Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1052/14.1TBBCL.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO ARBITRAL
ADMISSIBILIDADE DE REVISTA
Data do Acordão: 11/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL - ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA / IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL / TRIBUNAIS ESTADUAIS COMPETENTES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 671.º, N.º1, 974.º.
LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA (LAV): - ARTIGOS 46.º, N.ºS 2 E 9, 59.º, N.ºS 1, AL. G), E 8.
Sumário :
I. A norma constante do nº 1 do art. 671º do CPC não deve interpretar-se no sentido de pretender  excluir cabalmente o exercício do duplo grau de jurisdição nas causas em que a Relação haja excepcionalmente actuado, não como tribunal de recurso, mas como órgão jurisdicional que, em 1ª instância, apreciou o objecto do litígio – como ocorre com as acções de anulação de sentença arbitral, necessariamente iniciadas perante esse Tribunal.

II. Na verdade, numa interpretação funcionalmente adequada do sistema de recursos que nos rege, não se vê razão bastante para excluir o normal exercício pelo STJ do duplo grau de jurisdição sobre decisões finais proferidas pela Relação, em acções ou procedimentos que, nos termos da lei, se devam obrigatoriamente iniciar perante elas - podendo convocar-se relevantes lugares paralelos, em que o acesso ao STJ está assegurado, relativamente a decisões finais proferidas em causas apreciadas em 1ª instância pelas Relações, como ocorre com as acções especiais de indemnização contra magistrados ou com a revisão de sentença estrangeira.

III. É, assim, admissível a revista interposta do acórdão da Relação que apreciou a referida acção anulatória - não incluindo, porém, o seu objecto qualquer reapreciação do mérito da causa, vedado aos Tribunais estaduais pelo art. 46º, nº 9, da LAV, destinando-se o recurso, apenas e estritamente, a apurar da verificação ou inverificação dos específicos fundamentos de anulação da sentença arbitral, invocados pelo autor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA Futebol - Futebol SDUQ, Lda., sociedade desportiva unipessoal por quotas, intentou, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46° da LAV, contra BB Futebol SAD, Sociedade Anónima Desportiva, no Tribunal judicial de Barcelos, acção de anulação da decisão arbitral proferida pela Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional - datada de 4 de Abril de 2014, no âmbito do Processo nº. 0...-CA/2013.

Como fundamento de tal pretensão, invoca o vicio de falta de fundamentação do acórdão arbitral, porquanto, estando em causa as compensações reclamadas pelo Réu ao Autor, por via da contratação, por este, dos jogadores identificados nos autos, nos termos do disposto no artigo 208º do Regulamento Geral da LPFP, a decisão arbitral não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam as compensações arbitradas, porquanto não indicou as regras jurídicas que impuseram ou permitiram a tomada da decisão sobre os valores das compensações arbitradas, não explicando em que medida é que a situação factual sobre a qual incidiu a decisão se subsume às previsões normativas das regras aplicáveis.

Ou seja, na óptica do A., a decisão arbitral não explicou qual o cálculo aritmético, nem o percurso lógico-racional, que determinou a fixação dos valores atribuídos ao aqui Réu/BB Futebol SAD, Sociedade Anónima Desportiva, como compensações devidas pelo aqui Autor/AA Futebol Clube – Futebol SDUQ, LDA., derivada das contratações dos jogadores identificados nos autos.

Ademais, articula o Autor/AA Futebol Clube – Futebol SDUQ, LDA., os valores peticionados a título de compensação foram arbitrados sem qualquer prova documental de suporte, sem terem tido o seu acordo.

O Ré contestou, alegando que o que está em causa no presente pedido de anulação de sentença arbitral é uma decisão proferida pela Comissão Arbitral da LPFP, constituída nos termos dos artigos 133° e seguintes do Regulamento Geral, e não, como o Autor pretende fazer crer, uma decisão proferida pela Comissão Arbitral


Paritária, sendo que a decisão da Comissão Arbitral da LPFP não está ferida de nenhum dos vícios apontados pelo Autor, muito menos viola o artigo 42°, nº. 3 da LAV, estando bem fundamentada, fazendo apelo às normas do Regulamento Geral, em obediência ao artigo 140°, com a especificação do artigo 180°, ambos do Regulamento Geral.

A decisão arbitral, cumprindo a respectiva previsão do Regulamento Geral, inicia-se com um resumo do litígio, reproduzindo, de seguida, a matéria de facto assente e concluindo com a aplicação do direito aos factos provados, pronunciando-se, em primeiro lugar pelas excepções apresentadas pelo Autor/AA Futebol Clube – Futebol SDUQ, LDA. (ali Réu) na sua contestação; e, numa segunda parte, sobre o fundo da causa, justificando a sua decisão na aplicação aos factos das regras aplicáveis ao caso.

A decisão é, pois, clara e objectiva, indicando o regime aplicável - artigo 208° do Regulamento Geral (Compensação nos demais casos) - à matéria de facto considerada assente pela Comissão Arbitral.

A matéria em causa naquele processo era bastante simples, limitando-se a saber se os requisitos para o direito à compensação prevista no artigo 208° do Regulamento Geral estavam, ou não, preenchidos, sendo que a Comissão Arbitral, reproduzindo esses mesmos requisitos, concluiu, sem margem para dúvidas, que, face à matéria tida como assente, os mesmos encontravam-se preenchidos, conferindo ao Réu/BB Futebol SAD, Sociedade Anónima Desportiva (ali Autor) o direito à compensação em causa, a qual é devida pelo aqui Autor/AA Futebol Clube – Futebol SDUQ, LDA. (ali Réu).

O Autor/AA Futebol Clube – Futebol SDUQ, LDA. (ali Réu) percebeu perfeitamente a decisão da Comissão Arbitral, tanto mais que na petição apresentada, para além de fundamentar a sua pretensão de ver anulada a decisão da Comissão Arbitral, vai mais além, indicando qual seria a decisão que, na sua opinião, aquela Comissão Arbitral deveria ter proferido, donde, o que está em causa não é falta de fundamentação da decisão, mas sim a própria decisão da Comissão Arbitral, com o qual o aqui Autor não concorda; no entanto, sublinha o R., se o Autor/ não concordava com essa decisão, deveria ter recorrido para o Plenário da Comissão Arbitral nos termos do disposto no artigo 181° do Regulamento Geral - e não requerer a sua anulação.


Conclui pelo indeferimento do pedido de anulação da decisão arbitral proferida pela Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol, considerando-se tal decisão válida e eficaz.


2. Suscitada e decidida a questão da incompetência em razão da matéria, por o processo de anulação de acórdão arbitral dever ser interposto necessariamente no Tribunal da Relação, conforme prescreve a LAV – e remetidos consequentemente os autos à Relação do Porto, começou esta, no acórdão ora recorrido, por especificar a matéria de facto subjacente ao litígio:

1. Foi proferido Acórdão pela Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, datado de 4 de Abril de 2014, no âmbito do Processo nº. 0…-CA/2013, com o seguinte o teor:

“ACORDAM NA 2a SECÇÃO DA COMISSÃO ARBITRAL

BB FUTEBOL SAD, sociedade anônima desportiva com sede no Estádio Municipal de Portimão, Rua …, 8500 - Portimão, move a presente acção de condenação por compensação devida pela celebração de contrato desportivo contra AA FUTEBOL CLUBE - FUTEBOL SDUQ, sociedade desportiva unipessoal por quotas com sede na Rua …, nº. …, Apartado …,4740 - Barcelos, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de cento e setenta e cinco mil euros (€175.000,00), acrescida de mil quinhentos e quinze euros e cinquenta e sete cêntimos (€1.515,57) de juros vencidos e dos vincendos até total e efectívo pagamento.

Para tanto alega, em síntese, ter este celebrado contratos de trabalho desportivo com os atletas CC e DD, sendo que antes estavam vinculados ao autor por contrato de trabalho desportivo e aos quais cumpriu as formalidades legais para renovação dos contratos, inscrevendo-os na lista de compensações da LPFP; o réu não pagou os valores inscritos em tal lista ou quaisquer outros, apesar de para o efeito ter sido solicitado.

Devidamente citado o réu, deduziu contestação, pedindo a improcedência total do pedido e alegando várias excepções, designadamente a caducidade da acção e a ineptidão da petição inicial [Por não indicar os factos a que as testemunhas respondem; por não indicar como suporta o valor peticionado; exagero do montante pedido (a reduzir segundo a equidade)]. 

Respondeu o autor, mantendo no essencial o já alegado e manifestando-se pela desatenção das excepções invocadas.

Foi decidido não se aplicar o no nº. 3 do art. 2180 do Regulamento Geral da LPFP.

Procedeu-se à obrigatória tentativa de conciliação sem qualquer resultado.

Com o cumprimento de todas as formalidades legais teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual as partes foram notificadas do Acórdão sobre a matéria de facto.

Houve reclamação de ambas as partes, a qual foi decidida a fls. 292 e seguintes e devidamente notificada às partes.

Cumpre decidir.

MATÉRIA DE FACTO ASSENTE.

Resultaram provados com interesse para a decisão os seguintes factos:

1) BB Futebol SAD é uma sociedade anónima desportiva filiada na Liga Portuguesa de Futebol Profissional, participando em 2013/2014 na Liga 2 - Cabovísão.

2) AA Futebol Club, sociedade desportiva unipessoal por quotas é filiado na LPFP e na época 2013/2014 milita na 1ª Liga, Liga Zon Sagres.

3) CC, Licença FPF 10…, nascido a 7 de Maio de 1992, celebrou a 20 de Julho de 2011 (registado na LPFP a 21/7/2011) contrato de trabalho desportivo com o BB, com término a 30 de Junho de 2013 e com a retribuição ilíquída global de €7.000,00 por cada uma das duas épocas da vigência do contrato.

4) O club durante a permanência do contrato teria de proporcionar uma habitação ao jogador, pagando a renda de €350,00, bem como a alimentação no restaurante por si indicado.

5) Em aditamento ao contrato foi estipulado que a partir de Outubro de 2011, passaria o club a pagar-lhe a remuneração mensal ilíquida de €1.200,00, mais €500,00 por cada conjunto de cinco goles obtidos em jogos oficiais.

6) A 10 de Maio de 20 13 o BB remeteu ao jogador CC carta registada com AR que este recebeu, manifestando a vontade de renovar o contrato por mais duas épocas com o valor ilíquido de €25.000,00 por época, suportando o aluguer do apartamento, comunicando ainda o valor da compensação de €100.000,00, bem como a sua inclusão na lista de compensações da LPFP – doc. de fls. 19.

7) Este jogador foi utilizado regularmente na época 2012/2013, tendo participado em 31 jogos da Liga, 3 da Taça da Liga e 2 da Taça de Portugal.

8) A ré celebrou com o jogador CC contrato de trabalho desportivo em 1 de Agosto de 2013, registado a 6 de Agosto de 2013 na LPFP, com término no final da época de 2015/2016 e com o pagamento de remuneração ilíquida global de €97.400,00 na 1ª época e de €106.300,00 nas duas seguintes (fls. 98 e seguintes dos autos).

9) A 14 de Julho de 2011 a autora celebrou contrato de trabalho desportivo com DD, nascido a 29 de março de 1992, registado na LPFP em 15 de Julho de 2011, com termo a 30 de Junho de 2013 com a remuneração global de €7.000,00 por época, sendo que por aditamento foi acordado pagar €1.015,00 mensais, com início em Novembro de 2011, inclusive, assegurando o club ainda o pagamento da renda de apartamento condigno.

10) A 14 de Maio de 2013 o club remeteu carta registada com AR, que o jogador recebeu, manifestando a vontade de renovar o contrato por mais duas épocas, com a remuneração de €20.000,00 em 2013/2014 e de €25.000,00 em 201412015, indicando ainda o valor da compensação como sendo de €75.000,00, bem como a sua inclusão na lista de compensações da LPFP.

11) A ré celebrou a 7 de Julho de 2013 contrato de trabalho desportivo com o DD, com termo no final da época desportiva de 2016/2017 (fls. 104 e seguintes dos autos); que foi registado na LPFP em 18 de Julho de 2013.

12) Após comunicação em 24 de Maio de 2013 à LPFP e ao SJPF, foi elaborada pela LPFP a lista de compensações nos demais casos (fls. 27 dos autos) e dada a conhecer aos clubes filiados, englobando aí os dois jogadores da autora mencionados, com os valores já anteriormente dados a conhecer.

13) Até hoje a ré não fez à autora o pagamento de qualquer quantia atinente a compensação.

14) A presente acção deu entrada na sede da LPFP em 14 de Outubro de 2013.

Cumpre agora proceder à aplicação do direito.

DAS EXCEPÇÔES.

INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL.

Pretende o réu seja considerada inepta a petição inicial pelo facto de não virem indicados os factos a que cada testemunha deverá depor, não virem indicados os factos que suportam o valor peticionado, o qual seria mitigado pela equidade.

Salvo o devido respeito, sem qualquer razão.

Sendo certo que o art. 166° do Regulamento Geral da Liga (do qual serão todos os artigos indicados sem menção de origem) obriga a que a petição inicial contenha a identificação das partes, a natureza e valor da acção, os fundamentos de facto e de direito e a formulação clara e precisa do pedido, parece-nos que tal acontece no presente caso.

Continua o art. 173º - 1. Com a petição e contestação são oferecidos os documentos e as testemunhas e requeridas quaisquer outras diligências de prova.

  2. O número de testemunhas não excederá dez de cada parte, podendo em caso de reconvenção ser oferecidas mais cinco mas para prova da respectiva matéria.

  3. Deverão ser indicados os factos a que cada testemunha irá depor, não podendo a parte produzir sobre cada facto mais de cinco testemunhas, não se contando as que tenham declarado nada saber.


O facto é que na petição são indicadas três testemunhas (os dois atletas em causa mais um dirigente). Dai que seria inútil indicar os factos a que cada uma iria responder, pelo simples factos que poderiam responder a todos dado não haver sequer hipótese de ultrapassar o limite legal.

Quanto à alegação factual, não será ela excepção, mas questão do fundo da causa.

Conclui-se, assim, que quer a petição, quer a contestação estão devidamente elaboradas, sendo inteligíveis e não padecendo de qualquer vício formal.

CADUCIDADE

Prescreve o art. 217°: “No caso de os clubes não terem chegado a acordo sobre o montante da indemnização, qualquer um deles poderá, no prazo máximo de 90 dias a contar da data do registo do novo contrato ou, em caso de impugnação, da decisão transitada em julgado donde emerge o direito à indemnização, intentar a competente acção de condenação, a qual será dirigida ao Presidente da Comissão Arbitral. Nesta hipótese, as partes em causa obrigam-se à competência jurisdicional exclusiva da Comissão Arbitral, que decidirá a titulo definitivo.”

Resultou apurado que o contrato do atleta Simeon foi registado na LPFP a 6 de Agosto de 2013; o do DD a 18 de Julho de 2013.

A presente acção deu entrada na sede da LPFP em 14 de Outubro de 2013.

Em qualquer dos casos antes do decurso do prazo dos 90 dias.

Se dúvidas houvesse sobre a natureza deste prazo (prescrição/caducidade), a própria lei as dissipa. O prazo do art. 217 do Regulamento geral da LPFP é de caducidade, conforme designação expressa no nº. 3 do art. 216. Trata-se de prazo para a propositura da acção ou para a constituição do Tribunal arbitral, o que é o mesmo. Como tal, as normas aplicáveis serão as dos arts. 328 a 333º do CC.

Assim sendo, o prazo iniciou-se na pior das hipóteses para o autor, em 18 de Julho de 2013, pelo que a acção foi remetida a esta Liga dentro do prazo previsto pelo dito art. 217°.

Inexiste caducidade do direito de propor a presente acção.

DO FUNDO DA CAUSA.

Visa o autor com a presente acção fazer valer o seu direito sobre as compensações que havia atribuído aos seus dois jogadores em fim de contrato, aos quais havia proposto as respectivas renovações, mas que estes não aceitaram, acabando por celebrar contratos de trabalho desportivos com a aqui réu. Funda, pois, o seu direito no disposto no art. 208º que assim prescreve:

“Compensação nos demais casos

1. A celebração pelo jogador de um contrato de trabalho desportivo com outra entidade empregadora após a cessação do anterior, confere ao clube de procedência o direito de receber do clube contratante a compensação pelo montante que aquela tenha estabelecido nas listas organizadas, para o efeito, pela LIGA P.F.P ..

2. A compensação prevista no número anterior só será exigível se, cumulativamente:

  a) o clube de procedência tiver comunicado por escrito ao jogador, até ao dia 31 (trinta e um) de Maio do ano da cessação do contrato, a vontade de o renovar, mediante as condições mínimas previstas no número três deste artigo, a sua inclusão nas listas de compensação e o valor estabelecido;

  b) o mesmo clube tiver remetido à L.P.FP. e ao S.J.P.F, até ao dia 11 (onze) de Junho seguinte, inclusive, fotocópia do documento referido no número anterior;

  c) o jogador não tenha, em trinta e um (31) de Dezembro do ano de cessação do contrato, completado ainda vinte e quatro (24) anos de idade.

3. As condições mínimas do novo contrato proposto deverão corresponder ao valor remuneratório global do ano da cessação acrescido de 10% (dez por cento) do montante estabelecido na lista de compensação e de uma actualização decorrente da aplicação da taxa de inflação correspondente ao índice médio de aumento dos preços ao consumidor do ano anterior fixada pelo Instituto Nacional de Estatística.”"

Deste modo são exigidos que ao mesmo tempo se verifiquem estes três requisitos:

 - Comunicação ao atleta até 31 de Maio da vontade de renovar o contrato, oferecendo novo vencimento com os aumentos mínimos do nº3, informando ainda de que irá ser inscrito na lista de compensações e respectivo valor.

 - Remessa à Liga e ao Sindicato até 11 de Junho de cópia da documentação que fora enviada ao atleta.

 - Que a idade do jogador seja inferior a 24 anos, reportada a 31 de Dezembro do ano de finalização do contrato.

Face à matéria tida como assente e anteriormente exposta, duvidas não restam de que o autor cumpriu tudo o que lhe competia para ter direito aos valores que fez inscrever na lista de compensações. O réu, como clube contratante é que não cumpriu nenhuma das obrigações que o art. 210º lhe impunha. Mais do que isso, não pagou até hoje os valores devidos ao autor.

Deste modo a acção terá de proceder integralmente.

Todavia ter-se-á em atenção o disposto no art. 212°: cada atleta terá direito a 7% do valor da compensação, a deduzir do montante atribuído ao autor.

DECISÃO:


Nestes termos se decide julgar a acção totalmente procedente, condenando-se o réu a pagar ao autor a quantia de cento e setenta e cinco mil euros (€175.000,00 - 100.00,00+75.000.00), deduzida dos 7% antes referidos a entregar a cada atleta, sobre o valor da respectiva compensação, acrescida de mil quinhentos e quinze euros e cinqüenta e sete cêntimos (€1.515,57) de juros vencidos e dos vincendos à taxa legar até integral pagamento. Custas pelo réu. Registe e notifique.”


3. Passando a abordar as questões de direito suscitadas, a Relação julgou a acção anulatória improcedente, considerando o acórdão arbitral válido e eficaz:

Considerando o objecto do recurso consubstanciado na anulação de decisão arbitral, devemos adiantar que os tribunais arbitrais são uma espécie de tribunais (artigo 209º, nº. 2, da Constituição da República Portuguesa), que, embora com menos exigências, também se encontram sujeitos ao dever de fundamentação.

Conquanto a natureza informal e prática do processo arbitral, a fundamentação deve conter as razões de facto e de direito que justificam a decisão em termos que não diferem do regime do da lei adjectiva civil para a sentença judicial, pois, de outro modo, tornar-se-ia difícil a sua apreciação em caso de impugnação.

O fundamento invocado pelo Autor está previsto na alínea VI do nº. 3, do artigo 46.º. Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de Dezembro, que permite a anulação da decisão arbitral quando “a sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos nºs. 1, e 3 do artigo 42º” estatuindo, por seu turno o artigo 42º, nº. 3, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de Dezembro, que a aprovou, “A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º”.

Assim, condizente com o normativo citado, é nula a sentença quando o juiz/árbitro não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao juiz/árbitro o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

A fundamentação da decisão arbitral é uma exigência constitucional - artigo 205º, nº.1 da Constituição da República Portuguesa - e legal - artigo 42º, nº. 3, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de Dezembro.

É na fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão.

A fundamentação é imprescindível a qualquer processo que se queira equitativo e contraditório.


A fundamentação das decisões tem um duplo objectivo, pois, por um lado, impõe ao juiz/árbitro um momento de verificação e controlo crítico da lógica e habilitando as partes, em caso de impugnação, a exprimir em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente, por outro lado, garante o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica.

O dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, mesmo daquelas de que não cabe recurso, assenta no pressuposto de que a decisão não é, nem pode ser, um acto arbitrário, antes a concretização da vontade abstracta da lei ao caso submetido à apreciação jurisdicional, e na necessidade de as partes serem, não só esclarecidas mas convencidas do seu acerto - neste sentido, Professor Alberto dos Reis, apud, Comentário, volume 2º, página 172, e Código Processo Civil anotado, volume I, 3.ª edição, página 284.

Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos (facto e de direito), gera a nulidade prevista no artigo 42º, nº. 3, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de Dezembro.

A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da decisão, sujeita-a(o) ao risco de ser revogada(o) ou alterada(o) em recurso, mas não produz nulidade.

Os vícios determinantes da nulidade da decisão arbitral, nos termos enunciados correspondem a casos de ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação).

São vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.

Atentemos se a decisão arbitral sujeita ao presente escrutínio padece da sustentada nulidade.

Cotejada a decisão arbitral que nos ocupa conhecer, divisamos que os Senhores árbitros ao manifestarem ter compreendido a pretensão deduzida “Visa o autor com a presente acção fazer valer o seu direito sobre as compensações que havia atribuído aos seus dois jogadores em fim de contrato, aos quais havia proposto as respectivas renovações, mas que estes não aceitaram, acabando por celebrar contratos de trabalho desportivos com a aqui réu”, sustentaram, consignando na decisão proferida que “Funda, pois, o seu direito no disposto no art. 208º que assim prescreve:

“Compensação nos demais casos

1. A celebração pelo jogador de um contrato de trabalho desportivo com outra entidade empregadora após a cessação do anterior, confere ao clube de procedência o direito de receber do clube contratante a compensação pelo montante que aquela tenha estabelecido nas listas organizadas, para o efeito, pela LIGA P.F.P ..

2. A compensação prevista no número anterior só será exigível se, cumulativamente:

 a) o clube de procedência tiver comunicado por escrito ao jogador, até ao dia 31 (trinta e um) de Maio do ano da cessação do contrato, a vontade de o renovar, mediante as condições mínimas previstas no número três deste artigo, a sua inclusão nas listas de compensação e o valor estabelecido;

 b) o mesmo clube tiver remetido à L.P.FP. e ao S.J.P.F, até ao dia 11 (onze) de Junho seguinte, inclusive, fotocópia do documento referido no número anterior;

 c) o jogador não tenha, em trinta e um (31) de Dezembro do ano de cessação do contrato, completado ainda vinte e quatro (24) anos de idade.

3. As condições mínimas do novo contrato proposto deverão corresponder ao valor remuneratório global do ano da cessação acrescido de 10% (dez por cento) do montante estabelecido na lista de compensação e de uma actualização decorrente da aplicação da taxa de inflação correspondente ao índice médio de aumento dos preços ao consumidor do ano anterior fixada pelo Instituto Nacional de Estatística.”"

Deste modo são exigidos que ao mesmo tempo se verifiquem estes três requisitos:

 - Comunicação ao atleta até 31 de Maio da vontade de renovar o contrato, oferecendo novo vencimento com os aumentos mínimos do nº3, informando ainda de que irá ser inscrito na lista de compensações e respectivo valor.

 - Remessa à Liga e ao Sindicato até 11 de Junho de cópia da documentação que fora enviada ao atleta.

 - Que a idade do jogador seja inferior a 24 anos, reportada a 31 de Dezembro do ano de finalização do contrato.”, rematando “Face à matéria tida como assente e anteriormente exposta, duvidas não restam de que o autor cumpriu tudo o que lhe competia para ter direito aos valores que fez inscrever na lista de compensações. O réu, como clube contratante é que não cumpriu nenhuma das obrigações que o art. 210º lhe impunha. Mais do que isso, não pagou até hoje os valores devidos ao autor.

Deste modo a acção terá de proceder integralmente. Todavia ter-se-á em atenção o disposto no art. 212°: cada atleta terá direito a 7% do valor da compensação, a deduzir do montante atribuído ao autor.”, donde concluiram, “DECISÃO: Nestes termos se decide julgar a acção totalmente procedente, condenando-se o réu a pagar ao autor a quantia de cento e setenta e cinco mil euros (€175.000,00 - 100.00,00+75.000.00), deduzida dos 7% antes referidos a entregar a cada atleta, sobre o valor da respectiva compensação, acrescida de mil quinhentos e quinze euros e cinqüenta e sete cêntimos (€1.515,57) de juros vencidos e dos vincendos à taxa legar até integral pagamento.

Custas pelo réu. Registe e notifique.”

Confrontada a fundamentação exarada e enunciada, cremos que a mesma é suficiente, e suficientemente clara, para se perceber o sentido da decisão e, neste sentido, não se pode concluir que afecte o valor doutrinal da decisão arbitral, susceptível de gerar nulidade, conforme argumentação esgrimida pelo Autor/AA Futebol Clube – Futebol SDUQ, LDA.


Tudo isto revela ser temerário, no mínimo, dizer-se, como pugna o Autor/AA Futebol Clube – Futebol SDUQ, LDA., que a decisão arbitral é nula na medida em que não se encontra devidamente fundamentado, de facto e de direito, pois, como acabamos de enunciar, a fundamentação consignada na decisão em escrutínio permite a sindicância da mesma, neste particular atinente ao invocado vicio de falta de fundamentação.

Só a falta absoluta de motivação implicará uma nulidade da sentença arbitral, invocável através da acção de anulação.

Sempre que a motivação seja deficiente e não havendo lugar a anulação, deve essa deficiência ser suprida através de recurso interposto contra a sentença arbitral, o que, de resto parece não ter sido interiorizado pelo Autor/AA Futebol Clube – Futebol SDUQ, LDA., na medida em que, para além de fundamentar a sua pretensão em ver anulada a decisão da Comissão Arbitral, vai mais além, indicando qual seria a decisão que, na sua opinião, aquela Comissão Arbitral deveria ter proferido, colocando em causa a própria decisão da Comissão Arbitral, com a qual o Autor/AA Futebol Clube – Futebol SDUQ, LDA., não concorda, deixando de atentar que, neste particular, impunha-se ter recorrido para o Plenário da Comissão Arbitral nos termos do artigo 181° do Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

A este propósito, dir-se-á que a Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) acolhe um sistema monista de impugnação da sentença arbitral, prevendo apenas o pedido de anulação a formular directamente no Tribunal de 2ª Instância.

A decisão da impugnação pelo Tribunal de 2ª Instância é puramente cassatória e não permite que o Tribunal estadual conheça do mérito das questões decididas pela sentença arbitral, conforme decorre do estatuído no artigo 46º, nº. 9, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de Dezembro.

A acção de anulação de sentença arbitral, que segue a forma de processo especial previsto no artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de Dezembro, não comporta reapreciação da prova produzida, nem a apreciação de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito.

Esta acção não se pronuncia sobre o mérito da decisão, mas apenas sobre as eventuais nulidades da sentença, contempladas no nº. 3, do citado artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de Dezembro.

Ao decidir a presente demanda, cumpre a este Tribunal tão só saber se deve ser anulada a sentença arbitral por falta de fundamentação, estando arredado qualquer conhecimento sobre o mérito da causa, pois, a este respeito, e manifestada a discordância da decisão arbitral proferida, impunha-se, sublinhamos, o recurso para o Plenário da Comissão Arbitral nos termos do artigo 181° do Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Na reconhecida inteligibilidade do discurso decisório face à enunciação e explicação da decisão perfilhada, e acreditando ser despiciendo quaisquer outras considerações a este respeito, concluímos pela não ocorrência da arrogada nulidade do acórdão arbitral, improcedendo, em congruência, a presente acção.


4. Inconformado, interpôs o A. recurso de revista, insistindo nos fundamentos da pretendida anulação, sendo tal recurso admitido.

Distribuídos os autos no STJ, pelo Exmo. relator foi suscitada a questão prévia da recorribilidade, por entender que a revista não poderia, no caso, encontrar fundamento na norma constante do art. 671º, nº1, do CPC, que só permite a revista para o Supremo do acórdão proferido pela Relação sobre decisão da 1ª instância – que no caso inexistiria manifestamente, já que a acção anulatória se iniciou perante a Relação.

As partes pronunciaram-se sobre a questão suscitada, insistindo o recorrente na admissibilidade do recurso, já que, conforme estatui o nº8 do art. 59º da LAV, o legislador pretende garantir um efectivo duplo grau de jurisdição no tocante às decisões que apreciem as decisões arbitrais, permitindo o reexame de tal decisão pelo tribunal hierarquicamente superior.

De seguida, foi pelo Exmo. relator proferido despacho de não admissão do recurso, do seguinte teor:

Como acentua o próprio recorrente AA no requerimento de fls. 340 « os tribunais arbitrais são, dentro dos parâmetros legais, "auto-organizados', na medida em que a sua organização é ditada fundamentalmente pelas partes e pelos próprios árbitros, assumindo uma componente de privatização da justiça que se contrapõe à jurisdição estadual ».

Daí que a decisão arbitral não possa ser e não seja para os tribunais estaduais, equiparada a uma decisão de 1ª instância, da qual haja recurso para o tribunal de 2ª instância ( a Relação ) e deste, se for o caso, recurso para o STJ.

Tanto assim que art.46°, nº1 da LAV ( Lei n°63/2011, de 14 de Dezembro ) - ... a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação.


Esse pedido segue a forma de processo comum como acção de impugnação de sentença arbitral e aqui, dentro dos tribunais estaduais, naturalmente regerão os princípios processuais que o código de processo civil impõe.

Mas no fundo, no mérito da questão, os tribunais estaduais não entram – esse, o mérito, a apreciação do mérito, cabe em exclusivo aos tribunais arbitrais aos quais, na sua legitima ânsia de "privatização da justiça", as partes remeteram a sua questão.

Se é assim, e é assim, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao arrimo do invocado pelo recorrente n°1 do art.671° do CPCivil, não é admissível porque o acórdão recorrido, o acórdão da Relação, não está a pronunciar-se sobre uma decisão de 1ª instância.

De 1ª instância só pode falar-se de tribunais que estejam dentro dos tribunais judiciais, e o tribunal arbitral que proferiu a decisão está fora desses tribunais.

Nem se estranhe ou se diga que fica prejudicado, com este entendimento, o princípio fundamental da recorribilidade das decisões judiciais.

Pois não foram exactamente as partes, em nome e no interesse de uma privatização da justiça a que têm direito, que quiseram subtrair a sua questão aos tribunais judicias, em busca certamente de uma urgência que procuram e que julgam não encontrar (ou não encontram) nos tribunais judiciais)?!

Se assim é, tem que reconhecer-se até um especial cuidado do legislador que, para não deixar as partes inteiramente desprotegidas em matéria que tem a ver directamente com o rigor da arbitragem mas para não perturbar a urgência procurada, entrega de imediato a competência para a apreciação da impugnação a um tribunal superior, o tribunal da Relação.

Daqui, se o que está em causa é a decisão arbitral em si mesma (que se situa fora dos tribunais judiciais) e não algum elemento processual dentro da acção – estadual – de impugnação de sentença arbitral, não há recurso do acórdão da Relação porquanto este se não debruça sobre uma decisão de 1ª instância – as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa ( na redacção do n°8 do art.59° da LAV ) não o permitem.

DECISÃO

Não se admite o recurso.

Custas a cargo do recorrente AA FUTEBOL CLUBE - FUTEBOL SDUQ, LDA, com taxa de justiça que se fixa em 3UCs.


5. Novamente inconformado, deduziu o recorrente reclamação para a conferência, pugnando pela admissibilidade do recurso como via de efectivação do duplo grau de jurisdição – pronunciando-se o recorrido pela rejeição do recurso interposto.

Redistribuídos os autos, por ter cessado funções o primitivo relator, cumpre apreciar a reclamação deduzida.


6. Como é sabido, a LAV actualmente vigente apenas permite a impugnação da sentença arbitral pela via do pedido de anulação dirigido ao competente tribunal estadual – só prevendo, como forma de reacção à dita sentença, a via do recurso nos casos em que as partes tiverem acordado na recorribilidade da decisão dos árbitros para os tribunais estaduais; o pedido de anulação – que origina uma forma procedimental autónoma, moldada pelas regras da apelação no que se não mostre especialmente previsto no nº2 do art. 46º da LAV – pressupõe a verificação de algum ou alguns dos fundamentos taxativamente previstos na lei, cumprindo, em regra, à parte que faz o pedido o ónus de demonstrar a respectiva verificação; e tal pretensão não envolve um amplo conhecimento do mérito da decisão que se pretende anular, estando a competência do tribunal estadual circunscrita à matéria da verificação do específico fundamento da pretendida anulação, cabendo, mesmo nos casos em que proceda a pretensão anulatória, a reapreciação do mérito a outro tribunal arbitral, nos termos do nº9 do citado art. 46º.

Por outro lado, resulta claramente do disposto no art. 59º da LAV que as funções cometidas nesta sede aos tribunais judiciais são exercidas pela Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem – no caso, o Tribunal da Relação do Porto, onde correu termos a acção anulatória – cabendo do acórdão proferido pela Relação recurso para os tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa ( nº8 do referido art. 59º) : e é precisamente nesta norma que poderá encontrar suporte a presente revista, já que – tendo a Relação proferido a primeira decisão acerca da pretensão anulatória - não se verificam obviamente as limitações à recorribilidade para o STJ , nos casos de dupla conforme, decorrentes do disposto no art. 671º, nº3 , do CPC: ou seja, no caso dos autos, a presente revista representa o exercício do duplo grau de jurisdição sobre a decisão que conheceu, a final, do mérito da acção anulatória .

No caso dos autos, a ratio determinante da não admissibilidade do recurso radicou na invocação da norma constante do nº1 do art. 671º do CPC, interpretada em termos de a mesma condicionar irremediavelmente o acesso ao STJ ao facto de o acórdão da Relação – que se pretende impugnar – ter incidido sobre decisão proferida por tribunal de 1ª instância, reapreciando-a nos seus termos e fundamentos.

E, assim sendo, na lógica do despacho reclamado, sendo o acórdão da Relação a decisão que, pela primeira vez, em 1ª instância, se pronunciou sobre a pretensão anulatória do acórdão arbitral – não existindo nenhuma precedente decisão que pudesse ser objecto de reapreciação pelo Tribunal da Relação - estaria irremediavelmente excluído o acesso ao STJ.

Será assim?

Ou seja, poderá entender-se que a referida norma pretende excluir cabalmente o duplo grau de jurisdição nas causas em que a Relação haja excepcionalmente actuado, não como tribunal de recurso, mas como órgão jurisdicional que, em 1ª instância, apreciou o objecto do litígio?

Saliente-se que é precisamente este o caso que nos ocupa, já que a acção de anulação de acórdão arbitral é, nos termos da LAV ( art. 59º, nº 1, al. g), da exclusiva competência da Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem: tal acção é, assim, directamente interposta no Tribunal da Relação, que se pronuncia, pela primeira vez, sobre as questões que fundamentam o efeito anulatório peticionado.

Considera-se que a resposta à questão atrás enunciada deve ser negativa, não se vendo – numa interpretação funcionalmente adequada do sistema de recursos que nos rege – razão bastante para excluir o normal exercício pelo STJ do duplo grau de jurisdição sobre decisões finais proferidas pela Relação, em acções ou procedimentos que, nos termos da lei, se devam obrigatoriamente iniciar perante elas.

Neste sentido, podem logo convocar-se relevantes lugares paralelos, em que o acesso ao STJ está assegurado, relativamente a decisões finais proferidas em causas apreciadas em 1ª instância pelas Relações.

Assim, na acção de indemnização contra magistrados o art. 794º do CPC prescreve que do acórdão da Relação que conheça, em 1ª instância, do objecto da acção cabe recurso de apelação para o STJ – sujeito, porém, às particularidades enunciadas no nº2, no que respeita ao regime de interposição e julgamento e ao exercício de poderes sobre a matéria de facto.

Por outro lado, num outro procedimento especial que igualmente se inicia perante a Relação – a revisão de sentença estrangeira – o art. 985º do CPC estatui que da decisão da Relação sobre o mérito da causa cabe recurso de revista.

Note-se que, no anterior CPC, na versão emergente da reforma de 1995/96, o art. 721º estabelecia que cabia revista do acórdão da Relação que decidisse do mérito da causa – sem distinguir os casos em que esse acórdão tivesse sido proferido em via recursória , no termo de acção iniciada perante tribunal de 1ª instância, e aqueles em que se estivesse perante decisão proferida em procedimento excepcionalmente iniciado perante a Relação.

A unificação dos recursos de revista e agravo em 2ª instância, operada em 2007, determinou que o legislador tivesse sentido a necessidade de ampliar o âmbito da revista, estendendo-a, não apenas às decisões que contivessem um julgamento de mérito, mas também a determinadas decisões de natureza adjectiva ou instrumental, nomeadamente as decisões finais: e a referência, inserida no corpo do artigo 671º, nº1, do CPC, a que o acórdão da Relação, objecto de revista, fosse proferido sobre decisão de 1ª instância teve como objectivo esclarecer que o ponto de referência sobre a admissibilidade da revista deixou de ser a decisão de 1ª instância ( como parecia apontar o art. 721º, nº1, do velho CPC, na redacção de 2007), relevando agora inequivocamente o conteúdo do acórdão da Relação que sobre aquela incidiu , independentemente de a sentença ou saneador , proferidos na 1ª instância, terem incidido ou não sobre o mérito ou terem posto termo ao processo (A. Geraldes, Recursos no Novo CPC, pag. 278). 

Ou seja: a referência a que o acórdão da Relação, objecto do recurso de revista, haja incidido, em via recursória, sobre decisão anteriormente proferida em 1ª instância não visa estabelecer que são irrecorríveis para o STJ os arestos que a Relação excepcionalmente profira no âmbito de causas perante tal Tribunal iniciadas – pretendendo antes esclarecer que a admissibilidade da revista se afere face ao conteúdo do acórdão da Relação, e não perante o teor da decisão de 1ª instância por ela reapreciada.


De qualquer modo – e ainda que, interpretando literalmente tal segmento normativo, se entendesse que actualmente, no novo CPC, o recurso de revista só é possível referentemente a acórdãos da Relação que representem já o exercício de um duplo grau de jurisdição sobre a matéria litigiosa, a conclusão que se impunha não seria nunca a da pura e simples irrecorribilidade para o STJ das decisões em que a Relação tivesse conhecido em 1ª instância do objecto da acção – assim excluindo cabalmente, nessas áreas, a regra do duplo grau de jurisdição – mas antes a de que, nesses casos excepcionais, o recurso admissível seria antes o de apelação ( em termos análogos aos que estão previstos no art. 974º do CPC), eventualmente mitigado pela aplicabilidade de um regime misto, que se articulasse designadamente com a natureza do Supremo como Tribunal de revista, cuja competência se circunscreve à apreciação de questões de direito .

Ora, no caso dos autos, estando manifestamente em causa apenas matéria de direito, atinente à verificação ou inverificação da específica causa de anulação invocada, não se torna sequer pertinente abordar esta questão do âmbito dos poderes cognitivos do STJ num recurso em que, impugnando-se decisão proferida pela Relação em 1ª instância, apenas se controvertem estritas questões de direito.


Considera-se, pois,  que nada obsta à apreciação da presente revista ; porém, desde já se realça que – como é típico da acção de anulação da decisão arbitral – o seu objecto não traduz qualquer reapreciação do mérito da causa, vedado aos Tribunais estaduais pelo art. 46º, nº9, da LAV, consistindo, apenas e estritamente, em apurar da verificação ou inverificação dos específicos fundamentos de anulação da sentença arbitral, invocados pela A. na acção que propôs e naturalmente incluídos no âmbito das conclusões que formulou na revista que interpôs do acórdão da Relação que julgou a acção totalmente improcedente.


7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se provimento à reclamação, revogando o despacho reclamado e considerando admissível o recurso interposto, tendo como objecto apurar da verificação ou inverificação dos específicos fundamentos de anulação do acórdão arbitral, invocados pelo recorrente.

Sem custas.


Lisboa, 10 de Novembro de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

António da Silva Gonçalves