Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10/12.5TTTVD.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: TRANSPORTES INTERNACIONAIS DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR
CRÉDITOS VENCIDOS HÁ MAIS DE CINCO ANOS
REGIME PROBATÓRIO
ALTERAÇÃO DA ESTRUTURA DA RETRIBUIÇÃO
NULIDADE
EFEITOS DA NULIDADE
Data do Acordão: 04/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PRESCRIÇÃO E PROVA DE CRÉDITO EMERGENTE DE CONTRATO DE TRABALHO.
Doutrina:
- Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª edição, 1º, 75,76 e 77.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 11.º, 289.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO/2003 : - ARTIGO 381.º.
CÓDIGO DO TRABALHO/2009: - ARTIGO 337.º.
LCT: - ARTIGO 38.º, N.º2.,
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14/3/2006 E DE 23/1/2008, REC. N.º 1377/05 E PROC. 07S2186, AMBOS DA 4.ª SECÇÃO, RESPECTIVAMENTE, ESTE IN WWW.DGSI.PT .
-DE 05/02/2009, PROCESSO N.º 08S2311;
-DE 27/6//2012;
-DE 24/2/2015, PROCESSO Nº 365/13.4TTVNG.

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-Nº7/2010, PUBLICADO NO DR, 1ªSÉRIE, DE 9.7.2010.
Sumário :
I- A exigência de prova consignada nos nºs 2 dos artigos 38º da LCT, 381º do Código do Trabalho/2003 e 337º do Código do Trabalho/2009, destina-se apenas aos créditos aí expressamente referidos, não abrangendo quaisquer outros créditos do trabalhador vencidos há mais de cinco anos, pois a isso se opõe o carácter excepcional da norma.   

II- Tendo-se declarado a nulidade da alteração do regime convencionado nas clausulas 41ª, nº 1 e 47ª-A do CCTV do sector dos TIR, e condenado a ré a pagar ao autor os valores que em sede de incidente de liquidação se venham a apurar relativamente a despesas com refeições (cláusula 47ª A do CCTV) e a trabalho prestado em dias de descanso (cláusula 41ª, nº 1 do CCTV), no período entre 2003 e 18-10-2011, esta declaração tem efeito retroactivo, devendo o trabalhador restituir tudo o que tiver sido prestado ao abrigo do regime remuneratório que foi praticado, conforme determina o art. 289.º/1 do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

          Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

            AA, residente em ..., intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

BB, Lda, com sede no A..., ..., pedindo que a R seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 126.585,19, acrescida dos juros moratórios à taxa legal a contar de 18.10.2011 e até integral pagamento.

            Para tanto, alegou que:

           - a Ré se dedica ao transporte público rodoviário de mercadorias, tendo sido admitido ao seu serviço em 01.03.1997, para o desempenho das funções de motorista dos CC;

            - à relação laboral estabelecida aplica-se o contrato colectivo de trabalho vertical convencionado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1ª Série, nº 9 de 09.03.1998 e nº 18 de 15.05.1981, de acordo com o qual o Autor tinha direito a que as refeições lhe fossem pagas à factura (cláusula 47-A); a receber uma retribuição mensal não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, em relação a todos os dias do mês do calendário (cláusula 74, nº 7); e ainda a uma retribuição mensal, actualmente de 21.200$00, paga a título de ajudas de custo, conforme à nota publicada no final do anexo II da última alteração salarial;

           - os montantes relativos à cláusula 74ª, nº 7 e ao prémio TIR constituíam remunerações mensais certas, específicas, regulares e periódicas realizadas em dinheiro e independentes do trabalho extraordinário efectivamente prestado, não se destinando a suportar quaisquer despesas e criando no trabalhador a expectativa do seu recebimento e que só podiam ser passíveis de descontos em caso de faltas injustificadas;

           - o Autor no estrangeiro só gastava o necessário com as refeições, as quais têm no CCT outra forma de pagamento a cargo da empregadora, que não através do prémio TIR, o qual constitui uma retribuição que o Autor reserva para ser gasto apenas em Portugal;

            - os motoristas têm direito a receber o “Prémio TIR” nas férias e nos subsídios de férias e de Natal, por ter natureza de retribuição;

           - pela cláusula 41º, nº 1, o Autor ainda tinha direito a que o trabalho prestado em dias feriados ou de descanso semanal ou complementar, isto é,  os sábados, domingos e feriados, lhe fosse pago com o acréscimo de  200%, calculados com base no vencimento base;

          - tendo ainda direito a gozar, em seguida a cada viagem, os sábados, domingos e feriados passados em serviço no estrangeiro, acrescidos dum dia de descanso imediatamente antes do início da viagem seguinte;

           - o facto desses dias de descanso não serem dados a gozar ao trabalhador, implica a obrigação da entidade empregadora lhos remunerar com o acréscimo de 200%;

            - a Ré não pagava ao Autor as refeições à factura, nem antes da saída para as viagens lhe fazia os adiantamentos previstos na dita cláusula 47ª-A para esse efeito e, em vez disso, pagava-lhe à parte, a título de “Ajudas de Custo” e de “Despesas” um montante variável mensal de cerca de 850 euros;

         - por isso, o Autor não pedia, não entregava nem guardava as facturas das refeições, devendo essas despesas ser aferidas pelos “respectivos montantes normais”, sendo que as quatro refeições diárias custam, nos vários países da Europa, uma média de € 40, sendo 15 por cada almoço, 15 para o jantar, 5 euros para o pequeno-almoço e 5 para a ceia;

            - o horário do Autor era de 40 horas semanais, 8 horas por dia útil, de 2ª a 6ª feira, sendo os sábados e domingos os dias de descanso complementar e obrigatório, respectivamente;

            - por carta registada datada de 18/10/2011, o Autor resolveu o contrato de trabalho com efeitos imediatos, invocando como fundamentos:

            - não lhe serem pagas as quantias legalmente devidas e relativas ao disposto no nº 7 da cláusula 74ª do CCT;

            - não lhe ser pago o montante mensal relativo ao Prémio TIR, no montante legal mínimo de € 105,75;

           - a Ré estar a pagar-lhe o montante mensal a título de quilómetros e diárias, bastante inferior ao que receberia se lhe fossem pagas as quantias correspondentes fixadas na lei;

           - não lhe serem dados a gozar, à chegada das viagens, os descansos compensatórios correspondentes aos dias de descanso passados nelas, acrescido do mínimo de 24 horas exigidos pela lei;

            - não lhe serem pagos os montantes relativos à Cláusula 74ª e ao Prémio TIR nos subsídios de férias e de Natal;

           - e porque a gravidade e reiteração e consequências dos referidos factos o impediam de continuar a trabalhar para a Ré, despediu-se com justa causa.

            Por todas estas razões, vem reclamar da Ré o pagamento das quantias que entende serem-lhe devidas, no total de € 126.585,19.

Como a audiência de partes não redundou na sua conciliação, veio a Ré contestar. Por excepção, invocou a ineptidão da petição inicial, por manifesta falta ou deficiência da causa de pedir; a prescrição dos créditos salariais vencidos há mais de cinco anos; e a excepção de abuso de direito na sua formulação de “venire contra factum proprium”.

           E por impugnação, alegou não serem devidas ao Autor as quantias que peticiona, pois exerceu, quase exclusivamente, as suas funções em território nacional, efectuando os descansos semanais na sua residência; que o sistema remuneratório em vigor na empresa, e acordado com o Autor, era mais vantajoso para este do que o que decorre do CCT, razão por que recebeu mais € 263,56, sem computar os valores referentes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2007, que irão acrescer àquela quantia.

Efectivamente, se tivesse recebido o que agora reclama, e do modo como reclama, tal montante estaria sujeito aos impostos legais, pelo que, e considerando uma taxa média de IRS de 15%, facilmente se conclui que os valores recebidos seriam drasticamente reduzidos após o pagamento dos impostos.

           Por isso, e sendo o acordo válido, a Ré nada mais lhe tem a pagar.

Caso assim não seja entendido, deverá o Autor restituir à Ré todas as quantias que lhe foram entregues pelo sistema de pagamento que foi praticado.

           Quanto às despesas com alimentação, a Ré também nada lhe deve, tanto mais que os valores indicados são excessivos.

            Quanto ao prémio TIR, não tinha que ser integrado nos subsídios de férias e de Natal.

E quanto à invocada justa causa, não assiste razão ao Autor por não se verificar falta de pagamento de retribuições, pois nunca reclamou do que recebia; além disso, a forma de cálculo é incorrecta.

Por isso, conclui que não estava comprometida a relação laboral, pelo que se deve considerar que houve uma denúncia do contrato de trabalho sem aviso prévio.

            Quanto às férias e subsídios de férias de 2010, com referência a 2009 e proporcionais de férias, subsídio de férias do ano da cessação do contrato em 2010, a Ré contactou o Autor, aquando da cessação do contrato, informando-o que tais quantias estavam à sua disposição. No entanto, este nunca mostrou interesse em recebê-las.

            Conclui pedindo que:

            - seja considerada procedente a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial por manifesta inexistência de causa de pedir e que, em consequência, seja a Ré absolvida da instância.

            Caso assim não se entenda:

           - seja considerada procedente a excepção peremptória de prescrição dos créditos vencidos há mais de cinco anos, e em consequência seja a Ré absolvida do pedido no que concerne aos valores peticionados relativamente àquele período;

            - seja considerada procedente a excepção de abuso do direito por os pagamentos da Ré terem sido efectuados em razão do acordo celebrado com o A, nunca posto em causa, e que, em consequência, seja absolvida do pedido;

            - seja considerado improcedente a justa causa na resolução do contrato invocada pelo A, e que seja a cessação do contrato de trabalho qualificada como denúncia sem aviso prévio;

           - seja considerado nulo o acordo entre a empresa e o trabalhador no que concerne ao pagamento com base nos quilómetros percorridos, e que seja  o Autor condenado na restituição à Ré das quantias referentes às “Ajudas de custo” por si auferidas desde 2007 a Outubro de 2011, no montante de € 43.966,06;

            - seja considerado procedente o pedido reconvencional e, em consequência, seja o Autor condenado no pagamento da quantia de 1.170,00 euros por falta de cumprimento do prazo de aviso prévio.

           O Autor respondeu pugnando pela improcedência das excepções e da reconvenção, invocando que a Ré litiga de má-fé.

            Esta respondeu, sustentando que isso não se verifica.

           Foi proferido despacho saneador que admitiu o pedido reconvencional, fixou o valor da causa, julgou improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e da prescrição, tendo ainda fixado os factos assentes e organizado a base instrutória.

           Efectuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferido despacho a decidir a matéria de facto provada, tendo a Ré requerido que fosse declarada a sua nulidade por o mesmo consubstanciar a prática de um acto que a lei de processo vigente não admite e que, influindo no exame de decisão da causa, integra a sua nulidade, nos termos do artigo 195º, nº 1 do CPC.

            O Autor pronunciou-se no sentido do seu indeferimento.

            Foi proferida a sentença que desatendendo a arguida nulidade do despacho que fixou a matéria de facto, decidiu a causa nos seguintes termos:

           “Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito exposta, se decide:

1) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 26 823,35 euros (vinte e seis mil oitocentos e vinte três euros e trinta e cinco cêntimos) referente a valores da cláusula 74ª, nº 7 do CCTV devida no período entre 1-3-2003 e 28-2-2009;

2) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 6 136,18 euros (seis mil cento e trinta e seis euros e dezoito cêntimos) referente a valores de prémio TIR devido no período entre 1-3-2003 e 28-2-2009;

3) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 7 288,80 euros (sete mil duzentos e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos) referente a valores em dívida dos subsídios de Natal e de férias dos anos de 2003 a 2010;

4) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 64,60 euros (sessenta e quatro euros e sessenta cêntimos) referente a valores de diuturnidades devidas entre Março e Julho de 2003;

5) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia 1 100,33 euros (mil e cem euros e trinta e três cêntimos) a título de subsídio de férias vencido a 1-1-2011;

6) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 880,38 euros (oitocentos e oitenta euros e trinta e oito cêntimos) a título de retribuição de férias do trabalho prestado em 2011;

7) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 880,38 euros (oitocentos e oitenta euros e trinta e oito cêntimos) a título de subsídio de férias do trabalho prestado em 2011;

8) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 439,37 euros (quatrocentos e trinta e nove euros e trinta e sete cêntimos) a título de remanescente do subsídio de Natal do trabalho prestado em 2011;

9) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 660,20 euros (seiscentos e sessenta euros e vente cêntimos) a título de retribuição do mês de Outubro de 2011;

10) Condenar a ré a pagar os juros de mora vencidos e vencidos sobre os valores referidos de 1) a 9), contabilizados à taxa anual de 4% desde 18-10-2011 e até efectivo e integral pagamento;

11) Declarar a nulidade da alteração do regime convencionado nas cláusulas 41ª, nº 1 e 47ª A do CCTV, condenando a ré a pagar ao autor os valores que em sede de execução de sentença se venham a apurar relativamente a despesas com refeições (cláusula 47ª A do CCTV) e a trabalho prestado em dias de descanso (cláusula 41ª, nº 1 do CCTV) no período entre 2003 e 18-10-2011, devendo sobre os montantes apurados ser deduzidas as importâncias pagas pela ré ao autor por via da alteração do sistema remuneratório e cuja restituição à ré pelo autor se determina;

12) Julgar quanto ao mais improcedente por não provada a acção, nessa parte, absolvendo a ré do pedido;

13) Julgar o pedido reconvencional procedente, por provado, condenando-se o autor a pagar à ré a quantia de 1 170,00 euros (mil cento e setenta euros).

14) Condenar autor e ré, em partes iguais, nas custas do pedido da acção e o autor nas custas do pedido reconvencional.”

Inconformados com a sentença, apelaram A e R, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acordado em: 

1- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor e, nessa sequência, alteram o ponto 11 do dispositivo da sentença recorrida, nos termos seguintes:

11) Declarar a nulidade da alteração do regime convencionado nas cláusulas 41ª, nº 1 e 47ª A do CCTV, condenando a ré a pagar ao autor os valores que em sede de execução de sentença se venham a apurar relativamente a despesas com refeições (cláusula 47ª A do CCTV) e a trabalho prestado em dias de descanso (cláusula 41ª nº 1 do CCTV) no período entre 2003 e 18-10-2011, devendo sobre os montantes apurados ser deduzidas as importâncias pagas pela ré ao autor por via da alteração do sistema remuneratório.

2- Julgar improcedente o recurso interposto pela Ré e confirmam, no mais, a sentença recorrida.

As custas do recurso interposto pela Ré são da sua responsabilidade e as custas do recurso interposto pelo Autor recaem sobre ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.”

Ainda inconformada, traz-nos a R revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) A R. e ora Recorrente foi condenada parcialmente em primeira instância no pedido formulado pelo A. e ora Recorrido, tendo sido condenado a pagar a quantia global de 44.273,59 euros (quarenta e quatro mil e duzentos e setenta e três mil euros e cinquenta e nove cêntimos),

2) Acresce ainda que, a par de tais valores, a Sentença que ora se impugna, também declarou a nulidade da alteração do regime convencionado nas cláusulas 41°, nº 1, e 47° - A do CCTV, condenando a R. e ora Recorrente a pagar ao A, e Recorrido, a quantia que se venha a apurar em sede de execução de Sentença, atinente às despesas com refeições, e ao trabalho prestado em dias de descanso, que decorrem de tais cláusulas do referido instrumento de regulação colectivo de trabalho.

3) O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) veio alterar parcialmente a decisão proferida em primeira instância, ao eliminar no ponto 11 do dispositivo da sentença o segmento de frase onde constava " ... e cuja restituição à Ré pelo autor se determina".

4) Isto é, o TRL considerou que, mesmo que se venha a concluir que o valor pago pela Recorrente ao Recorrido ao abrigo do sistema remuneratório com este convencionado é superior às quantias previstas na CCT, ainda assim este nada terá que devolver e este é, precisamente, o primeiro ponto com o qual a Recorrente não se conforma.

5) O segundo ponto que constitui o objecto do presente recurso é a questão dos alegados créditos salariais vencidos há mais de 5 anos, sobre a qual o TRL considerou - a nosso ver mal - que se tratava de uma questão já decidida definitivamente no despacho saneador.

6) Vejamos; então, com maior profundidade, as questões que motivam o presente recurso:

I - QUANTO À QUESTÃO DA NÃO RESTITUIÇÃO À RÉ DOS VALORES QUE HAJA PAGO PARA ALÉM DOS CONSTANTES NA CCT

7) Em primeira instância, a Mª Juíza a quo considerou - e bem - que caso se comprove que a Recorrente, através do sistema remuneratório ajustado com o Recorrido, lhe tenha pago mais do que aqueles que iria receber caso tivesse recebido as quantias previstas na CCT, que deveria devolver esse valor em excesso à Recorrente.

8) Esta é, pelo menos, a interpretação que fazemos desse segmento da sentença de primeira instância, pois a consequência natural desse raciocínio será o pagamento por parte de quem tenha pago a menos ou, logicamente, a restituição por parte de quem tenha recebido a mais.

9) Já o TRL considerou que, ainda que se verifique que o Recorrido recebeu através de tal sistema remuneratório mais do que receberia através da aplicação CCT, mesmo assim nada terá a devolver. Quid iuris?

10) No Ac. do STJ de 15/02/2005 (Rel. Cons. Vítor Mesquita) pode ler-se "( ... ) Dessa nulidade decorre que o trabalhador tem direito a receber da entidade empregadora as quantias referentes às peticionadas cláusulas 41ª, nº.1 e 74ª, nº 7; porém, tem também o dever, por força do estatuído no art. 289º, nº1, do CC, de restituir as importâncias que recebeu a tal título, e sob a rubrica "ajudas de custo".

11) Já no Ac. do STJ de 27/6/12 (proc. 248/07.7TTVIS.C1.S1, Rel. Cons. Fernandes da Silva) é defendido que "( ... ) As consequências da declaração (oficiosa) de nulidade - que ora se proclama - decorrem da própria previsão legal que prevê a respectiva cominação. São um seu efeito inevitável: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado".

12) Recordamos ainda o Ac. do STJ de 23/01/2008 (Rel. Cons. Vasques Dinis) “A nulidade pode e deve ser declarada oficiosamente pelo tribunal, nos termos do artigo 286º do Código Civil, dando lugar à reposição integral do regime convencional, bem como à restituição de tudo o que houver sido prestado, nos termos do artigo 289º, nº1, do Código Civil, cabendo ao trabalhador o direito a receber todas as prestações previstas no CCT e não pagas e o dever de restituir as prestações auferidas no âmbito da alteração contratual, designadamente as importâncias que recebeu por cada quilómetro percorrido, havendo que deduzir tais importâncias no montante condenatório.

13) E esta questão não é inócua, pois se os alegados créditos a que o A. tem direito ainda estão por provar, já os valores pagos pela R. estão devidamente comprovados.

14) Logo, poder-se-á chegar à conclusão que os valores pagos pela ora Recorrente são de valor superior àqueles que o Recorrido logrou provar ter a receber, pelo que, nessa situação, deverá este ser condenado a restituir os valores que recebeu a mais.

15) Assim sendo, deverá ser revogado o acórdão recorrido nesta matéria, mantendo-se o que foi decidido em primeira instância, nomeadamente, mantendo-se no ponto 11 do dispositivo da sentença o segmento de frase onde constava " ... e cuja restituição à Ré pelo autor se determina".

II - QUANTO AOS ALEGADOS CRÉDITOS SALARIAIS VENCIDOS HÁ MAIS DE 5 ANOS.

16) No despacho saneador proferido em 1ª instância, a Mª Juíza entendeu que não existia qualquer prescrição quanto aos créditos vencidos há mais de 5 anos, tendo o TRL considerado que tal decisão, por não ter sido objecto de recurso, é inatacável.

17) O TRL considerou, ainda, que nos presentes autos não estão em causa os créditos a que alude o nº 2 do art° 337° do CT.

18) Porém, parece-nos que, nestas considerações, existem vários equívocos, nomeadamente, uma coisa é a prescrição dos créditos e outra, bem diferente, é a exigência de prova a que se refere o nº 2 do art° 337° do CT, sendo que o despacho saneador apenas podia incidir sobre a eventual prescrição, pois a tal questão da exigência de prova estava dependente da realização do julgamento e da prova aí obtida.

19) Logo, se se trata de matéria que só na sentença podia ser devidamente avaliada e decidida - conforme a prova carreada para os autos - e se da mesma coube recurso, não há nem podia haver, caso julgado;

20) Aliás, em bom rigor o despacho saneador poderia debruçar-se, efectivamente sobre a questão da exigência de prova, considerando, nomeadamente, que os documentos juntos pelo A. seriam ou não idóneos para os referidos fins e, aí sim, poderia haver uma decisão já transitada em julgado:

21) Porém, não foi esse o caso pois, como assinalámos, a Mª Juíza de primeira instância apenas se debruçou sobre a eventual prescrição e não sobre a idoneidade dos documentos apresentados para a referida prova dos créditos vencidos há mais de cinco anos, questão essa que ficou por tratar em ambas as instâncias.

22) Por outro lado, não é correcto considerar-se, como o faz o TRL, que nos presentes autos não estão em causa os créditos a que alude o nº 2 do art° 337° do CT, pois a exigência de prova aqui consignada não se destina apenas aos créditos aí expressamente referidos, mas a todos aqueles de natureza - similar, já que o legislador quis, acautelar a posição do empregador relativamente a débitos vencidos há já bastante tempo e relativamente aos quais sempre poderia ser difícil a prova de que os mesmos haviam sido satisfeitos.

23) Vejamos porquê: O art. 337°, n.º2 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009 de 12-02 enuncia o seguinte: "O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo."

24) Ora conforme a disposição legal enunciada, os créditos laborais - aqui se incluindo os reclamados pelo trabalhador, ora A. - vencidos há mais de cinco anos só podem ser provados por documento idóneo!

25) Sucede que, a presente acção deu entrada em 06/01/2012; pelo que estarão abrangidos por aquela disposição todos os créditos reclamados, vencidos até 06/01/2007.

26) Sendo certo que os documentos apresentados pelo A. com a petição inicial, - Doc. nº 11 ao nº 91 - ou requeridos pelo A não se afiguram, por si sós, e, para este efeito, como idóneos, os quais se impugnaram devidamente, por não fazerem prova dos factos alegados pelo A., desde logo, porque se trata de documentos, dos quais não constam todas as quantias auferidas pelo A.

27) Seguindo de perto a jurisprudência maioritária dos Tribunais sobre o conceito de «documento idóneo»; "Documento idóneo será o documento escrito com origem na própria entidade empregadora, que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito e que seja suficientemente elucidativo, de molde a dispensar a sua integração ou dilucidação através de outros meios de probatórios, designadamente testemunhas, pois, de contrário, já não seria o documento que constituiria o meio idóneo de prova a que alude o n° 2 do art.º 38º da LCT”. (Ac. STJ de 19/12/2007, Proc. nº 07S3788 (disponível em http://www.dgsLpt).

28) No acórdão do STJ, citado, considerou-se que as "escalas de serviço" juntas aos Autos não preenchiam os referidos requisitos de "idoneidade", para os efeitos do n.º 2 do artigo 38º da LCT, por se tratar de documentos apócrifos e impugnados.

29) E, no sentido de que o documento, para revestir, em termos de força probatória, a natureza de «documento idóneo», tem necessariamente que ter origem na entidade patronal e ser só por si suficientemente elucidativo, por forma a dispensar a sua integração e dilucidação através de outros elementos probatórios, vide A. Neto, in Contrato de Trabalho - Notas Práticas, 16:a edição, págs.259.

30) Segundo o Ac. STJ de 24/02/2010 (proc. 401/0B.6TTVFX.L 1.S1, Rel. Cons. Pinto Hespanhol), "O nº 2 não estabelece um prazo de prescrição diferente para os créditos resultantes da indemnização por falta de férias, pela aplicação de sanções abusivas, pela realização de trabalho suplementar e para os restantes créditos laborais acção [sic]. O que se estabelece nesses preceitos não é um prazo de prescrição diferente do previsto no nº 1 mas tão-somente um regime especial probatório para os créditos aí mencionados, vencidos há mais de cinco anos.

Esse regime especial de prova ou essa especial cautela probatória é perfeitamente compreensível, na medida em que os factos geradores desses créditos são susceptíveis de se situar recuadamente no tempo (e a prova testemunhal, nesses casos, além de difícil não é minimamente segura, atento o tempo decorrido), ao passo que os demais, ou estão regulamentados em legislação especialíssima (v.g. as indemnizações por acidentes de trabalho ou doenças profissionais) ou tiveram lugar pouco tempo antes ou em época imediatamente anterior à cessação do contrato).

Exige-se a prova por documento idóneo, o que tem a sua justificação na circunstância de cada um dos factos geradores da obrigação de indemnização ser susceptível de se situar em épocas recuadas. No dizer de MONTEIRO FERNANDES, obra e pág. citadas, estamos na presença de exigência de certeza do direito e de segurança do comércio jurídico.

O legislador quis, por certo, acautelar a posição do empregador relativamente a débitos vencidos há já bastante tempo e relativamente aos quais sempre poderia ser difícil a prova de que os mesmos haviam sido satisfeitos.

Importa, por outro lado, sublinhar que, relativamente à retribuição de férias; subsídio de férias e subsídio de Natal, dado que o autor não provou por documento idóneo, como lhe competia (artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 38º, n. ° 2, da LCT), os factos constitutivos dos créditos respeitantes à prestação de trabalho suplementar vencidos há mais de cinco anos relativamente ao momento em que foram reclamados (. .. )"

31) Já no recente Ac. do STJ de 17/12/14 (procº. N° 397/11.7MTS.P1.S1), (Rel. Cons António Leones Dantas), deixou-se a seguinte posição: "Os documentos juntos aos autos nunca permitiriam a alteração da decisão recorrida relativamente ao trabalho suplementar alegadamente prestado antes de 13 de Abril de 2006, uma vez que não respeitam as exigências legais decorrentes dos artigos 381º, nº 2 do Código do Trabalho de 2003 e 337º, n° 2 do Código do Trabalho de 2009, relativamente à prova de trabalho suplementar prestado para além dos 5 anos que antecederam a instauração da presente acção, uma vez que não podem ser considerados "documento idóneo" para aquele efeito.

32) Assim, e em suma, os citados acórdãos podem ser sintetizados do seguinte modo:

a)            Documento idóneo será um documento escrito que demonstra a existência dos factos constitutivos do direito que deverá emanar da entidade empregadora e que, enquanto meio de prova bastante deverá dispensar outro meio de prova, nomeadamente testemunhal.

b)            A exigência de prova a que alude o nº 2 do art° 337º não se destina apenas aos créditos aí expressamente referidos, mas a todos aqueles de natureza similar, já que o legislador quis acautelar a posição do empregador relativamente a débitos vencidos há já bastante tempo e relativamente aos quais sempre poderia ser difícil a prova de que os mesmos haviam sido satisfeitos.

c)            o que releva para a contagem dos créditos vencidos há mais de cinco anos, é o da propositura da acção e não o da cessação do contrato de trabalho.

33) Nos presentes autos, a R. foi condenada, entre outras quantias a pagar ao A, a quantia de 26 823,35 euros referente a valores da cláusula 74ª, nº 7, do CCTV devida no período entre 1-3-2003 e 28-2-2009; 6 136, 18 euros referentes a valores de prémio TIR devido no período entre 1-3-2003 e 28-2-2009; 7 288,80 euros referentes a valores em dívida nos subsídios de Natal e de férias dos anos de 2003 a 2010; 64,60 euros referentes a valores de diuturnidades devidas entre Março e Julho de 2003;

34) Veja-se que aquilo que normalmente é denominado de "Cláusula 74ª, nº 7” mais não é do que, precisamente, um valor substitutivo do trabalho suplementar.

35) Isto é, tem uma natureza similar e sucedânea à do trabalho suplementar e, como tal, é perfeitamente abrangido no regime do nº 2 do artº 337º do CT.

36) Já o chamado “Prémio TIR”, que se destina a compensar o trabalhador da penosidade inerente à profissão de motorista que exerce, tal deve, pela sua natureza, ser igualmente abrangida pela exigência de prova já referida.

37) Logo, mesmo que se entenda que tais valores seriam devidos - o que só por mero dever de patrocínio admitimos - ainda assim a R. deveria ter sido absolvida do seu pagamento face à inexistência de documento idóneo que comprovasse a falta desses pagamentos.

38) Como tal, a R. e ora Recorrente só poderia, no limite, ser condenada no pagamento das quantias vencidas após 06/01/2007.

39) O nº 2 do art° 682 do CPC, sob a epígrafe "Termos em que julga o tribunal de revista estabelece que "A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº o 3 do artigo 674º.

40) Por sua vez, o art° 674° do CPC estatui que: A revista pode ter por fundamento:

a)            A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma« aplicável;

b)            A violação ou errada aplicação da lei de processo;

2 - Para os efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, consideram-se como lei substantiva as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de carácter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais.

3 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. (negrito nosso).

41) Conforme se refere no Ac. do STJ de 19/12/2007 (Rel. Cons. Sousa Peixoto): "Saber se determinado documento é idóneo ou não para efeitos do disposto no art. 38º, nº 2, da LCT é uma questão de direito material probatório de que o Supremo pode conhecer." (negrito nosso).

42) E é, manifestamente, esse o caso dos autos e que ora suscitamos, pois a exigência da prova através de documento idóneo - que nos autos não existe - obriga à modificação dos factos dados como provados, designadamente, dando-se como não provados os seguintes factos: 15, 16, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26 (Vd. factos constantes na pág. 31 do Ac. do TRL que aqui se dão por reproduzidos).

43) Porque, precisamente, competia ao A. fazer prova dos mesmos através de documento idóneo - porque legalmente exigido - e o mesmo não o logrou prova por essa via.

44) Pelo que se impõe a alteração dos referidos pontos da matéria de facto, dando-se os mesmos como não provados no que concerne à todas as quantias referentes a períodos anteriores a 06/01/2007, uma vez que deverão ter por não escritas as respostas do tribunal dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos com especial força probatória, sendo a sentença o lugar próprio para apreciar se devem ou não considerar-se demonstrados os factos para os quais a lei exige prova documental.

            Pede-se assim a revogação do acórdão em conformidade.

            O A também alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, emitiu o Senhor Procurador-Geral Adjunto parecer no sentido da improcedência do recurso, o qual não suscitou qualquer reacção.

Assim sendo, cumpre decidir.

2---

Para tanto, vem das instâncias a seguinte matéria de facto:

           1. A ré dedica-se ao transporte público rodoviário de mercadorias – alínea A dos factos assentes.

2. Em 1-3-1997, o autor foi admitido ao serviço da ré para, sob as ordens, direcção fiscalização desta, exercer as funções de motorista – alínea B dos factos assentes.

3. A ré não liquidava as refeições à factura, nem antes da saída para viagens efectuava qualquer adiantamento para tal efeito, antes liquidava mensalmente uma quantia a título de ajudas de custo e despesas – alínea C dos factos assentes.

4. Por carta datada de 18-10-2011, o autor comunicou à ré que rescindia o contrato de trabalho com ela celebrado com fundamento: “a) Por não me serem pagas as quantias legalmente devidas e relativas ao disposto no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT; b) Por não me ser pago o montante mensal relativo ao Prémio TIR, no montante legal mínimo de 105,75 euros; c) Em virtude da Firma me estar a pagar o montante mensal a título de quilómetros e de diárias, bastante inferior ao que receberia se me fossem pagas as quantias correspondentes fixadas na Lei; d) Por não me serem dados a gozar à chegadas das viagens os descansos compensatórios correspondentes aos dias de descanso passados nelas acrescidos do mínimo de 24 horas exigidos pela Lei; e) Por não me serem pagos os montantes relativos à Clª 74.º e Prémio TIR nos subsídios de férias e de Natal; (…) porque a gravidade, reiteração e consequências dos referidos factos me impedem de continuar a trabalhar para esta firma, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, rescindo o meu contrato de trabalho com esta firma, com efeitos imediatos a partir desta data” – alínea D dos factos assentes.

5. Entre 1-3-1997 e 29-2-2000, o autor auferiu retribuição base de 104 180$00 – alínea E dos factos assentes.

6. Entre 1-3-2000 e 31-12-2000, o autor auferiu a retribuição base de 107 305$00 acrescida de uma diuturnidade de 2 590$00 – alínea F dos factos assentes.

7. Entre 1-1-2001 e 31-12-2001, o autor auferiu retribuição base de 110 525$00 acrescida de uma diuturnidade de 2 590$00 – alínea G dos factos assentes.

8. Entre 1-1-2002 e 28-2-2003, o autor auferiu retribuição base de 568,00 euros, acrescida de uma diuturnidade de 12,92 euros – alínea H dos factos assentes.

9. Entre 1-3-2003 e 31-12-2003, o autor auferiu a retribuição base de 585,00 euros, acrescida de duas diuturnidade de 25,84 euros – alínea I dos factos assentes.

10. Entre 1-1-2004 e 28-2-2006, o autor auferiu retribuição base de 585,00 euros acrescida de duas diuturnidades de 25,85 euros – alínea L dos factos assentes.

11. Entre 1-3-2006 e 28-2-2009, o autor auferiu a retribuição base de 585,00 euros acrescida de três diuturnidade de 38,76 euros – alínea M dos factos assentes.

12. A partir de 1-3-2009, o autor auferiu a retribuição base de 585,00 euros acrescida de quatro diuturnidades no valor de 51,68 euros – alínea N dos factos assentes.

13. A ré pagou ao autor a título de despesas mensais, sob a designação de ajudas de custo e despesas, em vez das refeições e dias de descanso as seguintes quantias:

- 1 310,85 euros em 2002, sendo 904,73 euros em Setembro e 406,12 euros em Dezembro;

- 11 842,15 euros em 2003, sendo 1 175,06 euros em Janeiro, 932,73 euros em Fevereiro, 1 368,92 euros em Março, 713,29 euros em Abril, 1 476,60 euros em Maio, 1 494,05 euros em Junho, 493,66 euros em Agosto, 1 431,22 euros em Setembro, 1 271,46 euros em Outubro, 1 056,23 euros em Novembro e 428,93 euros em Dezembro;

- 10 373,65 euros em 2004, sendo 814,66 euros em Janeiro, 1 106,08 euros em Fevereiro, 1 487,95 euros em Março, 672,69 euros em Abril, 499,97 euros em Maio, 1 073,35 euros em Junho, 1 307,00 euros em Agosto, 1 200,19 euros em Setembro, 587,61 euros em Outubro, 879,22 euros em Novembro e 744,93 euros em Dezembro;

- 10 112,94 euros em 2005, sendo 763,91 euros em Janeiro, 736,52 euros em Fevereiro, 859,88 euros em Março, 897,59 euros em Abril, 1 037,93 euros em Maio, 948,17 euros em Junho, 917,71 euros em Julho, 784,04 euros em Agosto, 748,84 euros em Setembro, 1 073,27 euros em Outubro, 964,95 euros em Novembro e 380,13 euros em Dezembro;

- 10 167,45 euros em 2006, sendo 861,83 euros em Janeiro, 828,34 euros em Fevereiro, 1 183,15 euros em Março, 712,58 euros em Abril, 620,22 euros em Maio, 713,97 euros em Junho, 999,72 euros em Julho, 1 042,95 euros em Agosto, 754,63 euros em Setembro, 841,06 euros em Outubro, 933,23 euros em Novembro e 675,77 euros em Dezembro;

- 8 328,80 euros em 2007, sendo 1 023,81 euros em Janeiro, 854,65 em Fevereiro, 911,71 em Março, 725,47 em Abril, 1 157,56 em Maio, 1 065,95 em Julho, 1 160,72 em Outubro, 836,83 em Novembro e 592,10 em Dezembro;

- 8 510,54 euros em 2008, sendo 811,11 euros em Janeiro, 894,83 em Fevereiro, 845,78 em Março, 925,10 em Abril, 634,43 em Maio, 1 060,69 em Julho, 1 081,27 em Setembro, 880,30 em Outubro, 968,15 em Novembro e 408,88 em Dezembro;

- 8 323,44 euros em 2009, sendo 828,64 euros em Janeiro, 746,02 em Fevereiro, 927,80 em Março, 951,20 em Abril, 1 040,26 em Maio, 917,61 em Junho, 1 344,34 em Julho, 900,94 em Agosto e 666,63 em Dezembro;

- 5 681,60 euros em 2010, sendo 548,40 euros em Janeiro, 772,75 em Fevereiro, 1 144,75 em Março, 888,00 em Maio, 705,10 em Junho, 828,60 em Julho e 794,00 em Novembro;

- 4 133,41 euros em 2011, sendo 574,45 euros em Fevereiro, 729,20 em Março, 209,44 em Abril, 1 014,80 em Maio, 628,15 em Julho e 977,37 em Agosto – alínea O dos factos assentes.

14. O autor efectuava transportes nacionais e internacionais – resposta dada ao ponto 1º da base instrutória.

15. A ré não procedeu ao pagamento dos montantes relativos à cláusula 74ª, nº 7 e ao prémio TIR nos meses de Dezembro de 1999, Janeiro e Fevereiro de 2000 – resposta dada ao ponto 2º da base instrutória.

16. Nem incluiu tais verbas no subsídio de Natal de 1999 – resposta dada ao ponto 3º da base instrutória.

17. Entre Março e Julho de 2000, a ré não procedeu à liquidação da primeira diuturnidade – resposta dada ao ponto 4º da base instrutória.

18. A ré não pagou os montantes relativos à cláusula 74ª, nº 7 e ao prémio TIR no período entre 1-3-2000 e 31-12-2001 – resposta dada ao ponto 5º da base instrutória.

19. Nem incluiu tais valores nos subsídios de férias e de Natal devidos em tal período – resposta dada ao ponto 6º da base instrutória.

20. Entre 1-3-2003 e 31-12-2003, a ré apenas pagou 378,21 euros relativos à cláusula 74ª, nº 7 e 216,56 euros ao prémio TIR – resposta dada ao ponto 9º da base instrutória.

21. A ré não pagou os montantes relativos à cláusula 74ª, nº 7 e ao prémio TIR nos subsídios de férias e de Natal devidos em 2003 – resposta dada ao ponto 10º da base instrutória.

22. Em Março de 2003, a ré apenas pagou uma diuturnidade – resposta dada ao ponto 11º da base instrutória.

23. Entre 1-1-2004 e 28-2-2006, a ré apenas pagou 2 276,56 euros relativos à cláusula 74ª, nº 7 e 1 233,40 euros ao prémio TIR – resposta dada ao ponto 12º da base instrutória.

24. A ré não pagou os montantes relativos à cláusula 74ª, nº 7 e ao prémio TIR nos subsídios de férias e de Natal devidos em 2004 e 2005 – resposta dada ao ponto 13º da base instrutória.

25. Entre 1-3-2006 e 28-2-2009, a ré apenas pagou 57,20 euros relativos à cláusula 74ª, nº 7 e 27,86 euros ao prémio TIR – resposta dada ao ponto 14º da base instrutória.

26. A ré não pagou os montantes relativos à cláusula 74ª, nº 7 e ao prémio TIR nos subsídios de férias e de Natal devidos em 2006, 2007 e 2008 – resposta dada ao ponto 15º da base instrutória.

27. A ré não pagou os montantes relativos à cláusula 74ª, nº 7 e ao prémio TIR nos subsídios de férias devidos em 2009 e 2010 – resposta dada ao ponto 17º da base instrutória.

28. As funções referidas em 2 eram de transporte nacional e internacional de mercadorias – resposta dada ao ponto 119º da base instrutória.

29. Efectuando o autor no território nacional o transporte de produtos alimentares – resposta dada ao ponto 120º da base instrutória.

30. Por vezes, iniciava as funções na sede da ré nas instalações no A... – resposta dada ao ponto 121º da base instrutória.

31. A ré sempre praticou o mesmo sistema de pagamento – resposta dada ao ponto 131º da base instrutória.

32. Sem que o autor alguma vez tenha acusado a falta de pagamento de qualquer parcela – resposta dada ao ponto 132º da base instrutória.

33. Após recepção da carta referida em 4, a ré comunicou ao autor que estavam à sua disposição, nas instalações da ré, os créditos vencidos – resposta dada ao ponto 139º da base instrutória.

34. O autor nunca se deslocou à sede da ré para recebimento dos referidos quantitativos – resposta dada ao ponto 140º da base instrutória.

3---

            Conforme se colhe das conclusões da recorrente, são duas as questões que esta coloca na revista:

a) Reposição do ponto 11 do dispositivo da sentença do segmento de frase onde constava " ... e cuja restituição à Ré pelo autor se determina", pretendendo assim que se condene o A a devolver-lhe tudo o que recebeu por conta do sistema remuneratório que era praticado e que se considerou ilegal.

b) Falta de documento idóneo para prova dos créditos vencidos há mais de 5 anos.

Vejamos então cada uma delas, começando-se por esta última matéria, pois podendo implicar alteração da matéria de facto, tal poderá ter repercussões na solução de direito.

3.1---

Sustenta a recorrente que o acórdão proferido errou ao considerar que são devidos os créditos do A vencidos há mais de 5 anos, por inexistir prova documental idónea relativamente a eles, pondo em causa, com esta pretensão, as seguintes quantias:

- 26 823,35 euros em que foi condenada por valores respeitantes à cláusula 74ª, nº 7 do CCTV, no período situado entre 1-3-2003 e 28-2-2009;

- 6 136,18 euros referentes ao prémio TIR devido também no mesmo período (entre 1-3-2003 e 28-2- 2009);

- 7 288,80 euros referentes a valores em dívida nos subsídios de Natal e de férias dos anos de 2003 a 2010;

- e 64,60 euros referentes a valores de diuturnidades devidas entre Março e Julho de 2003.

Pretende assim que só deverá ser condenada no pagamento daqueles valores que se venceram após 06/01/2007, pois o art. 337°, n.º 2, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009 de 12-02 impõe que os créditos vencidos há mais de cinco anos só podem ser provado por documento idóneo, o que não acontece no caso presente.

Ora, sob a epígrafe “Prescrição e prova de crédito” dispõe o art. 337º do Código do Trabalho/2009 que:

 “1 – O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

2 - O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo”.

Trata-se dum regime que já advinha do artigo 38º da LCT e que vigorou até 1 de Dezembro de 2003; e do artigo 381º do Código do Trabalho/2003, que vigorou entre aquela data e 17/2/2009, dia em que o Código do Trabalho actual iniciou a sua vigência.

 É oportuno fazer referência a estes diplomas legais, pois estão em causa créditos do A vencidos após 1 de Março de 2003, altura em que ainda regia a LCT.  

Resulta assim, do nº 1 dos referidos preceitos o prazo de prescrição de todos os créditos laborais, o qual só começa a correr a partir da cessação do contrato, pois durante a sua vigência a situação de dependência do trabalhador poderá não lhe permitir exercer, em pleno, os seus direitos.

Por seu turno, o nº2 consagra não um prazo de prescrição, mas sim uma especial exigência de prova quanto a determinados créditos vencidos há mais de cinco anos, contados do momento em que são reclamados, concretamente, os que resultem da violação do direito a férias, da aplicação de sanções abusivas ou da realização de trabalho suplementar.

De qualquer forma, o prazo de um ano a que alude o nº 1 abrange todos os créditos do trabalhador, que estão assim sujeitos a um único prazo prescricional, tendo por isso que ser reclamados no ano seguinte ao da cessação do vínculo laboral.

No entanto, não é a disciplina deste nº 1 que está aqui em causa, pois o que a recorrente pretende e defende é que a sua condenação não podia abranger um período anterior a 6/01/2007.

Mas não tem razão.

Entendeu o acórdão recorrido que “…não estão em causa os créditos a que alude o nº 2 do artigo 337º do CT/2009, pelo que esta norma é inaplicável ao caso dos autos, além de que os documentos juntos pelo Autor sob os nºs 11 a 91 são os recibos de vencimento entregues pela Ré, constituindo, assim, documentos idóneos quanto às quantias percebidas pelo Autor, termos em que também improcedem, nesta parte, as conclusões da Recorrente.”

Sustenta a recorrente que a exigência de prova consignada no preceito não se destina apenas aos créditos aí expressamente referidos, mas a todos os créditos do trabalhador vencidos há mais de cinco anos, argumentando que o legislador quis acautelar a posição do empregador relativamente a débitos vencidos há mais de cinco anos e relativamente aos quais sempre poderia ser difícil a prova de que os mesmos haviam sido satisfeitos.

Não podemos, porém, aderir a esta posição, tendo que se reconhecer que a Relação tem razão na solução que deu a esta questão.

Efectivamente, o preceito encerra uma regra excepcional, que como tal só abrange os créditos ali mencionados, conforme resulta do artigo 11º do Código Civil.

Na verdade, normas excepcionais são aquelas que regulam um sector restrito de relações com uma configuração especial, consagrando para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, conforme advogam Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4ª edição, 1º, 75,76 e 77.

Ora, relativamente à prova dos créditos emergentes do contrato de trabalho vigora o princípio da plenitude das provas admitidas por lei, tendo o legislador entendido que só se devia afastar deste princípio nos restritos casos mencionados no nº 2 dos preceitos supra mencionados da LCT, do CT/2003 e do CT actual.

Não colhe assim o argumento da recorrente quando sustenta que a exigência de prova consignada nas referidas normas legais não se destina apenas aos créditos aí expressamente referidos, mas a todos os créditos do trabalhador vencidos há mais de cinco anos, pois a isso se opõe o carácter excepcional da norma.    

Argumenta ainda esta que o que normalmente é denominado de Cláusula 74ª, nº 7, mais não é do que um valor substitutivo do trabalho suplementar, pretendendo assim que o crédito do A, respeitante a este título, cabe nas referidas previsões.

Mas também não tem razão.

Efectivamente, consagrou-se neste n.º 7 o direito dos trabalhadores dos CC, deslocados no estrangeiro, a uma retribuição mensal que não pode ser inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.

Sobre a natureza jurídica deste direito tem a jurisprudência entendido, com foros de consensualidade, que se trata de uma retribuição especial que tem por objectivo compensar aqueles trabalhadores pela maior penosidade e esforço que lhes é exigido pelo desempenho de tal actividade, prestada em condições de grande isolamento por, normalmente, terem de trabalhar sozinhos e longe do respectivo agregado familiar e do seu círculo de amigos.

E assim se firmou doutrina no sentido de que é devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efectiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base que é devida. Mas não pressupõe uma efectiva prestação de trabalho extraordinário, pelo que, e revestindo carácter regular e permanente, integra a retribuição.

Foi esta a posição sufragada no acórdão deste Supremo Tribunal de 24/2/2015, proferido no processo nº 365/13.4TTVNG, de cujo sumário se extrai a seguinte doutrina:

1- O nº7 da clª74ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº9, 1ª série, de 08.03.1980, prevê uma retribuição especial que acresce à retribuição normal devida aos trabalhadores TIR, e que se destina a compensá-los pela sua disponibilidade para desempenhar funções nos transportes internacionais, e em condições de maior penosidade e isolamento em que são efectivadas.

2- Tal retribuição, embora seja calculada com referência a duas horas de “trabalho extraordinário” por dia, não pressupõe nem exige a efectiva prestação de qualquer trabalho suplementar, respeitando tal referência apenas ao seu modo de cálculo[1].        

Pelo exposto, e tratando-se duma retribuição mensal, paga em relação a 30 dias, haja ou não prestação de trabalho, e que se destina a compensar o trabalhador pela sua disponibilidade para desempenhar funções como motorista de transportes internacionais, e que não pressupõe nem exige a prestação de trabalho suplementar, não se lhe pode aplicar o regime de prova que advém dos n.ºs 2 dos artigos 38º da LCT, 381º do Código do Trabalho/2003, e 337º do Código do Trabalho/2009.

Argumenta ainda que quanto ao chamado “Prémio TIR”, este se destina a compensar o trabalhador pela penosidade inerente à profissão de motorista que exerce, pelo que, pela sua natureza, deve ser igualmente abrangido pela exigência de prova dos n.ºs 2 das normas acima mencionadas.

Mas também não tem razão.

Efectivamente, e conforme se concluiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 18/1/2005, recurso 923/04 desta 4ª Secção, este “prémio”, pelo seu carácter de regularidade e periodicidade, e não tendo uma causa específica e diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, integra o conceito de retribuição.

Assim sendo, não lhe é aplicável o regime de prova especial que advém dos n.ºs 2 dos artigos 38º da LCT, 381º do Código do Trabalho/2003 e 337º do Código do Trabalho/2009.

Por outro lado, não estando os créditos reconhecidos ao A e respeitantes aos subsídios de Natal e de férias dos anos de 2003 a 2010 e às diuturnidades devidas entre Março e Julho de 2003, sujeitos ao especial regime probatório daqueles nºs 2, improcede esta questão.

 

3.2---

Quanto à segunda questão:

Pretende a recorrente que se revogue o acórdão recorrido, mantendo-se o que foi decidido em primeira instância no ponto 11) do dispositivo da sentença no segmento de frase onde constava " ... e cuja restituição à Ré pelo autor se determina".

Efectivamente constava deste ponto do dispositivo da sentença da 1ª instância:

“Declarar a nulidade da alteração do regime convencionado nas clausulas 41ª, nº 1 e 47ª A do CCTV, condenando a ré a pagar ao autor os valores que em sede de execução de sentença se venham a apurar relativamente a despesas com refeições (cláusula 47ª A do CCTV) e a trabalho prestado em dias de descanso (cláusula 41ª, nº 1 do CCTV) no período entre 2003 e 18-10-2011, devendo sobre os montantes apurados ser deduzidas as importâncias pagas pela ré ao autor por via da alteração do sistema remuneratório e cuja restituição à ré pelo autor se determina;”

Sobre esta matéria decidiu o acórdão recorrido:

“1- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor e, nessa sequência, alteram o ponto 11 do dispositivo da sentença recorrida, nos termos seguintes:

11) Declarar a nulidade da alteração do regime convencionado nas clausulas 41ª, nº 1 e 47ª A do CCTV, condenando a ré a pagar ao autor os valores que em sede de execução de sentença se venham a apurar relativamente a despesas com refeições (cláusula 47ª A do CCTV) e a trabalho prestado em dias de descanso (cláusula 41ª nº 1 do CCTV) no período entre 2003 e 18-10-2011, devendo sobre os montantes apurados ser deduzidas as importâncias pagas pela ré ao autor por via da alteração do sistema remuneratório.”

E fundamentou desta forma a sua posição:

“Regressando ao caso dos autos, constata-se que o tribunal a quo declarou a nulidade da alteração do sistema remuneratório imposto, unilateralmente pela Ré, dado que esta não provou que o sistema por si instituído e divergente do previsto no CCTV aplicável era mais favorável ao Autor.

Seguindo o entendimento sufragado no citado acórdão, por via da declaração da nulidade da estrutura remuneratória, o Autor tem direito a reclamar da empregadora as quantias que lhe eram devidas por virtude da aplicação do CCTV, mas também tem a obrigação de restituir à empregadora as importâncias que recebeu desta, decorrentes do regime remuneratório que lhe foi aplicado.

Extraindo-se dos autos que a Ré pagou ao Autor determinadas quantias, não as previstas no CCTV, mas inferiores a elas, caso contrário ter-se-ia de entender que a alteração da estrutura remuneratória era mais favorável ao Autor do que aquela prevista no CCTV e, consequentemente, não haveria que declarar a nulidade de tal alteração, então, a conclusão que se impõe é que aos valores pagos pela Ré ao Autor e que, conforme refere a sentença, deverão ser apurados em execução de sentença, deverão ser deduzidas as quantias que este recebeu da Ré, na sequência da alteração remuneratória, e só.

Ou seja, o Autor nada tem de restituir à Ré relativamente ao excesso que lhe foi pago pela Ré, caso se verifique excesso, limitando-se tal restituição apenas aos montantes que recebeu da Ré nos termos referidos.

E sendo assim, com vista a evitar qualquer dúvida quanto a esta questão, o ponto 11 do dispositivo não deve ir além da expressão “sistema remuneratório”, termos em que, nesta parte, procede o recurso do Recorrente, com a consequente alteração da sentença.”

É contra esta posição que reage a recorrente, argumentando que a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que cita de forma abundante, vai no sentido da declaração de nulidade da alteração remuneratória praticada implicar que o trabalhador tem direito a receber da entidade empregadora as quantias conferidas pelas cláusulas 41ª, nº 1 e 47ª-A da contratação colectiva do sector. Mas tem também o dever, por força do estatuído no artigo 289º, nº1, do CC, de restituir tudo o que tiver sido prestado ao abrigo da mencionada alteração remuneratória.

Ora, neste ponto temos de dar razão à recorrente.

Efectivamente, diz-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/6/2012:

“…como é entendimento deste Supremo Tribunal, há muito pacificamente firmado, a alteração de alguma das componentes remuneratórias convencionalmente acordadas e previstas em CCT, seja por acordo entre os outorgantes, seja unilateralmente pelo empregador, é nula, por afrontar norma imperativa (no caso o art. 14.º do Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho – Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, em vigor à data da celebração do contrato de trabalho sujeito – com disciplina homóloga nos arts. 4.º, n.ºs 1 e 3, 114.º/2 e 531.º do Código do Trabalho/2003), a não ser que este prove que o sistema praticado resulta, a final, mais favorável ou vantajoso para o trabalhador.

….

Essa nulidade decorre do disposto nos arts. 280.º/1 e 294.º do Cód. Civil e, podendo ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado, pode ser conhecida e oficiosamente declarada pelo Tribunal, ut art. 286º da mesma Codificação.

A declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente – art. 289.º/1 do mesmo Cód. Civil.

….

As consequências da declaração (oficiosa) de nulidade … decorrem da própria previsão legal que prevê a respectiva cominação. São um seu efeito inevitável: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado[2].

Face a esta doutrina, e tendo-se declarado a nulidade da alteração do regime convencionado nas cláusulas 41ª, nº 1 e 47ª A do CCTV, conforme consta da 1ª parte do citado ponto 11), e que não foi impugnado nesta parte, não vemos razão para não se condenar o A na devolução de tudo o que tenha recebido ao abrigo do regime remuneratório praticado, haja ou não excesso em relação àquilo que deveria ter recebido.

Doutra forma, e se o Autor não tiver de restituir à Ré o excesso do que lhe possa ter sido pago pela Ré, caso esse excesso se verifique, e limitando-se tal restituição aos montantes que vierem a ser apurados em sede de liquidação do seu direito, pode resultar uma situação de enriquecimento injustificado do trabalhador, o que não é aceitável nem razoável que se imponha à recorrente.

E assim sendo, é de revogar o acórdão recorrido nesta parte, sendo de repristinar o que a 1ª instância havia decidido no ponto 11) do dispositivo da sentença.

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          Termos em que se acorda nesta Secção Social em conceder parcialmente a revista, e revogar o acórdão recorrido, na parte em que alterou a redacção do ponto 11) do dispositivo da sentença do tribunal de 1ª instância, pelo que:

a) Se repristina o ponto 11) do dispositivo da sentença da 1ª instância, determinando-se que o mesmo seja do seguinte teor:

11) Declarar a nulidade da alteração do regime convencionado nas clausulas 41ª, nº 1 e 47ª A do CCTV, condenando a ré a pagar ao autor os valores que em sede de execução de sentença se venham a apurar relativamente a despesas com refeições (cláusula 47ª A do CCTV) e a trabalho prestado em dias de descanso (cláusula 41ª, nº 1 do CCTV) no período entre 2003 e 18-10-2011, devendo sobre os montantes apurados ser deduzidas as importâncias pagas pela ré ao autor por via da alteração do sistema remuneratório e cuja restituição à ré pelo autor se determina;

b) Mantém-se o acórdão recorrido quanto ao mais.

As custas da revista serão suportadas por ambas as partes na proporção de metade para cada uma delas.

Quanto às custas da apelação interposta pela Ré são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, mantendo-se as custas da apelação do Autor a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, tal como já se havia decidido.

 Mantém-se igualmente a condenação em custas definida na 1ª.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 29 de Abril de 2015

Gonçalves Rocha (Relator)

Leones Dantas

Melo Lima

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[1] No mesmo sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 05.02.2009, proferido no processo 08S2311 e ainda o acórdão com o nº7/2010 (publicado no DR, 1ªsérie, de 9.7.2010).
[2] No mesmo sentido se decidiu nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 14.3.2006 e de 23.1.2008, Rec. n.º 1377/05 e Proc. 07S2186, ambos da 4.ª Secção, respectivamente, este in www.dgsi.pt.