Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
| Descritores: | REGISTO PREDIAL QUESITOS NULIDADE DE ACÓRDÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ200802120551 | ||
| Data do Acordão: | 02/12/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE | ||
| Sumário : | 1. A nulidade da alínea c) do n.º 1do artigo 668.º do Código de Processo Civil traduz-se num vício de raciocínio consistente na afirmação conclusiva não resultante do assente nas premissas do silogismo judiciário. 2. Aquando da selecção de factos a quesitar, no momento do artigo 511.º do Código de Processo Civil terá de atentar-se no “distinguo” entre facto, direito e conclusão, acolhendo, apenas, o facto simples e arredando da base instrutória os conceitos de direito – salvo as que transitaram para a linguagem corrente, por assimiladas pelo cidadão comum por corresponder a um facto concreto – e conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas. 3. Se o quesito integra uma mera conclusão que decide de imediato a lide, a sua resposta cai no âmbito do n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil devendo ter-se por não escrito. 4. Se o quesito é conclusivo ou contém matéria de direito, é irrelevante que a resposta afaste esses conceitos sendo de não a aproveitar e tudo se passando como se, essa matéria, não tivesse sido incluída na base instrutória. 5. A presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial não abrange a descrição física do prédio mas, apenas, os factos inscritos. 6. Porém, a descrição terá de conter um núcleo essencial indispensável à identificação do prédio sob pena de não se saber, exactamente, sobre que coisa incide o facto jurídico inscrito. 7. Reconhecendo a não inclusão na presunção de certos elementos não essenciais – confrontações, limites precisos, áreas exactas, identificações fiscais –esta terá de abranger alguns elementos acessórios que importam para uma identificação do prédio no seu confronto com prédios confinantes. 8. E assim relevará a inclusão de logradouro, ou a existência de outro espaço descoberto, ainda que sem precisa dimensão | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na Comarca de Almeida, AA intentou acção, com processo sumário, contra BB e sua mulher CC pedindo, nuclearmente, que seja declarada dona do prédio identificado no petitório, incluindo todos os espaços descobertos; que se declarem os Réus donos do prédio apenas constituído por área coberta; que sejam condenados à não utilização do logradouro senão para acederem ao seu prédio; e a condenação a indemnizá-la com 3.600,00 euros por danos patrimoniais e não patrimoniais. Os Réus contestaram e deduziram reconvenção pedindo, além do mais, o reconhecimento que o seu prédio integra um logradouro com 42 m2 de área e a condenação da Autora a indemnizá-los com 12.000,00 euros. Na 1.ª Instância a acção foi julgada parcialmente procedente (excepto quanto ao pedido de indemnização) sendo procedente o pedido cruzado, apenas no tocante à declaração do domínio dos Réus da área coberta. Apelaram os Réus, tendo a Relação de Coimbra julgado a apelação parcialmente procedente, condenando-os a reconhecerem a Autora como dona do prédio correspondente a uma casa de habitação com R/C, 1.º andar, SC – 90m2, uma varanda a céu descoberto com 20m2 e um logradouro com 62m2, um forno com 36m2, e uma loja com 16m2, absolvendo os Réus no mais pedido. Julgou ainda parcialmente procedente o pedido reconvencional condenando a Autora a reconhecê-los como donos do prédio que identificam (casa com R/C e 1.º andar com balcão, SC – 72m2) absolvendo-a do mais pedido. Inconformada, a Autora pediu revista, assim concluindo as suas alegações: “- No Registo Predial, o prédio da A. é descrito como sito ao Largo ...... e com área coberta e descoberta. Contra alegaram os recorridos pedindo a manutenção do Acórdão. A Relação deu como assente a seguinte matéria de facto: “1. A) Na Conservatória do Registo Predial de Almeida, freguesia de Almeida, encontra-se descrito sob o n° 000000/00000, e inscrito na matriz predial sob o artigo 851, o prédio urbano sito no Largo ..., correspondente a uma casa de habitação com Rés-do-chão e 1.º andar, S.C. – 90m2, uma varanda a céu descoberto – 20 m2, anexo um logradouro – 62 m2, um forno – 36 m2, uma loja – 16 m2, norte: Manuel ....; sul: José ....; nascente: Mário ....; poente: António ... – fls. 14 a 17. Foram colhidos os vistos. Conhecendo. 1 – Nulidade do Acórdão 1 – Nulidade do Acórdão Ao delimitar o objecto do recurso nas conclusões da alegação topam-se duas questões distintas: arguição da nulidade do Acórdão da Relação, nos termos da alínea c) do n.º1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil e violação da presunção resultante do registo predial, quanto à área descoberta do prédio da recorrente. A nulidade arguida consiste, na perspectiva da arguente, em contradição entre os fundamentos e a decisão. Trata-se de um vício intelectual, caracterizado pela ilogicidade entre as premissas e a conclusão do silogismo judiciário. Se ocorrer apenas falta de idoneidade dos fundamentos para alcançar a decisão final, o que ocorre é um erro de julgamento, que não um vício de limite. Ou seja, se o julgador faz errada subsunção dos factos ao direito não se verifica a nulidade da alínea c) do n.º1 do artigo 668.º da lei adjectiva. Esta só ocorre se o julgador, ao arrepio da lógica de raciocínio, extrai uma conclusão impertinente, por, numa perspectiva discursiva coerente, se impor uma ilação diversa, sem que, contudo, tal tenha a ver com a adopção de determinada corrente doutrinária ou jurisprudencial ou com a aceitação de um facto como bastante para justificar uma decisão de direito. Ora, o que a Recorrente verdadeiramente questiona é a alteração dada às respostas aos quesitos 18.º e 22.º que tiveram como consequência o provimento da apelação. Mas a proceder a bondade da argumentação tal não integraria a nulidade do aresto por incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão mas “error in judicando”, na substância da decisão proferida, que não na sua forma. Insiste-se em que a nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do diploma adjectivo só ocorre quando os fundamentos invocados conduziriam, por imperativo lógico, a resultado oposto ao encontrado a final, e que este se apresenta sem qualquer coerência perante o antes afirmado. Como tal não acontece, improcede a arguição de nulidade. 2 – Quesitação No tocante às alterações às respostas aos quesitos são curiais algumas considerações prévias. 2.2 – Quanto aos quesitos e respectivas respostas valem as considerações do Acórdão de 19 de Dezembro de 2006 – 06 A4115 – desta mesma conferência onde se decidiu: 2.3 – Feito este breve bosquejo, analisemos os quesitos postos em crise. 2.3.1 – Perguntava-se no quesito 18.º se o prédio identificado na alínea a) tem um grande portão de entrada e um logradouro que dão para o Largo .... A Relação considerou que estando em causa precisamente a parcela que através do portão confina com aquele Largo, o perguntar-se se o prédio tem tal logradouro implica perguntar-se se essa área pertence ao prédio. E bem concluiu. Tal matéria foi alegada no artigo 26.º da petição inicial integrando, desde logo, uma conclusão que decidiria de imediato a lide, por conter ínsita uma questão de direito – a propriedade – do logradouro, sem recurso a factos que a permitam inferir. Cai, em consequência, no âmbito do n.º 4 – primeira parte – do artigo 646.º do diploma adjectivo. 2.3.2 – A Relação também não exorbitou os seus poderes quanto ao quesito 22.º. Aí se perguntava se o prédio dos Réus não tem logradouros, jardins ou áreas descobertas. Respondeu-se que estava “provado com excepção da parte da varanda que o prédio tem”. Valem as considerações feitas para o quesito 18.º. E embora a resposta tenha sido explicativa arredando qualquer conclusão ou conceito de direito, o certo é que não pode ser aproveitada por se reportar a um quesito que não podia ter sido formulado nos termos em que o foi. Tudo se possa, pois, como se essa matéria não tivesse sido levada à base instrutória. 3 – Presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial 3.1 – Perante a matéria de facto que ficou definitivamente assente, assiste razão à Autora quanto ao seu domínio sobre a parcela em crise. E isto com base na presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial. Certo que tal presunção não abrange a descrição física do prédio apenas incidindo sobre os factos inscritos (cf. v.g. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1993 – CJ/STJ I, 100, de 11 de Julho de 2006 – 06 A2105 e de 15 de Maio de 2007 – 07 A1273). A descrição física de um prédio é notória, de percepção fácil, integrando pura matéria de facto sem que tenha de fazer-se apelo à interpretação e aplicação de textos legais. Já a referente às inscrições é de natureza jurídica sendo nessa sede conhecida e valorada. Mas, mau grado os limites da presunção resultante do registo é certo que, sob pena de se esvaziar completamente o seu conteúdo, há que atentar nos precisos termos da inscrição e verificar se foram provados, ou improvados, quesitos em sentido oposto. Como referem a Dr.ª Isabel Pereira Mendes (in “Estudos sobre Registo Predial”, 118) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1992 – BMJ 420-597 – a presunção existe no sentido de se considerar que o registo é “exacto e integro”e que “o direito registado existe e emerge do acto inscrito; o mesmo pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define”, não incluindo, porém, todos os elementos de identificação dos prédios sujeitos, que estão, a eventuais alterações, por rectificação de áreas estremas. E isto porque – e como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 22 de Fevereiro de 2005 (P.º 4594/04 – 1.ª) – “…para concluir que não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais (com finalidade essencialmente fiscal) numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa (artigos 60.º, 90.º e 46.º do Código do Registo Predial; Acórdãos do STJ de 11 de Maio de 1995, 17 de Junho de 1997, 25 de Junho de 1998, 11 de Março de 1999, 10 de Janeiro de 2002 e 28 de Janeiro de 2003, in respectivas CJ/STJ – III-II-75, V-II-126, VI-II,134, VII-I-150; Sumários/2002, 28 e 249; Sumários/Janeiro, 2003, 27 e Isabel P. Mendes “Código do Registo Predial – Anotado e Comentado”, 11.ª Ed, 239).” Mas este entendimento não pode ser acolhido acriticamente, antes devendo ser ponderado em termos hábeis. A descrição reporta-se a uma realidade física, ostensiva e deve conter todos os elementos essenciais dessa realidade que terão de estar abrangidos por ela. Só não estão os elementos acessórios e acidentais. No relato do aresto de 22 de Fevereiro de 2005 escreve o Cons. Alves Velho que “assim sendo, há-de haver nela (descrição) um conjunto de elementos identificativos, que constituirão um âmbito mínimo ou núcleo essencial indispensável à definição ou identificação da coisa sobre a qual incide a inscrição do direito, sob pena de não se saber sobre que coisa incide o facto inscrito.”. E nesta linha diz o Cons. Moreira Alves, ao relator o Acórdão de 31 de Março de 2004 – P.º 81/04-1.ª –: “Não se contesta que a presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial abrange apenas os factos jurídicos inscritos de onde se deduzem as situações jurídicas publicitadas pelo registo e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, objecto da descrição predial e a sua única finalidade. É essa a doutrina quase unânime e que aqui não se põe em causa. Só que, uma coisa são as confrontações, a área, as estremas ou o valor dos prédios, outra aquilo que os define ou identifica na sua essencialidade. Assim, da descrição fazem parte não só os elementos materiais essenciais à identificação dos prédios como os elementos meramente complementares ou acessórios. Os primeiros, como que são inerentes à própria inscrição, pelo que só os segundos devem estar fora do alcance da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, sob pena de esta não ter qualquer relevância prática.” E mais adiante: “Portanto, das inscrições constam os factos jurídicos sujeitos a registo, conforme o elencado no artigo 2.º do C.R. Predial, ou sejam, constam deles os factos da vida real, que, por força da lei produzem determinados efeitos jurídicos, no caso, constitutivos, aquisitivos, modificativos ou extintivos do direito de propriedade. Ora, como tal direito incide sobre coisas a inscrição tem de as identificar, o que faz por referência à descrição, sendo certo que alguns desses elementos identificativos são essenciais, no sentido de que, sem eles, não se saber sobre que coisa incide a inscrição (ou melhor, o facto inscrito). Esse núcleo essencial da descrição não pode deixar de estar protegido pela presunção do artigo 7.º sob pena de se presumir a propriedade de coisa nenhuma.” Daí que se no registo um prédio vem descrito como tendo uma área descoberta, ou logradouro, ou como tendo, apenas, um terraço descoberto, tais elementos, – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal, confrontações e âmbito – fazem parte do referido núcleo essencial descritivo, que, no fundo são marcas diferenciadoras, ou de identificação, do prédio, que estão a coberto da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial. 3.2 – “In casu”, é questionada a existência de um logradouro como integrando o prédio da Autora. No registo o prédio vem descrito como tendo, além do mais, “anexo um logradouro – 62m2”. Já a descrição do prédio dos Réus, que disputam o domínio dessa parte, não contém qualquer referência à área descoberta, à excepção do “balcão” do 1.º andar. Ora a resposta não escrita ao quesito 18.º, pelas razões antes aduzidas, apenas pode equivaler à não quesitação do facto, que não à resposta negativa ao perguntado. Daí que tudo se passe como se esse ponto da petição de onde foi extraído o quesito eliminado, por conclusivo, não surgisse na base instrutória valendo, nessa parte, e quanto a ele a presunção “tantum juris” do citado artigo 7.º do Código do Registo Predial, já que o logradouro integra um elemento essencial do facto inscrito. Outrossim, acontece quanto à eliminação do quesito 22.º – cuja resposta foi considerada não escrita – valendo, nesta parte, a descrição do prédio dos Réus que não os faz presumir danos de qualquer logradouro, sendo que, também, não lograram ilidir a presunção da Autora. Ademais, constando da matéria de facto assente que a área coberta do prédio da Autora é de 142 m2 (n.º 24), e sendo o total inscrito de 204 m2, poderiam aceitar-se, por cálculo aritmético, os 62 m2 de logradouro, nos precisos termos da inscrição. Mas este raciocínio implicaria considerar que a área total inscrita está a coberto da presunção, só assim podendo realizar-se a operação aritmética de dedução. O que iria contudo contrariar o acima afirmado quanto às áreas e a sua inconsideração na presunção “tantum juris”. Daí que, embora reconhecendo, por esta via a existência do logradouro e o seu domínio da Autora não pode afirmar-se a respectiva dimensão como julgaram as instâncias. Em tudo o mais valem os argumentos da decisão da 1.ª Instância que aqui se recuperam. 4 – Conclusões Pode concluir-se que: Face ao exposto, acordam conceder parcialmente a revista e revogar o Acórdão recorrido subsistindo a sentença da 1.ª Instância, á excepção da área do logradouro do prédio da Autora. Custas a cargo da Recorrente e dos Recorridos nas proporções de 1/3 e 2/3. Lisboa, 12 de Fevereiro de 2008 Sebastião Póvoas (relator) |