Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23306/16.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA RESENDE
Descritores: OBJETO DO RECURSO
ÓNUS DE CONCLUIR
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL
DEFESA DO CONSUMIDOR
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
INTERPRETAÇÃO
LEI ESPECIAL
SEGURADORA
ADERENTE
INVALIDEZ
INCAPACIDADE FUNCIONAL
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
CONTRATO DE MÚTUO
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PROCEDENTE.
Sumário :

I- As conclusões permitem ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilitando a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça, nas resposta às questões suscitadas, pelo que se tal formulação deverá ser interpretada de forma excludente, não será de afastar uma indicação menos abundante ou precisa, desde que no caso concreto seja determinável, enquanto objeto de recurso, por intrínsecas ou consequentes.


II- O regime jurídico constante do DL 176/95, sendo uma lei especial, não se sobrepõe ao das cláusulas contratuais gerais quanto ao dever de comunicação e de informação, pois na devida hermenêutica dos seus dispositivos legais resulta a marcada pretensão de proteção do consumidor no âmbito do então enquadramento da atividade seguradora.


III- O reforço da proteção do aderente não permite considerar que DL 176/95 como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas contratuais gerais, enquanto lei geral ou comum, até porque não se pode considerar que o DL n.º 446/85 seja lei geral ou comum, sendo antes uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos.


IV- A proteção do aderente enquanto consumidor dada o DL 176/95, permite concluir que nos casos em que tiver sido demandada a seguradora, e esta não conseguir provar que cumpriu o ónus de informar o aderente do contrato de seguro, tendo o banco tomador sido afastado dos autos por considerado sem qualquer responsabilidade, que deverá considerar-se o incumprimento oponível à seguradora pelo aderente, com a exclusão do correspondente clausulado.


V- O conceito de invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível importa a ponderação de um conjunto de fatores diversificados, conforme a situação a analisar, e cuja articulação não pode deixar de levar a concluir que o segurado impossibilitado de trabalhar, ficará de igualmente impossibilitado de solver as obrigações contraídas junto da entidade bancária aquando da celebração do mútuo, cuja a superação constitui a razão última para a celebração do contrato de seguro. Ana Resende

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1. AA veio interpor ação declarativa com processo comum contra FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, SA. e CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA., pedindo:


- a condenação da R. Fidelidade a reconhecer ao autor o acionamento das condições da apólice, liquidando à R. Caixa Geral de Depósitos o capital em dívida na data da atribuição ao A. da incapacidade permanente por doença de 84%.


- a condenação da Caixa Geral de Depósitos a aceitar o pagamento do capital em dívida por parte da Fidelidade, declarando extinta a dívida do autor e ainda a reembolsar o autor das prestações pagas desde a data da atribuição da incapacidade permanente que na presente data se cifra em 4.915,16€.


Sem prescindir,


- ser excluída do contrato a cláusula que prevê as condições que a Seguradora refere como pressuposto para ativação do seguro, nos termos das alíneas a) e b) do art.º8 do DL n.º 446/85, de 25 de outubro, por não terem sido comunicadas, com os devidos efeitos legais.


Acrescendo, em todo o caso,


- a condenação solidária das rés no pagamento de quantia a definir equitativamente pelo Tribunal (não devendo ser inferior a 20.000,00€) devida a título de indemnização por danos não patrimoniais.


Tudo acrescido de juros à taxa legal, contados desde a citação das RR, até efetivo pagamento.

1. Alega para tanto que em 5.12.2007 celebrou com a R. Caixa dois contratos de mútuo para aquisição de habitação, no valor total de 121.500,00, a liquidar em prestações mensais de 384,00€, decorrendo a obrigatoriedade de ser celebrado um contrato de seguro de vida com a R. Fidelidade.


Em Janeiro de 2008 sofreu um acidente de trabalho que levou a ser intervencionado na coluna vertebral, e porque não correu da forma esperada, novamente em Maio de 2008 a uma hérnia discal, e ainda em Setembro de 2012, tendo ficado incapacitado para o trabalho habitual, proibido pelos médicos de voltar a pegar em pesos.


Consequentemente acordou com a entidade empregadora a cessação do contrato de trabalho, por não poder prosseguir a sua atividade passando a usufruir da pensão do seguro, por incapacidade permanente e definitiva no valor de 379,00€.


Posteriormente pediu Junta Médica de Atestado Médico de Incapacidade Multiuso que lhe conferiu uma incapacidade permanente global de 84%.


Ficaram assim reunidos os pressupostos exigidos em termos das condições da apólice, tendo interpelado a R. Seguradora que desconsiderou o grau de incapacidade atribuído pela Junta Médica, não tendo correspondência com a incapacidade permanente parcial de 15% e com uma incapacidade permanente para o trabalho habitual, devendo a aquela reconhecer o acionamento do seguro.


Aquando a celebração do contrato de seguro não foi prestada ao A e esposa quaisquer esclarecimentos, não lhe tendo sido devidamente comunicadas as cláusulas contratuais, levando à exclusão da que prevê as condições que a R. Seguradora refere como pressupostos para ativação do seguro.


A recusa da R. Seguradora causou-lhe danos não patrimoniais, afetando de forma negativa a sua estabilidade e da sua família.


2. A R. Caixa veio contestar, referindo que nenhum pedido é contra ela feito, não sabendo, nem tendo a obrigação de conhecer o factualismo aduzido.


Mais aduz não ser verdade que não tenha explicado aos mutuários, no momento da subscrição do seguro de vida associado, as condições gerais a que o mesmo se mostrava sujeito, pois na qualidade de tomadora do seguro apenas lhe competia a explicação genérica relativa às coberturas e exclusões contratadas e aos direitos e obrigações em caso de sinistro, cabendo a explicitação das condições particulares à Seguradora, pois dependentes de exames médicos a levar a cabo pela mesma ou terceiros a seu pedido, dos quais podem resultar exclusões e agravamento dos prémios, estando convencida que após a explicação genérica, a Seguradora remeteu, posteriormente, e após a conclusão dos exames médicos, as condições particulares a que o seguro ficou sujeito, por essa ser a prática seguida.


2.1. A R. Seguradora veio também contestar, confirmando que o A. subscreveu em 12 de outubro de 2007 duas adesões ao contrato de seguro de grupo do Ramo Vida, titulado pela apólice com o número indicado, sendo a R. Caixa a única beneficiária, a ela sendo pago o capital seguro.


No processo que correu termos no Tribunal do Trabalho decorrente do acidente de trabalho em Janeiro de 2008, foi deliberada que o A. ficara portador de uma incapacidade permanente parcial de 12%, e em 2013 suscitado o incidente de revisão da sua incapacidade, por entender que o seu estado de saúde se tinha agravado, e em consequência foi reconhecida uma incapacidade parcial permanente de 15%, importando incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.


Impugna assim que o A. se encontre afetado de doença do foro psiquiátrico que importe uma desvalorização de 70%, segundo a Tabela de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais.


Para além do mais impugnado, invoca que não lhe pode ser oposto o alegado incumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais, sendo o contato de seguro em causa, um contrato de seguro de grupo, impendendo tai ónus sobre o tomador do seguro, no caso a R. Caixa, tendo o A. a devida perceção das condições do contrato, nomeadamente da que define a garantia da invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível, por acidente ou invalidez.

3. A convite do Tribunal veio o A. requerer a intervenção principal provocada do cônjuge BB.

4. Foi realizada perícia médico-legal ao autor, na especialidade de psiquiatria para determinação de doenças e sequelas do foro psiquiátrico, com o respetivo enquadramento na Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais.

5. Efetuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo as RR do pedido.

6. Inconformados vieram os AA apresentar recurso de apelação, sendo proferido Acórdão da Relação de Lisboa que julgou a ação parcialmente procedente e consequentemente revogou a decisão recorrida, substituindo-a pela que julga a ação parcialmente procedente, condenando a R. Seguradora a pagar à CGD o montante dos empréstimos que estava em dívida à data da citação da R. para a ação; mais se condena a R. Seguradora a pagar aos AA os valores que estes pagaram e vierem a pagar à CGD (prestação de amortização de empréstimo) desde a interpelação da Seguradora para a ação e até à data em que a Seguradora liquide esse empréstimo; Absolveu a R. Seguradora do pedido de indemnização por danos não patrimoniais; Absolveu a R. CGD do pedido1.

7. Ora inconformada a R. Seguradora veio interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações, as seguintes conclusões: (transcritas)


1. ficou inequívoca e definitivamente provado que, nos termos contratuais, para que na esfera jurídica da ora Recorrente se viesse constituir a obrigação de efetuar a prestação contratada ao abrigo da cobertura de invalidez que importasse a entrega do capital seguro à Caixa Geral de Depósitos, enquanto entidade beneficiária irrevogável do mesmo, necessário seria que o grau de invalidez de qualquer dos segurados fosse igual ou superior a 66%;


2. ficou inequívoca e definitivamente provado, desde logo por confissão expressa dos A.A., vertida nos artºs. 31 e 32 da p.i. que, “no momento da contratação …lhes foi transmitido que, se por motivo de doença ou acidente, fosse atribuído por uma junta médica incapacidade superior a 66%, poderia ser acionada a apólice” (sic)


3. não resultou provado que a incapacidade permanente de que o A. sofre seja igual ou superior a 66%.;


4. ficou inequivocamente provado que o contrato de seguro “sub judice” consubstancia um seguro de grupo, no qual a Caixa Geral de Depósitos intervém na dupla condição de tomadora do seguro e de única e irrevogável beneficiária do mesmo;


5. ficou inequivocamente provado (Facto provado “M”) que no momento da contratação do seguro com os A.A., aos mesmos foi entregue um exemplar das Condições Gerais e posteriormente enviados certificados de adesão dos quais constavam designadamente as coberturas, exclusões e condições de acionamento do seguro;


6. ficou inequivocamente provado que, apesar do referido na conclusão anterior nenhum dos A.A. alguma vez solicitou à Seguradora ora Recorrente qualquer esclarecimento quanto ao sentido de qualquer das cláusulas constantes do contrato de seguro “sub judice” e, muito em particular das que delimitam o objeto da coberturas propiciadas e das respetivas exclusões;


7. no supra referido contexto quanto as factos provados, tendo por um lado por garantido, como efetiva e necessariamente o está nos autos, que o A. não demonstrou nos mesmos estar afetado de situação de invalidez que para si importe um grau igual ou superior a 66%, por outro que o contrato de seguro “sub judice” é um seguro de grupo, e por outro ainda que os A.A. nunca solicitaram à ora recorrente qualquer esclarecimento sobre o alcance das cláusulas contratuais, o douto acórdão proferido do qual ora se recorre e que parcialmente condena a Ré ora recorrente é manifestamente ilegal, violando o disposto no artº 4º do Dec.-Lei nº 176/95 de 26 de Julho, pois que, não só não cabia à ora Recorrente (mas sim à Ré Caixa Geral de Depósitos, enquanto tomadora do seguro) prestar aos A.A., no momento da contratação, os esclarecimentos necessários (como pelos vistos aquela lhes prestou quanto ao grau de invalidez elegível para fazer funcionar a apólice, que é a questão central que nos autos se discutiu), mas também porque os A.A. nunca à ora Recorrente solicitaram qualquer esclarecimento sobre os textos contratuais durante a vigência do contrato de seguro;


8. Ao ter condenado a ora Recorrente, o douto acórdão ora sob censura, violou o disposto no supra referido artº. 4º do Dec.-Lei nº 176/95 de 26 de Julho.


Termos em que deve ser proferido acórdão que julgue totalmente procedente o presente recurso de revista, e absolvida a Ré ora recorrente, da totalidade do pedido.

1. Os AA vieram apresentar contra-alegações, formulando nas mesmas as seguintes conclusões: (transcritas)


I.O objeto do Recurso é delimitado pelas Conclusões apresentadas.


II. Compulsado o teor das Conclusões da Recorrente, é apodítico que esta APENAS assaca à douta decisão recorrenda a violação do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95.


III. É apodítico que a ÚNICA tese sufragada pela Recorrente é a de que o dever de informação não incidia sobre si, mas antes sobre a Tomadora do Seguro.


IV. Ainda que nas suas Alegações a Recorrente suscite outras questões, como estas não se encontram plasmadas nas Conclusões deve-se concluir, dessa forma, que por expressa opção da Recorrente, esta pretendeu limitar o objeto do seu Recurso.


Vejamos assim o desacerto da pretensão Recursória:


V. O art. 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95 não é uma norma especial em face do regime geral constante do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85.


VI. Tal norma tem por fito ampliar a tutela do consumidor e não a restringir.


VII. Não deixando o contrato de seguro de grupo de ser um contrato de adesão, não se entenderia que o regime pré-contratual previsto no Decreto-Lei n.º 446/85 viesse a ser excluído,


VIII. tanto mais que a Caixa Geral de Depósitos surge como mera intermediária da Recorrente, angariando-lhe clientes e apresentando um clausulado elaborado exclusivamente pela Recorrente.


Na verdade,


IX. o entendimento da nossa Jurisprudência tem sido o de que o regime do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85 é aplicável ao contrato de seguro de grupo e, dessa forma, o incumprimento desse dever implica a exclusão das cláusulas dos contratos singulares.


X. Efetivamente, como se concluiu no novel Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.03.2021, proc. n.º 5924/19.9T8GMR.G1, in www.dgsi.pt., a lei do contrato de seguro não é um regime especial relativamente ao regime das cláusulas contratuais gerais.


XI. Bem assim, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça tem sido o de que a falta de comunicação da cláusula de exclusão pelo tomador do seguro aos aderentes tem como efeito a sua eliminação do conteúdo contratual (cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10.05.2018, proc. n.º 261/15.05T8VIS.C1.S2, de 14.04.2015, proc. n.º 294/2002.E1.S1, de 10.05.2018, proc. n.º 261/15.0T8VIS.C1.S2, de 20.06.2017, proc. n.º 1709/13.4TBFLG.P1.S1, de 18.09.2018, proc. n.º 838/15.4T8VRL.G1.S1, de 29.11.2016, proc. n.º 1274/15.8 T8GMR.S1, e de 09.03.2021, proc. n.º 1197/16.3T8BRG.G1.S1, todos in www.dgsi.pt).


Tudo compulsado,


XII. conclui-se ser entendimento jurisprudencial dominante que o dever de informação nos contratos de seguro de grupo incide quer sobre a Seguradora, quer sobre a Tomadora do Seguro.


XIII. De forma que, não havendo lugar à execução desse dever de informação, as cláusulas que não foram levadas ao conhecimento nem explicadas ao Segurado dever-se-ão ter por excluídas do contrato de seguro, em conformidade com o art. 8.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 446/85.


XIV. Tal como se concluiu na douta decisão recorrenda, que assim deverá ser integralmente mantido, improcedendo o Recurso apresentado in integrum.


Ad cautelam,


XV. Embora a Recorrente tenha delimitado o objeto do presente Recurso à questão de saber sobre quem incide o dever de informação num contrato de seguro de grupo, vê-se que a meio das suas Alegações a Recorrente afirma que “o dever de comunicação e de informação não pode ser interpretado nem aplicado de forma a eximir a pessoa candidata ao seguro de todo e qualquer esforço”.


XVI. Ora, ainda que essa questão viesse a ser conhecida pelo Tribunal ad quem, o que não é possível, sempre o argumento soçobraria, porquanto o ónus de autorresponsabilidade sobre o aderente apenas tem em vista evitar situações claramente clamorosas, impedindo que o aderente se possa prevalecer da sua própria incúria.


XVII. Algo que não ocorre in casu, tanto mais que a Recorrente se limita a afirmar, de forma conclusiva e sem qualquer concretização fáctica, que o aderente não adotou um “comportamento de normal diligência”.


XVIII. Em todo o caso, a alegação de que os Recorridos violaram o seu ónus de autorresponsabilidade consubstancia a invocação de uma questão nova, não podendo ser conhecida pelo Tribunal ad quem.


Exmos. Colendos Juízes Conselheiros:


XIX. por tudo quanto se expôs, é por demais evidente que o Recurso de Revista interposto pela FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., não tem qualquer mérito, devendo naturalmente improceder.


XX. Embora se compreenda – à luz daquilo que é o dever de patrocínio - o desacerto da Recorrente, não deixa de ser factual o seu incumprimento dos deveres de comunicação e de informação previstos no Decreto-Lei n.º 446/85, aplicáveis também aos contratos de seguro de grupo, conforme bem ajuizou o Tribunal a quo.


8. Após redistribuição dos autos por jubilação do Exmo. Senhor Conselheiro relator, cumpre apreciar e decidir.


*

II – ENQUADRAMENTO FACTO-JURIDICO

1. Dos factos.


A. A 5 de dezembro de 2007 o autor e sua esposa BB celebraram com a Caixa Geral de Depósitos dois contratos de mútuo para aquisição de habitação, no valor global de €121.500,00 (€100.000,00 +€21.500,00) a liquidar em prestações mensais de €384,00, em 516 meses.


B. Decorria do referido contrato a obrigatoriedade de ser celebrado um contrato de seguro de vida.


C. O autor subscreveu, a 12 de outubro de 2007, duas adesões ao contrato de seguro de grupo do Ramo Vida, titulado pela apólice nº 16008189 conforme Boletins de adesão juntos a fls. 52 a 53, que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.


D. O contrato de seguro foi celebrado entre a então Companhia de Seguros Império, posteriormente extinta em resultado de fusão por incorporação na Ré ora contestante, que por tal via tomou no mesmo a posição da Império, enquanto seguradora, e a Caixa Geral de Depósitos, na condição de tomadora e única beneficiária.


E. As coberturas acordadas foram a) morte; b) invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível, por doença ou acidente.


F. Aceites as referidas adesões, foram emitidos os certificados de seguro de fls. 54 e 55, que se dão por reproduzidos, sendo os capitais seguros de, respetivamente, €100.000,00 e €21.500,00.


G. O autor interpelou a ré Fidelidade no sentido de ser acionado o seguro por lhe ter sido atribuída uma incapacidade permanente de 84%.


H. A ré Fidelidade negou tal responsabilidade, alegando que a incapacidade atribuída não tem correspondência com a incapacidade permanente parcial de 15% e com uma incapacidade permanente para o trabalho habitual.


I. Nos termos da alínea b) do n.º 3, das condições particulares da apólice contratualizada decorre que:


“o contrato de seguro abrange as seguintes garantias: garantia complementar – invalidez total e permanente por doença ou acidente. Considera-se inválida a Pessoa Segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 66,6%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação ou desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes. A garantia corresponde à antecipação de 100% do capital seguro.”


J. Mais decorre do Certificado de Adesão Vida Grupo, que:


«Invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível por doença ou acidente, de grau igual ou superior a 66%, durante o prazo do empréstimo, no máximo até ao fim do ano civil em que a Pessoa Segura complete 65 anos de idade. Considera-se invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível a limitação funcional definitiva e sem possibilidade clínica de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos:


a) A pessoa segura fique completa, definitiva e irreversivelmente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer atividade remunerada com os seus conhecimentos e aptidões;


b) Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem acima definida, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não sendo aplicados os fatores de bonificação previstos na mesma e não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes;


c) Seja reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social pela qual a Pessoa Segura se encontre abrangida ou pelo Tribunal de Trabalho ou, caso a Pessoa Segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou Instituição de Segurança Social, por Junta Médica.”


K. Em janeiro de 2008 o autor sofreu um acidente de trabalho.


L. Em Junta Médica reunida em 30.09.2013, realizada no âmbito de processo de acidente de trabalho que correu termos no Tribunal de Trabalho da Maia sob o número de processo 83/09.8TTMAI.2, foi deliberado atribuir ao autor um coeficiente global de incapacidade permanente parcial de 15%, com incapacidade permanente para o trabalho habitual.


M. Aquando da celebração do contrato de seguro, foi entregue aos autores documento do qual constavam as Cláusulas Gerais e, posteriormente, enviados os certificados de adesão, dos quais constavam, designadamente, as coberturas, exclusões e condições de acionamento do seguro.


N. Em 9 de abril de 2018 encontrava-se em dívida, quanto aos contratos referidos em A., as quantias de €96.890,52 e €20.831,43.


H. Face à resposta da ré Fidelidade, referida em H., os autores ficaram incomodados.


Factos Não Provados


Nada mais se provou. Designadamente, não se provou que:


- O autor sofra de incapacidade permanente global e definitiva de 84%;


- O autor padeça de doença do foro psiquiátrico que lhe determine incapacidade permanente;


- Danos patrimoniais sofridos pelos autores para além de inconveniência e arrelia por a ré seguradora não assumir responsabilidade pelo pagamento do crédito.

2. Do Direito


2.1.Antes de mais importa frisar que no presente recurso estão ainda em discussão as razões vertidas pelos Autores e a Companhia Seguradora, porquanto no que concerne à 1.ª R., Caixa, mostra-se a mesma absolvida relativamente a tudo peticionado, em termos inquestionáveis.


No que respeita ao âmbito do recurso, como se sabe, as conclusões exercem a importante função da sua delimitação, veja-se o disposto nos n.º 3 e 4, do art.º 635, n.º 3, e desse modo conforme o n.º1, do art.º 639, n.º1, sobre a Recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida, e que como se depreende, não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal, pois o julgador não está sujeito às alegações das partes no tocante a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, art.º 5, n.º3, todas disposições legais do Código Processo Civil (CPC).


As conclusões permitem ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilitando a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça, nas resposta às questões suscitadas, pelo que se tal formulação deverá ser interpretada de forma excludente, não será de afastar uma indicação menos abundante ou precisa, desde que no caso concreto seja determinável, enquanto objeto de recurso, por intrínsecas ou consequentes.


Estas considerações prendem-se com o invocado pelos Recorridos/AA nas suas contra-alegações, apontando como única questão suscitada pela Recorrente a de saber se no Acórdão recorrido foi violado o art.º 4, do DL n.º 176/95, no sentido que o dever de informação impendia perante o tomador, a entidade bancária, e não sobre a Recorrente Seguradora.


Ora, na sequência do mencionado, retira-se que o entendimento dos Recorridos se configura redutor, da leitura das conclusões formuladas pela Recorrente, com referencia expressa de não ter resultado apurado nos autos que a incapacidade do A. fosse de molde à mesma ficar adstrita à obrigação de efetuar ao abrigo da cobertura da invalidez que determinasse a entrega do capital seguro à entidade beneficiária, bem como referem os Recorridos a não violação do dever de informar, quer por os AA nunca o evidenciarem, mas essencialmente pelo o que decorre de estar em causa um seguro de grupo.


Assim, inexistirá qualquer excesso de pronúncia advinda do conhecimento do objeto do recurso, nas duas vertentes enunciadas.


2.2. No Acórdão sob recurso foi invocado o regime das cláusulas contratuais gerais, DL 446/85, caso do art.º 5, no reporte à comunicação de modo adequado, ou com a antecedência necessária para um conhecimento completo e efetivo, incidindo o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva sobre o contratante que submete a outrem as clausulas contratuais gerais, art.º 8, considerando-se excluídas, as cláusulas que não tenham sido comunicadas desse modo, (alínea a) ou com violação do dever de informação, em termos que não seja de esperar o respetivo conhecimento efetivo (alínea b) e no concerne ao art.º 9, no estabelecimento que os contratos singulares mantêm-se em vigor com as normas supletivas aplicáveis, sem prejuízo do recurso às regras de interpretação dos negócios jurídicos, podendo mesmo ser nulos se ocorrer uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais, ou um desequilíbrio gravemente atentatório da boa fé.


Conclui-se que a R. Seguradora comunicou ao entregar as cláusulas gerais mas não informou como era o seu dever, nos seus contornos e alcance, consubstanciando-se uma violação do dever de informação levando à exclusão de tais cláusulas, mantendo-se contudo o contrato, resultando apurada uma incapacidade permanente parcial de 15%, com incapacidade permanente para o trabalho habitual, e assim preenchido o conceito de invalidez, verificando-se o direito de reclamar da R. Seguradora o capital seguro.


Contrapõe a Recorrente, como já se aludiu, que o grau de invalidez do Recorrido é insuficiente em termos de cobertura do contrato, mas também, e mais longamente, a natureza de seguro de grupo do realizado nos autos, e o regime dele decorrente, DL 176/95, de 26 de julho, impondo que o dever de informação devia ser cumprido pelo tomador do seguro, não lhe sendo desse modo oponível, e assim mantendo-se a validade das cláusulas especiais do contrato, e não gerais como certamente por lapso acima se referiu no Acórdão recorrido, e desse modo estando o Recorrido afetado por uma incapacidade parcial permanente de 15% com uma incapacidade permanente para o trabalho habitual, não cumpria a exigência acordada.

1. Ficou apurado nos autos a adesão, em 12 de outubro de 2007, a um contrato de seguro de grupo do Ramo Vida, celebrado entre a seguradora, e a Caixa Geral de Depósitos, na condição de tomadora e única beneficiária, sendo as coberturas acordadas, a morte, e a invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível, por doença ou acidente, sendo aceites as referidas adesões, e emitidos os certificados de seguro, vigorando para o contrato de seguro o DL 176/95, de 26.07, como resultava do art.º 3, n.º1, parte final.


Surgindo despiciendo descrever aqui as características dum contrato de adesão, enquanto seguro de grupo, n.º1, g) do DL 176/95, decorre do art.º 4, n.º1, desse mesmo diploma, que compete ao tomador do seguro informar os segurados sobre as coberturas, obrigações e direitos no caso de sinistro, no n.º 2, competindo aquele o ónus da prova do fornecimento de informações ao tomador, e no n.º4. que o contrato poderia prever que a obrigação de informar seja assumida pela seguradora.


Com efeito não deve ser obliterado que tal dever de informação está intrinsecamente ligado ao conteúdo do contrato, e como tal desenhando-se em termos pré-contratuais, com a comunicação à parte contrária de determinada circunstância ou até ato, na observância do princípio da boa fé contratual que deve pautar o tráfego jurídico e decorrente contratação.


Desenvolvendo-se uma relação trilateral entre a instituição bancária, tomador do seguro, seguradora e aderente, a consideração deste último é relevante, para além de poder ser aquele que suporta no todo ou em parte o prémio, a respetiva conduta desencadeia um conjunto de efeitos, maxime, a satisfação da prestação a efetuar pelo aderente ao tomador, extinguindo-se perante este o crédito decorrente da celebração dos contratos de mútuo com aquele.


No entanto o aderente pode confrontar-se com conteúdos contratuais desequilibrados a seu favor, impostos e não reversíveis, numa manifesta existência de uma posição dominante doutra parte no contrato, e daí compreende-se que sejam chamadas à colação normas que visam restabelecer o equilíbrio, isto é, o regime das cláusulas contratuais, não só como foi referido, mas também delineado para o caso sob análise, com reporte aos artigos 5.º e 8.º, alíneas a) e b) no que concerne à comunicação e dever de informação das cláusulas contratuais.


Em conformidade “(…) considerar o interesse dos aderentes que decorre naturalmente da ligação funcional entre o contrato de empréstimo, o contrato de seguro e o ato de adesão a este último, interesse este cuja proteção é exigida pelos mais elementares princípios da boa fé, sob pena de a adesão ao contrato de seguro que o banco mutuante exige ao seu devedor, como o encargo de suportar o custo do respetivo prémio, não passar artifício destinado a obter mais uma prestação a favor da seguradora muitas vezes ligada ao grupo de que o banco faz parte (…)2, permite concluir que o dever de comunicação ou informação é extensível à seguradora, ainda que esta possa ter um contacto indireto com o aderente, não ficará desobrigada de comunicar ao segurado os requisitos e condições de segurar”3.


Pretendendo contrariar tal entendimento, como acima se aludiu, a Recorrente invoca o regime previsto no DL 176/95, de 29.07, aplicável aos autos.


Na realidade, o regime jurídico constante neste diploma legal, sendo uma lei especial, não se sobrepõe ao das cláusulas contratuais gerais, no que interessa quanto ao dever de comunicação e de informação, pois na devida hermenêutica dos dispositivos legais constantes no DL 176/95, quer o gramatical, quer o racional no atendimento do histórico na correlação com a evolução social, e da ratio legis, ou finalidade da lei, bem como o sistemático, no sentido da conexão com as demais regras jurídicas, resulta a marcada pretensão de proteção do consumidor no âmbito do então enquadramento da atividade seguradora.


Deste modo o reforço da proteção do aderente e não a sua diminuição, não permite considerar que “ (…) DL 176/95 como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas contratuais gerais, enquanto lei geral ou comum. Até porque não se pode considerar que o DL n.º 446/85 seja lei geral ou comum, sendo antes uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos e que o derroga (…) e assim perante duas leis especiais ao regime geral dos contratos que devem ser aplicados de forma harmónica, não se excluindo4.


Perfilha-se assim o entendimento deste Tribunal5, “ Se a omissão do dever de informar for oponível pela seguradora ao aderente, por se considerar que sobre ela não recai qualquer sanção em virtude da omissão do dever de informação competir ao tomador do seguro, a posição jurídica do aderente sofre duro revés”.


Acompanha-se desse modo o argumentário que só podendo o segurado responsabilizar o tomador e beneficiário do seguro e não a seguradora, relativamente à qual o aderente fica mais próximo, desde logo com o pagamento do prémio respetivo determinado por aquela, mas também a complexidade da relação negocial estabelecida, o mesmo segurado enquanto consumidor fica sem proteção eficaz perante a oponibilidade da violação contratual levada a cabo pelo tomador e beneficiário do seguro, sendo patente a preocupação legal, constante do DL 176/95, da proteção do aderente enquanto consumidor, concluindo-se que a proteção que ampara o consumidor, como parte mais fraca, nos casos em que tiver sido demandada na ação a seguradora, e esta não conseguiu provar que cumpriu o ónus de informar o aderente do contrato de seguro, tendo o banco tomador sido afastado dos autos por considerado sem qualquer responsabilidade, determina que deverá considerar-se o incumprimento oponível à seguradora pelo aderente, com a exclusão do correspondente clausulado.


2.3. Aqui chegados, entende-se que não deveria ter sido retirada a consequência que o Acórdão recorrido extraiu, isto é, afastadas as cláusulas das condições particulares do contrato de seguro, como acima foi mencionado, nos termos do art.º 9 do DL n.º 446/85 e ainda do art.º 239, do Código Civil, mantiveram-se em vigor as demais clausulado, a ser interpretado de harmonia com a vontade das partes, desde logo em termos da intenção de celebrar um contrato de seguro vida, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando seja outra a solução por eles imposta.


Ao encontro do que se fez consignar na “declaração de voto” do Acórdão sob recurso, resulta que se mantém incólumes as coberturas acordadas, a) morte e b) invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível, por doença ou acidente.


O conceito de invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível importa a ponderação de um conjunto de fatores diversificados, conforme a situação a analisar, e cuja articulação não pode deixar de levar a concluir que o segurado impossibilitado de trabalhar, ficará de igualmente impossibilitado de solver as obrigações contraídas junto da entidade bancária aquando da celebração do mútuo, cuja a superação constitui a razão última para a celebração do contrato de seguro.


Ora, os elementos constantes dos autos relativamente à situação do segurado são extremamente parcos, apenas se tendo apurado que sofreu um acidente de trabalho, e subsequentemente lhe foi afinal fixada uma incapacidade permanente parcial de 15%, com incapacidade permanente para o trabalho habitual.


Manifesto se torna que o Recorrido não está incapacitado, total e definitivamente para qualquer profissão, para além da inviabilidade de continuar a exercer a sua profissão, impendendo sobre o mesmo demonstrar, porque tal ónus sobre o mesmo recaia, enquanto elemento constitutivo do seu direito, art.º 342, do CC.


Por outro lado, como se salienta na “declaração de voto”, os ditames da boa fé também o impõem, na contemplação de um risco por parte da seguradora para uma incapacidade de tão baixo valor, previsivelmente não aceite pela seguradora, face a um desequilíbrio na relação contratual que como tal seria entendido, e desse modo a sanar.


Em conformidade, conclui-se que não se mostra verificada a cobertura prevista no contrato de seguro, importando na absolvição da Recorrente do pedido.


III – DECISÃO


Nestes termos, decide-se conceder a revista, alterando parcialmente o Acórdão recorrido, repristinando a decisão da sentença, absolvição das Rés do pedido.


Custas pelos Recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 31 de janeiro de 2022

Ana Resende (Relatora)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia


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Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.


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1. Tem declaração de voto, no sentido de confirmar a improcedência da ação.↩︎

2. Cf. Ac. STJ de 2.12.2013, processo n.º 306/10.0TCGMR.G1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎

3. Cf. Ac. STJ de 14.04.2015, processo n.º 294/2002.E1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎

4. Cf. Ac do STJ de 10.05.2018, processo n.º 261/15.0T8VIS.C1.S2, in www.dgsi, pt.↩︎

5. Cf. Ac. do STJ, acima identificado.↩︎