Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2495/20.7T8STB-A.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LIQUIDEZ
IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO
PAGAMENTO
DEVEDOR
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
REQUERIMENTO EXECUTIVO
ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- Em sede de oposição por embargos, o pagamento parcial de determinadas quantias, não levado em consideração na pretensão executiva, não neutraliza a liquidez da obrigação exequenda, antes havendo que lançar mão das regras gerais sobre a imputação do cumprimento (artigos 783º a 785º do CC).

II- Num quadro de incumprimento contratual, em que se regista uma assinalável diferença entre os pagamentos parciais e o valor da dívida, a falta de resposta aos pedidos de informação efetuados pelos embargantes, nomeadamente sobre o valor dessa mesma dívida, não lhes confere legitimidade para confiarem que o banco não lhes cobraria a quantia reclamada.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 2495/20.7T8STB-A.E1


6ª Secção


I. RELATÓRIO


I.1. Por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa instaurada por LC ASSET 1, SÀRL, contra AA e BB, vieram os executados deduzir oposição por embargos.


Fundamentaram a sua pretensão alegando o seguinte:


- O requerimento executivo é inepto por falta de alegação da causa de pedir;


- Tendo recebido, em Abril de 2017, uma comunicação de que estavam em contencioso, contactaram o Banco Santander, para saberem o que se passava, tendo sido agendada para 26.07.2017 uma reunião onde esteve o embargante, acompanhado por um amigo, na qual o embargante, depois de lhe ter sido transmitido que tinha apenas duas contas naquele Banco, apresentou aos representantes do contencioso do referido Banco um documento que provava que existia uma terceira conta onde foram feitos os depósitos até 13.07.2017, o que não mereceu qualquer resposta, nem na reunião, nem posteriormente;


- Até à altura tinham sido depositados € 6,400,00 (€ 4.800,00 mais € 1.600,00) que eram ignorados pelo Banco;


- Porque nenhuma resposta era dada, em Outubro de 2017 o embargante solicitou ao seu advogado que tentasse resolver a situação junto do Banco, pagando o que estava para trás de forma justa, uma vez que os pagamentos foram interrompidos por não saber para onde estava a ser canalizado o dinheiro;


- Em Janeiro de 2018 receberam a comunicação da cessão de créditos celebrada entre o Banco Santander e a exequente;


- Como resulta dos depósitos de € 800,00 (valor um pouco superior às prestações) que juntam, efetuados mensalmente desde junho de 2016 até 13.07.2017, nunca poderia ter sido verificado qualquer incumprimento em 10.05.2016 e em 27.06.2016;


- Os montantes depositados foram para uma terceira conta e não estavam a ser descontados nos contratos por motivos alheios aos executados;


- A exequente foi contactada diversas vezes para explicar o que estava a suceder, pois não queriam pagar o que já estava pago, mas nunca ninguém quis perceber o que realmente aconteceu, pois nunca o Banco ou a exequente deram qualquer resposta;


- Não entraram em incumprimento, o que sucedeu foi que o Banco deixou de deduzir nos contratos os montantes depositados mensalmente.


Concluíram pedindo a procedência dos embargos, sendo eles, executados, absolvidos da instância ou do pedido.


A exequente contestou defendendo a improcedência da exceção dilatória da nulidade do processo (decorrente da ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação da causa de pedir) e impugnando os factos alegados na petição, referindo em particular que os documentos juntos pelos embargantes revelam que em dezembro de 2016 já o processo tinha sido transferido para o contencioso do Banco.


Concluiu pedindo a improcedência dos embargos.


Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção da nulidade do processo (decorrente da ineptidão do requerimento executivo), relegando-se para final o conhecimento da exceção do pagamento.


Realizou-se audiência final e subsequentemente foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes e, consequentemente, determinou a extinção da execução.


Inconformada, a exequente apelou.


Foi proferido acórdão que concluiu:


Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, revogando a sentença recorrida, julgam-se os embargos parcialmente procedentes e, em consequência, determina-se a redução da quantia exequenda em consonância com os pagamentos referidos supra em 5.16 e 5.18 os quais devem ser imputados de acordo com o disposto no art.º 785º do Cód. Civil”.


É deste acórdão que recorrem os executados, concluindo assim, as alegações de revista:

a) Não obstante a profundidade e excelência do acórdão proferido na forma como aplicou o direito aos factos, discordam os ora recorrentes da sua Decisão.

b) Desde maio de 2016 que os embargantes depositavam dinheiro sem saber para onde ia.

c) Foi esquecido pelos Venerandos Juízes do Tribunal da Relação o modo como o Banco pedia o pagamento aos embargantes, através de vários números de conta, que eram fornecidos no balcão do Banco Banif.

d) É impossível proceder a liquidação da quantia exequenda porque não se sabe para onde foi o dinheiro dos depósitos que os recorrentes faziam.

e) No limite de se considerar que a execução devesse prosseguir para pagamento do remanescente, nunca poderiam ser cobrados juros dessa altura.

f) Não se pode impor aos embargantes pagar juros de 6 anos, quando estes queriam pagar e nunca incumpriram, e de tudo faziam para pagar.

g) Impor o pagamento de juros desde aí, parece-nos que não é fazer Justiça, ou que seja Constitucional.

h) É impossível afirmar com a certeza jurídica, que se exige aqui, qual o valor que os embargantes devem ou não pagar.

i) Conclui bem, os Venerandos Juízes da Relação, quando afirmam “Qualidade que no caso não se verifica e constitui um obstáculo que se nos afigura inultrapassável, devendo determinar a procedência dos embargos, nos termos dos arts. 729º, e) e 731º do CPC., como foi colocado no requerimento executivo a obrigação exequenda não é certa, exigível e líquida.

j) Pelo que deve ser procedente os embargos no que concerne à iliquidez da dívida exequenda, e abraçar o que foi decidido na Sentença da Primeira Instância.

k) Os embargantes sempre lutaram para saber os valores que tinham em dívida com o Banif, posteriormente com o Santander e mais tarde com a exequente, contudo nunca ninguém o disse, nem calculou, e muito menos na propositura da acção executiva.

l) A exequente, está claramente a abusar da sua posição face a posição dos embargantes e estão a contabilizar juros desde sempre, quando esta situação por vontade dos embargantes já estava resolvida há muito tempo.

m)Mas não, achou o Santander e a exequente que nada tinham de dizer aos embargantes, mesmo com este a insistir que queria pagar, e demorar 6 anos para colocar uma acção executiva e exigir juros, desde um momento em que os embargantes depositavam dinheiro nas contas do Santander sem saber para onde esse dinheiro ia.

n) Parece-nos que foi muito bem analisada a situação do abuso de direito, por parte do Tribunal de Primeira Instância e uma visão errada, sem nenhuma valoração da prova que foi efectuada em audiência de julgamento por parte dos Venerandos Juízes do Tribunal da Relação.

o) O Exequente claramente na sua actuação, foi arbitrária (nunca ouviu o que os embargantes afirmavam que tinham pago e que queriam ver descontado no montante final), exacerbada (chegaram a ser rudes com os embargantes e nem se querem ponderavam que estes tivessem a dizer a verdade) e desmesurada (foi exagerada a forma com que lidaram com a situação, que mesmo com os comprovativos dos depósitos os ignoraram), e no fim, colocam na acção executiva um montante errado, e cobram juros a alguém que há anos luta para pagar, e ninguém se digna a dizer um único valor.

p) E erradamente os Venerandos Juízes do Tribunal da Relação apreciaram a prova carreada para os autos.

q) Quando os embargantes cada vez que iam procurar soluções, e era dito que esperassem que davam respostas, se não estamos perante uma situação de confiança gerada pelo exequente, e que de facto é dar o dito por não dito, não sabemos o que pode ser.

r) Por isso mais uma vez não podemos de modo algum concordar com o que está vertido no Acórdão.

s) Os embargantes sempre acreditaram que iria ser resolvida a situação, e isso sempre lhes foi dito, e de um momento par ao outro, sem terem feito nada do que se mostrou ao exequente, dá entrada da acção executiva com a venda da sua casa de morada de família.

t) Claramente estamos perante uma situação de “venire contra factum proprium”.

u) Da relação jurídica que temos derivado do contrato celebrado, não temos por parte do exequente um contributo pra uma relação estável e equilibrada e pautada pela boa-fé por parte do exequente.

v) Não existiu nenhuma coerência e equilíbrio por parte da exequente, agindo de má-fé com os embargantes que viram de um momento para o outro a sua casa penhorada, quando sempre pretenderam um acordo, e sempre foi referido que o apresentariam.

w) Foi provado em audiência de julgamento que o próprio gerente do balcão do Banco afirmou para deixarem de pagar, como podem os Venerandos Juízes do Tribunal da Relação concluir que não foi pela actuação do Banco que os embargantes deixaram de pagar, quando existe prova clara e inequívoca e foi por estes factos provados que os embargantes deixaram de pagar, foram vários os motivos, válidos e plausíveis.

x) Verificando-se um total desinteresse por parte do Banco para com estes, que mesmo após várias reclamações escritas e reuniões em ... com a direcção, nada foi dito aos mesmos.

y) Os Venerandos Juízes do Tribunal da Relação fazem uma errada apreciação do que vem vertido no ponto 15 dos factos provados, o facto de terem estado em incumprimento, não significa que estivessem em incumprimento quando deixaram de fazer os depósitos.

z) Até porque ficou provado que os embargantes depositavam nesses depósitos quantia superior ao que era a soma das prestações.

Em contra-alegações, diz a exequente, em conclusão:

1. Ao decidir como decidiu o Tribunal da Relação de Évora, no seu Acórdão, fez uma correta apreciação dos factos trazidos a juízo e adequada aplicação do direito, não merecendo, no que respeita à parte objecto do presente recurso, qualquer censura ou reparo.

Da liquidez da obrigação exequenda

2. Apesar de não terem logrado provar a totalidade dos pagamentos que referem ter feitos, pretendem que a ora Recorrida impute esses “alegados” pagamentos (não provados) aos respetivos contratos, invertendo o ónus da prova que sobre eles impende.

3. Concluindo, por conseguinte, que a quantia exequenda é ilíquida “(…) e que há um erro na liquidação da obrigação exequenda porquanto não é possível estabelecer uma ligação entre os pagamentos feitos e a que contrato se refere e assim qual os juros que se calculam e de qual contrato.”

4. Sucede que, com tal entendimento não pode a aqui recorrida concordar, conforme a seguir se irá demonstrar.

5. O Tribunal de primeira instância deu como factos assente e provado que “Por ter ocorrido incumprimento, o embargante começou a fazer depósitos em contas que lhe foram indicadas (…) 31. Os depósitos referidos em 15., 16. e 18. não foram descontados no valor em dívida.”. e ainda dos factos não provados resultar que “Os embargantes depositaram as prestações devidas de maio de 2016 até julho de 2017.”

6. Mais, o incumprimento foi provado e os alegados pagamentos não foram provados pelo que, tendo o crédito sido cedido não restava à ora Recorrida (que não disponha de mais informações e/ou de informações privilegiadas) senão intentar a presente execução para ressarcimento do valor em dívida, com base no incumprimento e nos valores apurados e transmitidos pelo Banco mutuário.

7. Mas ainda que, por mera hipótese académica, sem conceder, os Recorrentes tivessem conseguido fazer prova de determinados pagamentos, seria sempre possível proceder à liquidação da obrigação exequenda seguindo as regras da imputação de valores constantes no nº. 1 do artigo 784º do CC.

8. Pelo que bem andou o Venerando Tribunal da Relação de Évora ao pugnar que “não é a circunstância de se ter provado, em sede de embargos, que os executados haviam efectuado o pagamento de determinadas quantias que retira à obrigação exequenda o requisito da liquidez que apresentava.”

9. Concluindo que “O que sucede é que o montante reclamado não é, mercê desses pagamentos, o montante devido e para se alcançar qual é afinal o quantitativo em dívida há que (re) calculá-lo (aritmeticamente) de acordo com o estatuído no artigo 785.º do Cód. Civil, i.e. imputando-os primeiramente aos juros e só após ao capital.”

10. Neste mesmo sentido, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 07.12.2021 decidiu, em questão análoga, que “(…) VII– A existência de pagamentos efectuados no âmbito do processo de insolvência da sociedade subscritora da livrança não tem a virtualidade de transformar a quantia líquida nela inscrita em prestação ilíquida, pois que tais pagamentos apenas determinarão a redução da dívida exequenda na proporção do que foi liquidado.” (sublinhado e nosso) – processo n.º 15165/19.0T8SNT-C.L1-7 in www.dgsi.pt

11. Por tudo o exposto, não pode acolher-se o entendimento sufragado pelos Recorrentes, resultando inequívoco que, in casu, a obrigação está determinada, sendo certa, está vencida, e por isso é exigível e está quantificada, sendo a putativa redução passível de ser matematicamente confirmada pelos documentos carreados para os aos autos.

12. Nesta confluência, a solução final efectivamente não pode deixar de ser aquela que foi atingida na segunda instância, ou seja, a quantia exequenda é líquida.

Da inexistência de abuso de direito da Exequente

13. Os Recorrentes alegam, em suma, que a aqui Recorrida incorreu em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium uma vez que “sempre acreditaram que iria ser resolvida a situação, e isso sempre lhes foi dito, e de um momento par ao outro, sem terem feito nada do que se mostrou ao exequente, dá entrada da acção executiva com a venda da sua casa de morada de família”.

14. A pedra de toque da figura do abuso do direito reside no uso ou utilização dos poderes que o direito concede para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deverá ser exercido. Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., págs. 296 e 297.

Subsumindo ao caso sub judice,

15. Resulta claro de toda a prova carreada para os autos que a relação de confiança estabelecida entre o Banco mutuário e os ora Recorrentes já havia sido “quebrada” aquando do incumprimento do pagamento das obrigações assumidas por estes.

16. Qualquer falha de comunicação e/ou falha de informação que tenha existido não teve como base qualquer comportamento da ora Recorrente que se limitou a tentar ressarcir-se dos valores dos créditos (incumpridos) que adquiriu por cessão ao Banco mutuário.

17. Até porque resulta dos factos provados que os factos – e incumprimento - remontam a data anterior à data de cessão de créditos, portanto, cujo conteúdo, veracidade e alcance o Recorrido desconhecia.

18. Motivo pelo qual, não pode ser imputado à ora Recorrida um alegado abuso de direito, quando desconhecia os factos e meandros das alegadas comunicações existentes entre o Banco mutuário a os Recorrentes.

19. Mas ainda que assim não se entenda, o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que se verificar-se-á uma situação de abuso de direito quando, admitido um certo direito como válido e legítimo, o seu exercício seja visto como clamorosamente ofensivo, chocante e reprovável, à luz da justiça, isto é, do sentimento jurídico prevalente na comunidade social, o que não sucedeu in casu.

20. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao pugnar que “Cremos que a matéria de facto provada não consente a conclusão alcançada: Dela não emerge que os executados tenham, de modo efectivo, desenvolvido toda uma actuação baseada na própria confiança gerada pelo Banco e que em razão de tal conduta tenham deixado de efectuar o pagamento das prestações convencionadas como contrapartida dos mútuos. Pelo contrário. Os mesmos não poderiam deixar de estar cientes que não haviam honrado os seus compromissos e que iriam ser demandados por isso. A circunstância de não saberem com rigor os montantes em dívida relativos a cada um dos quatro empréstimos e de o Banco não lhes ter prestado tal informação não tem, nem pode ter a virtualidade, de os eximir do pagamento do que é devido. É que não nos podemos esquecer que os (insuficientes) depósitos que o embargante fez em contas que lhe foram indicadas por parte do Banco, só ocorreram após ter entrado em incumprimento (cfr. ponto 15) e que não há notícia de que a instituição bancária se tivesse comprometido a não executá-los em razão dos mesmos.

21. Tendo em conta o até agora exposto, o recurso interposto pelos Recorrentes, além de infundado, deve ser declarado totalmente improcedente.

22. Concluindo-se que no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fez uma correta aplicação do direito aos factos, não merecendo, qualquer censura ou reparo.

I.2. Questões a decidir

Como se sabe, é o teor das conclusões do recurso que delimita o âmbito do conhecimento por parte do tribunal ad quem. Assim, não se suscitando questões de conhecimento oficioso e visto o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC) e tendo presente os poderes conferidos a este tribunal, cumpre decidir se: (i) a dívida exequenda é ilíquida e se (ii) se verifica abuso de direito por parte da exequente.

II. Fundamentação

II.1. É o seguinte o teor da decisão da matéria de facto inserta na decisão recorrida:

“1. Por escritura pública assinada em 23.10.2000, o BANIF concedeu aos executados um empréstimo no montante de 15 milhões de escudos.

2. O referido empréstimo foi concedido pelo prazo de vinte e sete anos, devendo ser reembolsado em trezentas e vinte e quatro prestações mensais sucessivas e constantes de capital e de juros, vencendo-se a primeira um mês após a data de celebração do contrato.

3. Como garantia do empréstimo, foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 2 da referida freguesia.

4. Por documento assinado em 23.10.2000, o BANIF concedeu aos executados um empréstimo no montante de 5 milhões de escudos.

5. O referido empréstimo foi concedido pelo prazo de vinte e sete anos, devendo ser reembolsado em trezentas e vinte e quatro prestações mensais sucessivas e constantes de capital e de juros, vencendo-se a primeira um mês após a data de celebração do contrato.

6. Como garantia do empréstimo foi por escritura constituída hipoteca sobre o prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 2 da referida freguesia.

7. Por documento assinado em 16.10.2002, o BANIF concedeu aos executados um empréstimo no montante de € 25.000,00.

8. O referido empréstimo foi concedido pelo prazo de vinte e cinco anos, devendo ser reembolsado em prestações mensais sucessivas e constantes de capital e de juros, vencendo-se a primeira um mês após a data de celebração do contrato.

9. Como garantia do empréstimo foi por escritura constituída hipoteca sobre o prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 2 da referida freguesia.

10. Por documento assinado no dia 01.02.2007, o BANIF concedeu aos executados um empréstimo no montante de € 50.000,00.

11. O empréstimo foi concedido pelo prazo de vinte anos, devendo ser reembolsado em duzentas e quarenta prestações mensais e sucessivas de capital e de juros, vencendo-se a primeira um mês após a data de celebração do contrato em causa.

12. Como garantia do empréstimo foi por escritura constituída hipoteca sobre o prédio urbano sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 2 da referida freguesia.

13. Por deliberação extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, no dia 20.12.2015, às 23h30, foi aplicada ao Banif - Banco Internacional ..., SA, uma medida de resolução mediante a qual foi determinado “A...... ao Banco Santander Totta, S.A., os direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, do BANIF - Banco Internacional ..., S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 145º-M do RGICSF”.

14. Mediante documento assinado em 15.12.2017, o Banco Santander Totta, SA, cedeu à exequente um conjunto de créditos de que era titular, entre os quais os créditos sobre os executados, importando a cessão a transmissão das garantias e direitos acessórios a eles inerentes.

15. Por ter ocorrido incumprimento, o embargante começou a fazer depósitos em contas que lhe foram indicadas por parte do Banco.

16. Em 10.10.2016, o embargante depositou na conta n.º .............83, do Banco Santander Totta, o valor total de € 800,00.

17. Os embargantes nunca foram titulares da conta n.º .............83.

18. O embargante depositou na conta n.º 0003..........43, do Banco Santander Totta, o valor total de € 6.400,00, no período de 09.12.2016 até 13.07.2017 (correspondendo aquele valor a uma transferência de € 1.600,00, efetuada em 09.12.2016, e a seis depósitos em numerário no valor de € 800,00 cada um, feitos em fevereiro, março, abril, maio, junho e julho de 2017).

19. Os embargantes nunca foram titulares da conta n.º 0003..........43.

20. Em situações de incumprimento, a empresa que trata da recuperação de crédito do Banco Santander Totta indica contas de transição para serem efetuados os depósitos.

21. As contas de transição servem apenas para gestão da dívida e não aparecem na base de dados do Banco de Portugal.

22. No ano de 2017, o embargante dirigiu-se ao balcão do Banco Santander da Av. ..., em ..., para ser informado sobre quanto devia e qual era o valor das prestações, por ninguém o esclarecer e ter tomado conhecimento de que os seus empréstimos estavam no Contencioso do Banco.

23. Foi atendido pelo Sr. CC, gerente do Balcão, que ficou de o informar, mas as diligências que aquele realizou não lhe permitiram obter respostas.

24. Posteriormente, em julho de 2017, o embargante, acompanhado por uma pessoa conhecida, esteve numa reunião com elementos do Departamento de Contencioso do Banco Santander Totta, na qual esteve também presente o gerente do balcão do Banco na Av. ..., em ..., Sr. DD.

25. Nessa reunião, o embargante pediu para ser informado para onde estavam a ir os depósitos que tinha efetuado, e ainda para saber quanto devia e quanto tinha de depositar para regularizar os valores em dívida, mas não obteve qualquer resposta.

26. Na referida reunião, os presentes que integravam o Departamento de Contencioso desconheciam os depósitos a que respeitavam os documentos que então lhes foram exibidos.

27. Sendo que se comprometeram a confirmar posteriormente os valores e a dar uma resposta por escrito.

28. O que nunca aconteceu.

29. No dia 03.10.2017, o embargante entregou no Balcão do Banco Santander Totta, na Av. ..., em ..., uma carta onde fez constar que sempre efetuou os depósitos até julho de 2017 e em que solicitava que lhe fosse entregue um documento atestando a data em que entrou em incumprimento, bem como os extratos das contas nºs. .............10 (conta Banif) e ...............31 (conta Santander), acrescentando que vinha fazendo depósitos na conta n.º .............43.

30. Nunca foi dada resposta ao pedido do embargante.

31. Os depósitos referidos em 15., 16. e 18. não foram descontados no valor em dívida.

32. No requerimento executivo alega-se além do mais o seguinte: “(…)

21º Sucede que os executados deixaram de pagar as prestações contratadas e devidas ao Banco Mutuante, não tendo pago as prestações que se venceram a partir de 27/06/2016 no caso do primeiro contrato, 10/06/2020 no caso do segundo e terceiro contrato e 10/05/2016, no caso do último contrato, ficando em dívida capital nos seguintes valores:

a) 1.º contrato: € 38.556,70; b) 2.º contrato: € 12.959,80; c) 3.º contrato: €13.321,60; e d) 4.º contrato: €30.696,10 (…)”.

B - Factos não provados

Nada mais se provou com relevo para a decisão a proferir. Nomeadamente, não se provou que:

1. Os embargantes depositaram as prestações devidas de maio de 2016 até julho de 2017.

2. A exequente foi por diversas vezes contactada para informar os embargantes de quanto deviam e quanto tinham de depositar.

II.2. Apreciando

Como se disse, as questões a resolver consistem em saber se (i) a dívida exequenda é ilíquida e se (ii) se verifica abuso do direito por parte da exequente.


Quanto à alegada iliquidez


A sentença, julgou procedentes os embargos, com base a inexequibilidade da obrigação por força do disposto no artigo 713º CPC.


Ali se colhe: “neste caso, não é possível ter-se a obrigação como líquida”, “em virtude de a exequente se ter limitado a indicar os montantes totais em dívida, sem fazer qualquer referência ao valor de cada prestação, o impede que se consiga liquidar, mediante simples cálculo aritmético, relativamente a cada contrato celebrado, quer o valor do capital em dívida, quer os juros a contabilizar sobre o capital”.


Por seu turno, o Tribunal da Relação ponderou: “Não há dúvida que no caso em apreço, logo no requerimento executivo foi deduzido um pedido líquido, i.e. o quantitativo da prestação exigida aos executados está numericamente determinado.

Com efeito, aí se referiu estar em dívida do:

“1.º Contrato

Capital: € 38.556,70


Incumprimento: 27/06/2016


Juros desde a data de incumprimento até 30/04/2020: €15.858,00


Total: € 54.414,70

2.º Contrato:

Capital: € 12.959,80

Incumprimento: 10/06/2020

Juros desde a data de incumprimento até 30/04/2020: € 5.394,83

Total: € 18.354,63

3.º Contrato

Capital: € 13.321,60


Incumprimento: 10/06/2016


Juros desde a data de incumprimento até 30/04/2020: €5.545,44


Total: € 18.867,04


4.º Contrato:


Capital: € 30.696.10


Incumprimento: 10/05/2016


Juros desde a data de incumprimento até 30/04/2020: € 13.056,94


Total: € 43.753,04

Aos valores supra enunciados acrescem juros de mora até integral e efectivo pagamento, à taxa de 10,70% (7,70% + 3%), desde 01/05/2020 até efectivo e integral pagamento”.

E o Tribunal da Relação argumenta no sentido de que apesar de, em sede de embargos, se ter provado que os executados haviam efetuado o pagamento de determinadas quantias que não foram levadas em consideração na pretensão executiva, daí não se retira que falte à obrigação exequenda o requisito da liquidez.


O que sucede é que o montante reclamado não é, mercê desses mesmos pagamentos, o montante devido.


Para se determinar, com precisão, o quantitativo em dívida há que (re)calculá-lo de acordo com o estatuído no artigo 785.º do Cód. Civil, i.e. imputando-os primeiramente aos juros e só depois ao capital.


Os embargantes afirmam que “Foi esquecido pelos Venerandos Juízes do Tribunal da Relação o modo como o Banco pedia o pagamento aos embargantes, através de vários números de conta, que eram fornecidos no balcão do Banco Banif.

d) É impossível proceder a liquidação da quantia exequenda porque não se sabe para onde foi o dinheiro dos depósitos que os recorrentes faziam.

e) No limite de se considerar que a execução devesse prosseguir para pagamento do remanescente, nunca poderiam ser cobrados juros dessa altura.

f) Não se pode impor aos embargantes pagar juros de 6 anos, quando estes queriam pagar e nunca incumpriram, e de tudo faziam para pagar.

g) Impor o pagamento de juros desde aí, parece-nos que não é fazer Justiça, ou que seja Constitucional.

h) É impossível afirmar com a certeza jurídica, que se exige aqui, qual o valor que os embargantes devem ou não pagar”.

Adianta-se que está correto o juízo da Relação.


Com efeito, “os executados deixaram de pagar as prestações contratadas e devidas ao Banco Mutuante, não tendo pago as prestações que se venceram a partir de 27/06/2016 no caso do primeiro contrato, 10/06/2020 no caso do segundo e terceiro contrato e 10/05/2016, no caso do último contrato, ficando em dívida capital nos seguintes valores: a) 1.º contrato: € 38.556,70; b) 2.º contrato: € 12.959,80; c) 3.º contrato: €13.321,60; e d) 4.º contrato: €30.696,10 (…)” (n.º 32 dos factos)”.


Acontece que, resulta demonstrado da matéria provada que, já durante a perturbação do programa contratual, os pagamentos efetuados pelo embargante, através de depósitos em contas que lhe foram indicadas pelo Banco, não cobriam a totalidade da dívida.


É verdade que se constatou a ausência de resposta do Banco, perante as tentativas efetuadas pelos embargantes no sentido de obterem esclarecimentos sobre: o valor das prestações em dívida; o destino dos depósitos efetuados e acerca do valor a depositar para regularização da dívida. Contudo, não obstante, poder verificar-se a violação do dever de colaboração/informação por parte do Banco, isso não é suficiente, neste caso, para fundar a pretensão dos embargantes.


Com efeito, os créditos foram cedidos e não vem provado que assistisse aos embargantes alguma razão impeditiva do dever de gestão/controlo dos pagamentos efetuados tendo em vista o propósito previsível de poderem vir a ter necessidade de exibir os comprovativos. Nada vem alegado sobre o assunto: não foi alegada qualquer razão relacionada com o extravio de comprovativos. E, como ficou dito, também não é razão bastante o facto de os depósitos referidos em 15., 16. e 18. não terem sido descontados no valor em dívida.


Na verdade, a patente diferença entre os valores comprovadamente pagos e o valor em dívida não permite a formulação de dúvida razoável, por parte dos embargantes, no sentido de que lhes assistisse o direito de auto suspenderem pagamentos. Num juízo de prognose póstuma, era percetível a patente insuficiência dos pagamentos para pagamento da totalidade da dívida.


Neste âmbito, as regras gerais sobre a imputação de pagamentos constam dos artigos 783º a 785º do CPC.


À luz destas regras, prevalece a imputação convencionada pelas partes que, no caso, não se detetou nos contratos juntos ao requerimento executivo. Ora, só no caso de não existir esse acordo, a imputação dos pagamentos é da escolha do devedor (art.º 783º, nº1 CC) 1.


Sucede que, sobre esta matéria nenhuma alusão se colhe da matéria de facto ou, aliás, da petição de embargos no sentido de que os embargantes tenham dado qualquer indicação sobre o contrato a que se reportavam os pagamentos por eles efetuados.


No presente caso, ocorre o particularismo de estarmos perante uma dívida que vence juros. Por isso, rege o artigo 785º CC.


Neste contexto, a imputação no capital em dívida, suporia o acordo do credor (artigo 785º/2 CC), o que também não está demonstrado e nem sequer foi invocado.


Por isso, tendo havido comprovadamente pagamentos parciais, cumpria abatê-los à dívida, nos termos da disposição supletiva do artigo 785º/1 CC.


Assim decidiu o Ac. STJ, de 14.07.2021, em cujo sumário se lê “A prova pelos embargantes de que foram efetuados pagamentos parciais do crédito exequendo, que não foram considerados no valor da quantia cujo pagamento é reclamado na execução, não retira liquidez ao crédito exequendo, devendo, simplesmente, ao seu montante serem abatidas as quantias pagas, por simples operação matemática, tendo em consideração as regras de imputação aplicáveis2.


Enfim, cumpre notar que aqui não se detetam quaisquer razões que implicassem ter de acautelar direitos de terceiros.


Não resta, pois, senão confirmar o decidido a este propósito pela Relação.

Quanto ao alegado abuso de direito

A primeira instância entendeu que, neste caso, se verifica abuso de direito, baseando-se na circunstância de terem sido efetuados depósitos em contas indicadas pelo Banco (último depósito em Julho de 2017) e de - quando os embargantes procuraram saber o que se passava, pedindo informações, comparecendo em reunião com o Banco, entregando missiva -, os representantes do banco comprometerem-se posteriormente a dar uma resposta que, afinal o banco não veio a dar, acabando por ceder os créditos à exequente.

Acrescentou que a “exequente, ao propor a ação executiva, defraudou a confiança da contraparte de que seriam apurados os valores corretos atendendo-se aos pagamentos efetuados de acordo com indicações dadas da parte do Banco.

Sendo que foi em virtude da expectativa criada que os embargantes deixaram de efetuar os depósitos e ficaram a aguardar pelos esclarecimentos do Banco, tanto mais que, sem qualquer indicação concreta por parte do mesmo não podiam sequer confiar em que os depósitos que fizessem de futuro passariam a ser considerados.

Em suma, estamos perante um credor que pretende cobrar uma dívida cujo valor em rigor desconhece (se o Banco não conseguiu informar devidamente os embargantes, para que estes pagassem o que seria devido, como poderia a exequente saber mais do que a entidade que lhe transmitiu a informação disponível?), sem que o devedor tenha tido a oportunidade de pagar por não ter sido informado qual seria o valor correto, apesar do compromisso de que tal informação seria prestada, assumido quando ficou apurado que foram efetuados pagamentos que não foram considerados”.

Por sua vez a Relação entendeu: “Cremos que a matéria de facto provada não consente a conclusão alcançada: Dela não emerge que os executados tenham, de modo efectivo, desenvolvido toda uma actuação baseada na própria confiança gerada pelo Banco e que em razão de tal conduta tenham deixado de efectuar o pagamento das prestações convencionadas como contrapartida dos mútuos.

Pelo contrário.

Os mesmos não poderiam deixar de estar cientes que não haviam honrado os seus compromissos e que iriam ser demandados por isso.

A circunstância de não saberem com rigor os montantes em dívida relativos a cada um dos quatro empréstimos e de o Banco não lhes ter prestado tal informação não tem, nem pode ter a virtualidade, de os eximir do pagamento do que é devido.

É que não nos podemos esquecer que os (insuficientes) depósitos que o embargante fez em contas que lhe foram indicadas por parte do Banco, só ocorreram após ter entrado em incumprimento (cfr. ponto 15) e que não há notícia de que a instituição bancária se tivesse comprometido a não executá-los em razão dos mesmos.

Cremos até que constituiria uma violação do princípio da boa-fé contratual permitir que os embargantes ficassem desobrigados para com a exequente, escudando-se no facto de tais depósitos não terem sido abatidos à dívida e de não terem sido previamente informados do seu montante.

Portanto, entendemos que não podem deixar de estar vinculados a liquidar as quantias em dívida relativas aos contratados mútuos”.

Por sua vez os embargantes entendem que “foi muito bem analisada a situação do abuso de direito, por parte do Tribunal de Primeira Instância (…) O Exequente claramente na sua actuação, foi arbitrária (nunca ouviu o que os embargantes afirmavam que tinham pago e que queriam ver descontado no montante final), exacerbada (chegaram a ser rudes com os embargantes e nem se querem ponderavam que estes tivessem a dizer a verdade) e desmesurada (foi exagerada a forma com que lidaram com a situação, que mesmo com os comprovativos dos depósitos os ignoraram), e no fim, colocam na acção executiva um montante errado, e cobram juros a alguém que há anos luta para pagar, e ninguém se digna a dizer um único valor. (…) Quando os embargantes cada vez que iam procurar soluções, e era dito que esperassem que davam respostas, se não estamos perante uma situação de confiança gerada pelo exequente, e que de facto é dar o dito por não dito, não sabemos o que pode ser. (…) Os embargantes sempre acreditaram que iria ser resolvida a situação, e isso sempre lhes foi dito, e de um momento par ao outro, sem terem feito nada do que se mostrou ao exequente, dá entrada da acção executiva com a venda da sua casa de morada de família. Claramente estamos perante uma situação de “venire contra factum proprium”. Não existiu nenhuma coerência e equilíbrio por parte da exequente, agindo de má-fé com os embargantes que viram de um momento para o outro a sua casa penhorada, quando sempre pretenderam um acordo, e sempre foi referido que o apresentariam. Foi provado em audiência de julgamento que o próprio gerente do balcão do Banco afirmou para deixarem de pagar, como podem os Venerandos Juízes do Tribunal da Relação concluir que não foi pela actuação do Banco que os embargantes deixaram de pagar, quando existe prova clara e inequívoca e foi por estes factos provados que os embargantes deixaram de pagar, foram vários os motivos, válidos e plausíveis. Verificando-se um total desinteresse por parte do Banco para com estes, que mesmo após várias reclamações escritas e reuniões em ... com a direcção, nada foi dito aos mesmos. Os Venerandos Juízes do Tribunal da Relação fazem uma errada apreciação do que vem vertido no ponto 15 dos factos provados, o facto de terem estado em incumprimento, não significa que estivessem em incumprimento quando deixaram de fazer os depósitos. Até porque ficou provado que os embargantes depositavam nesses depósitos quantia superior ao que era a soma das prestações”.

O que vem exposto permite-nos retirar que é patente o acerto do juízo da Relação.

Com efeito, nada se provou no sentido de que o comportamento do banco, mesmo que numa perspetiva de violação dos deveres de cooperação e de informação, tenha contribuído para a formação da concreta quantia exequenda, à margem do estabelecido nos contratos. Nada se provou no sentido de que o comportamento do banco tenha tido qualquer impacto no concreto valor da quantia exequenda.

Aos embargantes cumpria estabelecer uma conexão entre o alegado abalo da confiança gerado pelo comportamento do banco e o concreto impacto negativo na formação da dívida. Porém, não o fizeram, nem tal é legítimo inferir, mercê da discrepância entre os valores comprovadamente pagos e o valor da dívida.

O que resulta patente é que os depósitos comprovados foram insuficientes para o pagamento do valor reclamado. E os embargantes não podiam razoavelmente ignorar os valores em dívida face ao conteúdo dos contratos. A informação do banco, a ser dada, teria um valor relativo na economia do programa acertado entre as partes, visto que é de presumir que aos embargantes era possível aceder aos valores pagos (através dos comprovativos dos depósitos) e aos valores em dívida emergentes dos contratos e verificar os meses em que não tinham logrado satisfazer os compromissos. Ainda que alguma dúvida se pudesse suscitar, perante o quadro crítico do cumprimento do contratado, não se vê que o desconhecimento rigoroso do valor em dívida pudesse justificar qualquer cessação de pagamentos por parte dos embargantes. Como se disse, a diferença entre o valor em dívida e o valor pago, não comporta margem para dúvida razoável sobre a falta de justificação para as alegadas dúvidas dos embargantes.

Por isso, não se vê que aqui se possa configurar qualquer das modalidades em que se desdobra o abuso de direito (artigo 334º CC), incluindo “venire contra factum proprium”.

Não se deteta qualquer comportamento anterior do banco passível de objetivamente fundar a confiança dos embargantes de que a dívida não viria a ser cobrada. Por parte dos embargantes, nada vem demonstrado, antes pelo contrário, no sentido de que lhes fosse legítimo confiar em que através das diligências que efetuaram, ressalvado o que foi dito, o banco estava obrigado a não lhes efetuar a cobrança da quantia reclamada3.

Nesta conformidade confirma-se o acórdão recorrido.

III. Decisão

Pelo exposto e decidindo, de harmonia com as disposições legais citadas, nega-se provimento ao recurso e confirma-se ao cordão recorrido.

Custas pelos embargantes.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2024


Maria Amélia Ribeiro (Relatora)


Luís Espírito Santo

António Barateiro Martins

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1. No sentido de que ficaria “à […] escolha [do devedor] designar as dívidas a que o cumprimento se refere”, decidiu o Ac. STJ de 17.01.2006, relatado pelo Exmº Conselheiro Azevedo Ramos e, mais recentemente, a propósito de um caso específico atinente a rendas em dívida, Acs. TRL de 10.11.2015 e de 30.05.2023, relatados pelos Exmos. Desembargadores Cristina Coelho e Luís Pires de Sousa.↩︎

2. Na Revista 738/18.6T8AGH-A.L1.S1 (relator: Cura Mariano), citado, aliás, pelo Ac. recorrido.↩︎

3. Ac. STJ de 12.11.2013, na revista n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1.↩︎