Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
| Descritores: | COMPROMISSO ARBITRAL CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA COMPETÊNCIA PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL | ||
| Nº do Documento: | SJ200510040022226 | ||
| Data do Acordão: | 10/04/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 9596/04 | ||
| Data: | 03/03/2005 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Sumário : | I - Os tribunais arbitrais podem ser necessários ou voluntários. II - A convenção de arbitragem designa-se "compromisso arbitral", quando respeita a um litígio actual e "cláusula compromissória", quando se reporta a litígios eventuais, emergentes de uma determinada relação jurídica, contratual ou extracontratual. III - Pode ser objecto de uma convenção de arbitragem todo o litígio que não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária e que não respeite a direitos indisponíveis. IV - A competência convencionalmente atribuída ao tribunal arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com a do tribunal legalmente competente. V - A preterição de tribunal arbitral voluntário resulta da infracção da competência convencional de um tribunal arbitral que tem competência para apreciar determinado objecto, de tal modo que seja instaurada num tribunal comum uma acção que devia ser proposta num tribunal convencionado pelas partes. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 30-9-02, A instaurou a presente acção ordinária contra a ré "B", L.da, com fundamento nos factos invocados na petição inicial, pedindo a condenação da ré a indemnizar o autor: a) - pelos danos patrimoniais directamente decorrentes do não cumprimento da ordem de venda das 1.000 acções da PT Multimédia, requerendo o autor que a indemnização tenha como critério o valor da diferença entre 80.000 euros (80 euros x 1.000 acções) e o valor total de 1.000 acções da Pt Multimédia de acordo com a sua cotação no fecho da sessão da bolsa do dia anterior àquele em que vier a ser proferida sentença, acrescido de juros à taxa supletiva legal desde 3 de Maio de 2000 até efectivo pagamento; b) - pelo valor despendido com as consultas médicas para tratamento dos danos psicológicos e/ ou psiquiátricos emergentes do não cumprimento da ordem de venda de 1.000 da Pt Multimédia, tanto as já realizadas, no montante de 1.320 euros, acrescida de juros à taxa supletiva legal desde a citação da ré até efectivo pagamento, bem como quaisquer outras consultas, despesas com tratamentos ou medicamentos que venham a ocorrer; c) - pelos danos causados na sua saúde, personalidade e qualidade de vida, os quais não poderão ser justamente indemnizados por quantia inferior a 15.000 euros, ou quantia superior, se sobrevirem danos superiores aos aqui já identificados, acrescida de juros à taxa supletiva legal, desde a citação da ré e até efectivo pagamento: A ré contestou. Invocou a excepção dilatória da violação da cláusula compromissória atributiva de competência exclusiva a um tribunal arbitral, com a consequente declaração de incompetência em razão da matéria dos tribunais comuns. No caso de improcedência de tal excepção, pediu a improcedência da acção. Houve réplica. No despacho saneador, foi proferida decisão que julgou procedente a invocada excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário, sendo a ré absolvida da instância. Agravou o autor, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 3-3-05, negou provimento ao agravo e confirmou a decisão recorrida. Continuando inconformado, o autor recorreu de agravo para este Supremo, onde resumidamente conclui: 1 - O tribunal recorrido considerou (e bem) que ao referido contrato é aplicável o regime da Cláusulas Contratuais Gerais do dec-lei 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo dec-lei 220/95, de 31 de Janeiro 2 - Sob o nº7 do elenco dos factos provados, foi considerado provado que " a ré comunicou, na íntegra, as cláusulas do contrato em análise, de modo claro e com antecedência, por forma a tornar possível ao autor o conhecimento completo e efectivo das mesmas. " 3 - Tal matéria deve ser considerada não escrita, por consubstanciar afirmações de natureza conclusiva e valorativa, que inclusivamente reproduzem o disposto no art. 5, nºs 1 e 2 do dec-lei 446/85. 4 - E não tendo sido feita prova, pela ré, da comunicação adequada e efectiva daquelas cláusulas, devem elas ter-se por excluídas do contrato, nos termos do art. 8, al. a), do dec-lei 446/85. 5 - Os contratos sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais e celebrados no âmbito de relações com consumidores finais podem prever a possibilidade de intervenção de um tribunal arbitral, para resolução de conflitos entre as partes, mas não podem atribuir competência exclusiva a um tribunal arbitral, sob pena da respectiva cláusula ser nula, por limitar ou excluir a possibilidade de tutela jurisdicional. 6 - Prevendo a competência exclusiva de um tribunal arbitral, a cláusula 11º do questionado contrato é nula, nos termos dos arts 12 e 21, al. h) do dec-lei 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo dec-lei 220/95, de 31 de Janeiro. 7 - Sendo nula a referida cláusula, as regras gerais aplicáveis ao presente pleito determinam a competência dos tribunais comuns para apreciarem o presente recurso. A ré contra-alegou em defesa do julgado. Corridos os vistos, cumpre decidir: A Relação considerou provados os factos seguintes: 1 - Por escrito particular, datado de 12-12-99, que constitui documento de fls 114 a 117), intitulado "contrato de prestação de serviços de corretagem ", as partes acordaram que a ré , mediante contrapartida pecuniária, a cargo do autor, interviria por este nas operações de mercado, nacional ou estrangeiro, de capitais, relativamente aos valores mobiliários, de acordo com as instruções do autor. 2 - Nos termos da cláusula 11ª do referido contrato consta, em letra de tipo "times new roman ", tamanho 12 , o seguinte: " (...) Todas as interpretações e integração de lacunas e resolução de conflitos, resultantes do presente contrato, serão da competência exclusiva de um Tribunal Arbitral, a constituir nos termos previstos no Capítulo II, da Lei 31/86, de 29 de Agosto. O referido Tribunal funcionará em Lisboa e julgará de acordo com a legislação portuguesa, observando-se a forma de processo ordinário (...) ". 3 - O escrito referido no anterior nº1 foi elaborado pela ré, sem prévia negociação com o autor. 4 - O mesmo escrito é igual aos que a ré usa para serem assinados por todos aqueles que pretendem ser seus clientes. 5 - Aquando da entrega daquele escrito, a ré disse ao autor que o texto daquele documento não podia ser alterado e a sua assinatura era indispensável para que o autor pudesse ser cliente da ré. 6 - O autor limitou-se a assinar o referido contrato. 7 - A ré comunicou ao autor, na íntegra, as cláusulas do contrato em análise, de modo claro e com antecedência, por forma a tornar possível ao autor o conhecimento completo e efectivo das mesmas. 8 - A ré disponibilizou-se a prestar ao autor todos o esclarecimentos necessários acerca das cláusulas do acordo. São duas as questões a decidir: 1- Se matéria do nº7 do elenco dos factos provados deve ser considerada não escrita, por ser conclusiva. 2- Se a cláusula 11ª do ajuizado contrato, na parte aqui em discussão, deve ser considerada nula, nos termos dos arts.12 e 21, al. h) do dec-lei 445/86, por atribuir competência exclusiva a um tribunal arbitral para a resolução dos conflitos, surgidos entre partes e decorrentes do presente contrato. O recorrente carece de razão em qualquer das questões postas, como se vai evidenciar. 1. Matéria do nº7 dos factos provados: No nº7 da elenco da factualidade assente, foi julgado provado o seguinte: "A ré comunicou ao autor, na íntegra, as cláusulas do contrato em análise, de modo claro e com antecedência, por forma a tornar possível ao autor o conhecimento completo e efectivo das mesmas ". E, através do art. 8 do elenco dos factos provados, apurou-se que "a ré se disponibilizou a prestar ao autor todos esclarecimentos necessários acerca das cláusulas do acordo ". Como bem se observa no Acórdão recorrido, a distinção entre factos e conclusões ou entre matéria de facto e matéria de direito nem sempre é fácil de estabelecer, até porque há situações que assumem natureza híbrida. Sobre os factos pode produzir-se prova e, designadamente, podem ser inquiridas as testemunhas que deles tenham conhecimento. As conclusões são ilações que podem ser extraídas pelo tribunal, na sequência da alegação e prova de determinada factualidade. Saber se a ré comunicou ou não ao autor o teor das cláusulas e em que condições, se foram ou não prestados esclarecimentos sobre elas, são factos apreensíveis directamente por qualquer pessoa que os tenha ou possa ter presenciado. Daí que tais factos não tenham natureza meramente conclusiva e que, por isso, a resposta constante do aludido ponto 7. não possa ser considerada não escrita. De resto, verifica-se pelo despacho de fundamentação dos factos provados de fls 331 e segs, que sobre a matéria foram inquiridas três testemunhas, que descreveram a forma como habitualmente era feita a comunicação das cláusulas constantes do contrato tipo proposto ao recorrente: leitura das cláusulas em conjunto com os clientes; cedência prévia de cópias para que levassem para casa, lessem melhor e reflectissem; assinatura do contrato feita em acto posterior, quando os clientes regressassem aos escritórios da ré. Tal prova, que não foi abalada por qualquer outra produzida pelo autor e que a contrariasse, levou as instâncias a concluir que, no caso concreto, foi respeitado o padrão de celebração do tipo negocial em questão, aplicável a todos os clientes. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo nos casos especiais do art. 722, nº2, do C.P.C., que aqui não ocorrem. Não se mostra violado o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas contratuais a que se refere o art. 5 do dec-lei 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo dec-lei 220/95, de 31 de Janeiro, nem o dever de informação a que alude o art. 6 do mesmo diploma. 2. A cláusula compromissória: Na cláusula 11 do ajuizado contrato de prestação de serviços de corretagem, as partes acordaram: " (...) Todas as interpretações e resolução de conflitos resultantes do presente contrato serão da competência exclusiva de um tribunal arbitral a constituir nos termos previstos no Capítulo II, da Lei 31/86, de 29 de Agosto.O referido tribunal funcionará em Lisboa e julgará de acordo com a legislação portuguesa, observando-se a forma de processo ordinário (...) ". Por sua vez, o art. 21, al. h) do citado dec-lei 446/85, considera absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que: "Excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contraentes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimentos estabelecidos na lei ". O recorrente sustenta que os contratos sujeitos ao regime de cláusulas contratuais gerais, celebrados no âmbito de relações com consumidores finais, podem prever a possibilidade de intervenção de um tribunal arbitral para resolução de conflitos entre as partes, mas não podem atribuir a competência exclusiva a um tribunal arbitral, sob pena da respectiva cláusula ser nula, por limitar ou excluir a possibilidade de tutela jurisdicional. Mas não é assim. Há que interpretar devidamente o conteúdo do citado art. 21, al. h) do dec-lei 446/85. Analisando o texto da referida cláusula, facilmente se constata que ela é composta por duas orações, ligadas pela conjunção " ou ". A expressão "ou " é uma conjunção disjuntiva, que indica uma alternativa. Assim, o texto do mencionado art. 21, al. h) contempla três situações distintas: - cláusulas que excluam de antemão a possibilidade de requerer a tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes; - cláusulas que limitem de antemão a possibilidade de requerer a tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes: - cláusulas que prevejam as modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei. Por isso, o que tal alínea pretende evitar é que uma das partes em litígio impeça a outra de recorrer às instância judiciais, sempre que elas, à partida, não tenham validamente estabelecido o recurso exclusivo ao tribunal arbitral. Acresce que o regime das cláusulas contratuais gerais não pode ser analisado fora do contexto do ordenamento jurídico português, designadamente do preceituado na Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 31/86, de 29 de Agosto ). Os tribunais podem ser estaduais ou arbitrais. São tribunais estaduais aqueles que se integram na organização judiciária do Estado. Os tribunais arbitrais são tribunais não estaduais, compostos por Juízes não profissionais - art. 209, nº2, da C:R.P. Os tribunais arbitrais podem ser necessários ou voluntários. Os tribunais arbitrais necessários são impostos por lei para o julgamento de determinadas questões - arts 1525 a 1528 do C.P.C. Os tribunais arbitrais voluntários são instituídos pela vontade das partes, através de uma convenção de arbitragem - art. 1º, nº1, da Lei 31/86. Esta convenção designa-se compromisso arbitral, quando respeita a um litígio actual, ou cláusula compromissória, quando se reporta a litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual - art. 1, nº2, da Lei 31/86. Pode ser objecto de uma convenção de arbitragem todo o litígio que não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária e que não respeite a direitos indisponíveis - art. 1, nº1, da mesma Lei 31/86. A competência convencionalmente atribuída ao tribunal arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com a do tribunal legalmente competente. Mas não é frequente que a competência atribuída ao tribunal arbitral seja concorrente com a do tribunal legalmente competente (Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, 1994, pág. 102). A preterição de tribunal arbitral voluntário resulta da infracção da competência convencional de um tribunal arbitral que tem competência exclusiva para apreciar determinado objecto, de tal modo que seja instaurada num tribunal comum uma acção que devia ser proposta num tribunal arbitral convencionado pelas partes (Miguel Teixeira de Sousa, Obra citada, págs. 133/134). No nosso caso concreto, a situação não está submetida por lei especial exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, nem não estamos perante direitos indisponíveis. Daí que seja totalmente válido o estabelecimento, entre as partes, de uma cláusula compromissória. A ajuizada cláusula só poderia entender-se como absolutamente proibida se não assegurasse as garantias de procedimento previstas na lei, o que não é o caso, na medida em que consta da cláusula contratual em análise que os eventuais litígios serão julgados de acordo com a lei portuguesa e com observância da forma de processo ordinário, incluindo as naturais garantias de defesa e de exercício do contraditório. Assim, pode concluir-se pela validade e eficácia da cláusula 11ª do mencionado contrato de prestação de serviços, no que se refere à atribuição de competência exclusiva a um tribunal arbitral para resolução dos conflitos decorrentes do mesmo contrato. Termos em que negam provimento ao agravo e confirmam o Acórdão recorrido. Custas pelo recorrente. Lisboa, 4 de Outubro de 2005 Azevedo Ramos, Silva Salazar, Ponce Leão. |