Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A2167
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Nº do Documento: SJ200712180021671
Data do Acordão: 12/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO
Decisão: JULGADA COMPETENTE A 10ª CONSERVATÓRIA DO REGISTO CIVIL
Sumário :
1) É de jurisdição, a decidir pelo Supremo Tribunal de Justiça, o conflito entre a Conservatória do Registo Civil e o Tribunal Judicial para conhecimento da admissibilidade do pedido de alteração do acordo de atribuição de arrendamento da casa morada de família celebrado no processo de divórcio por mútuo consentimento.
2) Se o divórcio por mútuo consentimento foi decretado na Conservatória do Registo Civil e o pedido de alteração do acordo é subscrito por ambos os ex cônjuges, a competência para o apreciar é do respectivo Conservador, como incidente daquele processo.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA e BB requerem a resolução de conflito de jurisdição, ao abrigo do artigo 117º do Código de Processo Civil.

Alegam, nuclearmente, terem sido casados um com o outro; que o casamento foi dissolvido por divórcio por decisão de 23 de Abril de 2002, da 10ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa; que acordaram que o direito à utilização da casa morada de família seria atribuído ao cônjuge marido que dela é arrendatário; que a cônjuge mulher passou a residir noutro local com a filha do casal; que esta sofre de doença grave que a incapacita em 50% necessitando de tratamentos médicos no Hospital de Santa Maria; que, por isso, pretendem alterar a utilização da casa, no que já acordaram.

Sucede que tendo requerido essa alteração na 10ª Conservatória do Registo Civil, a mesma considerou-se incompetente.

Requerendo, então, no Tribunal de Família e Menores de Loures, este decidiu pela inadmissibilidade da alteração mas referiu que, de qualquer modo, a competência seria da Conservatória do Registo Civil.

Inconformados recorreram para a Relação de Lisboa que confirmou a decisão recorrida limitada, embora, à competência que considerou ser da Conservatória do Registo Civil.

Notificados nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 118º do Código de Processo Civil, das autoridades em conflito apenas a Ilustre Conservadora do Registo Civil respondeu.

O Digno Magistrado do Ministério Público foi de parecer que a competência é de atribuir à CRC.

Releva para a decisão a seguinte matéria de facto:


- Em 9.5.06, AA e BB deram entrada, na Secretaria do Tribunal Judicial de Loures e dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores de Loures, do requerimento inicial de fls. 2 a 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

- Por decisão de 23.4.02, transitada em julgado em 8.5.02, proferida no âmbito dos autos de divórcio por mútuo consentimento nº 46 de 2002, que correram termos na 10ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre os ora recorrentes e igualmente homologado o acordo entre os cônjuges quanto à casa de morada de família.

- Tal acordo contemplava a casa de morada de família, sita na Rua Cândido de Figueiredo, nº ..., ...º J, 1500-133 Lisboa, propriedade da Caixa de Previdência do Pessoal do Caminho de Ferro de Benguela e arrendada ao cônjuge marido, a este se destinasse.

O processo vem a conferência sem precedência de vistos.

Conhecendo,

1- Conflito de jurisdição.
2- Casa morada de família.
3- Conclusões.

1- Conflito de jurisdição.

Estamos perante um conflito de jurisdição, não entre dois tribunais de diferentes ordens jurisdicionais mas sim entre uma autoridade dependente da área executiva do Estado e um tribunal judicial, nos termos do artigo 115º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
É este Supremo Tribunal de Justiça o competente para a sua resolução por não ser caso de intervenção do Tribunal de conflitos, tudo face ao preceituado nos artigos 36º nº 1, alínea d) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (aprovada pela Lei nº 3/99, de 12 de Janeiro) e 116º do diploma adjectivo.

E nem se diga que poderia perfilar-se, “ultima ratio”, um conflito entre jurisdições comum e administrativa, ponderando a natureza de certos actos praticados pelas Conservatórias do Registo Civil, e a sua eventual sindicância pela jurisdição administrativa.
Assim não é, no âmbito desta lide, já que, e “ex vi” dos artigos 5º e 8º do Decreto-lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, aquelas Conservatórias têm competência exclusiva em certos processos de jurisdição voluntária referentes a relações familiares devendo, contudo, remetê-las aos tribunais judiciais no caso de controvérsia – oposição.
Ademais, sempre as decisões do Conservador são recorríveis para os tribunais comuns.
Assente, pois, tratar-se de um típico conflito de jurisdição a julgar por este Supremo Tribunal.

2- Casa morada de família.

Não releva, aqui, conhecer a pretensão dos requerentes no seu mérito, como, em primeira linha, fez a decisão da 1ª instância mas, e tão-somente, decidir a questão da competência excepcionada pela Relação.
Trata-se, agora, de atribuição da competência para decidir se, e como, é possível alterar o acordo de atribuição do arrendamento da casa morada de família, logrado em lide de divórcio consensual, em obediência ao nº2 do artigo 1775º do Código Civil, decretado pelo Conservador do Registo Civil.
A atribuição desta competência às CRC, por força do citado Decreto-lei nº 272/2001, surgida para agilizar os processos de divórcio por mútuo consentimento, inclui o acordo sobre a atribuição da casa morada de família (artigo 5º nº 1 alínea b)) sendo que as decisões do Conservador no âmbito dos processos de jurisdição voluntária produzem efeitos iguais aos das sentenças judiciais sobre as mesmas matérias (artigo 17º nº4).
Por outro lado, os Tribunais de Família têm competência para a preparação e julgamento dos processos de jurisdição voluntária relativos aos cônjuges, concorrendo com a competência das CRC quanto aos divórcios por mútuo consentimento (artigo 81º alíneas a) e b) da LOFTJ).
Feito este breve bosquejo, pode concluir-se que, numa fase consensual da jurisdição voluntária, a competência para saber se é possível a alteração do acordo quanto à casa morada de família lavrado em divórcio por mútuo consentimento é da competência da entidade que decretou o divórcio, a processar como incidente da respectiva lide.


Caso o pedido de alteração seja impugnado, a competência é sempre do Tribunal de Família.
Ora, “in casu”, tendo o pedido de alteração da atribuição de arrendamento da casa morada de família sido formulado por ambos os outorgantes, e tendo o mesmo sido homologado pelo Conservador do Registo Civil no âmbito de divórcio por mútuo consentimento que correu termos perante aquela entidade, mantêm-se a competência para conhecer da admissibilidade do pedido de alteração, por se tratar de questão incidental.

3- Conclusões.

De concluir que:

a) É de jurisdição, a decidir pelo Supremo Tribunal de Justiça, o conflito entre a Conservatória do Registo Civil e o Tribunal Judicial para conhecimento da admissibilidade do pedido de alteração do acordo de atribuição de arrendamento da casa morada de família celebrado no processo de divórcio por mútuo consentimento.
b) Se o divórcio por mútuo consentimento foi decretado na Conservatória do Registo Civil e o pedido de alteração do acordo é subscrito por ambos os ex cônjuges, a competência para o apreciar é do respectivo Conservador, como incidente daquele processo.


Nos termos expostos, acordam julgar competente a 10ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa.


Não são devidas custas.


Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho