Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CATARINA SERRA | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS RESIDÊNCIAS ALTERNADAS DECISÃO PROVISÓRIA PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
![]() | ![]() | ||
Apenso: | |||
Data do Acordão: | 03/10/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. O artigo 988.º, n.º 2, do CPC determina que não é admissível recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas no âmbito de processos de jurisdição voluntária segundo critérios de conveniência ou de oportunidade. II. Entre os casos típicos de decisões tomadas de acordo com critérios de conveniência ou de oportunidade estão aquelas em que sejam ou em que devam ser ponderadas as circunstâncias concretas da vida de um menor ou da vida dos seus progenitores para que seja tomada uma decisão sobre o regime de residência alternada ou sobre o regime de gozo dos dias festivos e de férias,. II. O facto de se alegar que foi violado um conjunto de disposições legais, sem especificar as razões de facto e de direito por que teriam sido violadas, não significa que sejam suscitadas questões de legalidade e, seja como for, não permite converter em questões de legalidade questões que, visivelmente, são de conveniência ou de oportunidade. IV. A razão justificativa da regra da irrecorribilidade da decisão cautelar consignada no artigo 370.º, n.º 2, do CPC (o carácter provisório) procede para a decisão provisória proferida nos termos do artigo 38.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO
1. Nos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, decidiu-se fixar regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, por falta de acordo entre a mãe, AA, e o pai, BB, em conformidade com o disposto no artigo 38.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, nos seguintes termos: “1ª Quanto aos menores CC e DD, os progenitores exercem em conjunto as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, sendo as questões de vida corrente a cargo do progenitor com quem no momento se encontrarem. 2ª A guarda dos menores CC e DD é atribuída semanal e alternadamente aos progenitores do seguinte modo: 2.1- Passarão alternadamente cada semana de segunda-feira a segunda-feira com cada um dos progenitores, iniciando-se a corrente semana com a mãe. 2.2- Este regime mantém-se igualmente em vigor durante o período de férias de verão, Natal e Páscoa. 3ª A menor EE fica entregue à guarda e cuidados da mãe, fixando-se a sua residência junto desta. 3.1- As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância da vida da menor (v.g. alteração de residência, escolha de estabelecimento de ensino, intervenções médicas de risco, deslocação ao estrangeiro) são exercidas de comum acordo por ambos os progenitores. 3.2- O exercício das responsabilidades parentais, relativamente aos atos da vida corrente do menor, cabe ao progenitor com quem estiver de momento. 4ª O progenitor poderá estar com o menor EE um fim-de-semana de 15 em 15 dias, devendo recolher a menor à sexta-feira em casa da mãe depois de jantar e entregá-la na segunda-feira de manhã na escola, ou em casa da mãe quando não esteja em período escolar, pelas 09:15 horas. 4.1- A menor irá iniciar este regime de imediato, passando com o progenitor o fim-de-semana de 16 a 19 de julho. 5ª Durante a semana, o progenitor poderá pernoitar um dia com a menor EE, o que deverá acontecer às quartas-feiras (sem prejuízo dos progenitores poderem alterar esse dia por acordo), devendo para tal o progenitor ir buscar a menor à escola pelas 17:30 horas, ou quando a menor não estiver em período escolar em casa da mãe, e entregá-la no dia seguinte na escola ou na casa da mãe tendo em conta se está em período escolar ou não. 6ª Durante o próximo mês de Agosto e parte de Setembro (enquanto vigorarem as férias escolares), e nos anos seguintes durante os períodos de férias de verão, a menor EE passará com o progenitor os mesmos períodos temporais que os menores CC e DD. Regime a vigorar para os três menores: 7ª Quanto ao período de férias de Natal e ao Ano Novo, será passado alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que este ano de 2021, será repartido do seguinte modo: a) 22, 23, 24 de Dezembro com o pai; b) 25 a 29 de Dezembro com a mãe; c) 30 de Dezembro a 3 de Janeiro com o pai, d) E o remanescente, caso exista, com a mãe. Alternando nos anos subsequentes. 8ª Quanto ao período de férias da Páscoa, será passado alternadamente com cada um dos progenitores, sendo o ano de 2022 será repartido do seguinte modo: a) Do domingo de ramos até quinta-feira santa, com o pai; b) De sexta-feira santa até ao dia posterior ao domingo de Páscoa com a mãe. Alternando nos anos subsequentes. 9ª Os menores passarão com o respectivo progenitor o dia do seu aniversário, o dia da mãe e o dia do pai. 10ª Nos dias dos aniversários dos menores, o menor aniversariante almoçará comum dos progenitores e jantará com o outro. 11ª Relativamente aos três menores, os progenitores prescindem reciprocamente de alimentos, sendo que suportam a totalidade das despesas dos menores em partes iguais. Cada um dos progenitores assegura as despesas que sejam necessárias no período em que os menores estão à respectiva guarda. O acerto de contas entre os progenitores é realizado mensalmente até ao dia 8 de cada mês. Para o efeito, cada um dos progenitores remete ao outro através de correio electrónico (pai: ...; mãe: ...) as despesas suportadas, devendo até à mesma data ser efectuado o pagamento ao progenitor que no período considerado tiver suportado maior despesa, através de transferência bancária para os seguintes IBAN: Pai- ...0; Mãe: ...2. 12ª Cada um dos progenitores assegura as despesas de alimentação dos menores no período em que os mesmos lhes estiverem confiados. 13ª Durante o período em que os menores estiverem com cada um dos progenitores, o progenitor em causa fica desde já autorizado a deslocar-se para o estrangeiro com os menores. (…)”. 2. Inconformada com esta decisão e pugnando pela sua revogação apelou o requerido para o Tribunal da Relação .... 3. Em 2.12.2021 proferiu o Tribunal da Relação ... onde, “na procedência da apelação, [se] decide[] revogar a decisão recorrida, fixando o modelo de guarda partilhada e de residência alternada relativamente à menor EE”, nos seguintes termos: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação ... em julgar procedente a apelação e, em consequência, decide-se fixar à menor EE o regime de guarda partilhada e de residência alternada, regulando-se o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos: 1. A menor ficará a residir com cada um dos progenitores, em semanas alternadas, de sexta-feira a sexta-feira, indo o progenitor com quem a criança tenha ficado, buscá-la a casa do outro, até às 22 horas desse dia. 2. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da criança incumbe àquele com quem a criança estiverem nesse período que está consigo. 3. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor (v.g., atinente à sua saúde, eventuais intervenções cirúrgicas ou outros actos urgentes, ensino e eventuais mudanças de estabelecimento de ensino dentro do público ou deste para o privado, ou vice-versa, mudança de residência ou religião) são exercidas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo em caso de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. 4. Às terças-feiras, o progenitor com quem a menor não estiver a residir nessa semana, vai buscá-la a casa do outro, pelas 18.00 horas – ou no final das actividades escolares -, devendo entregá-la no dia seguinte, pelas 14h30 horas. 5. A menor passará o dia de aniversário do pai, e o dia pai, com este último, independentemente de nesses momentos estar ou não a residir com ele. 5. A menor passará o dia de aniversário da mãe, e o dia mãe, com esta última, independentemente de nesses momentos estar ou não a residir com ela. 6- A menor passará o dia do seu aniversário e o dia da criança, alternadamente, com o pai e com a mãe, passando o próximo aniversário com a mãe, e o próximo dia da criança, como o pai, e assim sucessivamente. 7. A criança passará as épocas festivas (véspera e dia de natal; véspera e dia de ano novo e domingo de Páscoa), alternadamente com cada um dos progenitores (independentemente de com quem estiver a residir em tais datas), e, assim: a. Este ano passa a véspera de Natal com o pai e o dia de Natal, com a mãe, devendo ser entregue a esta última até às 11h00 de dia 25 de Dezembro, alternando para o ano, e assim sucessivamente; b. Este ano passa a véspera de ano novo com a mãe, e o dia de ano novo com o pai, sendo entregue a este último até às 11h 00 do dia 01 de Janeiro/2022, e assim sucessivamente. c. Este ano passam o Domingo de Páscoa com o pai, para o ano com a mãe, e assim sucessivamente. 7. Cada um dos progenitores suporta as despesas com os alimentos da menor durante o período em que esta resida com eles. 8. Cada progenitor suportará, em parte iguais, as despesas médicas e medicamentosas, escolares e extracurriculares da criança, devidamente documentadas, a liquidar no mês subsequente à apresentação da documentação”. 4. Desta decisão vem agora AA interpor o presente recurso de revista, invocando os artigos 672.º, n.º 1, al. b), e 674º n.º 1 als. a) e c), e ainda o artigo 988.º, n.º 2, todos do CPC. Começa por justificar a admissibilidade do recurso, alegando que, apesar de o presente processo se qualificar como de jurisdição voluntária, o recurso deve ser admitido. Pugna pela sua procedência e pede a revogação do Acórdão do Tribunal da Relação ... e a repristinação da decisão da 1.ª instância. São as seguintes as conclusões da revista: “1. Sem prejuízo das Conclusões incidirem sobre as Alegações, sempre se impõe à recorrente reforçar as questões prévias que suscitou, como seja a admissibilidade do presente recurso por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 1906.º n.º 5, 6 e 8 do Código Civil, normas expressamente violadas pela decisão proferida pelo Tribunal da Relação ..., ao desconsiderar as circunstâncias revelantes concretas da menor em questão e do superior interesse da mesma, aplicando de forma “supletiva” por alegada – mas não verdadeira - “escassez de factos nos autos” o regime de residência alternada por ser, teoricamente e em abstrato, o que melhor realiza os interesses das crianças...em geral... violando assim os Direitos Fundamentais da menor EE, à Família e à Infância, consagrados nos artigos 32.º e 69.º da CRP. 2. Atenta a gravidade dos danos emocionais e estruturais que impacto da decisão proferida e não fundamentada pelo Tribunal da Relação ..., irreparável e inevitavelmente provocará na menor, cujo superior interesse é principalmente o que se impõe proteger, deverá ser conferido efeito suspensivo ao presente recurso, porquanto a decisão recorrida é de tal forma arbitraria e inconstitucional que provocará uma rutura abrupta das rotinas da menor desde há quase 20 meses, implicará a segregação da menor face ao regime praticado pelos irmãos, isolando-a e privando-a da companhia daqueles, negando-lhe esse convívio até em festividades como o Natal e a Páscoa, privando-a até de festejar o nascimento com ambos os pais, mas também com a irmã, desestruturando toda a dinâmica familiar e as circunstâncias e referencias de vida da mesma, de forma ilegal, absurda e arbitraria 3. Dito isto, importa sublinhar que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ... revogou a decisão da Primeira Instância, alterando o regime concretamente atribuído à menor EE, por, em teoria e citando dezenas de Autores, concordar que o regime de residência alternada é mais benéfico ao interesse da generalidade das crianças. 4. De facto, o TR..., menosprezando as circunstâncias relevantes e concretas da vivência da menor EE que o Tribunal de Primeira Instância tinha ponderado atenta a falta de acordo dos progenitores e fixado em vista de promover a maior estabilidade e harmonia à menor e ao agregado, de modo a realizar o superior interesse da mesma, considerou existir «escassez de factos nos autos», concluindo que «exceptuando a oposição da progenitora por razões não esclarecidas, não se vislumbra que a presente situação se revista de quaisquer peculiaridades que desaconselhem a guarda partilhada» 5. Ou seja, ao arrepio dos imperativos legais que devem nortear e tutelar o superior interesse da criança em concreto, e que o artigo 1906.º n.º 5, 6 e 8 do Código Civil, especificamente estabelecem, decidiu de forma supletiva aplicar como “regime regra” a residência alternada por não vislumbrar peculiaridades em contrário... indiferente ao facto de a referida menor, não por acaso, praticar há 15 meses (naquela data) um regime de residência habitual com a mãe, e ter consolidada essa rotina e estabilidade emocional, indiferente ao facto de a menor pretender manter a diferença do regime da sua residência apesar dos irmão estarem livremente a praticar o regime de residência alternada semanalmente e, sobretudo, indiferente ao facto de menor ter expressamente recusado o regime de residência alternada depois de o ter experimentado durante três meses. 6. Todos esses factos constam dos autos e a todos eles o Tribunal recorrido podia e devia ter acedido, avaliado e ponderado, porquanto se trata de um processo de jurisdição voluntária, possuindo alargados poderes de averiguação, previstos pelo legislador, precisamente para dar todas as ferramentas ao Tribunal para sopesar as circunstâncias concretas e casuísticas de cada criança, ou seja, para evitar que haja “decisões” tabelares e supletivas sobre a vida de crianças reais, com rotinas e vidas reais, como se verifica na decisão do Tribunal recorrida. 7. É que, bastava o Tribunal da Relação ... ter analisado com cuidado a Ata da Tentativa de Conciliação e os requerimentos juntos ao processo, para ter vislumbrado as peculiaridades e razões da oposição da progenitora e que disse desconhecer, é que teria constatado que a progenitora - por ser juiz de direito e ter uma diligência judicial previamente agendada para a hora da Tentativa de Conciliação - esteve ausente ao longo de quase toda a diligência desconhecendo que o progenitor tinha apresentado um articulado com alegações e o teor do mesmo e das alegações que proferiu em declarações. 8. Desconhecendo tudo isso, só depois determinada a diligência é que a progenitora teve oportunidade de ver o articulado das alegações do progenitor e também só depois de redigida a Ata da diligência, é que a progenitora tomou conhecimento das declarações prestadas pelo progenitor e das inverdades delas constantes e que lhe haviam sido imputadas, dirigindo, por isso, em 16.07.2021 um requerimento aos autos a exercer o direito ao contraditório, alegando factos que contraditavam e clarificavam as circunstâncias relevantes da menor EE e que justificam a distinção do regime de residência face aos irmãos. 9. Ao contrário dos amplos poderes e deveres que a natureza de um processo de jurisdição voluntária lhe concedem e impõem, o TR... desconsiderou os factos alegados e contraditados pela progenitora, sem procurar conhecer as circunstâncias relevantes em que o Tribunal de Primeira Instância tinha fundado a decisão de manter provisoriamente as rotinas e vontade da menor, prescindindo de usar os poderes de averiguação e análise de todos os factos e circunstâncias relevantes e constantes dos autos, ou seja, prescindindo do cumprimento do imperativo legal da tutela do superior interesse da menor EE, o TR..., errada e ilegalmente, tratou as alegações do progenitor como factos únicos e, por isso, assentes e serviu-se dessas alegações para teorizar sobre benefícios gerais do regime de residência alternada, replicando extensivamente citações doutrinárias e jurisprudenciais de outras diferentes realidades e circunstâncias de tantos outros menores e de forma totalmente geral e abstrata, decidir supletivamente aplicar à EE o regime de residência alternada. 10. Analisados os factos alegados por ambos os progenitores e constantes dos autos, e extraindo deles os únicos factos que não se encontram contraditados, o Tribunal da Relação deveria ter considerado os seguintes factos: - A menor EE, nasceu a .../09/2011, sendo filha da autora e do réu; - Até ao dia 20 de dezembro de 2019, a menor viveu com os progenitores na casa de morada de família, propriedade do progenitor; - Desde a separação de facto dos progenitores a menor (assim como os seus dois irmãos ainda menores ao tempo) esteve sujeita a um regime de guarda partilhada, passando alguns dias consecutivos com cada um dos progenitores, por períodos nunca superiores a 3 dias; - Desde o dia 14 de março de 2020, que a menor EE se encontra à guarda exclusiva da progenitora, com quem vive, que dela cuida, que a alimenta, veste, calça, transporta e recolhe na escola e nas diversas atividades. - O progenitor, advogado de profissão, desde essa data e até ao dia 7 de julho de 2021 (data em que teve lugar a tentativa de conciliação no âmbito da presente ação), nada fez para alterar tal situação. Ou seja, durante mais de 15 meses, a menor EE esteve ao cuidado exclusivo da progenitora, suportando o progenitor 50% das despesas de educação, saúde, vestuário e calçado da menor, sem que este nada fizesse, designadamente através de mecanismos legais que bem conhece, para obstar a essa situação; - Apenas quando a recorrida instaurou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com base na separação de facto por período superior a um ano, veio o recorrente requerer a regulação provisória das responsabilidades parentais; - Desde o final de Maio de 2021 e até ao dia 7 de julho de 2021 o progenitor não esteve com a menor, uma vez que, lhe comunicou (à criança) que, ou passaria semanas alternadas consigo, ou então não iria, o que a menor recusou. Desde essa data, não mais o progenitor contactou com a menor, designadamente, não a convidou para as festividades que tiveram lugar na sua casa no dia 26 de junho (fim de semana em que os menores se encontravam com a mãe, mas em que a DD e o CC, porque convidados pelo pai, foram à tal festividade); - A EE manifesta vontade de viver com a mãe, vontade que expressa quer no meio familiar, quer no meio escolar e social. 11. Pelo que o Juízo Local Cível ... – J... decidiu fundadamente fixar provisoriamente o regime que MANTINHA as dinâmicas e referências concretas da vida de todos os menores, mantendo os irmãos CC e DD em regime de residência alternada semanalmente e MANTENDO a menor EE em regime de residência habitual com a progenitora, como vinha sendo praticado voluntaria e livremente pelos progenitores e filhos menores há 15 meses, sem qualquer discórdia ou oposição, tendo tido o cuidado de dar cumprimento legal e efetivo ao superior interesse de todos os menores, coordenando e conjugando em concreto os regimes dos três, quer durante as férias, quer nas festividades, de modo a promover e garantir a convivência alargada de todos os irmãos, entre si e com cada um nos progenitores. 12. Por oposição, a decisão do TR... revela o absurdo da arbitrariedade de uma regulação não ponderadora das circunstâncias concretas e das vivências e interesses concretos da menor EE, pois em face da regulação fixada pela Primeira Instância – e não recorrida pelo progenitor – aos irmãos e, designadamente à irmã, também menor, DD (regulação do conhecimento e reproduzida no acórdão), a menor passará a viver separada dos irmãos e segregada nas festividades, nos momentos de lúdicos e sociais. 13. É QUE estabeleceu o TR... por razões que se desconhecem que: - A semana da menor EE tem início à sexta feira pelas 22h00, não se alcançando a razão que justifica que a semana da menor EE não se inicie à segunda feira como a da sua irmã menor DD, nem porque motivo se fixam as 22h00 a hora da entrega (horário esse que impede a realização de qualquer atividade lúdica e cultural nesse dia com a menor); - Na semana em que se encontra com cada um dos progenitores a menor ficará desde as 18h00 de terça feira ou do fim das atividades letivas, até às 14h30m de quarta feira com o outro progenitor, não obstante a primeira instância ter fixado que a menor pernoitaria com o progenitor de quarta para quinta, pelo que também não se consegue ver a razão pela qual o dia da semana foi alterado, e muito menos, o porquê do horário de entrega da menor ser pelas 14h30m de quarta feira, ou seja, em pleno horário de trabalho de ambos os progenitores, o que põe em causa toda a organização laboral e familiar – sabendo o TR... que a recorrente é juiz de direito e o progenitor é advogado, tem necessariamente de saber que, às quartas feiras pelas 14h30m, os tribunais estão em pleno funcionamento. 14. Pelo que para cumprir o absurdo não fundamentado, a recorrente tem de dar sem efeito todas as audiências de discussão e julgamento e demais diligências judiciais designadas para as quartas feiras pelas 14h30, uma vez que, segundo entendem os Senhores Juízes do Tribunal da Relação ... que elaboraram tal acórdão, deverá estar em casa para recolher ou entregar a sua filha menor EE (o que fará, de modo a não incumprir a decisão judicial enquanto a mesma se mantiver). 15. Em relação às épocas festivas do Natal e Páscoa, aniversário da menor, e férias e não obstante a decisão de primeira instância ter acolhido na integra a proposta apresentada pelo progenitor e tal decisão, obvia e juridicamente, não ter sido objeto de recurso, o Tribunal da Relação ... decidiu, ainda assim alterar e revogar a decisão não recorrida, alterando o gozo das festividades de forma a que: a) A EE passe o fim de ano e o domingo de Páscoa desfasada dos irmãos; b) A EE apenas possa celebrar o seu aniversário com cada um dos progenitores de 2 em 2 anos; c) A EE fica impedida de ter férias com cada um dos progenitores e com os irmãos uma vez que, de terça para quarta feita se interrompe a semana com o progenitor com que se encontra, devendo ser novamente entregue na sexta feira, sendo por isso, impossível, designadamente no período de verão, a menor gozar um período de férias com cada progenitor, como tem vindo a fazer; d) Fixar a celebração do Dia da Criança. EM SUMA, 16. O Tribunal da Relação ..., estabeleceu um regime cujo fundamento é indecifrável para a recorrente e inexplicável para a menor, de forma inusitada e para surpresa de todos, e que impede e priva a menor de viver com o restante agregado em simultâneo, violando objetivamente o direito constitucional da EE viver com a sua família, em virtude da interpretação dada pelo Tribunal da Relação ... ao Direito à proteção da família e à Infância, consagrados no art. 36º e 69.º n.º1 da Constituição da Republica Portuguesa, se traduzir, em concreto, no afastamento e segregação de uma criança de 10 anos do convívio com o demais agregado, sem quaisquer circunstâncias concretas que o justifiquem. 17. Ora, tal interpretação da lei e dos Direitos Fundamentais à Família e à Infância não é admissível e não pode ser conforme à Constituição, sendo a decisão proferida pelo Tribunal da Relação arbitrária, ilegal e inconstitucional. 18. Arbitrária e ilegal quando fixa um regime de guarda partilhada com residência alternada sem atender e nunca referir a situação concreta da menor, violando flagrantemente o art. 1906.º n.º 5, 6 e 8 do CC; inconstitucional quando fixa um regime que afasta a menor do convívio do seu agregado, designadamente, dos irmãos e a segrega, quer no seu dia a dia, quer nas épocas festivas, em gritante violação do Direito Constitucional à Família e à Infância; e absurdo porque não teve em conta o caso concreto, mais parecendo que a decisão proferida terá sido pensada para uma família diferente, uma menor diferente, rotinas e horários diferentes e obviamente, totalmente alheios às circunstâncias relevantes da vida da EE e do respetivo agregado familiar. 19. E porque assim é, o regime fixado pelo TR... é ilegal e põe em causa o superior interesse da EE, privando-a de se integrar no agregado familiar de qualquer um dos progenitores, de celebrar as festividades em família, fazendo-a sentir-se excluída e marginalizada do entorno familiar, tendo o TR..., ao invés de regular o exercício das responsabilidades parentais da menor, desregulado toda a organização e referências da criança, da família e dos progenitores, quer pessoal, quer profissionalmente, principalmente a da recorrente. 20. Esta decisão, ilegal e negadora dos mais elementares Direitos Fundamentais, não pode subsistir no ordenamento jurídico, devendo ser revogada”. 5. BB vem responder à alegação. Pronunciando-se, também ele, sobre a admissibilidade do recurso, entende, ao contrário, que a revista não é admissível, dado que a decisão se baseou em juízos de conveniência e oportunidade. A terminar, enuncia as seguintes conclusões: “1ª Conclui-se, no estreito acompanhamento do entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, que ao recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” deve ser aplicado o regime previsto no art. 370º, n.º 2 do Código de Processo Civil, porquanto a decisão recorrida é uma decisão cautelar/provisória (nos termos do art. 28º, n.º 1 do RGPTC). Da aplicação do referido artigo resulta que o presente recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça não deve ser admitido, uma vez que não se verifica nem resulta estar alegado pela Recorrente nenhuma das situações em que o recurso é sempre admissível (art. 629, n.º 2 do Código de Processo Civil); 2ª Sem prescindir, acresce que, a decisão posta em crise assenta sobretudo em critérios de conveniência – melhor satisfação do superior interesse da menor em causa nos autos - e de oportunidade – maior adequação à satisfação do superior interesse da menor em causa nos autos – estabelecidos em correspondência com o juízo valorativo do limitado quadro factual assente nos autos ao tempo da decisão. Com este alcance, o Tribunal “a quo” decidiu alterar - e bem - o regime provisório da regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado em primeira instância relativamente à menor EE, por considerar, com reflexão na concreta situação da menor, dos seus progenitores e dos seus irmãos - que é o regime de guarda partilhada com residência alternada aquele que “promove, essencialmente e como nenhum outro, o seu superior interesse”. 3ª Resulta facilmente do douto acórdão posto em crise que a decisão do Tribunal “a quo” se assentou e esgotou num juízo valorativo das circunstâncias da menor e dos seus progenitores, superintendido por critérios de conveniência e oportunidade, na realização do interesse daquela. 4ª Tal decisão, à luz dos critérios e juízos que a enformam, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 988º, n.º 2 do Código de Processo Civil, porquanto se trata de uma decisão adoptada segundo critérios de conveniência e oportunidade. 5ª Assim, apesar da Recorrente tentar sustentar a admissibilidade da revista por si interposta com fundamento na violação, por alegado erro de interpretação e aplicação, do disposto no art. 1906º nºs 5, 6 e 8 do Código Civil, decorre limpidamente das suas alegações e conclusões (nomeadamente, nas conclusões 1ª, 4ª, 5ª e 18ª) que essa pretensa questão de ilegalidade se reporta mais ao concreto juízo valorativo da situação de facto da menor do que a uma questão de legalidade propriamente dita. 6ª É de fácil apreensão que o objecto do recurso de revista não se centra exclusivamente num processo de interpretação e aplicação da lei. Pelo contrário, a Recorrente faz apelo sobretudo à ponderação das circunstâncias concretas da vivência da menor, na determinação do seu superior interesse. Basta pensar: se o presente recurso de revista vier a ser admitido, não caberá ao Supremo Tribunal empreender uma tarefa de predominante interpretação e aplicação da lei; é-lhe pedido, ao invés, que reavalie as circunstâncias concretas da vivência da menor, em contraposição com apreciação feita pelo Tribunal “a quo”, o que não se compadece com o disposto no art. 988, n.º 2 do Código de Processo Civil. Ainda sem prescindir e quanto à questão do efeito do recurso; 7ª Nos termos do disposto no art. 32º, n.º 4 do RGPTC (nesta sede aplicável em detrimento do disposto no art. 676º, n. º 1 do Código de Processo Civil – lex specialis derogat legi generali), os recursos interpostos das medidas tutelares cíveis adoptas definitiva, cautelar ou provisoriamente têm, em regra, efeito meramente devolutivo, não obstante o Tribunal poder fixar-lhes efeito suspensivo. 8ª Porém, tanto quanto se logrou alcançar das situações em que este efeito suspensivo foi excepcionalmente atribuído, o mesmo está dependente da verificação de uma situação absolutamente excepcional, relacionada mormente com a salvaguarda imediata do superior interesse do menor visado pela concreta medida tutelar cível recorrida, o que no caso não foi alegado nem se verifica, uma vez que a menor está feliz e satisfeita com o regime de guarda partilhada e residência alternada que vem sendo praticado há cerca de dois meses. 9ª Porquanto, sem prejuízo das conclusões que antecedem quanto à inadmissibilidade da revista, por dever de patrocínio sempre se diga que deve ser indeferida à Recorrente a requerida atribuição de efeito suspensivo à revista, sob a pena de, efectiva e realmente, pôr em causa o superior interesse da menor. Ainda sem prescindir quanto à inadmissibilidade da revista e por dever de patrocínio; 10ª O Recorrido impugna todos os factos novos que a Recorrente alega na revista interposta, por não corresponderem à verdade ou serem uma visão romanceada e fantasiosa da mesma. 11ª Sendo certo que, ao Supremo Tribunal de Justiça, na matéria dos autos, está vedado conhecer da matéria de facto trazida como novidade a esta superior instância pela Recorrente. 12ª Quanto ao mais, conclui-se que o Tribunal “a quo” decidiu com evidente referência à situação de facto da menor EE, dos seus progenitores, e dos seus irmãos. Antes, o Tribunal “a quo” cuidou também de explicitar sem margem para confusão qual era o primeiro e mais importante pressuposto da sua decisão – a realização do superior interesse da menor – e os parâmetros que poderiam vir a influir na sua determinação. Não se vislumbra, desse modo, como se pode apelidar de arbitrária e ilegal a decisão do Tribunal “a quo” que, além de estar claramente habilitada pelo n.º 5, 6 e 8 do art. 1906º do Código Civil, está substancial e factualmente fundamentada. Portanto, não merece o Acórdão impugnado qualquer reparo. 13ª Quanto às propaladas assíncronias do concreto regime instituído para a menor e o regime dos irmãos, não são de tal ordem que ponham em causa o essencial do acórdão impugnado, ou seja, o estabelecimento do regime de guarda partilhada com residência alternada com cada um dos progenitores que era, aliás, o que o Recorrido manifestou pretender na apelação. 14ª Entenda-se ainda que, a Recorrente podia tê-las ultrapassado, bastando para o efeito acordar um regime uniforme para todos os filhos, o que recusou fazer, uma vez que, o que a esta realmente interessa é apenas afastar o regime de guarda partilhada com residência alternada para esta concreta menor. 15ª Em qualquer caso, em cerca de dois meses de execução do douto acórdão impugnado, a menor mostra-se feliz e perfeitamente adaptada ao regime instituído, bem como os restantes filhos. 16ª Por outro lado, o Recorrido reitera aceitar que o regime das responsabilidades parentais da menor seja igual ao dos outros filhos se tanto for suficiente para a Recorrente ficar satisfeita. 17ª Por último, reiterar que o Recorrido apenas pretende o melhor para a menor e para todos os filhos. Nada justifica afastar a menor do convívio do pai que, sendo competente e tendo as condições necessárias para tanto deseja apenas manter os laços afectivos que com a mesma sempre teve e que a Recorrente está empenhada em destruir”. 6. O Ministério Público contra-alega, em conclusão, nos seguintes termos: “1) - Atenta a factualidade dada como provada, o regime de guarda partilhada e de residência alternada da criança EE fixado no acórdão recorrido mostra-se de acordo com os preceitos legais aplicáveis e é aquele que melhor corresponde aos seus interesses; 2) - Com vista a proporcionar à criança um maior contacto com os irmãos e os progenitores, justifica-se que o exercício daquele regime de guarda partilhada e residência alternada seja fixado nos mesmos moldes que foi estabelecido na decisão da 1ª instância”. 7. A subida dos autos foi determinada por despacho do Tribunal da Relação ... de 5.02.2022.
* Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, reconduz-se à questão de saber se o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado pelo Tribunal de 1.ª instância devia ter sido alterado nos termos em que o fez o Tribunal recorrido.
* II. FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS Além do que consta do presente relatório, o Tribunal recorrido considerou provados e relevantes para a decisão da causa os fundamentos que constam decisão do Tribunal de 1.ª instância seguintes: “(…) De seguida pelo réu foi pedida a palavra, e sendo-lhe concedida, no seu uso requereu o seguinte: 'Ao abrigo do disposto no art.º 931 nº 7 do CPC, requer-se a V. Exa se digne fixar um regime provisório quanto às responsabilidades parentais nos termos que melhor constam da peça escrita e dos documentos que a acompanham, e que neste momento peço a V. Exa se digne admitir aos autos por facilidade de alegação e celeridade. Pede deferimento'. De seguida pelo ilustre mandatário da Autora, foi pedida a palavra e sendo-lhe concedida, no seu uso requereu o seguinte: 'Requer-se a junção aos autos de uma proposta escrita de regulação das responsabilidades parentais' De seguida pela Mmª Juiz foi proferido Despacho, a admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pela autora e pelo réu, determinando a entrega de uma cópia dos mesmos a cada uma das partes”.
O DIREITO Em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 652.º do CPC, o juiz a quem o processo é distribuído cumpre verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso [cfr. al. b)], circunstância sobre as quais as partes tiveram oportunidade de se pronunciar e tendo-se, efectivamente, pronunciado recorrente e recorrido. Ora, como bem adverte o recorrido e se verá de seguida, o conhecimento do presente recurso depara com dois obstáculos. O recurso tem por objecto o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais na sequência de divórcio. A medida de regulação do exercício das responsabilidades parentais é expressamente qualificada, no artigo 3.º, al. c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), como uma providência tutelar civil, estando, por conseguinte, sujeita ao regime dos recursos estabelecido para a aplicação, alteração ou cessação das providências tutelares cíveis previsto no artigo 32.º do RGPTC. Dispõe-se nesta norma: “1 - Salvo disposição expressa, cabe recurso das decisões que se pronunciem definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis. 2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 63.º, podem recorrer o Ministério Público e as partes, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança. 3 - Os recursos são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 15 dias. 4 - Os recursos têm efeito meramente devolutivo, exceto se o tribunal lhes fixar outro efeito”. Significa isto que se aplica ao presente recurso o regime geral dos recursos em matéria cível. Ora, como reconhece a recorrente, a providência tutelar cível tem, processualmente, a natureza de jurisdição voluntária (cfr. artigo 12.º do RGPTC) e, como tal, fica sujeita à disciplina vertida nos artigos 986.º a 988.º do CPC. Adquire particular relevância, para os presentes efeitos, o artigo 988.º, n.º 2, do CPC, onde se diz que “das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”. Quer isto dizer que, como se diz no sumário do Acórdão de 30.05.2019 proferido no Proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S1 por esta 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, que “haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista [ ] em função dos [ ] fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstrata de 'resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade'”[1]. Abandonando o critério da “mera qualificação abstracta de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade” e substituindo-o por um critério da qualificação concreta do fundamento do recurso, não pode deixar de se concluir que nenhuma das alegações da recorrente encerra uma questão de legalidade no sentido relevante para os efeitos do artigo 988.º, n.º 2, do CPC. Apreciado, em concreto, o fundamento do recurso, verifica-se que a questão suscitada pela recorrente implica a ponderação de circunstâncias que, segundo ela, determinariam o afastamento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais fixado pelo Tribunal recorrido e a repristinação do regime fixado pelo Tribunal de 1.ª instância. É visível das conclusões que a recorrente pretende que seja dada à situação de facto uma valoração distinta da que consta do Acórdão recorrido e mais próxima daquela que foi realizada pelo Tribunal de 1.ª instância. No entender da recorrente, o Tribunal recorrido andou mal e, por isso, pede que seja revisto o decidido quanto ao regime de residência da criança (a alteração do regime de residência junto da mãe para o regime de residência alternada) (cfr., sobretudo, conclusões 1, 3, 5, 8, 9, 11 e 18), bem como ao regime de gozo das festividades e férias (cfr. conclusões 2, 11, 12, 13, 14, 15 e 19). No entender da recorrente, o Tribunal recorrido andou mal, designadamente, porque: - “desconsiderou as circunstâncias revelantes concretas da menor em questão e do superior interesse da mesma” (cfr. conclusão 1); - “desestruturou toda a dinâmica familiar e as circunstâncias e referencias de vida da mesma, de forma ilegal, absurda e arbitraria” (cfr. conclusão 2): - “menosprezou as circunstâncias relevantes e concretas da vivência da menor EE que o Tribunal de Primeira Instância tinha ponderado” (cfr. conclusão 4); - “não acedeu, avaliou e ponderou factos que constam dos autos e não usou as ferramentas para sopesar as circunstâncias concretas e casuísticas de cada criança” (cfr. conclusão 6); - “não atendeu às “circunstâncias relevantes da menor EE e que justificam a distinção do regime de residência face aos irmãos” (cfr. conclusão 8); - “desconsiderou os factos alegados e contraditados pela progenitora, sem procurar conhecer as circunstâncias relevantes em que o Tribunal de Primeira Instância tinha fundado a decisão de manter provisoriamente as rotinas e vontade da menor, prescindindo de usar os poderes de averiguação e análise de todos os factos e circunstâncias relevantes e constantes dos autos” (cfr. conclusão 9); - “errada e ilegalmente, tratou as alegações do progenitor como factos únicos e, por isso, assentes e serviu-se dessas alegações para teorizar sobre benefícios gerais do regime de residência alternada, replicando extensivamente citações doutrinárias e jurisprudenciais de outras diferentes realidades e circunstâncias de tantos outros menores e de forma totalmente geral e abstrata” (cfr. conclusão 9); - “o Tribunal da Relação deveria ter considerado determinados factos” (cfr. conclusão 10); - “não ponderou as circunstâncias concretas e das vivências e interesses concretos da menor EE” (cfr. conclusão 12): - “estabeleceu um regime susceptível de se traduzir, em concreto, no afastamento e segregação de uma criança de 10 anos do convívio com o demais agregado, sem quaisquer circunstâncias concretas que o justifiquem” (cfr. conclusão 16); - “fixou um regime de guarda partilhada com residência alternada sem atender e nunca referir a situação concreta da menor” (cfr. conclusão 18); e - “não teve em conta o caso concreto, mais parecendo que a decisão proferida terá sido pensada para uma família diferente, uma menor diferente, rotinas e horários diferentes e obviamente, totalmente alheios às circunstâncias relevantes da vida da EE e do respetivo agregado familiar” (cfr. conclusão 18). Como é visível, a valoração que aqui está em causa é uma valoração meramente factual, circunstancial e casuística; não, de todo, uma valoração jurídica. Não pode, pois, ser objecto de revisão nesta sede. Conforme se diz no Acórdão desta 2.ª Secção do Supremo Tribunal de 11.11.2021, Proc. 1629/15.8T8FIG-D.C1.S1[2], “a valoração dos factos em processos de jurisdição voluntária cabe exclusivamente às instâncias e não ao Supremo Tribunal de Justiça, por não estarem em causa questões de estrita legalidade”. Por sua vez, o pedido formulado pela recorrente apela a um juízo baseado em critérios de conveniência ou oportunidade e não pressupõe qualquer processo de interpretação e aplicação da lei. Não pode, por isso, ser considerado aqui. Conforme se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de 17.11.2021, Proc. 1629/15.8T8FIG-C.C1.S1, “entre os casos típicos de decisões tomadas de acordo com critérios de conveniência ou de oportunidade estão aquelas em que sejam ou em que devam ser ponderadas as circunstâncias concretas da vida de um menor ou da vida dos seus progenitores para que seja tomada uma decisão sobre o regime de residência alternada[3] ou sobre o regime de visitas dos pais[4], de acordo com critérios de adequação e de razoabilidade (…). O facto de se alegar que foi violado um conjunto de disposições legais, sem especificar as razões de facto e de direito por que teriam sido violadas, não significa que sejam suscitadas questões de legalidade e, em todo o caso, nunca transformaria questões de conveniência ou de oportunidade em questões de legalidade[5]”. Acresce que existe um segundo fundamento para a conclusão a admissibilidade da revista. Passa a explicar-se. Sendo o presente recurso um recurso de revista, é ainda aplicável, por força do artigo 32.º do RGPTC, o artigo 671.º, n.º 1, do CPC, que respeita ao conteúdo do Acórdão recorrido. O art. 671.º, n.º 1, do CPC é do seguinte teor: “Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”. É entendimento corrente que o artigo 671.º, n.º 1, do CPC implica que “o âmbito do recurso de revista […] não abarca os acórdãos proferidos pela Relação no âmbito dos procedimentos cautelares”[6]. Mas ainda que este não fosse o entendimento corrente, sempre a admissibilidade do recurso deveria confrontar-se com o artigo 370.º, n.º 2, do CPC, cujo teor é o seguinte: “Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”. Sucede que, no caso vertente, o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais foi fixado pelo tribunal nos termos do artigo 38.º do RGPTC, ou seja, foi fixado provisoriamente, em virtude da falta de acordo dos pais na conferência dirigida à homologação do acordo. Na norma do artigo 38.º do RGPTC, que tem por epígrafe “Falta de acordo na conferência”, determina-se: “Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para: a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; ou b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses”. A decisão em causa é, portanto, uma decisão provisória e, enquanto decisão provisória, é equiparada à decisão cautelar, ficando subordinada ao regime das decisões cautelares previstas no artigo 370.º, n.º 2, do CPC. Isto porque, como bem se assinala no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.2020, Proc. 2906/17.9T8BCL-O.G1.S1, “a razão justificativa da regra da irrecorribilidade do art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil encontra-se na 'provisoriedade da providência cautelar […], não obstante a importância prática que ela possa concretamente ter para a realização do direito' [7]”[8] e esta razão procede para a decisão provisória prevista no artigo 38.º do RGPTC. Tem aqui particular interesse, dada a sua flagrante proximidade com o caso dos autos, é o Acórdão proferido por esta 2.ª Secção em 1.07.2021, no Proc. 4145/20.2T8PRT-B.P1.S1, em que se decidiu que “o acórdão recorrido versa sobre decisão provisória proferida nos termos do art. 38.º do RGPTC, a qual tem por fim a antecipada protecção e efectivação dos direitos da criança e é de equiparar a uma decisão cautelar, nos termos do art. 28.º do mesmo diploma legal” [9]. Assim, também com este fundamento a pretensão da recorrente quanto à admissibilidade do recurso teria de decair. * Antes de terminar, deixam-se duas notas adicionais. Verifica-se que nas suas alegações, não obstante fora das conclusões e sem qualquer reflexo nelas, a recorrente justifica a admissibilidade do recurso dizendo ainda que: “(…) sempre entende a recorrente que, sendo a família a estrutura basilar em que assenta a sociedade, impõe-se garantir uma correta interpretação jurídica e aplicação judicial das normas que regulamentam a desejável harmonia do funcionamento da estrutura de todas as famílias e, principalmente, da harmonia de todas as crianças no eixo de cada estrutura familiar e, portanto da sociedade, estão em causa interesses de particular relevância social que justificam, também, excecionalmente a admissão de recurso de revista e a apreciação desse Supremo Tribunal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, atenta a errada interpretação e aplicação de tais normas legais levada a cabo pelo Tribunal da Relação ...”. Não tendo este Supremo Tribunal de considerar esta pretensão – porque fora das conclusões –, sempre se diz que, não sendo o recurso admissível por via normal por razões diversas da dupla conforme, não é possível equacionar a sua admissibilidade por via excepcional, já que, como é do conhecimento geral sabido, esta via serve exclusivamente para superar o obstáculo da dupla conforme (cfr. artigo 671.º, n.º 3, in fine, do CPC). Verifica-se que, depois de formuladas as conclusões, portanto já fora das conclusões, a recorrente vem também afirmar que: “Subsidiariamente, por mera cautela e dever de patrocínio, caso v. exas. entendam julgar inadmissível o presente recurso de revista, Desde já requer, muito respeitosamente, a V. Exas que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 684.º n.º 1 do CPC, por remissão à segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, se dignem declarar a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação ..., reformando-a, por manifestamente exceder a pronúncia e conhecer de questões de que não podia conhecer, porquanto o objeto do recurso de apelação do progenitor, restringir-se à questão da residência habitual da menor EE com a progenitora, requerendo o apelante a fixação de residência alternada semanalmente entre progenitores (cláusula 3.ª e conexas da Regulação fixada em Ata) Pelo que, a alteração pelo Tribunal da Relação ... do regime de gozo das festividades e férias da menor estabelecido pela Primeira Instância, constitui matéria que lhes era vedado conhecer, não só por extravasar o objeto do recurso de apelação do progenitor, mas também porque, nessa matéria, o progenitor havia tido vencimento de causa e sendo-lhe a decisão favorável, nos termos do disposto no artigo 631.º n.º 1 do CPC, sobre ela não podia recorrer progenitores (cláusula 3.ª e conexas da Regulação fixada em Ata)”. Não tendo este Supremo Tribunal de considerar esta pretensão – porque fora das conclusões –, sempre se diz que não é possível apreciar a nulidade arguida e proceder à reforma do Acórdão recorrido, como a recorrente pretende. Tal como vem sendo reiteradamente afirmado, nomeadamente neste Supremo Tribunal de Justiça, as nulidades do Acórdão previstas no artigo 615.º, n.º 1, do CPC, não constituem fundamento autónomo do recurso de revista e, por conseguinte, não sendo o recurso admissível por qualquer via, não podem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigo 615.º, n.º 4, a contrario, do CPC)[10]. * III. DECISÃO Pelo exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso. * Custas pela recorrente. * Catarina Serra (relatora) Cura Mariano Fernando Baptista ________ [1] Já antecedido pelo Acórdão de 25.05.2017, Proc. 945/13.8T2AMD-A.L1.S1, também desta 2.ª Secção. [2] Subscrito pela presente relatora como 2.ª adjunta. [3] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.05.2018, Proc. 1729/15.4T8BRR.L1.S1, e de 6.06.2019, Proc. 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1. [4] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.03.2021, Proc. 4797/15.5T8BRG-E.G1.S1, em que expressamente se diz: “julgamos não se oferecerem dúvidas quanto a uma decisão concreta, sobre o montante da pensão de alimentos, a guarda e o regime de visitas, como componentes da regulação das responsabilidades parentais, uma vez obtida a prova, ser presidida por critérios de conveniência e oportunidade no sentido de tomar a criança como centro dessa conveniência e oportunidade. Não há regras de determinação legal vinculativa quanto ao modo de estabelecer o montante de uma pensão de alimentos, um regime de visitas ou uma guarda e, por isso, a decisão a proferir molda-se sobre princípios de ampla disponibilidade que, como antes referimos, por essa razão, apenas são sindicáveis até ao Tribunal da Relação. art.º 988º, n.º 2 do Código Processo Civil”. [5] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2017, Proc. 212/15.2T8BRG-A.G1.S2, em cujo sumário pode ler-se: “se, em concreto, o recorrente se limitar a invocar preceitos pretensamente violados sem substanciar em que consiste essa violação, o STJ encontra-se impedido de sindicar tais juízos (cfr. art. 988.º, n.º 2, do CPC)”. [6] Cf. António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Almedina, Coimbra, 2018, pp. 434-436 (p. 435). [7] Cf. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 361.º a 626.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, pp. 48-51 (p. 50). |