerrada a fase de instrução, por serem inválidos os actos subsequentes ao despacho de 16 de Outubro, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º do CPP. Pelo que, deste ponto de vista, sendo inválido o “despacho de pronúncia”, seria de ter em conta o prazo fixado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 215.º do CPP – de oito meses, até ser proferida decisão instrutória –, o qual, tendo tido início em 21 de Abril de 2017, já há muito se encontraria esgotado. Na mesma ordem lógica de ideias, se mostraria também decorrido o prazo de prisão preventiva decorrente da elevação desse prazo para dez meses, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, por estar em causa um crime punível com pena superior a 8 anos de prisão. Em consequência, nesta linha de argumentação, não podendo o despacho de declaração da excepcional complexidade produzir efeitos, estaria o arguido actualmente em prisão ilegal, por estar excedido o prazo de prisão preventiva.

Carece, todavia, de fundamento a sua pretensão.

14. Como anteriormente se referiu, a elevação do prazo da prisão preventiva em razão da especial complexidade depende de decisão do juiz que a declare.

Tal decisão foi proferida no passado dia 19 de Outubro.

O que o peticionante põe em causa, na petição de habeas corpus, é o respeito pelas regras de procedimento destinado à formação da decisão por, em seu entender, não poder o juiz fixar, em menos de 10 dias – que é o prazo geral previsto no artigo 105.º, n.º 1, do CPP, na falta de disposição em contrário –, o prazo para a sua audição prévia. Pretendendo, assim, que da redução do prazo por despacho judicial seja extraído um efeito – a ilegalidade da prisão por excesso do prazo da prisão preventiva – que a lei não prevê nem consente.

E, como se viu, com idêntico fundamento, suscitou também o arguido, no processo, a questão da legalidade e validade da decisão de declaração da excepcional complexidade. Do expediente constante dos autos apenas resulta que foi ordenado que o processo fosse presente ao Ministério Público para se pronunciar sobre a questão, não tendo ainda sido proferida decisão a este respeito.

A decisão que, no processo, conhecer da ilegalidade e das nulidades invocadas é passível de recurso, de acordo com o princípio geral de recorribilidade das decisões judiciais (artigo 399.º do CPP) e com as regras dos recursos ordinários, como também acima se deixou esclarecido. O mesmo sucede, sublinhe-se, quanto ao mérito da decisão que declarou a excepcional complexidade, de que resulta a elevação do prazo da prisão preventiva.

15. Considerou-se a este propósito no acórdão de 04.01.2017 (rel. Cons. Raul Borges), no processo n.º 109/16.9GBMDR-B.S1, anteriormente citado:

“Como se pode ler no acórdão do STJ, de 16 de Julho de 2003, proferido no processo n.º 2860/03-3.ª, de que houve recurso para o Tribunal Constitucional - Acórdão n.º 423/2003, de 24 de Setembro de 2003-3.ª Secção, proferido no processo n.º 571/2003, publicado no Diário da República, II Série, n.º 89, de 15 de Abril de 2004, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 57.º, págs. 343 e ss. - «Os fundamentos da providência [de habeas corpus] revelam que a ilegalidade da prisão que lhes está pressuposta se deve configurar como violação directa e substancial e em contrariedade imediata e patente da lei: quer seja a incompetência para ordenar a prisão, a inadmissibilidade substantiva (facto que não admita a privação de liberdade), ou a directa, manifesta e autodeterminável insubsistência de pressupostos, produto de simples e clara verificação material (excesso de prazo)». Aditando ainda o seguinte: «Deste controlo estão afastadas todas as condicionantes, procedimentos, avaliação prudencial segundo juízos de facto sobre a verificação de pressupostos, condições, intensidade e disponibilidade de utilização in concreto dos meios de impugnação judicial».

No acórdão de 5 de Maio de 2009, processo n.º 665/08.5JAPRT-A.S1, desta Secção diz-se: “(…), no âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo), mas têm de se aceitar os efeitos que os diversos actos produzam num determinado momento – princípio da actualidade – retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados”. Especifica que a providência “não pode decidir sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso dos actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos ou dos modos processualmente disponíveis e admissíveis de impugnação” (...) “A medida não pode ser utilizada para impugnar irregularidades processuais ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o processo ou o recurso como modo e lugar próprios para a sua reapreciação”.  

A providência de habeas corpus não é o meio próprio para sindicar as decisões sobre medidas de coacção privativas de liberdade, ou que com elas se relacionem directamente; a medida em causa não se destina a formular juízos de mérito sobre a decisão judicial de privação de liberdade, ou a sindicar eventuais nulidades, insanáveis, ou não, ou irregularidades, cometidas na condução do processo ou em decisões, ou alegados erros de julgamento de matéria de facto.

Para esses fins servem os recursos, os requerimentos e os incidentes próprios, deduzidos no tempo e na sede apropriada.

Nesta sede cabe apenas verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou erro grosseiro) enquadrável em alguma das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP - neste sentido que é dominante, cfr., para além dos já citados, os acórdãos de 21 de Setembro de 2011, processo n.º 96/11.0YFLSB; de 9 de Fevereiro de 2012, processo n.º 927/1999.0JDLSB-X.S1; de 6 de Fevereiro de 2013, processo n.º 109/11.5SVLSB.S1; de 13 de Fevereiro de 2013, processo n.º 311/10.7TAGRD-A.S1; de 10 de Abril de 2013, processo n.º 992/12.7GCALM-A.L1.S1; de 17 de Abril de 2013, processo n.º 308/10.7JELSB-F.S1; de 19 de Junho de 2013, processo n.º 69/13.8YFLSB.S1; de 2 de Agosto de 2013, processo n.º 82/13.5YFLSB.S1; de 25 de Setembro de 2013, processo n.º 964/07.3JAPRT-B.S1 e de 8 de Novembro de 2013, processo n.º 115/13.3JAPRT-B.S1, todos desta Secção, podendo ler-se no último:

“Esta providência não constitui, assim, um meio de impugnação de decisões judiciais, uma espécie de sucedâneo “abreviado” dos recursos ordinários, ou mesmo um recurso “subsidiário”, antes um mecanismo expedito que visa pôr fim imediato às situações de privação da liberdade que se comprove serem manifestamente ilegais, por ser a ilegalidade diretamente verificável a partir dos factos documentalmente recolhidos no âmbito da providência.

Não é, pois, o habeas corpus o meio próprio de impugnar as decisões processuais ou de arguir nulidades e irregularidades eventualmente cometidas no processo, ou para apreciar a correção da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, decisões essas cujo meio adequado de impugnação é o recurso ordinário.

O habeas corpus, insiste-se, não pode revogar ou modificar decisões, ou suprir deficiências ou omissões do processo. Pode, sim, e exclusivamente, apreciar se existe, ou não, uma privação ilegal da liberdade motivada por algum dos fundamentos legalmente previstos para a concessão de habeas corpus, e, em consequência, determinar, ou não, a libertação imediata do recluso.

O que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso, como vimos”.

No mesmo sentido, os acórdãos desta Secção de 30 de Dezembro de 2013, processo n.º 379/13.4TXPRT-G.S1, de 25-06-2014, processo n.º 35/14.6YFLSB.S1, de 08-08-2014, processo n.º 1042/13.1SELSB-B.S1, de 20-11-2014, processo n.º 59/08.2PFBRR-A.S1, de 21-01-2015, processos n.º 9736/08.7TDPRT-3.ª e n.º 9/15.0YFLSB.S1, de 6-05-2015, processo n.º 53/15.7YFLSB.S1, de 17-06-2015, processo n.º 122/13.8TELSB-P.S1-3.ª, de 28-10-2015, processo n.º 95/14.0T9STS-E.A.S2-3.ª, de 5-08-2016, processos n.º 51/16.3YFLSB.S1 e 52/16.1YFLSB.S1-3.ª.”

16. Do exposto se extrai, assim, na linha de sólida e reiterada orientação da jurisprudência deste Tribunal, que a alegada não observância do prazo previsto no artigo 105.º, n.º 1, do CPP, que, podendo, deve ser apreciada no processo, por via de impugnação ou de recurso, não constitui fundamento de habeas corpus.

17. Desta perspectiva se deve analisar também a questão do alegado excesso do prazo da prisão preventiva (supra, 13, 2.ª parte), trazida à apreciação deste tribunal pelo requerimento de 30 de Outubro, tendo em conta a informação complementar da Senhora Juiz de instrução, o despacho de 26.10.2018 e o acórdão da Relação de Lisboa, que decidiu da alteração da qualificação jurídica dos factos (supra, 4, 5 e 6), bem como os demais elementos de informação e documentos do processo (supra, 2, 3 e 12).

Estando posto em causa o despacho que declarou a excepcional complexidade do processo, a ilegalidade da prisão resultante de ela se manter para além dos prazos fixados na lei (al. c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP) teria de afirmar-se com fundamento na verificação da impossibilidade superveniente de tal despacho produzir o efeito de alargamento do prazo máximo da prisão preventiva. O que não é o caso.

18. Revisitando os actos do processo com relevância, verifica-se, desde logo, que, tendo sido proferida decisão instrutória pelo juiz de instrução, compreendendo, como se viu, um despacho de pronúncia e um despacho de não pronúncia, a referência que, por força do princípio da actualidade, importa ter em conta para efeitos de determinação do prazo máximo de prisão preventiva remete para a previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 215.º do CPP.

Com efeito, dispondo a alínea b) deste preceito que o prazo máximo da prisão preventiva é de oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória, tendo havido instrução e sido proferida decisão instrutória, independentemente de, como no presente caso, dela ter sido interposto recurso, o novo marco temporal que, no seu máximo, passa a delimitar o prazo é o referente a condenação em 1.ª instância. Ou seja, não sendo caso de absolvição – o que determina a sua imediata extinção (artigo 214.º, n.º 1, al. d), do CPP) –, decorrido um ano e dois meses desde o seu início, a prisão preventiva extingue-se se, nesse período de tempo, não for proferida sentença condenatória.

Este prazo máximo eleva-se, como também já se indicou, para um ano e seis meses quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos (n.º 2 do artigo 215.º do CPP).

É o que sucede no caso dos autos.

O crime de roubo com agravação pelo resultado morte (artigo 210.º, n.º s 1 e 3, do Código Penal), imputado na acusação, é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos, e o crime de homicídio qualificado (artigo 132.º, n.º 1, do Código Penal) com pena de 12 a 25 anos. Pelo que o limite máximo deste prazo de prisão foi, como se viu, atingido no dia 21 de Outubro de 2018, data em que se teria extinguido a medida de prisão preventiva se, dois dias antes, em 19 de Outubro, não tivesse sido proferido o despacho a declarar a excepcional complexidade do processo (supra, 12, último travessão).

19. Assim sendo, há somente que verificar se o despacho de 26 de Outubro teve, como vem alegado no requerimento de 30 de Outubro, o efeito previsto no artigo 122.º, n.º 1, do CPP, segundo o qual as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar. O que remete para o regime das nulidades processuais estabelecido nos artigos 118.º a 123.º do CPP.

Deste regime, sujeito ao princípio da legalidade, resulta, em síntese, que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo o acto irregular nos casos em que a lei não cominar a nulidade (artigo 118.º, n.ºs 1 e 2). Para além das especialmente previstas, são nulidades insanáveis as indicadas no artigo 119.º e nulidades dependentes de arguição as previstas no artigo 120.º.

A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição (artigo 122.º, n.º 2).

 Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado (artigo 123.º, n.º 1).

 Havendo instrução, há que ter especialmente em conta o disposto no artigo 309.º do CPP, segundo o qual a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução, devendo a nulidade ser arguida no prazo de oito dias contados da data da notificação da decisão.

Não sendo caso de aplicação dos artigos 119.º e 120.º, resta ter presente o disposto nos artigos 123.º e 309.º do CPP.

20. Analisados os elementos dos autos, verifica-se não haver decisão que reconheça irregularidade nos termos e com os efeitos previstos no artigo 123.º. Como anteriormente se esclareceu, não se compreende no âmbito do habeas corpus a apreciação do mérito de despachos processuais relacionados com a aplicação ou manutenção da prisão preventiva, devendo as questões que lhe digam respeito ser suscitadas por via de impugnação ou de recurso, nos termos da lei do processo.

Não compete, pois, a este Tribunal, no âmbito da apreciação do pedido de habeas corpus, conhecer das questões que o despacho de 26 de Outubro possa suscitar, nomeadamente ao nível das suas consequências quanto à validade e eficácia do despacho de 19 de Outubro que declarou a excepcional complexidade alargando os prazos da prisão preventiva.

21. Não se verifica também a existência de decisão quanto à nulidade especialmente prevista no artigo 309.º, que diz respeito à pronúncia do arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação, que não à sua qualificação jurídica.

Como se viu, o que está em causa não é a pronúncia por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação, mas apenas a qualificação jurídica dos factos da acusação, alterada pelo acórdão da Relação que conheceu do recurso do assistente quanto à não pronúncia pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada e, a final, os qualificou como crime de homicídio qualificado na forma consumada, determinando os necessários procedimentos em conformidade com essa alteração, tendo em conta o disposto no artigo 309.º.

Não havendo despacho que conheça e declare a nulidade da pronúncia quanto ao crime de homicídio qualificado, que não constava da acusação, não se pode, pois, nesta sede, concluir pela não verificação do pressuposto de elevação do prazo de prisão preventiva, determinada pelo despacho de 19 de Outubro, com fundamento em procedimento por esse tipo de crime, tendo em conta a pena que lhe é aplicável.

A controvérsia que possa gerar-se a propósito deste despacho, do seu sentido em alcance, constitui, também ela, matéria a resolver pelas vias processuais próprias de impugnação e recurso.

22. Nesta conformidade, não estando declarada a invalidade do despacho de 19 de Outubro, por força do despacho do dia 26 do mesmo mês, não competindo a este Tribunal, no âmbito deste processo, conhecer dessa matéria, e dele decorrendo que o termo do prazo máximo da prisão preventiva se encontra previsto para 21 de Outubro de 2019, impõe-se concluir que, para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, a prisão preventiva do arguido se mantém actualmente dentro do prazo legalmente previsto, não se verificando, por conseguinte, a situação de excesso de prazo a que este preceito se refere.

Tal como se considerou no acórdão deste Tribunal de 25 de Outubro p. p., que se pronunciou sobre petição do co-arguido neste processo, em situação idêntica, esta conclusão não prejudica o uso das vias processuais próprias de impugnação e recurso quanto às questões que os despachos 19 de Outubro e de 26 de Outubro possam suscitar.

A prisão preventiva foi ordenada e mantida por um juiz e imposta mediante verificação judicial dos pressupostos de que depende a sua aplicação, mostrando-se, assim, também excluída qualquer das situações referidas nas al. a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito.

Em consequência, carece o pedido de fundamento, devendo ser indeferido.

III. Decisão

23. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.ºs 3 e 4, alínea a), do artigo 223.º do CPP, acordam os juízes da secção criminal em indeferir o pedido por falta de fundamento bastante.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Novembro de 2018.

Lopes da Mota (relator)

Conceição Gomes