Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CARLOS PORTELA | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE PRESSUPOSTOS VALOR DA AÇÃO ALÇADA SUCUMBÊNCIA RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL DUPLA CONFORME OPOSIÇÃO DE JULGADOS ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA IRRECORRIBILIDADE INADMISSIBILIDADE NULIDADE DA DECISÃO DECISÃO SUMÁRIA ALTERAÇÃO DOS FACTOS | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | INDEFERIDA | ||
| Sumário : | Sumário (cf. art.º 663º nº7 do CPC): I. O acesso à revista - quer normal, quer excepcional - não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão (art.º 671°), valor do processo ou da sucumbência (art.º 629°, n°1), legitimidade (art.º 631°) e tempestividade (art.º 638°). II. No entanto na hipótese prevista no art.º 629º, nº2 alínea c), seja qual for o valor da causa ou da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação ou para o Supremo, ainda que circunscrito ao específico fundamento nele previsto. III. No âmbito deste artigo é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos, a saber, a identidade da questão de direito, a oposição frontal entre as decisões, a identidade substancial do quadro normativo e a essencialidade da questão sob controvérsia. IV. No caso, não se admitindo a revista normal por razões que extravasam da dupla conforme porque a rejeição teve a ver com a medida da sucumbência, fica necessariamente afastada a possibilidade de revista excepcional. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório: Notificado que foi da decisão sumária proferida nos autos, veio o réu/recorrente AA, invocar a nulidade da decisão singular e/ou requerer, que nos termos do artigo 652.º nº3 do CPC e sobre a mesma decisão seja proferido um acórdão. Para tanto, alegou o seguinte: 1) Ora refere a decisão singular proferida que: “Interposto recurso de revista excepcional, com fundamento nas alíneas a), b) e c) do art.º 672º, 1, do CPC, é de rejeitar a revista se o recorrente não cumpre os ónus mínimos de alegação recursiva, acrescido em relação ao ónus recursivo geral previsto no art.º 639º, nº1, do CPC, consistente na identificação e desenvolvimento de razões objetivas susceptíveis de revelar a importância da questão ou questões a apreciar, em face da sua necessidade para uma melhor aplicação do direito, na identificação das razões pelas quais os interesses em causa têm particular relevância social e na indicação dos aspectos de identidade factual-jurídica que determinam a contradição de julgados alegadas, nos termos do art.º 672º, 2, do CPC.” 2) Resulta assim translúcido que o Venerando Juiz Relator apenas não admitiu o Recurso por entender não estarem alegados minimamente factos que preencham os fundamentos do artigo 671.º n.º 1 al. a) b) e c) do CPC, isto é do recurso de revisto excepcional e por isso não estar preenchido o disposto no n.º 2 do artigo 671.º do CPC. 3) Ora com o devido respeito, tal função não cabe ao Venerando Juiz Relator! Pois embora possa caber ao Juiz Relator verificar se estão ou não preenchidos os requisitos gerais de interposição de um recurso de revista, já não lhe cabe, por lhe estar expressamente vedado, apreciar da existência (ou não) das alegações que preenchem os fundamentos da revista excepcional. 4) De facto refere o artigo 672.º n.º 1 do CPC (revista excepcional) que: “1 -Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.” 5) Referindo claramente o artigo 672 n.º 3 do CPC que: “A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.” 6) Ora claro é que a decisão singular aqui proferida é nula pois viola o disposto no artigo 672.º n.º 3 do CPC, nulidade esta que desde já se invoca e se espera que venha a ser declarada. 7) Ademais, parece que o Venerando Juiz Relator, com o devido respeito não tomou em consideração que o recorrente também interpôs recurso meramente de revista nos termos do artigo 671 n.º 1 al. c) o qual foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa pois esta expressamente refere: “Mais se julga que esse acórdão é recorrível na parte em que se sustenta na contradição com jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Art.s 627.º n.º 1, 629.º n.º 2 al. c) e 671.º n.º 1 do C.P.C.) e, por estar em prazo (Art. 638.º n.º 1 do C.P.C.), por assistir legitimidade ao Recorrente (Art. 631.º n.º 1 do C.P.C.), admitimos o recurso de revista, a subir de imediato, nos próprios autos (Art. 675.º do C.P.C.), com efeito meramente devolutivo (Art. 676º n.º 1 “a contrario” do C.P.C.). Quanto aos demais fundamentos cumulativamente invocados, suscetíveis de eventualmente integrar a admissão duma “revista excecional”, competirá à formação do Supremo Tribunal de Justiça a apreciação liminar dos seus requisitos, nos termos do Art. 672.º n.º 3 do C.P.C..” 8) E que naturalmente sobre este (recurso de revista) terá de recair alguma decisão, a qual foi aqui totalmente omitida o que configura igualmente uma nulidade, nulidade esta que desde já se invoca e se espera que venha a ser declarada. 9) No entanto e ainda que assim não se entenda o que só hipoteticamente se concebe sempre se dirá que a decisão singular proferida pelo Venerando Desembargador Relator que decidiu não admitir o recurso de revista excepcional não tomou em consideração, com o devido respeito todos os factos e fundamentos alegados pelo Recorrente que mostram por si só à saciedade que a Recorrente alegou as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e as razões pelas quais os interesses são de particular relevância social. 10) O Venerando Juiz Relator, com o devido respeito, limita-se a transcrever, sem factualizar, e sem qualquer aplicação ao caso em concreto, impedindo o Recorrente de perceber por que razão o recurso não foi admitido, um trecho de um acórdão, que, salvo melhor entendimento, não tem qualquer aplicabilidade pois não só não há dupla conforme no presente caso, como há uma gritante violação aos princípios da prova, procedendo a Relação à sua alteração sem qualquer prova, com base em depoimentos que a própria não considera credíveis e de “ouvi dizer” o que culmina numa condenação sendo que inicialmente o Recorrente havia sido absolvido. 11) Sendo como fundamento da não admissão o Venerando Juiz Relator, com o devido respeito limita-se a dizer: “… simples alusão genérica, vaga, conclusiva e reprodutiva dos conceitos indeterminados das formulações legais não permite manifestamente cumprir o ónus de alegação e motivação circunstanciada e reveladora da importância jurídica da questão; é totalmente omissa sobre a complexidade ou dificuldade da questão jurídica identificada a eventual controvérsia doutrinal e jurisprudencial, a possibilidade de gerar decisões contraditórias, a presença de interesses de tutela primordial para segurança jurídica, que implicariam demonstrar para justificar o acesso excepcional ao STJ depois da dupla conformidade decisória, e ainda a compatibilidade e prevalência de tais motivações em face da razão apontada para a improcedência da pretensão substantiva do insolvente quanto à impugnação do crédito reconhecido.” 12) Pergunta o recorrente onde verifica o Venerando Juiz Relator que a recorrente fez uma “simples alusão genérica, vaga, conclusiva e reprodutiva dos conceitos indeterminados das formulações legais não permite manifestamente cumprir o ónus de alegação…” 13) Terá sido quando a Requerente referiu nas suas alegações e conclusões: a) “De facto conforme se verifica pela leitura do Acórdão, o tribunal da Relação procede à alteração da matéria de facto dada como não provada para provada violando claramente as regras das apreciação da prova baseando a alteração da mesma nos depoimentos de terceiros que o próprio Tribunal da Relação afirma que, tais terceiros (testemunhas) claramente não presenciaram qualquer acidente sabendo que o interveniente no alegado acidente (a criança) nunca sequer depôs nos presentes autos e nem sequer foi chamado. b) Condena sobre uma presunção da existência um acidente que ninguém viu e não se fez prova da sua existência. De facto não se demonstrou se o mesmo existiu nem os moldes em que alegadamente o mesmo existiu e quem o praticou (a ter existido) só existem presunções não factos!! c) Nem sequer se demonstrou, factualmente, como e onde estava efectivamente a criança note-se, nomeadamente onde ocorreu realmente a lesão! d) O Tribunal da Relação condena apenas e tão só porque o R. tinha uma taxa de alcoolémia 0,68 gramas por litro, como se esse facto por si só fosse sinal de culpa na existência de qualquer acidente, o que nenhum sentido faz!! e) E ainda acusa o R. de não ter tentando provar que não teve culpa no acidente quando tal prova este não poderia tentar fazer dado que ele sempre disse não ter atropelado ninguém e até demostrou que não o fez!! f) Ora resulta claro que a forma como foi alterada a decisão proferida em primeira instância, com recurso à alteração da matéria de facto com violação da lei, fazendo despoletar um incerteza jurídica e um alarme social relacionado com condenações sem nexo de causalidade baseado em presunções assentes em depoimentos de ouvi dizer de testemunhas que nada viram, demostra que está aqui em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância e segurança jurídica, e interesse social é claramente necessário para melhor aplicação do direito e ainda par mais em clara contradição com vários acórdãos todos eles proferidos por este Supremo Tribunal de Justiça. g) Pelo que, face ao caso em concreto, parece estarmos perante uma causa de particular relevância social e ainda, perante uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito ao que acresce o facto do Acórdão que ora se recorre estar em contradição com muitos outros, já transitado em julgado, proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. h) Assim por tudo o supra expostos as questões das nulidades do Acórdão infra invocadas têm de ser necessariamente apreciadas por razões sociais, para uma melhor aplicação do direito e por haver contradição entre Acórdãos, por forma a continuar a ser assegurado por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça que são aplicados por todos os Tribunais, sem excepção, de forma exemplar os princípios basilares do direito, e que de forma alguma permitirão violação a princípios elementares como aqueles aqui violados no Acórdão de que ora se recorre. (…)” 14) E em muito outros factos e fundamentos, que o aqui recorrente se vai escusar de transcrever já que os mesmos constam do recurso interposto, e onde o Recorrente demonstra cabalmente que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação é altamente perniciosa e perigosa pois acaba por condenar o Recorrente sem qualquer prova e sem qualquer demonstração do nexo de causalidade, o que, com o devido respeito parece ser razão mais que suficiente para ser considerada uma questão de particular relevância social e jurídica. 15) Ora a presente decisão é claramente prejudicial ao aqui Recorrente pois não toma em consideração a clara violação da lei processual e civil relatada pelo Recorrente que culmina na sua condenação arbitraria e desfundamentada, na medida que inexiste prova do nexo de causalidade, sem o qual não pode haver condenação, não existe qualquer prova do acidente em si, do autor do acidente do local do acidente, donde se encontrava o menor à data e hora do acidente, pois que a alteração à matéria de facto foi tão só baseada em depoimento de ouvi dizer não admissíveis, e ainda para mais não credíveis pois como o Tribunal da Relação refere claro é que essas testemunhas, que serviram para alterar a matéria de facto, não presenciaram o alegado acidente!! Termos em que requer a V. Exª. que sejam declaradas a nulidades supra referidas e/ou que sobre a matéria do Despacho recaia Acórdão, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 652 do C.P.C.” Perante tal pretensão não vieram nem a Autora, Fidelidade S.A. nem os restantes intervenientes processuais responder. II. Apreciando: É a seguinte a redacção do nº3 do art.º 652º do CPC: “Salvo o disposto no nº6 do artigo 641º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre na matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.” A reclamação do Réu ora Recorrente assenta essencialmente e na sua perespectiva na necessidade de substituição da decisão proferida por outra que admita o recurso de revista que o mesmo veio interpor. Vejamos, pois, da pertinência de tal pretensão, sendo que na decisão sumária objecto da presente reclamação se concluiu pela inadmissibilidade do recurso interposto por incumprimento ónus recursivo geral previsto no art.º 639º, nº1, do CPC. Na sentença proferida pela 1ª instância julgou-se improcedente a acção e absolveu-se o Réu do pedido. Desta decisão veio a Autora interpor recurso de apelação na sequência do qual foi proferido acórdão da Relação no qual se decidiu julgar a apelação parcialmente procedente, por provada, alterando-se a matéria de facto, nos termos constantes do ponto 1.4. daquele acórdão, e revogando a sentença recorrida, que havia absolvido o R. de todo o pedido, a qual foi substituída pela decisão de condenar o R., AA, a pagar à Autora, Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., a quantia de 10.322,19 (dez mil, trezentos e vinte e dois euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, aplicável às obrigações civis (cfr. Portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril), contados desde 11 de agosto de 2016 e até integral pagamento, com a absolvição do Réu do pedido de pagamento de juros à taxa aplicável aos créditos de empresas comerciais. Inconformado com esta decisão, dela veio o Réu interpor recurso de Revista, concluindo do seguinte modo as suas alegações: 1) Vem o presente recurso interposto da Douto Acórdão que altera por completo, sem qualquer fundamento, e como devido respeito em plena violação à lei, a decisão proferida em 1.ª instância, alterando a matéria de facto dada como não provada para provada, como base em depoimentos de “ouvi dizer” sem qualquer fundamento e condena arbitrariamente o Réu sem sequer se ter demostrado a existência do daquele concreto acidente de viação. 2) Não podendo o recorrente concordar com tal Acórdão, nomeadamente com a condenação do recorrido no pedido formulado na petição Inicial por o tribunal “ quo” por entender não estar verificado a existência do acidente em si, e o autor do mesmo (se é que este houve) nem os pressupostos para o exercício do direito de regresso, já que, a seu ver, ele enferma de vários vícios, no que toca à matéria de Direito e padece de um conjunto de nulidades previstas no artigo 615.º al. c) e d) do C.P.C, conforme infra se invocarão. 3) Vêm os recorrentes impugnar, pois, a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, pelo Acórdão ser nulo, nulidade esta que desde já se invoca e se espera que venha a ser declarada e no que respeita à matéria de direito e à aplicação da lei processual, designadamente, quando faz errada aplicação do direito violando a lei substantiva e processual. 4) DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO: INEXISTÊNCIA DE DUPLA CONFORME: A decisão final proferida no Acórdão e que ora se recorre não confirmou a decisão proferida em 1.ª instância tendo alterado a matéria de facto dado por não provada por completo fundamentação o que levou a proferir uma decisão absolutamente diversa, tendo condenado o Reu. Ademais condena o Réu pelo simples facto deste ter apresentado uma taxa de alcoolémia de 0,68 sem se ter demostrado qualquer nexo de causalidade o que está claramente em contradição com a jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 6/2002 deste Douto Supremo Tribunal de Justiça, a qual se considera que está plenamente em vigor. 5) REVISTA EXCEPCIONAL: No entanto ainda que se entenda, o que só hipoteticamente se concebe, que a decisão e irrecorrível por efeitos do valor sempre estamos perante a possibilidade de recurso para este Venerando Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 672.º n.º 1, al. a), b) e c) dado estarem aqui em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância e segurança jurídica, e interesse social é claramente necessário para melhor aplicação do direito. 6) De facto conforme se verifica pela leitura do Acórdão, o tribunal da Relação procede à alteração da matéria de facto dada como não provada para provada violando claramente as regras das apreciação da prova baseando a alteração da mesma nos depoimentos de terceiros que o próprio Tribunal da Relação afirma que, tais terceiros (testemunhas) claramente não presenciaram qualquer acidente sabendo que o interveniente no alegado acidente (a criança) nunca sequer depôs nos presentes autos e nem sequer foi chamado. 7) Condena sobre uma presunção da existência um acidente que ninguém viu e não se fez prova da sua existência. De facto não se demonstrou se o mesmo existiu nem os moldes em que alegadamente o mesmo existiu e quem o praticou (a ter existido) só existem presunções não factos!! Nem sequer se demonstrou, factualmente, como e onde estava efectivamente a criança note-se, nomeadamente onde ocorreu realmente a lesão!! O Tribunal da Relação condena apenas e tão só porque o R. tinha uma taxa de alcoolémia 0,68 gramas por litro, como se esse facto por si só fosse sinal de culpa na existência de qualquer acidente, o que nenhum sentido faz!! E ainda acusa o R. de não ter tentando provar que não teve culpa no acidente quando tal prova este não poderia tentar fazer dado que ele sempre disse não ter atropelado ninguém e até demostrou que não o fez!! 8) Ora resulta claro que a forma como foi alterada a decisão proferida em primeira instância, com recurso à alteração da matéria de facto com violação da lei, fazendo despoletar um incerteza jurídica e um alarme social relacionado com condenações sem nexo de causalidade baseado em presunções assentes em depoimentos de ouvi dizer de testemunhas que nada viram, demostra que está aqui em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância e segurança jurídica, e interesse social é claramente necessário para melhor aplicação do direito e ainda par mais em clara contradição com vários acórdãos todos eles proferidos por este Supremo Tribunal de Justiça. 9) Pelo que, face ao caso em concreto, parece estarmos perante uma causa de particular relevância social e ainda, perante uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito ao que acresce o facto do Acórdão que ora se recorre estar em contradição com muitos outros, já transitado em julgado, proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. 10) Assim por tudo o supra expostos as questões das nulidades do Acórdão infra invocadas têm de ser necessariamente apreciadas por razões sociais, para uma melhor aplicação do direito e por haver contradição entre Acórdãos, por forma a continuar a ser assegurado por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça que são aplicados por todos os Tribunais, sem excepção, de forma exemplar os princípios basilares do direito, e que de forma alguma permitirão violação a princípios elementares como aqueles aqui violados no Acórdão de que ora se recorre. 11) DA ALTERAÇÃO À MATERIA DE FACTO NÃO PROVADA – VIOLAÇÃO DA LEI PROCESSUAL veio o tribunal da Relação de Lisboa alterar a matéria de facto não provada pra provada tendo dado como provada a seguinte matéria (a qual serviu pra alterar a sentença para uma condenação) «2-A. Na ocasião referida em 2, o veículo “UI”, conduzido pelo R., ao chegar sensivelmente junto ao n.º 1 dessa Rua 1, em Vila Nova da Rainha, embateu na perna esquerda do peão BB». «2-B. Do qual resultaram ferimentos no peão, BB, nomeadamente os referidos em 9». 12) Para alterar a matéria de facto dada como não provada em 1.ª instância o Tribunal da Relação de Lisboa baseou-se tão só nos depoimentos de CC e DD, pai e tio da criança respectivamente. 13) Ora a fundamentação do Tribunal da Relação começa logo por dizer “(…) temos de reconhecer que existiriam efetivamente algumas incongruências pontuais nos depoimentos das testemunhas CC e DD, que revelaram alguma tendência para efabular alguma da factualidade (…)” Acrescenta que é “(…) verdade que o pai da criança trocou a marca do carro, dizendo inicialmente que era um Peugeot, mas depois corrigindo para Ford, que era efetivamente a marca do carro que era conduzido pelo R.. (…)” esquecendo-se que o tribunal da primeira instância na sua fundamentação foi claro em referir na fundamentação da matéria de facto não provada, e que consta do depoimento gravado que o pai da criança: “afirmou, com certeza tratar-se de um peugeot azul-escuro, mas após a pausa para o almoço ao início da sessão da tarde, já disse tratar-se de um Ford (acrescentando que o sobrinho bem lhe disse que era um Ford) e de manhã estar na dúvida, o que, todavia, nessa ocasião não evidenciou.” 14) Afirma que não existe dúvida que o veículo do R. passou na rua em causa, quando tal facto sempre foi admitido pelo R., o que é dito é que este não atropelou ninguém, porque não atropelou!! E acrescenta que o que “(…) existe é dúvida sobre o facto de a criança se encontrar sentada no passeio, com as pernas para a via, quando ocorreu o alegado sinistro, porque o R. sempre afirmou que não se apercebeu que tivesse embatido na vítima nesse lugar e nesse momento. (…)” Tendo o Tribunal da Relação de Lisboa sanado essas dúvidas desta forma: “ (…) apesar do que foi dito pelas testemunhas CC e DD, pareceu-nos muito claro que nenhum dos dois estava a olhar para a criança no momento do alegado embate. Estas testemunhas só se aperceberem do sinistro quando a criança começou a chorar e a queixar-se que tinha sido embatida pelo carro, tendo a sua reação sido no sentido de tentarem apanhar o veículo que, do seu ponto de vista, parecia estar em fuga. Daqui decorre que estas testemunhas não sabiam se a criança estava sentada no passeio com as pernas para a via, porque não viram esse facto. (…)” Acrescentam “apesar de tudo o exposto, não há a mínima dúvida que a criança foi embatida na perna esquerda (…) 15) Ora perguntam-se donde resulta provado nos autos que tal embate se deu naquele local e hora!! E não noutro!! Alias estranho é ter havido tal suposto embate e a criança ter sido retirada do local!! Mais criança, única com conhecimento directo dos factos, actualmente já com 14 anos, não depôs!! Resulta claro que nem o pai da criança nem o tio da criança viram qualquer sinistro!! O que resulta dos autos é que eles, pai e tio da criança, testemunhas nos autos, dizem que foi assim (porque lhes convém) !! Nada mais!! A criança, o alegado sinistrado, não depôs, e podia e devia o ter feito, para dizer ao tribunal onde efectivamente se magoou!! 16) Note-se que o Tribunal da Relação de Lisboa refere: (…)”A imagem transmitida pelas testemunhas CC e DD, de que a criança estava sentada no passeio, com as pernas para a via, e que o carro conduzido pelo R. teria passado por cima das pernas (de ambas!), provocando que apenas uma delas tivesse tido uma fratura exposta, é claramente uma efabulação. Trata-se duma recriação imaginária de factos que não foram efetivamente visualizados por essas testemunhas. Isso é claro, porque, por um lado, como já dissemos, ficou evidenciado que as duas testemunhas, apesar de se encontrarem no local, não viram o acidente, tendo-se apenas apercebido dele depois da criança ter começado a chorar e a queixar-se que teria sido atingido pelo carro. Por outro, porque a demais prova transmite-nos uma imagem diferente relativa a esses pormenores.(…)” 17) Ora não existe demais prova da existência do alegado acidente!! Ninguém viu o alegado acidente!! Apenas viram um veículo ao fundo da rua!! Longe!! Apenas existe prova de uma lesão na perna da criança!! E estes é que são os factos!! E o facto do INML não declinar o nexo causal não significa de todo que foi aquela viatura, que foi naquele local, que foi naquela hora e muito menos que foi o R. Não existe uma fragilidade nos depoimentos ao contrário do que o Tribunal da Relação de Lisboa afirma!! Está demostrado que as testemunhas nada viram!! E apenas dizem o que ouviram dizer da boca (alegadamente) da boa da criança. 18) Na Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8) anuncia-se que “[f]ora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito” (art.º 46.º). Com efeito, estipula o n.º 3 do art.º 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. 19) À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC. 20) Segundo o n.º 4 do art.º 607.º, “a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”. 21) Segundo o n.º 5 do mesmo artigo (art.º 607.º), “[o] juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. 22) O juiz fixará os factos de acordo com a convicção que extrair da prova produzida, analisada de forma racional e lógica, atendendo à qualidade e credibilidade dos meios probatórios apresentados no processo. No espaço que caiba ao princípio da livre apreciação (isto é, não condicionado por provas tarifadas), em que se enquadra a prova testemunhal (art.º 396.º do CC), as declarações de parte (art.º 466.º n.º 3 do CPC) e a prova pericial (art.º 389.º do CC), a convicção do juiz assentará em regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª edição, 1997, Lex, p. 347). 23) Na apreciação dos factos o juiz não pode refugiar-se num non liquet (art.º 8.º n.º 1 CC). Em caso de dúvida acerca da realidade de um facto, o juiz decidirá contra aquele sobre quem recair o ónus da prova desse facto (art.º 414.º do CPC). Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ. 24) O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogicidade ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc.nº.5396/18.5T8STB-A.E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º212/15.2T8BRG-B.G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1). 25) O que claramente ocorreu pelos fundamentos supra expostos para os quais se remete. É claro que o raciocínio da Relação além de ofender normas legais, padece de evidente ilogicidade e assenta em factos não provados dado que não está provado onde aconteceram as lesões efectivamente, e quem as fez as lesões ao menor! 26) Consequentemente, a matéria constante da al. 2-A) e 2-b) da matéria dada como provada deve passar a constar do elenco factual da não provada como estava. A Relação, ao ajuizar conforme supra exposto, desrespeito as normas legais que definem a força probatória de determinados meios de prova, ou que exigem, para certos factos, prova tarifada, ou pressupõem a ilogicidade do raciocínio e a existência de base factual para a dedução de factos. Os factos que a Relação, modificando a decisão de facto, deu como provados, não assentam em qualquer prova seja esta de que teor for. 27) A Relação apesar de admitir que as testemunhas nada viram, e que não são credíveis assenta nos seu depoimento a condenação do R. porque essas mesmas testemunhas não credíveis disseram que a criança alegadamente disse!! Facto que não se provou !! Este raciocinio não tem qualquer lógica e é assente em factos não provados. Não resulta provado como ocorreu o alegado acidente!! Tal facto tem de ser provado para haver direito de regresso por parte da companhia. Nem se sabe como ocorreu o alegado acidente!! Como estava a criança como se pode atribuir a culpa ao R. 28) Pelo que deverá voltar a constar da matéria de facto não provada, o que desde já se requer, que: a) Na ocasião referida em 2, o veículo “UI”, conduzido pelo R., ao chegar sensivelmente junto ao n.º 1 dessa Rua 1, em Vila Nova da Rainha, embateu na perna esquerda do peão BB». b) Do qual resultaram ferimentos no peão, BB, nomeadamente os referidos em 9». 29) Os pressupostos cumulativos do direito de regresso previsto no art.º 27º nº1-c) do DL nº 291/2007, são a responsabilidade civil subjetiva do condutor responsável e a condução com TAS superior à legalmente permitida, deste facto se inferindo (presumindo) ex vi legis que o condutor está sob a influência do álcool… 30) A actuação daquele é passível de um juízo de dupla ilicitude manifestada na violação de direitos subjectivos alheios (responsabilidade civil propriamente dita) e na condução com TAS superior à legalmente permitida. 31) Não se provou a actuação do R. 32) Ora como bem referiu a sentença da 1.ª instância com a qual se concorda na íntegra, “A pretensão indemnizatória formulada pela autora nos presentes autos, em sede de direito de regresso, insere-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual, delitual ou por facto ilícito, emergente de acidente de viação. 33) Sob a epígrafe «direito de regresso da empresa de seguros», estabelece o artigo 27.º do D.L. n.º 291/2007, de 21 de agosto, no que ao caso importa, no seu n.º 1, que «satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos» - cf. al. c). Enquanto factualidade constitutiva do direito que se arroga, recai sobre a autora o respetivo ónus de alegação e de prova (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil). 34) Vertendo ao caso, embora esteja demonstrado nos factos que BB apresentava, na data do evento que se discute, lesões corporais e que as mesmas são compatíveis com o embate de um veículo automóvel ligeiro num peão, isto é, com um atropelamento, assim como que a autora suportou quantias relativas aos seus tratamentos e que o réu, no momento em que foi submetido ao teste de pesquisa apresentava uma TAS de 0,68 gramas por litro, não se provou que tivesse efetivamente ocorrido tal embate, nem que tivesse sido o veículo conduzido pelo autor a produzi-lo, e, consequentemente causado as referidas lesões, como vinha alegado. Assim, não oferece dúvida, em face da matéria de facto provada e não provada, que não se apuraram factos que permitam concluir pela verificação dos pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual do réu de que emirja o direito de regresso que a autora pretende fazer valer. 35) Pelo que ao decidir como decidiu violou o Tribunal “a quo” o disposto no artigos, 662.º, 607.º, 663.º, 682.º, 674.º n.º 1 al. c) e 615.º n.º 1 al. c) e d) todos do C.P.C. e artigo 8.º e 396.º, 3932.º, 483.º, 562.º e 563.º todos do Código Civil. Quanto à Ré, Fidelidade S.A. a mesma concluiu as suas contra alegações do seguinte modo: A) O Recorrente questiona a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, alegando erro na apreciação dos depoimentos testemunhais, e “sem qualquer fundamento e condena arbitrariamente o Réu sem sequer se ter demostrado a existência do daquele concreto acidente de viação.” (sublinhado nosso). B) O Recorrente ao interpor o Recurso de Revista, não tem em consideração os pressupostos do valor da acção, e da sucumbência. C) Contudo, atento o valor da acção fixado em €10.322,19 (dez mil trezentos e vinte e dois euros e dezanove cêntimos)., fixação que teve lugar no despacho saneador proferido em sede de audiência prévia realizada no dia 11 de janeiro de 2019, não se verifica, nem o pressuposto do valor da acção, nem a sucumbência, e não tem por fundamento nenhum dos casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 629.º, do Código de Processo Civil. D) Deste modo, e porquanto se trata de critério meramente aritmético, que o douto Acórdão proferido não é suscetível de recurso de revista, pelo que não deve ser admitido o recurso interposto pelo Réu/recorrente. E) Acresce, que o presente recursa visa a matéria de facto e, por isso, viola o artigo 674.º do Código de Processo Civil. F) Conforme consta do dispositivo do douto Acórdão, os Venerandos Desembargadores, tiveram o especial cuidado na sua tomada de posição, tanto mais que fazem constar expressamente, “Apreciando, depois de ouvirmos integralmente toda a prova gravada.”, pelo que se refuta por completo, o argumento do Recorrente, quando refere que o douto Acórdão “sem qualquer fundamento e condena arbitrariamente”. G) O Recorrente apenas pretende, alterar a matéria de facto, e para isso, pondo em crise total, o princípio basilar, da livre apreciação da prova, utilizados pelos Venerandos Desembargadores. H) Não pode o Recorrente, simplesmente alegar que “É claro que o raciocínio da Relação além de ofender normas legais, padece de evidente ilogicidade e assenta em factos não provados” (Ponto 25 das Conclusões das Alegações). I) Porquanto, tem em consideração depoimentos de testemunhas, alegadamente “não credíveis”. J) Todavia, e como bem referem os Venerandos Desembargadores “Ouvida a gravação do julgamento na sua integralidade, fica-se com a impressão que se pretendeu sustentar a dúvida sobre a ocorrência destes factos somente na consideração de que as testemunhas, CC e DD, teriam determinada etnia, tinham alguma dificuldade de expressão e uma tentação natural para a alguma efabulação de pormenores que lhe eram perguntados. No entanto, estas razões, no contexto integral da prova produzida não são suficientemente justificativas para descredibilizar totalmente os seus depoimentos.” K) Daí se conclui, que bem andaram os Venerandos Desembargadores, ao terem em consideração, todas as particulares e especificidades do caso concreto, munidos do princípio da livre apreciação da prova. F) Dos elementos carreados no processo, nomeadamente a prova documental e testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, ficou provado que “Na ocasião referida em 2, o veículo «UI», conduzido pelo réu, ao chegar sensivelmente junto ao número de polícia 1, encontrava-se sentado no passeio o peão, BB, com as pernas para a via. Do qual resultaram, ferimentos no peão, BB, nomeadamente os referidos em 9. “ Ora, o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto instância superior, possui competência exclusiva para examinar questões de direito, não podendo, agora, ser chamado a reavaliar os factos apurados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, exceto se tivesse em causa alguma ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que, em momento algum, sucede nesta sede. G) Bem andou, pois o douto Acórdão recorrido ao revogar a decisão proferida em 1ª Instância, que havia absolvido o R. de todo o pedido, a qual foi substituída pela decisão de condenar o R., AA, a pagar à A., Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., a quantia de 10.322,19 (dez mil, trezentos e vinte e dois euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, aplicável às obrigações civis (cfr. Portaria n.º 291/2003 de 8 de Abril), contados desde 11 de agosto de 2016 e até integral pagamento, absolvendo-se o R. apenas do pedido de pagamento de juros à taxa aplicável aos créditos de empresas comerciais. H) O recurso interposto pelo Recorrente deve ser julgado improcedente, com a confirmação da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Termos em que, A) Deverá ser rejeitado o recurso, por inadmissibilidade; Não sendo esse o entendimento desse Colendo Tribunal, B) Deverá o recurso do Recorrente ser julgado improcedente, por manifestamente infundado. * Voltando à questão da admissibilidade do recurso de Revista aqui interposto e, reavaliando o que ficou consignado na decisão sumária que agora se questiona: Como se verifica da leitura mais atenta das alegações de recurso, nesta o réu/recorrente vem interpor a presente revista invocando uma multiplicidade de fundamentos, quer por via da revista normal quer por via da revista excepcional. Apesar disso, a verdade é que relativamente a todos eles se impõe começar por apreciar se estão (ou não) verificados no caso os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso. Vejamos, pois: O acesso à revista - quer normal, quer excepcional - não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente os relacionados com a natureza e conteúdo da decisão (art.º 671°), valor do processo ou da sucumbência (art.º 629°, n° 1), legitimidade (art.º 631°) e tempestividade (art.º 638°). O valor da acção está fixado em 10.322,19 €, ou seja em valor inferior ao valor da alçada da Relação, o que nos termos previstos no nº1 do art.º 629º do CPC e por si só poderia inviabilizar a admissibilidade da revista. Mas existem situações há em que a revista é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência. E que tais situações são nomeadamente as que estão expressamente previstas no art.º 629º, nº2, alínea c), norma no âmbito da qual estão em causa decisões proferidas no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça. Assim nestes casos, seja qual for o valor da causa ou da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação ou para o Supremo, ainda que circunscrito ao específico fundamento nele previsto. Mais, nas situações ali previstas, o recurso de revista nem sequer é condicionado pela eventual verificação de uma situação de dupla conforme, nos termos do art.º 671º, nº3 (neste sentido. cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código Civil Anotado, Vol. I., pág.735). No entendimento do réu/recorrente é aplicável ao caso o disposto na referida norma já que a decisão proferida pela Relação está em clara contradição com a jurisprudência fixada pelo AUJ nº 6/2002 de 18 de Julho (contradição esta que como se verifica a Relação acabou por corrigir para o AUJ nº6/2007). Vejamos, pois, se tal contradição se verifica de facto. Estabelece-se no art.º 629º, nº2, c), do CPC que, “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso das decisões proferidas no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.” Neste âmbito é pois necessária a verificação dos seguintes pressupostos: A identidade da questão de direito, a oposição frontal entre as decisões, a identidade substancial do quadro normativo e a essencialidade da questão sob controvérsia. A propósito destes pressupostos, o que vem sendo entendido quer pela doutrina quer pela jurisprudência é o seguinte: Deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão de direito que foi objecto de uniformização jurisprudencial e a que foi objecto da decisão recorrida; É necessário que na decisão recorrida se tenha optado por uma resposta diversa da que foi assumida no AUJ, não se exigindo que se trate de uma contradição absoluta quanto à decisão com efeitos uniformizadores, bastando que esta não tenha sido inteiramente acolhida; A divergência deve verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico, sendo que na especificação da identidade substancial devem ter-se por abrangidas as situações em que tenha havido modificação formal ou substituição da norma, mantendo-se, contudo, o mesmo regime material. Por fim, exige-se que a questão de direito sob controvérsia deve revelar-se essencial para o resultado obtido numa e noutra das decisões. Ora nos autos e como se deixou antever no que a propósito da aplicação ao caso do entendimento consagrado no AUJ 6/2002, ficou consignado no acórdão recorrido, não está verificado o requisito da identidade substancial do quadro normativo no âmbito do qual foram proferidas uma e outra das decisões em “confronto”. Deste modo e concretizando o acabado de referir, passamos a transcrever o seguinte segmento do acórdão da Relação que sintetiza tudo o que anteriormente e de forma muito assertiva, foi sendo referido na mesma decisão: “Em suma, existem argumentos de autoridade que nos permitem concluir que o art.º 27.º n.º 1 al. c) do Dec. Lei n.º 291/2007 de 21/8 alterou efetivamente os pressupostos legais em que assentou o AUJ n.º 6/2002, o qual assim se mostra caducado, sendo que literalidade daquele mencionado preceito, conjugado com a muito provável intenção do legislador de alterar a lei nesse sentido, permite concluir que atualmente o direito de regresso da seguradora contra o condutor do veículo por si segurado, passou a dispensar a prova da existência da relação de causalidade entre o efeito do álcool na condução e o consequente acidente que obrigou à reparação dos danos ao lesado, sendo essa a orientação largamente maioritária no Supremo Tribunal de Justiça.”. Aliás, no mesmo sentido vai o que ficou dito na decisão que em conferência decidiu a reclamação interposta pelo réu/recorrente quando foi notificado do acórdão que é objecto do presente recurso e que foi, recorde-se, o seguinte: “Quanto à al. c) do n.º 2 do art.º 629.º, temos de reconhecer que o acórdão aqui pretendido recorrer não aplicou, por decisão explícita, o AUJ n.º 6/2007. Mas essa não aplicação foi sustentada na verificação duma alteração legislativa que determinou a caducidade daquela jurisprudência assim uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do art.º 19.º al. c) do Dec. Lei n.º 522/85 de 31/12, pois esta última norma veio a ser revogada pelo art.º 27.º n.º 1 al. c) do Dec. Lei n.º 292/2007 de 21 de agosto, que era o diploma legal aplicável ao caso concreto. Mais, essa apreciação, sobre a não aplicação ao caso do AUJ n.º 6/2007, é coerente com o que vem sendo decidido pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça, como ficou explicitado no acórdão do Tribunal da Relação aqui pretendido por em crise. “ Em conclusão, não estando verificada a identidade substancial do quadro normativo que é exigida pelo art.º 629º, nº2, alínea c) do CPC, não pode pois o recurso ser admitido pela via normal, tendo designadamente por base o fundamento específico de recorribilidade que acabamos de analisar. E podemos desde já dizer, que o recurso também não pode ser admitido pela via excepcional que o réu/recorrente também veio invocar. Se não vejamos: A revista excepcional prevista no art.º 672º do CPC tem por fim exclusivo permitir o recurso nos casos em que ocorre a dupla conforme, ultrapassando assim a limitação decorrente do disposto no nº3 do artigo 671º do CPC. Ora nos autos não estamos perante uma situação em que se verifica dupla conforme o que tornaria inviável o recurso através da via excepcional. No entanto, a verdade é que nos autos o obstáculo que existe é outro bem diferente e prévio. A revista excepcional não configura uma nova ou autónoma espécie de recurso, continuando a inserir-se no recurso ordinário de revista, apenas com a admissibilidade condicionada à verificação de certos pressupostos específicos, a avaliar pela formação de juízes a que se refere o nº3 do artigo 672º. Ou seja, é aceite por todos que o acesso à revista, seja normal, seja excepcional, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, designadamente o que se reporta ao valor do processo e à sucumbência – esta que, como vimos, está no caso dos autos aquém do limite mínimo definido para o recurso ao Supremo. Deste modo, não estando preenchidos os pressupostos ou requisitos gerais da revista comum ou normal, obviamente que não é possível a revista excepcional. Em conclusão, não se admitindo a revista normal por razões que extravasam da dupla conforme (a rejeição teve a ver com a medida da sucumbência – art.º 629º, nº1 CPC), fica afastada a possibilidade de revista excepcional – revista excepcional esta que, repete-se, nunca seria também admissível no caso, precisamente por também se não verificar o pressuposto da dupla conforme. Nestes termos, só resta pois concluir pela inadmissibilidade do recurso aqui interposto pelo réu/recorrente. * III. Decisão: Pelo exposto e ainda que com fundamentos diversos dos que constam da decisão sumária, decide-se pela improcedência da presente reclamação, não se admitindo a revista interposta. * Custas a cargo do réu/reclamante (art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC). * Notifique. Lisboa, 27 de Novembro de 2025 Relator: Carlos Portela 1ª Adjunta: Ana Paula Lobo 2ª Adjunta: Catarina Serra |