Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3887/17.4T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO PROCESSUAL
CULPA
NEGLIGÊNCIA
CASO DE FORÇA MAIOR
CASO FORTUITO
CULPA DO LESADO
APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO
APLICAÇÃO DE LEI ESTRANGEIRA
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Segundo o Real Decreto Legislativo 8/2004, de 29 de octubre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley sobre responsabilidad civil y seguro en la circulación de vehículos a motor, o condutor de veículos a motor é responsável, em virtude do risco criado pela sua condução, pelos danos causados a pessoas ou bens no decurso da condução (cfr. artigo 1.º da LRCS).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrida: Verti Aseguradora - Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A.

1. AA, casado, com o número de identificação civil ........ 7 ZY1, residente na Rua do ..., intentou a presente acção declarativa contra Verti Aseguradora, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A., contribuinte fiscal (CIF) A-......01, com sede na Calle ..., e representada em Portugal pela CED Portugal, Unipessoal, Lda., com sede no Largo . . ., pedindo a condenação da demandada a pagar-lhe:

(i) a quantia de € 162.730,00 (cento e sessenta e dois mil, setecentos e trinta euros), relativa aos prejuízos sofridos em resultado do acidente dos autos, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação (compatível com o mecanismo da correção monetária da obrigação de indemnizar) e,

(ii) as despesas medicamentosas, médicas, de tratamento fisiátrico, que vierem a ser realizadas e que deverão ser suportadas pela demandada, ou

(iii) em alternativa, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer-se seja a sua liquidação remetida para execução de sentença.

Alegou para o efeito em resumo que:

- no dia .../02/2016, pelas 09:15 horas, na Estrada A-1605 (Graus – Bonansa (N-260), sentido Graus – Término Municipal le Laspaúles (Huesca), Espanha, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, marca BMW, com matrícula ..-LQ-.., propriedade do demandante e por si conduzido, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula espanhola ... BTF, propriedade e conduzido por BB e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula espanhola .... DCB;

- em resultado da existência de gelo no pavimento, o demandante perdeu o controlo sobre o veículo e, em despiste, o veículo “saiu de frente”, acabou por invadir a berma que, do lado esquerdo delimita a via, imobilizando-se numa pequena ribanceira;

- nenhuma consequência adveio ao demandante e à mulher, passageira, do despiste;

- decorridos mais de 10 minutos após o seu despiste, eis que o veículo de matrícula espanhola ... BTF, que antes circularia pela A-1605 no mesmo sentido de marcha, também ele se despistou, invadindo a mesma berma, tendo atropelado/abalroado o demandante que estava ao lado da porta do condutor do seu veículo;

- decorridos alguns minutos após este último despiste seguido de abalroamento, o veículo de matrícula espanhola .... DCB, também ele se despistou e invadiu a mesma berma esquerda, colidindo no BMW do demandante;

- como consequência do acidente descrito, o demandante deu entrada no Serviço de Urgências do Hospital . . ., onde lhe foram detetadas múltiplas e graves lesões;

- apesar dos tratamentos a que se submeteu, o demandante ficou a padecer definitivamente de sequelas;

- as sequelas incapacitam o demandante para qualquer atividade desportiva e de lazer;

- atualmente, e desde que teve alta médica, mercê destas sequelas, o demandante não é mesma pessoa;

- o demandante necessitará no futuro, periodicamente, de acompanhamento e tratamento psiquiátrico e ortopédico, bem como medicamentoso;

- também teve um avultadíssimo dano patrimonial;

- sofre de uma incapacidade permanente parcial, que terá repercussões (negativas) na sua atividade profissional;

- no atropelamento, o demandante perdeu um relógio, para além do vestuário que trazia vestido que ficou destruído.

2. A ré deduziu contestação, impugnando parcialmente o alegado, e invocando a prescrição do direito invocado pelo autor na presente acção.

Alegou, por sua vez, em resumo, que:

- o veículo do autor, para além de se despistar e invadir a berma que do lado esquerdo delimita a via, colidiu frontalmente contra uma árvore que aí se encontrava;

- escassos momentos após aquele primeiro despiste, o autor viu o veículo espanhol da marca “Renault” a despistar-se, vindo na sua direção, e nessa altura, para se pôr a salvo do atropelamento por aquele veículo, empurrou a outra ocupante do seu veículo e lançou-se por uma ribanceira de dois metros de altura abaixo, acabando por aí ficar estendido, numa zona de pedras;

- as lesões de que padeceu o autor não podem ser imputadas àquele, mas ao impacto causado pelo embate frontal do seu veículo BMW na árvore;

- o autor teve alta médica em ... .6.2016.

Conclui que a excepção deduzida pela ré deve ser julgada procedente e, caso assim se não entenda, deve a presente acção ser julgada em função da prova que vier a produzir-se.

3. O autor apresentou resposta à excepção deduzida, alegando que:

- apenas no dia ... de Agosto de 2016 obteve alta;

- o demandante, a solicitação da representante da seguradora espanhola em Portugal, a CED, de ... de Novembro de 2016, reclamou em ... de Dezembro do mesmo ano, alguns dos danos/prejuízos, salvaguardando outros danos, dado que aguardava a avaliação do dano corporal atribuída pelo médico;

- reclamação esta que foi novamente dirigida àquela representante portuguesa CED, agora por advogado, ora mandatário, com data de ... de Janeiro de 2017.

Conclui pela improcedência da excepção de prescrição.

4. Foi proferido despacho saneador, relegando-se para final a apreciação da excepção de prescrição, bem como despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova, que não foi objeto de qualquer reclamação.

5. Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados pelo autor.

6. Inconformado, veio o autor recorrer, tendo, em ... .01.2023, o Tribunal da Relação de Guimarães proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a Apelação, condenando a Ré a pagar ao A. a quantia total de 48.594,51€ (quarenta e oito mil, quinhentos e noventa e quatro euros e cinquenta e um cêntimos)”.

7. Notificado deste Acórdão, o autor veio apresentar requerimento com o seguinte teor:

O douto Acórdão em mérito deu parcial provimento ao recurso apresentado pelo A./recorrente, condenando a R. no pagamento da quantia de € 48.594,51.

Todavia, não obstante a condenação, o Acórdão não condena a E. em juros, nem tão pouco determina o momento a partir do qual os mesmos são devidos.

I - Tal omissão quanto aos juros, sobretudo quanto ao momento a partir do qual são devidos, apenas poderá resultar de um lapso, de um erro material, que carece de ser retificado.

Na verdade. o A./recorrente no pedido deduzido em (i) (da sua petição) peticionou o pagamento “da quantia de € 162.730,00 (cento e sessenta e dois mil, setecentos e trinta euros), relativa aos prejuízos sofridos em resultado do acidente dos autos, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação (compatível com o mecanismo da correcção monetária da obrigação de indemnizar (cfr. Acs. STJ de 23/04/98 e de 23/09/98 e da RL de 04/09/99)”.

E peticionou o pagamento de juros sobre a quantia arbitrar contados desde a citação.

Neste sentido, nos termos do disposto no artº 614º, nº 1 do C. Processo Civil, requer-se a Vª. Exª. a retificação da parte decisória da sentença, no sentido de dela passar a constar, também, a condenação da Recorrida no pagamento de juros ao Recorrente até efetivo e integral pagamento, bem como o momento a partir do qual os mesmos se contam, na opinião do A./recorrente, a contar da citação.

II – Mas e para o caso de se entender não se tratar de um lapso/erro material, mas sim de uma nulidade por omissão de pronúncia, dado que este Alto Tribunal não se pronunciou sobre a condenação em juros e sobre o momento a partir do qual os mesmos são devidos.

E este Alto Tribunal deveria - porque decidiu pelo provimento parcial do recurso e ainda pela fixação do montante indemnizatório a atribuir ao A. -, tal como se fosse a 1ª instância, pronunciar-se sobre os juros, a sua taxa (à luz da lei espanhola), e o momento a partir do qual são devidos, tal como peticionado, tendo assim deixado de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar.

Tal constituiu uma nulidade da sentença/acórdão, nos termos do disposto no artº 615º, nº 1, al. d) do CPC, que importa suprir, o que se requer”.

8. A ré Verti Aseguradora - Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A., interpôs recurso do Acórdão, “nos termos e a abrigo do disposto no artigo 671º. nº. 1 e nº. 3 a contrario sensu do Código de Processo Civil”.

Termina a sua alegação com as seguintes conclusões:

I – A decisão recorrida não deve manter-se, pois o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia e consubstancia uma solução que não consagra a justa aplicação das normas e princípios jurídicos competentes;

II – Afigura-se à Recorrente que o acórdão recorrido é nulo, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 615º. nº. 1 d) do Código de Processo Civil, em virtude de o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a exceção de prescrição do direito de ação do Recorrido, questão relegada no despacho saneador para final cujo conhecimento ficou prejudicado, em virtude de a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância ter julgado totalmente improcedente a presente ação;

III – A omissão de pronúncia está relacionada com o disposto no artigo 608º. do Código de Processo Civil, na medida em que o citado preceito impõe que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, pelo que, no presente caso verifica-se que ocorre omissão de pronúncia pois, o Tribunal a quo decidiu arbitrar indemnização sem apreciar se o direito do Recorrido estava ou não prescrito;

IV – Nos termos do acórdão recorrido e com o qual, nesta parte, se concorda inteiramente, a lei materialmente aplicável, ao caso sub judice é a do país onde o dano foi infligido, ou seja, a espanhola logo, nos termos do disposto no artigo 1968.º do Código Civil espanhol, o prazo de prescrição, aplicável ao caso em apreço, é de apenas um ano a contar da ocorrência do sinistro;

V – O acidente a que os autos se reportam ocorreu em ... de Fevereiro de 2016, tendo a Recorrente sido citada para a presente demanda em ... de Julho de 2017, pelo que, quer a entrada em juízo da petição inicial, quer a citação da Recorrente, ocorreram depois da data de prescrição do direito à indemnização que o Recorrido invoca – .../02/2017, não se tendo verificado qualquer causa de interrupção da prescrição;

VI – O Tribunal a quo não se podia imiscuir de se pronunciar sobre a prescrição do direito peticionado pelo ora Recorrido, sob. pena de nulidade nos termos da alínea d.) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, logo deveria o Tribunal a quo ter conhecido a exceção de prescrição invocada pela Recorrente nos presentes autos, confirmando a decisão de 1.ª instância de absolvição dos pedidos formulados, ainda que com uma diferente motivação;

SEM PRESCINDIR,

VII – A dinâmica do sinistro a que os presentes autos se reportam encontra-se assente quanto ao facto de o veículo do Recorrido, da marca “BMW”, para além de se despistar e invadir a berma que do lado esquerdo delimitava a via, colidiu frontalmente contra uma árvore que aí se encontrava, o que lhe provocou diversas lesões físicas, tendo, subsequentemente, o veículo segurado pela Recorrente se despistado no mesmo local, em virtude da existência de gelo no pavimento, invadindo também a berma do lado esquerdo que delimita a via, vindo na direção do Recorrido que se lançou por um ribanceira de dois metros, para evitar um possível atropelamento;

VIII – O Tribunal a quo concluiu pela existência de responsabilidade pelo risco imputável à Recorrente, em virtude de, alegadamente, os danos sofridos pelo Recorrido não resultaram apenas do embate do veículo conduzido pelo Recorrido numa árvore, mas também da subsequente queda da ribanceira, estimando que a Recorrente e o Recorrido participaram nos danos na proporção de metade e condenando a Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de €48.594,51 (quarenta e oito mil, quinhentos e noventa e quatro euros e cinquenta e um cêntimos);

IX – Carece de total e absoluto fundamento a decisão recorrida, a qual decorre de erro na interpretação e aplicação das normas constantes do artigo 1.º do Real Decreto Legislativo 8/2004, de 29 de outubro, que aprova a Ley sobre responsabilidad civil y seguro en la circulación de vehículos a motor (doravante LRCSCVM), do artigo 1104.º do Código Civil espanhol, bem como do artigo 217.º, n.º 2 e 3 da Ley de Enjuiciamiento Civil;

X - O artigo 1.º da LRCSCVM aplicável ao caso em apreço, excluí a existência de responsabilidade pelo risco em acidentes com veículos a motor quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou terceiro ou quando se verifique uma causa de força maior;

XI - É entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade pelo risco exige verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, à excepção da ilicitude e da culpa, ou seja, para que se afirme a responsabilidade pelo risco basta a ocorrência de um facto naturalístico (lícito ou ilícito) e de um nexo de causalidade entre o facto e o dano;

XII - O Recorrido não logrou provar o nexo de causalidade entre um qualquer ato do condutor do veículo segurado pela Recorrente (independentemente de existência de culpa) e os danos que sofreu;

XIII - Apesar de o artigo 1º da LRCSCVM, estabelecer que, em caso de ocorrência de lesões corporais decorrentes de acidente de viação, estabelece-se uma presunção de culpa do condutor do veículo causador do acidente, tal presunção não isenta o autor do ónus de provar o facto imputável ao lesante causador do dano, o dano, bem como o nexo de causalidade entre esse dano e o acto ilícito invocado, conforme artigo 217.º, n.º 2 e 3 da Ley de Enjuiciamiento Civil;

XIV - Atendendo à lei substantiva aplicável ao caso em apreço, impendia sobre o Recorrido a prova irrefutável da existência de nexo de causalidade entre o facto imputável ao Recorrente e o dano provocado ao Recorrido, o que não se verificou nos presentes autos. – cfr. Audiencia Provincial, com sede em Pontevedra, Sección: 3, com data de 28/04/2022, com o Nº de Recurso 763/2021, Nº de Resolución 232/2022, texto original em em https://www.poderjudicial.es;

XV - O Tribunal a quo, manifestamente viola o disposto no atigo 217.º, n.º 2 e 3 da Ley de Enjuiciamiento Civil, não podendo tal decisão manter-se, nos termos do 674.º, n.º 1, alínea a.) do Código de Processo Civil;

XVI - Não pode o Recorrido provar a verificação de qualquer nexo causal nos termos expostos nas conclusões anteriores, pois os danos sofridos pelo próprio são da responsabilidade única e exclusiva do Recorrido, não podendo a Recorrente, na qualidade de seguradora do veículo “Renault” – segundo veículo a despistar-se no local – que nunca embateu no Recorrido, ser responsabilizada pelos potenciais danos sofridos pelo mesmo, em virtude de o veículo do Recorrido ter colidido com uma árvore e subsequentemente este ter tomado a decisão negligente de saltar para uma ribanceira de 2 metros;

XVII - O Recorrido, após se despistar e embater com o seu veículo numa árvore por causa de uma placa de gelo existente na via de trânsito, precedida de uma curva com pouca visibilidade (pontos 2.4 e 2.8 do elenco dos factos dados como provados), contrariando todas as regras de prudência e cuidado, decidiu sair do veículo e manter-se na berma onde o seu veículo se despistou;

XVIII - Cotejada a petição inicial, constata-se que, o Recorrido ficou no local do embate, a retirar as bagagens do veículo em virtude de um alegado medo de explosão do mesmo e que, quando o próprio veículo deixou de emitir fumo, voltou a recolocar as bagagens dentro do mesmo;

XIX - O Recorrido violou as mais elementares regras de cuidado e diligência, demonstrando uma conduta perfeitamente temerária e que foi, sem qualquer dúvida, causa adequada deste acidente, na medida em que, decidiu sair do seu veículo e ficar num local de pouca visibilidade, mediado por uma ribanceira e por uma faixa de rodagem coberta por uma placa de gelo que provocou o despiste do seu próprio veículo, correndo o risco sério e previsível de ser abalroado por outro veículo que realizasse a mesma trajetória que a dele;

XX - Tendo em conta a dinâmica do embate do veículo do Recorrido e as características do local, o Recorrido deveria ter tomado maiores precauções e não descurar as diligências necessárias e impostas pelas regras estradais, como fez, violando o artigo 1104.º do Código Civil espanhol;

XXI - O Recorrido, posteriormente ao embate do seu veículo na árvore e imobilização do mesmo na berma, não atuou com diligência a que estava obrigado, não assumindo qualquer comportamento preventivo, que acautelasse a sua segurança, atendendo as características do local e o perigo inerente à circulação de outros veículos, agindo assim com culpa;

XXII - É evidente e indiscutível, o nexo de causalidade entre os danos sofridos pelo Recorrido e a conduta ilícita que lhe é imputável, ao ignorar e desprezar as normas estradais que lhe impunham atuar com zelo e diligência, por forma a evitar a contribuição para um perigo ou dano maior, nos termos e abrigo do disposto no artigo 2.º e artigo 129.º, n.º 1 e n.º 2 alínea a.), b.) e c.) do Real Decreto 1428/2003, de 21 de novembro, que aprova o Regulamento Geral de Trânsito;

XXIII - Ao condutor segurado pela Recorrente não pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo acidente, pois não era expectável, para ele ou para qualquer outro condutor minimamente diligente que, evitasse a trajetória onde o Recorrido se encontrava, quando o seu veículo, à semelhança do veículo do Recorrente se despistou na placa de gelo existente e entrou em desgoverno;

XXIV - O Recorrido é o único responsável pela ocorrência do acidente - que o proporcionou - sem que se possa atribuir ao condutor do veículo "Renault” ou aos riscos próprios do veículo, qualquer contribuição na respectiva produção;

XXV - Tendo o Recorrido, em virtude de um despiste provocado pela placa de gelo existente, embatido com o seu veículo, na árvore que se encontrava na berma da faixa de rodagem, devia admitir a possibilidade de os veículos que circulassem em tal local pudessem ter o mesmo destino, despistando-se, tal como ocorreu com o veículo egurado pela Recorrente e um terceiro veículo identificado nos autos e, consequentemente abalroá-lo;

XXVI -Nunca se poderia constatar que, o despiste do veículo segurado pela Recorrente concorreu ou foi causa adequada para a provocação dos danos sofridos pelo Recorrido, visto que, a mulher do Recorrido encontrava-se no mesmo local que ele e não apresenta danos similares aos do mesmo, pelo que, foi a decisão negligente do Recorrido em saltar para a ribanceira de dois metros que poderá ter concorrido para os danos já existentes - vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/10/2021, processo n.º 7007/16.4T8PRT.P1-A.S1, in www.dgsi.pt;

XXVII -A produção do acidente a que os presentes autos se reportam ficou a dever-se em exclusivo á culpa do próprio lesado, o que constitui circunstância excludente da responsabilidade objetiva da Recorrente, enquanto seguradora do veículo “Renault” interveniente no sinistro, pela reparação dos danos sofridos pelo Recorrido.

XXVIII -No caso em apreço, resulta ainda que o despiste do veículo segurado pela Recorrente e, o subsequente salto do Recorrido de uma ribanceira consubstancia um caso de força maior, estranho ao funcionamento do referido veículo.

XXIX - Carece de total e absoluto fundamento a decisão recorrida, a qual decorre de erro na interpretação e aplicação das normas constantes do artigo 1.º da LRCSCVM e do artigo 1105.º do Código Civil espanhol.

XXX - O caso de força maior, definição prevista no artigo 1105.º do Código Civil espanhol, é excludente da culpa e até da responsabilidade civil lato sensu.

XXXI - Atendendo à redação do artigo 1.º LRCSCVM, que se entende por força maior, toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização do veículo, o que inclui factos naturais externos, nomeadamente a ocorrência de ventos fortes e de descargas atmosféricas directas, tempestades de neve, solidificação de placas de gelo na faixa de rodagem, entre outros, são fundamentos para qualificar a ocorrência como causa de força maior, por serem elementos exteriores, independentes do funcionamento e utilização do veículo.

XXXII - In casu, o condutor do veículo segurado pela Recorrente respeitou todos os deveres objetivos de cuidado e normas estradais aplicáveis, sendo que, foi o surgimento, imprevisível para o condutor, de uma placa de gelo que se formara na via de trânsito que, deu origem ao despiste do veículo, tal como ocorreu com o veículo conduzido pelo Recorrido.

XXXIII - O despiste do veículo segurado pela Recorrente deveu-se a um caso de força maior, atendendo que a solidificação da placa de gelo é um acontecimento imprevisível, decorrente de fatores externos, designadamente meteorológicos, cujo efeito danoso não pode evitar-se com as medidas de precaução que racionalmente seriam de esperar, pelo que, verifica-se uma causa excludente da responsabilidade pelo risco imputável à Recorrente, nos termos do artigo 1.º LRCSCVM.

XXXIV – A decisão recorrida violou as normas e princípios jurídicos constantes do artigo 1.º da LRCSCVM, dos artigos 1104.º e 1105.º do Código Civil espanhol, bem como do artigo 217.º, n.º 2 e 3 da Ley de Enjuiciamiento Civil, porquanto os mesmos não foram interpretados e aplicados com o sentido versado nas considerações anteriores.

XXXV – Admitindo-se o presente recurso de revista, deverá ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo-se a Recorrente de todos os pedidos formulados.

CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,

XXXVI – O n.º 2 do artigo 1.º da LRCSCVM, aplicável ao caso sub judice, prevê que, quando o próprio lesado contribui para a produção do dano, seja porque provocou um agravamento dos danos ou descumpriu com normas de segurança, a indemnização devida ao lesado deverá ser reduzida até ao máximo de 75%, sendo-lhe apenas reconhecido o direito a ser ressarcido no valor de 25% da indemnização legalmente arbitrada.

XXXVII – O douto Acórdão recorrido conclui que: “Uma vez que não é possível apurar que danos foram causados por ou outro dos acidentes, estima-se que cada um participou nesses danos na proporção de metade, pelo que a(s) indemnização(ões) que for(em) apurada(s) será(ão) reduzida(s) na proporção de metade.”

XXXVIII – Carece de total e absoluto fundamento a decisão recorrida, a qual decorre de erro na interpretação e aplicação da matéria factual subjacente aos presentes autos e das normas constantes do artigo 1.º, n.º 2 da LRCSCVM, cuja redação é homóloga à do artigo 570.º do Código Civil, no ordenamento jurídico português.

XXXVIII - Salvo o devido respeito, não pode o Tribunal a quo, só porque não consegue precisar quais os danos causados por cada um dos acidentes explanado nos presentes autos, presumir que a Recorrente, na qualidade de seguradora do veículo “Renault” e o Recorrido, condutor do veículo “BMW”, contribuíram na proporção de metade para a verificação dos danos sofridos pelo último,

XXXIX - É necessário apreciar no caso em apreço, a natureza das lesões sofridas, a atuação de cada um dos intervenientes e a gravidade da mesma, as especificidades da dinâmica dos sinistros ocorridos, entre outros fatores essenciais para apurar, concretamente, a contribuição de cada um dos intervenientes para a produção dos danos.

XL - Do relatório de medicina legal, do perito médico CC, a fls. dos autos, resulta que as principais lesões sofridas pelo Recorrido são lesões torácicas que, seguem o traçado do cinto de segurança lesões na espinha lombar e dorsal inferior, concluindo que essas lesões são típicas de colisões frontais de elevada intensidade, como ocorreu quando o veículo do Recorrido colidiu com a árvore, ou seja, resulta dos próprios autos que, os principais danos sofridos pelo Recorrido devem-se à ocorrência do primeiro sinistro a que os presentes autos reportam, do qual o veículo segurado pela Recorrente não contribuiu de forma alguma.

XLI - Subsequentemente a tal sinistro, o veículo segurado pela Recorrente despistou-se no mesmo local, em virtude da existência de gelo no pavimento, invadindo também a berma do lado esquerdo que delimita a via, vindo na direção do Recorrido que se lançou por uma ribanceira de dois metros.

XLII - Analisando a dinâmica dos dois sinistros, o veículo segurado pela Recorrente não interviu no primeiro sinistro e, quanto ao segundo sinistro, o aludido veículo não atropelou, nem tão-pouco embateu no Recorrido, tendo este tomado a decisão imprudente de se lançar por uma ribanceira de dois metros, decisão que se revelou injustificada atendendo que a sua mulher, que também se encontrava no local não sofreu quaisquer lesões, como já mencionado.

XLIII - O segundo acidente, analisado isoladamente, não poderia ser suscetível de causar as lesões sofridas pelo Recorrido, podendo quando muito, ter contribuído para um agravamento das lesões já existentes, devido à colisão frontal do veículo do Recorrido com uma árvore.

XLIV - Tal sinistro teria inclusivamente sido evitado se o Recorrido tivesse tomado as diligências e precauções que lhe eram exigidas nos termos dos artigos 2.º e 129.º, n.º 1 e n.º 2 alínea a.), b.) e c.) do Real Decreto 1428/2003, de 21 de novembro, que aprova o Regulamento Geral de Trânsito, não permanecendo no local do sinistro, sujeitando-se ao perigo eminente de despiste de outro veículo, tal como aconteceu.

XLV - Caso seja entendido adequado a ocorrência de divisão de responsabilidades entre os intervenientes nos sinistros ocorridos, essa responsabilidade recai de forma mais significativa e primordial para o Recorrido, relativamente ao comportamento do condutor do veículo segurado pela Recorrente, devendo, neste entendimento, inverter-se a divisão plasmada no douto acórdão recorrido, passando a responsabilidade de 75% a recair sobre o Recorrido e o remanescente sobre o veículo segurado pela Recorrente, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 1.º, n.º 2 da LRCSCVM.

XLVI - A decisão recorrida violou a lei aplicável na apreciação dos factos provados, nomeadamente os dispositivos estradais contidos nos dos artigos 2.º e 129.º, n.º 1 e n.º 2 alínea a.), b.) e c.) do Real Decreto 1428/2003, de 21 de novembro e o artigo 1.º, n.º 2 da LRCSCVM, e bem assim, desconsiderou a necessidade de apuramento da contribuição das partes na ocorrência dos sinistros e consequente produção dos danos.

XLVII - Caso se considere ser ajustado, no presente caso, a repartição de responsabilidades entre os intervenientes dos acidentes a que se referem os presentes autos – o que por mera hipótese se equaciona – deverá ser revogado o acórdão recorrido, condenando a Recorrente a pagar ao Recorrido, a quantia total de €24.297,26 (vinte e quatro mil, duzentos e noventa e sete euros e vinte e seis cêntimos), correspondente a 25% da indemnização arbitrada”.

9. O autor AA respondeu à alegação.

Na sua opinião, “deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a decisão sob censura, com as legais consequências,

i) Não devendo ser apreciada a questão da prescrição invocada pela recorrente, por ser manifestamente extemporânea a sua invocação nesta instância ou,

ii) Caso assim se não entenda, deverá a mesma improceder por: i. a mesma, atenta a data da consolidação médico-legal das lesões, com o que ação deu entrada antes de decorrido um ano sobre esta e, ii. e ainda as interpelações realizadas à recorrente (na pessoa dos advogados e ainda da sua representante em Portugal), com o que a prescrição foi interrompida antes da entrada da ação em juízo;

iii) deverá ainda improceder a questão da culpa do lesado”.

Expõe ele, em conclusão:

I. O recurso em mérito versa sobre matéria de direito, mais especificamente, com a alegada nulidade por omissão de pronúncia do douto Acórdão, quanto à exceção perentória de prescrição alegada pela Recorrente, com a alegada não verificação dos pressupostos da responsabilidade pelo risco e com a alegada culpa do lesado.

II. O Recorrido, por não concordar, manifestamente, com o recurso interposto pela Recorrente, vem contra-alegar, versando as suas contra-alegações sobre três aspetos essenciais.

III. O primeiro aspeto, relaciona-se com uma questão prévia, que é a dos poderes de cognição do supremo tribunal de justiça e da falta de ampliação do objeto do recurso.

IV. Os artigos 671.º, n.º 1 e 674.º do CPC, fazem referência às decisões que são suscetíveis de recurso para este tribunal superior, bem como, aos fundamentos para interposição desses mesmos recursos.

V. Se contrapusermos os poderes do Supremo Tribunal de Justiça, com os conferidos à 1.ª instância, e, sobretudo, à Relação, é fácil de concluir que aquilo que o legislador pretendeu foi apartar do poder cognitivo daquele Tribunal, i.e, do Supremo, a sindicância do resultado da ponderação dos meios de prova de apreciação livre postos à consideração do juiz, julgando provados ou não provados os factos controvertidos, confiando esta tarefa aos Tribunais da Relação, desde que sejam impugnados esses factos.

VI. Isto vale por dizer que, o Tribunal da Relação é o Tribunal com poderes para firmar o seu próprio juízo, não estando espartilhado pelo juízo probatório firmado em sede de primeira instância, podendo manter, alterar ou até anular aquilo que foi julgado e assente em primeira instância (crf. Artigo 662.º do CPC).

VII. Ou seja, no que concerne à matéria de facto, esta não pode ser objeto de decisão por parte do Supremo, uma vez que o poder decisório sobre a mesma está excluído das suas competências.

VIII. No caso vertente, o pedido formulado pelo Recorrido, em sede de primeira instância, foi julgado totalmente improcedente. Contudo, e apesar do aqui Recorrido ter interposto recurso da decisão, a Recorrente não o fez, pese embora o Tribunal de 1.ª instância não se tenha pronunciado sobre a exceção de prescrição invocada pela Recorrente.

IX. Ora, tendo a Recorrente saído vencedora, mas não tendo a decisão versado sobre a exceção da prescrição alegada pela mesma, necessário seria que a mesma, para se precaver da possibilidade de a parte vencida interpor recurso e de obter vencimento – como sucedeu – deveria ter ampliado o objeto do recurso, em sede de contra-alegações, nos termos do artigo 636.º, n.º 1 do CPC, o que não sucedeu.

X. Nos termos do n.º 2 da norma supra mencionada, a Recorrida, aqui Recorrente, poderia, ainda, na respetiva alegação, e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo Recorrente, aqui Recorrido, coisa que a Recorrente não fez.

XI. Em suma, a aqui Recorrente não invocou a prescrição em sede de contra alegações (com ampliação do objeto do recurso), motivo pelo qual, não pode agora vir arguir a prescrição e a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prerrogativa que está precludida, não podendo agora vir pedir que este Tribunal se pronuncie sobre esta questão.

XII. Noutra margem, e ainda a propósito da exceção perentória da prescrição, o Recorrido contra-alega com base em dois outros argumentos (início do prazo de prescrição e interrupção do mesmo), apenas por mera cautela.

XIII. Assim, o regime da prescrição das ações de indemnização por danos, decorrentes de responsabilidade extracontratual está sujeito ao prazo prescricional de um ano fixado no artigo 1968.º, n.º 2, do Código Civil Espanhol (doravante CCE). XIV. Não obstante, em Espanha, tanto a doutrina como a jurisprudência (vide estudo sobre direito comparado) interpretam a referida norma no sentido de que a contagem do prazo, no caso de lesões corporais, como é o caso, (vide lesões – arts. 52 da petição e seguintes – e sequelas – arts. 69 e ss. do mesmo articulado), conta-se a partir do momento da alta médica, pois só a partir dessa ocasião é que o lesado está em condições de exercer a ação, valorando o alcance efetivo e total das lesões com um conhecimento mais exato dos danos.

XV. A este propósito, veja-se o disposto nos artigos 1902.º, 1961.º, 1968.º, n.º2, 1969.º e 1973.º do CCE.

XVI. Nas palavras de Fernando Reglero Campos, “Tratado de Responsabilidad Civil”, I, 2008, p. 1209, a doutrina espanhola acentua que o regime da prescrição das ações de indemnização por danos, decorrentes da responsabilidade extracontratual assume, naquele ordenamento jurídico, uma relevância particular, onde é tida em conta a brevidade do prazo prescricional de um ano fixado pelo artigo 1968.º, n.º 2 do CCE.

XVII. No que releva quanto ao início do cômputo deste prazo, no caso de lesões corporais, a jurisprudência espanhola tem declarado, de forma unânime que este prazo “iniciará su cómputo en el momento en que el enfermo o lesionado sea dado de alta médica por finalización del tratamiento y puedan conocerse de manera cierta las secuelas persistentes”.

XVIII. Veja-se ainda, a este propósito, a Sentencia del Tribunal Supremo de España de 30 de novembro de 2015.

XIX. Esta é também a posição adotada pela generalidade da Jurisprudência portuguesa: a título meramente exemplificativo, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de abril de 2013, em que é relator o Ex.mo Sr.º Conselheiro Martins de Sousa, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de outubro de 2011, em que é relator o Ex.mo Sr.º Desembargador Jerónimo de Freitas.

XX. Ora, o Recorrido apenas obteve alta a ... de Agosto de 2016, ou seja, apenas nesta data é que as lesões foram consideradas consolidadas do ponto de vista médico-legal, pelo que, o prazo prescricional conta-se a partir desta mesma data, tendo terminado a ... de agosto de 2017.

XXI. Tendo o Recorrido dado entrada da ação em ... de julho de 2017, o prazo prescricional interrompeu-se, tendo o Recorrido exercido o seu direito de forma tempestiva, i.e, dentro do ano a contar da data da alta médica.

XXII. Por último, e ainda quanto à alegada verificação da exceção perentória da prescrição, o Recorrido sustenta a sua oposição num outro argumento.

XXIII. O artigo 1973.º do CCE dispõe que a prescrição se interrompe de três formas: “ La prescripción de las acciones se interrumpe por su ejercicio ante los Tribunales, por reclamación extrajudicial del acreedor y por cualquier acto de reconocimiento de la deuda por el deudor”.

XXIV. Como se verifica, a Lei Espanhola, contrariamente à Lei Portuguesa (que exige a notificação judicial), dá relevância à reclamação extrajudicial feita pelo lesado para efeitos de interrupção do prazo prescricional, bastando-se com o conhecimento por parte do lesante da vontade do lesado exercer o direito.

XXV. Esta exteriorização é válida desde que se exteriorize claramente qual o direito que se pretende fazer valer, fazendo chegar à outra parte essa intenção, sem necessidade de formalidades especiais – cfr. Sentencia de La AP Baleares, Sec. 3.ª, num. 306/13, de 26 de julho – EDJ 2013/155915 e Sentencia de La AP Asturias, Oviedo, Sec. 6.ª, núm. 348/13, de 20 de dezembro – EDJ 2013/264764.

XXVI. O Recorrido, a solicitação da representante da seguradora espanhola em Portugal, a CED, de ... de Novembro de 2016, reclamou em ... de Dezembro do mesmo ano, alguns dos danos/prejuízos, salvaguardando outros danos, dado que aguardava a avaliação do dano corporal atribuída pelo médico, reclamação esta que foi novamente dirigida àquela representante portuguesa: CED, agora por advogado, ora mandatário, com data de ... de Janeiro de 2017 (cfr. doc. 3 junto ao articulado (exercício do contraditório) com a referência ......83, de ... de outubro de 2017.

XXVII. Todas estas interpelações perante a representante em Portugal da seguradora espanhola e ainda perante advogados, interromperam a prescrição, pelo que, também por esta razão, a exceção deduzida terá de ser declarada claramente improcedente.

XXVIII. Por último, vem a Recorrente alegar que não se verificam os pressupostos da responsabilidade pelo risco e que se verifica uma situação de culpa do lesado.

XXIX. É evidente que não assiste, mais uma vez, qualquer razão à Recorrente, sobretudo face à factualidade dada como provada.

XXX. Não existe qualquer dúvida de que o veículo de matrícula espanhola entrou em despiste em direção ao peão Recorrido e que só não o colheu porquanto este se atirou para o lado, o que consubstancia e integra um ato do condutor deste veículo, o que resulta da matéria de facto dada como provada e assente.

XXXI. Sobre este aspeto em concreto, cumpre apreciar o Real Decreto Legislativo de 8/2004 de 29 de outubro (Ley sobre Responsabilidad Civil e Seguro em la Circulation de Vehiculos a Motor), doravante LRCSCVM.

XXXII. Pela análise desta Lei, em especial do seu artigo 1.º, resulta que a Lei Espanhola quase que estabelece uma verdadeira responsabilidade quase objetiva para os danos pessoais, e este artigo encontra correspondência no ordenamento jurídico português, nos artigos 503.º, 505.º e 570.º do Código Civil.

XXXIII. De forma sintética, para afastar a responsabilidade quase objetiva do condutor do veículo, era preciso que o peão se atirasse para o lado de forma intencional e dolosa, procurando causar a si próprio lesões, sem que houvesse um perigo maior iminente: a iminência de ser abalroado pelo veículo automóvel.

XXXIV. Mas mais, se o Recorrido, para evitar um mal maior (ser embatido por um veículo), se tivesse desviado, atirando-se para o lado, tal não afastaria a responsabilidade do veículo de matrícula espanhola (se um veículo circular pela sua mão de trânsito e constatar que, em sentido contrário, se aproxima um outro veículo em contramão, i. e, pela sua mão de trânsito, o facto do veículo que circula pela sua mão se desviar, de forma a evitar uma violenta colisão que resultaria da soma das forças contrárias de ambos os veículos, colidindo por exemplo num muro, não exclui a responsabilidade daquele que circula em contramão, em transgressão, em violação de uma, ou mais, regras estradais).

XXXV. Ou seja, ainda que não se conseguisse provar a culpa do condutor do veículo nem do peão (o Autor/Recorrido), teria sempre de ser responsável, a título de responsabilidade pelo risco, a Recorrente, nos termos do artigo 503.º, n.º1 do Código Civil.

XXXVI. Veja-se, a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de dezembro de 2008, Proc. n.º 08B2935, e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6 de janeiro de 2011, Proc. n.º 20/09.0TBAVV.G1

XXXVII. Assim, independentemente da culpa, a Recorrente terá sempre de indemnizar o Recorrido pelos danos provocados pelo veículo dirigido pelo seu segurado, mesmo que este não tivesse abalroado o Recorrido, uma vez que não foi dado como provado qualquer facto que determine a exclusão da responsabilidade do veículo segurado na Recorrente, pelo que, esta terá de indemnizar o lesado, devendo, assim, improceder este argumento, mantendo-se a decisão recorrida”.

10. Tendo a ré arguido, nas alegações de revista, a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a questão da prescrição e o autor arguido, nas contra-alegações, a nulidade do mesmo por omissão de pronúncia sobre o pedido de juros formulado na p.i., proferiu, em ... .05.2023, o Tribunal da Relação de Guimarães um Acórdão com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, declara-se a nulidade da decisão, procedendo-se ao conhecimento das questões omissas e, em consequência, julga-se improcedente a exceção da prescrição e julga-se procedente o pedido de juros efetuado pelo A., sobre as quantias fixadas na sentença, vencidos desde a data da citação para esta ação até integral pagamento, às taxas acima mencionadas.

A presente decisão considera-se complemento do Acórdão proferido nestes autos e parte integrante deste (art. 617º, n.º 2 do C. P. Civil)”.

11. Na sequência disto, veio a ré / recorrente “informar os autos que mantém o interesse no recurso interposto nos presentes autos, no que aos pontos III – DA NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE PELO RISCO e IV – DO GRAU DE CONTRIBUIÇÃO DA CONDUTA DO RECORRIDO NA PRODUÇÃO DO DANO diz respeito, devendo o mesmo seguir os seus ulteriores termos”.

12. Por fim, o Exmo. Senhor Desembargador ordenou a subida dos autos a este Supremo Tribunal.


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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é a de saber se, ao condenar a ré / recorrente nos termos em que condenou, o Tribunal recorrido decidiu em conformidade com a lei aplicável.

*


II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

2.1. No passado dia .../02/2016, pelas 09:15 horas, na Estrada A-1605 (Graus – Bonansa (N-260), ao km 45,400, sentido Graus – Término Municipal le Laspaúles (Huesca), Espanha, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes:

a) o veículo ligeiro de passageiros, marca BMW, modelo X3, com matrícula ..-LQ-.., propriedade do demandante e por si conduzido;

b) o veículo ligeiro de passageiros, marca Renault, modelo Laguna, de matrícula espanhola ... BTF, propriedade e conduzido por BB e,

c) o veículo ligeiro de passageiros, marca Volkswagen, modelo Golf, matrícula espanhola .... DCB, propriedade de DD, e por ele conduzido. (1º e 2º da p.i.)

2.2. Era de dia, chuviscava, e a temperatura era na ordem dos 3,00/4,00 graus centígrados. (3º a 5º da p.i.)

2.3. A zona é uma zona de montanha. (6º da p.i.)

2.4. A via, no local, com pavimento em betuminoso, estava molhado, húmido, com dois sentidos de trânsito, configura uma curva, atento o sentido de marcha do veículo do demandante, uma curva para a direita, fechada, que do seu início dificilmente se vê para além do seu final. (7º a 11º da p.i.)

2.5. No local, antes do local do acidente, existe sinalização vertical, nomeadamente de “perigo de gelo” (sinal A11), em Espanha “pavimento deslizante o nieve” – P-34, e “perigo de queda de pedras” (A9), em Espanha “desprendimento” – P-26. (12º da p.i.)

2.6. Existe ainda o sinal de velocidade máxima recomendada, em Espanha “… velocidade maxima aconsejada” – S-7-60 , por sinalização vertical, para o local é de 60 km/h (H6). (13º da p.i.)

2.7. O demandante circulava por aquela via, no sentido referido, a velocidade na ordem dos 60,00/70,00 km/h, pela metade direita da faixa de rodagem, e atento ao trânsito de veículos e de peões. (14º a 16º da p.i.)

2.8. Quando estava a descrever a referida curva, em resultado da existência de gelo no pavimento, o veículo perdeu aderência à via, o demandante perdeu o controlo sobre o veículo e, em despiste, o veículo “saiu de frente”, acabou por invadir a berma que do lado esquerdo delimita a via, e colidiu frontalmente contra uma árvore que aí se encontrava, imobilizando-se numa ribanceira. (17º a 23º da p.i. e 18º da contestação)

2.9. Algum tempo depois do despiste do autor, o veículo Renault, modelo Laguna, de matrícula espanhola ... BTF, que antes circulava pela A-1605 no mesmo sentido de marcha, também ele se despistou e transpôs o limite da via, invadindo a mesma berma. (29º a 31º da p.i.)

2.10. O referido veículo “Renault”, de matrícula espanhola “... BTF”, também entrou em desgoverno devido a uma placa de gelo existente na estrada, pelo que galgou a berma do lado esquerdo da via. (24º da contestação)

2.11. Quando estava ao lado da porta do condutor do seu veículo, o autor viu o veículo da marca “Renault” a despistar-se e a invadir também a berma do lado esquerdo que delimita a via, vindo na sua direção e, nessa altura, para se pôr a salvo do atropelamento por aquele veículo, empurrou a outra ocupante do seu veículo e saltou para uma ribanceira de dois metros de altura abaixo, acabando por aí ficar estendido, numa zona de pedras, embatendo o “Renault” contra a parte traseira do “BMW” e imobilizando-se naquela margem. (21º e 22º da contestação, e 2ª parte do 32º da p.i. e 33º da p.i.)

2.12. Decorridos alguns minutos após este último despiste, o veículo de marca Volkswagen, modelo Golf, matrícula espanhola .... DCB, também ele se despistou e invadiu a mesma berma esquerda, devido à referida placa de gelo existente na faixa de rodagem da Estrada A 1605, no mencionado local, acabando, também, por ir embater no veículo da marca “BMW” do autor. (35º e 36º da p.i, e 25º e 26º da contestação)

2.131. Em consequência do acidente (embate do veículo do A. numa árvore) e da queda daquele referida no ponto 2.11, o demandante deu entrada no Serviço de Urgências do Hospital . . ., onde lhe foram detetadas múltiplas lesões, nomeadamente:

. fraturas dos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º arcos costais à direita; . derrame pleural à direita;

. Fratura do Esterno;

. Fratura da apófise espinhosa da 10ª vértebra dorsal;

. Fratura da 4ª vértebra lombar, com afundamento;

. Fratura da asa do sacro direito;

. hematoma importante da coxa direita;

. traumatismo no lábio inferior,

. dores por todo o corpo. (parte do 52º da p.i.)

2.14. Nesse Hospital esteve até o dia ... de fevereiro, tendo sido transferido para a Clínica de ..., em ..., onde permaneceu internando até ao dia ... de março de 2016. (53º a 55º da p.i.)

2.15. Manteve seguimento por Ortopedia em regime de ambulatório, tendo sido submetido a tratamento de Medicina Física e de Reabilitação. (56º e 57º da p.i.)

2.16. Nesse período, até finais de maio, o demandante usou colete de Jewett. (58º da p.i.)

2.17. Durante o regime de ambulatório o demandante sofreu o aparecimento de parestesias na coxa direita. (59º da p.i.)

2.18. Durante o regime de ambulatório sofreu ainda tonturas, motivo pelo qual foi observado por Neurologia. (60º e 61º da p.i.)

2.19. O demandante esteve acamado durante 30 dias, dependente para as mais básicas necessidades, do apoio de terceira pessoa, o que lhe causou vexame e vergonha. (62º e 63º da p.i.)

2.20. Teve alta médica do médico assistente Clínica de ... em .../08/2016. (parte do art. 64º da p.i.)

2.21. As dores, a falta de mobilidade, as dificuldades em dormir, o sono agitado, causaram no demandante angústia, sofrimento, e noites sem descanso dado que não tinha posição para dormir. (65º e parte do art. 68º da p.i.)

2.22. Toda esta situação, para além das dores e incómodos, deixava o demandante melindrado e até vexado e humilhado por não ser autossuficiente e depender de terceiros para alguns dos mais primários atos da vida corrente. (66º da p.i.)

2.23. Neste período, o demandante estava impedido de movimentar o corpo, nomeadamente ao nível do tronco/coluna. (67º da p.i.)

2.24. As lesões sofridas causaram ao demandante um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, e determinaram-lhe:

- défice funcional temporário total num período total de 26 dias, entre .../02/2016 e .../02/2016, e entre .../02/2016 e .../03/2016;

- défice funcional temporário parcial num período de 135 dias, entre .../03/2016 e .../07/2016;

- repercussão temporária na atividade profissional total, entre .../02/2016 e .../07/2016, num período total de 160 dias. (cfr. 83º e 139º da p.i. e resultado da perícia médico-legal)

2.25. Apesar dos tratamentos, como consequência das lesões, cuja consolidação médico-legal se verificou em .../07/2016, o autor ficou a padecer, pelo menos, das seguintes sequelas:

- face: discreta dismorfia da metade inferior direita do lábio inferior, com cicatriz normocrómica, medindo um centímetro e sem alterações no comando neuromotor da comissura labial – consegue assobiar; cicatriz hipocrómica localizada na região frontal direita, de orientação longitudinal, medindo quatro centímetros e visível a dois metros de distância;

- ráquis: queixas de dorsalgia pós fratura de D10; queixas de lombalgia pós fratura de L4, referenciando ainda dores na asa direita do sacro, pós fratura da asa direita do sacro. Apesenta rigidez da coluna lombar traduzida por Schober10/14, com distância de dedos ao solo de 25 centímetros, Rotações referenciadas como dolorosas;

- tórax: queixas de toracalgia pós fratura do esterno e múltiplos arcos costais;

- membro inferior direito: zona de perda parcial de pelos na face ântero-lateral externa da coxa, medindo 8x4 centímetros, com cicatrizes normocrómicas, e configuração estrelada, irregulares, de pequena dimensão, não sendo de descartar correspondência com o hematoma relatado nos registos clínicos. (parte dos 64º e 69º p.i. e resultado da perícia médico-legal)

2.26. As referidas sequelas provocam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos e determinam ao autor um dano estético permanente de grau 2, na escala de sete de gravidade crescente. (parte do 69º p.i. e resultado da perícia médico-legal)

2.27. As lesões sofridas, provocaram ao demandante dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos. (75º p.i.)

2.28. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente, continuam a provocar-lhe diariamente dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida, e que se exacerbam com as mudanças de tempo. (76º a 78º e 81º p.i.)

2.29. Em resultado das sequelas que o apoquentam, o autor irá necessitar de forma permanente de ajudas medicamentosas, nomeadamente da toma ocasional de medicação analgésica e anti-inflamatória. (parte dos 80º e 111º p.i.)

2.30. Estas sequelas incapacitam o demandante para qualquer atividade desportiva e de lazer como o jogging, atletismo, andar de bicicleta, jogar futebol, praticar ski em neve e wakeboard. (85º p.i.)

2.31. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é, por isso, fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente. (86º p.i.).

2.32. Em resultado das sequelas, o demandante não aguenta conduzir muito tempo seguido, mais do uma hora, nem estar sentado também mais do que uma hora. (87º e 88º p.i.)

2.33. O demandante é mediador de seguros, sendo sócio e gerente da sociedade comercial “S... - Corretores de Seguros, Lda.”. (parte do 89º p.i.)

2.34. Nessa função ou está a atender clientes, ou a visitar clientes, a angariar clientes, fazendo uma média de 3.000,00/4.000,00 quilómetros por mês. (parte do 90º, e 91º e 92º p.i.)

2.35. O demandante mantém dificuldades em movimentar-se na cama, em ter posição para dormir, com dores, tendo problemas para dormir e descansar. (94º a 96º p.i.)

2.36. À data do acidente, o demandante tinha 48 anos de idade, tendo nascido em .../01/1968. (parte do 97º p.i. e assento de nascimento de fls. 37 verso)

2.37. Era então fisicamente bem constituído, saudável e escorreito, trabalhava e praticava desporto, e cuidava do seu aspeto físico. (parte dos 97º a 99º e 100º p.i.)

2.38. Atualmente, mercê destas sequelas, o demandante não é mesma pessoa, no inverno não pratica ski, como anualmente sempre fez, no verão não pratica wakeboard, e, durante o ano, apenas pratica piscina e hidroginástica.

2.39. O autor que fazia jogging, caminhadas, bicicleta, ganhou peso, sendo que antes do acidente pesava cerca de 70 quilogramas, agora pesa cerca de 80 quilogramas. (105º, 106º, parte do 107º, e 108º p.i.)

2.40. O autor acumula as funções de gerente com as de “comercial”, angariando clientes, vendendo seguros, negociando condições com as seguradoras de que é agente, e ainda com as de promotor para produtos financeiros de seguradoras e de bancos, a chamada “assurfinance”, promovendo produtos financeiros destas instituições junto de clientes, de cujas atividades, para além de remuneração certa no 1º caso, enquanto gerente, aufere comissões. (128º a 131º p.i.)

2.41. À data do acidente, o autor auferia a remuneração base mensal de 1380,00€ ilíquidos, a que acresciam os duodécimos dos subsídios de férias e de Natal, no alor de 115,00€ cada, e ainda o prémio mensal de 19,40€, conforme recibo junto como doc. 11 a fls. 40, que aqui se dá por reproduzido. (parte do 132º p.i.)

2.42. O autor recebia ainda ajudas de custo pelas deslocações que realizava, de cerca de 2000,00€ mensais, de acordo com o “mapa de despesas de deslocações”, as quais, em janeiro de 2016, perfizeram o valor de 1840,00€, conforme doc. 12 de fls. 40 verso. (parte do 132º p.i.)

2.43. O autor recebia ainda comissões por ser comissionista “assurfinance” da Banca, as quais em 2015 ascenderam a montante superior a € 6.000,00, conforme doc. 15, a fls. 43 verso. (133º e 135º p.i.)

2.44. Para além destas quantias, o demandante aufere comissões nas funções de comercial de contratos de seguro, as quais em 2016, foram numa média mensal de € 10.600,00, conforme doc. 16 de fls. 48 verso. (136º e 138º p.i.)

2.45. No período que esteve impedido de exercer a profissão por causa do acidente, o autor não recebeu da empresa as remunerações dos meses de março e abril de 2016. (parte do 140º p.i.)

2.46. O vestuário que o autor trazia vestido, nomeadamente umas calças, um blusão de marca “Northern Face”, ficaram destruídos no acidente, e uns ténis “Boss” perderam-se. (parte dos 185º e 186º p.i.)

2.47. O demandante, a solicitação da representante da seguradora espanhola em Portugal, a CED, de ... de Novembro de 2016, reclamou em ... de Dezembro do mesmo ano, alguns dos danos/prejuízos, salvaguardando que aguardava a avaliação do dano corporal atribuída pelo médico, conforme doc. 2 de fls. 92 que aqui se dá por reproduzido. (47º e 48º da resposta)

2.48. A reclamação foi novamente dirigida àquela representante portuguesa CED, por advogado, ora mandatário, com data de ... de Janeiro de 2017, conforme doc. 3 de fls. 93 que aqui se dá por reproduzido. (49º da resposta)

2.49. À data do acidente a responsabilidade pelos danos causados a terceiros pela circulação do veículo de matrícula espanhola ... BTF, foi transferida para a Verti Aseguradora, por seguro titulado pela apólice 9772410, conforme doc. de fls. 292 verso, que aqui se dá por reproduzido. (201º p.i.)

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

1. Da petição:

A - que nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.;

B - que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem);

C - que o veículo Renault Laguna surgiu decorridos mais de 10 minutos após o despiste do autor;

D - que o veículo Renault, modelo Laguna atropelou/abalroou o demandante;

E - que as lesões descritas em 2.13. supra e as sequelas referidas em 2.25. e 2.26. tenham sido causadas pelo invocado atropelamento/abalroamento, nem que o foram pelo salto e subsequente queda mencionados supra em 2.11.;

F - que por via dessa colisão, o autor foi projetado cerca de 10,00 metros;

G - que no Hospital foram diagnosticados outros vários traumatismos para além do descrito em 2.13., contusão pulmonar, bem como escoriações várias;

H - que a consolidação médico-legal das lesões se verificou em .../08/2016; - que as circunstâncias referidas em 2.21. causaram desespero ao autor;

I - que o descrito em 2.23. ocorreu também posteriormente e que se agravava nas noites, na cama, tendo passado diversos dias e noites sem dormir, dado que tinha que mudar de posição constantemente mercê das dores;

J - que o demandante apresente outras sequelas além das descritas em 2.25. supra;

K - que o demandante, desde o acidente, passou a sofrer das sequelas do foro psiquiátrico alegadas em 73º da p.i.;

L - que as dores referidas em 2.27. foram atrozes;

M - que em resultado das sequelas, o autor sente grande cansaço;

N - que as sequelas implicam acompanhamento permanente médico, nomeadamente ao nível psiquiátrico e ortopédico, obrigando-o a passar longos períodos em ortostatismo, que o obrigam a fazer fisioterapia e hidroterapia;

O - que o autor tem a categoria de diretor-geral na empresa referida em 2.33. e que atende clientes em frente de um computador;

P - que na sua função era constante o entrar e sair do carro;

Q - que era diariamente que o autor praticava desporto como mencionado em 2.37.;

R - que o autor mede 1,70 metros e que antes do acidente pesava menos do que 70 kg;

S - que o descrito supra em 2.39. deixa o autor frustrado e angustiado na sua autoestima, no seu brio pessoal e amor próprio;

T - que o demandante necessitará no futuro de outros tratamento medicamentosos para além dos supra referidos em 2.29.;

U - que o demandante auferia quantias superiores às referidas em 2.41. e 2.42. supra;

V - que o autor auferia de comissões da banca anualmente entre 2000,00€ a 3000,00€, e que estas em 2014 ascenderam a € 13.000,00;

X - que entre 2013 a 2015, o valor das comissões dos contratos de seguro ascendiam a uma média mensal na ordem dos € 9.300.00 (em 2013) e os € 11.250,00 (em 2015);

Z - que no período em que o demandante esteve impedido de exercer a sua profissão, as suas atividades, perdeu em comissões cerca de € 9.000,00, e que deixou de auferir em remunerações um total de € 15.000,00;

AA - que o autor não consegue trabalhar as 12/13 horas que antes fazia, sendo que, com muito maior esforço, não ultrapassa as 8 horas diárias, e que tal tem, consequentemente, reflexos na faturação da sociedade comercial e nos seus rendimentos variáveis;

BB - que por causa das sequelas, o demandante irá necessitar, até final da sua vida, de antidepressivos, ansiolíticos, indutores de sono, de hidroterapia e de hidroginástica, tratamentos fisiátricos, consultas de osteopatia, ortopedia e de acompanhamento psiquiátrico, e que terá custos e encargos com intervenções cirúrgicas, internamentos e tratamentos;

CC - que por causa do invocado atropelamento, o demandante perdeu um relógio, marca Rolex, cujo valor atual de compra ascende a € 7.950,00;

DD - que as calças mencionadas supra em 2.46. eram da marca Levi´s;

EE - que apenas uma das unidades dos ténis referidos em 2.46. se perdeu;

FF - que o vestuário referido em 2.46. tinha o valor global de 780,00€.

2. Da contestação:

GG - que o veículo Renault Laguna surgiu escassos momentos após o primeiro despiste.

O DIREITO

Tendo o Tribunal a quo expurgado a nulidade do Acórdão recorrido, a questão a apreciar no presente recurso limita-se ao tema da responsabilidade da recorrente pelos danos sofridos pelo autor.

Como se viu também, decidiu-se na sentença a improcedência da acção.

Pode ler-se aí, em conclusão:

(…) no caso concreto, como resulta da decisão da matéria de facto, não logrou o autor provar como era seu ónus, os factos por si alegados susceptíveis de fundamentar a sua pretensão indemnizatória, designadamente, o invocado atropelamento e o nexo de causalidade entre um qualquer acto ilícito do condutor do veículo Renault Laguna e os danos sofridos. Em consequência, terá de improceder integralmente a presente acção”.

Distintamente, o Tribunal a quo decidiu condenar a ré, com fundamento em responsabilidade pelo risco, na proporção de metade dos danos apurados, mais precisamente, numa obrigação de indemnização no valor de € 48.594,51.

Como resulta do sumário, o raciocínio foi, em síntese, o seguinte:

Apurando-se que o A., em virtude da aproximação em despiste do veículo segurado na Ré, para se desviar da sua trajetória, caiu numa ribanceira com a altura de dois metros, tendo essa queda provocado danos físicos ao A e, não obstante não ter havido embate entre o A. e esse veículo, tendo a referida queda do A. ocorrido unicamente como causa do despiste do veículo segurado na Ré, o acidente em análise cai na previsão do art. 1º da LRCSCVM”.

Pode ler-se na fundamentação, na parte que releva:

“Assim, a análise jurídica será efetuada à luz da Lei espanhola concretamente do Real Decreto Legislativo de 8/2004 de 29 de outubro (Ley sobre Responsabilidad Civil e Seguro em la Circulation de Vehiculos a Motor disponível em https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-2004-18911 ou em https://noticias.juridicas.com/base_datos/Privadi/rdleg8-2004.html ).

Dispõe o art. 1º deste diploma, na parte com interesse para o caso em apreço que:

1. O condutor de veículos automóveis é responsável, em virtude do risco criado pela sua condução, pelos danos causados a pessoas ou bens em virtude da circulação.

Tratando-se de danos a pessoas, esta responsabilidade só será exonerada quando se provar que o dano se deveu a culpa exclusiva do lesado ou a caso de força maior alheio à condução ou utilização do veículo; Os defeitos do veículo ou a quebra ou avaria de qualquer das suas peças ou mecanismos não serão considerados casos de força maior.

No caso de danos materiais, o condutor responderá perante terceiros quando for civilmente responsável, conforme estabelecido nos artigos 1.902 e seguintes do Código Civil, artigos 109 e seguintes do Código Penal e na forma desta Lei.

(…)

4. Os danos e prejuízos causados às pessoas em consequência de lesões corporais causadas por ocorrências de trânsito reguladas na presente Lei, serão em qualquer caso quantificados de acordo com os critérios do Título IV e dentro dos limites de indemnização fixados no Anexo.

5. (…)

6 (…).

(tradução automática para português disponibilizada pelo site acima referido em primeiro lugar, utilizando o Google tradutor).

Vemos, pois, que a Lei espanhola consagra uma responsabilidade objetiva ou quase objetiva para os danos pessoais.

“Os “danos a las personas” não são estritamente os danos corporais, mas todos os danos pessoais, sejam corporais, morais ou patrimoniais – entre estes últimos incluem-se os lucros cessantes, os gastos de assistência médica, farmacêutica e hospitalar e os do enterro e funeral (cfr art. 1, nº 2) cuja fixação se fará de acordo com o anexo LRCSCVM, que contém um “sistema para valoração dos danos e prejuízos causados às pessoas em acidentes de viação” por oposição, os “danos em los biens” abrangem todos os demais danos patrimoniais (não compreendidos nos danos pessoais” ( cfr. Raul Guichard in Acerca da Responsabilidade Civil Objetiva por Danos Causados por Veículos de Circulação Terrestre”, Revista das Ciências Empresarias e Jurídicas, nº 9 [internet], 17/07/2006, pág. 208).

No que concerne à indemnização por danos materiais “danos en los bienes” “se aparentemente se baseia em culpa (presumida; uma “responsabilidade por culpa agravada”, como se usa dizer na doutrina espanhola; atente-se ainda ao que a seguir se expõe) ao estar regulada por remissão para os arts 1902º e ss do C. Civil espanhol (e para os arts. 109º e ss. Do Código Penal), realmente aproxima-se muito de uma “responsabilidade objetiva atenuada” pela interferência das regras sobre a “culpa automovilistica”, um dos domínios onde predomina, por via da desenvolução jurisprudêncial, uma “culpa quasi-objetiva”, isto é, um dever de diligência tão exacerbado que se torna praticamente impossível a prova da sua observância. Como já alguém escreveu, trata-se de ua verdadeira “redefinição do conceito de culpa”, assente em princípios como o da “confiança e segurança do tráfego” e o da “condução defensiva”. Que vem, afinal, a desembocar numa “teoria da culpa virtual”, paralela à regra res ipsa loquitur:a ocorrência do dano faz presumir a existência de culpa” (cfr. Raul Guichard in ob cit”, pág. 207).

No Acórdão do Tribunal Supremo de Espanha, Sala de lo Civil, de 17/07/12 (in https://www.poderjudicial.es/search/DeActualidad/TS/Civil/#) explica-se que “Los daños personales y materiales tienen un tratamiento legal y jurisprudencial. Tratándose de lesiones corporales la responsabilidad es cuasi objetiva, según proclama el artículo 1.1 LRCSCVM , al establecerse una responsabilidad por el resultado dañoso causado, salvo que la parte productora del mismo acredite que fue debido a culpa o negligencia exclusiva del perjudicado o a fuerza mayor extraña a la conducción o al funcionamiento del vehículo, sin que se consideren como supuestos de fuerza mayor los defectos del vehículo ni la rotura o fallo de alguna de sus piezas o mecanismos.

Por el contrario, en caso de daños materiales, no es aplicable la doctrina del riesgo ni el principio de la inversión de la carga probatoria.”.

No caso, não obstante o veículo segurado na Ré não ter embatido no A., ou seja, de não ter havido contacto físico ou material entre um e outro, o que é certo é que o A., em virtude da aproximação daquele veículo, para se desviar da sua trajetória, caiu numa ribanceira com a altura de dois metros, tendo essa queda provocado danos físicos ao A.. Na verdade, a referida queda do A. ocorreu unicamente como causa do despiste do veículo segurado na Ré.

A perda do domínio do veículo segurado na Ré e o seu despiste foi assim causa direta e adequada da queda do A. e dos subsequentes danos, pelo que o acidente em análise cai na previsão do mencionado art. 1º da LRCSCVM.

Assim, como se refere no Acórdão do TS de Espanha, acima citado “Consecuencia lógica de esta doctrina es que de existir daños personales, como los que se reclaman, ha de estarse al artículo 1.1 LRCSCVM y concederse indemnización a quien peticiona, salvo que se justifique de contrario que los daños personales fueron consecuencia exclusiva de la propia negligencia de la víctima o de fuerza mayor extraña a la conducción o al funcionamiento del vehículo.”

No caso, não se provou qualquer facto que determine a exclusão da responsabilidade do veículo segurado na Ré, pelo que esta terá que indemnizar o lesado.

No entanto, como resulta da matéria de facto provada, os “danos a las personas” por este sofridos não resultaram inteiramente da queda na ribanceira, mas também do embate do seu próprio veículo na árvore. Uma vez que não é possível apurar que danos foram causados por ou outro dos acidentes, estima-se que cada um participou nesses danos na proporção de metade, pelo que a(s) indemnização(ões) que for(em) apurada(s) será(ão) reduzida(s) na proporção de metade”.

A ré insurge-se contra esta decisão, afirmando que, no seu entender, não se verificam os pressupostos da sua responsabilidade pelo risco.

Afirma ela, mais precisamente, que:

“Carece de total e absoluto fundamento a decisão recorrida, a qual decorre de erro na interpretação e aplicação das normas constantes do artigo 1.º do Real Decreto Legislativo 8/2004, de 29 de outubro, que aprova a Ley sobre responsabilidad civil y seguro en la circulación de vehículos a motor (doravante LRCSCVM), do artigo 1104.º do Código Civil espanhol, bem como do artigo 217.º, n.º 2 e 3 da Ley de Enjuiciamiento Civil” (cfr. conclusão X), uma vez que “O Recorrido não logrou provar o nexo de causalidade entre um qualquer ato do condutor do veículo segurado pela Recorrente (independentemente de existência de culpa) e os danos que sofreu” (cfr. conclusão XII).

Argumenta ainda que:

No caso em apreço, resulta ainda que o despiste do veículo segurado pela Recorrente e, o subsequente salto do Recorrido de uma ribanceira consubstancia um caso de força maior, estranho ao funcionamento do referido veículo” (cfr. conclusão XXVIII) e por isso “Carece de total e absoluto fundamento a decisão recorrida, a qual decorre de erro na interpretação e aplicação das normas constantes do artigo 1.º da LRCSCVM e do artigo 1105.º do Código Civil espanhol” (cfr. conclusão XXIX).

Sustenta, por fim, que:

O n.º 2 do artigo 1.º da LRCSCVM, aplicável ao caso sub judice, prevê que, quando o próprio lesado contribui para a produção do dano, seja porque provocou um agravamento dos danos ou descumpriu com normas de segurança, a indemnização devida ao lesado deverá ser reduzida até ao máximo de 75%, sendo-lhe apenas reconhecido o direito a ser ressarcido no valor de 25% da indemnização legalmente arbitrada” (cfr. conclusão XXXVI) e, por isso, “Carece de total e absoluto fundamento a decisão recorrida, a qual decorre de erro na interpretação e aplicação da matéria factual subjacente aos presentes autos e das normas constantes do artigo 1.º, n.º 2 da LRCSCVM, cuja redação é homóloga à do artigo 570.º do Código Civil, no ordenamento jurídico português” (cfr. conclusão XXXVIII).

Aprecie-se.

Para começar, deve dizer-se que é indiscutível que se aplica ao presente caso a lei espanhola.

Explica-se bem esta aplicabilidade na sentença e no Acórdão recorrido.

Afirma-se, entre outras coisas, neste último que:

Na verdade, estando em causa um acidente ocorrido em Espanha, em que é lesado um cidadão português, a Lei aplicável tem de ser aferida à luz do Regulamento (CE) nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II), designadamente do seu art. 4º e Considerando 17.

(…)

Na verdade, o Regulamento em causa consagra como regra geral ser a lex doci danni aplicável aos casos de responsabilidade extracontratual e, portanto, a lei aplicável determina-se com base no local onde ocorreu o dano, independentemente do país ou países onde possam ocorrer as consequências indiretas do mesmo”.

A questão pressupõe, portanto, o recurso à doutrina e à jurisprudência espanholas, na sua actividade de interpretação dos preceitos relevantes.

Está em causa, desde logo, a interpretação do Real Decreto Legislativo 8/2004, de 29 de octubre, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley sobre responsabilidad civil y seguro en la circulación de vehículos a motor (doravante LRCS)2.

Dispõe-se no artigo 1.º da LRCS3:

1. El conductor de vehículos a motor es responsable, en virtud del riesgo creado por la conducción de estos, de los daños causados a las personas o en los bienes con motivo de la circulación.

En el caso de daños a las personas, de esta responsabilidad sólo quedará exonerado cuando pruebe que los daños fueron debidos a la culpa exclusiva del perjudicado o a fuerza mayor extraña a la conducción o al funcionamiento del vehículo; no se considerarán casos de fuerza mayor los defectos del vehículo ni la rotura o fallo de alguna de sus piezas o mecanismos.

En el caso de daños en los bienes, el conductor responderá frente a terceros cuando resulte civilmente responsable según lo establecido en los artículos 1.902 y siguientes del Código Civil, artículos 109 y siguientes del Código Penal, y según lo dispuesto en esta Ley.

2. Sin perjuicio de que pueda existir culpa exclusiva de acuerdo con el apartado 1, cuando la víctima capaz de culpa civil sólo contribuya a la producción del daño se reducirán todas las indemnizaciones, incluidas las relativas a los gastos en que se haya incurrido en los supuestos de muerte, secuelas y lesiones temporales, en atención a la culpa concurrente hasta un máximo del setenta y cinco por ciento. Se entiende que existe dicha contribución si la víctima, por falta de uso o por uso inadecuado de cinturones, casco u otros elementos protectores, incumple la normativa de seguridad y provoca la agravación del daño.

En los supuestos de secuelas y lesiones temporales, la culpa exclusiva o concurrente de víctimas no conductoras de vehículos a motor que sean menores de catorce años o que sufran un menoscabo físico, intelectual, sensorial u orgánico que les prive de capacidad de culpa civil, no suprime ni reduce la indemnización y se excluye la acción de repetición contra los padres, tutores y demás personas físicas que, en su caso, deban responder por ellas legalmente. Tales reglas no procederán si el menor o alguna de las personas mencionadas han contribuido dolosamente a la producción del daño.

Las reglas de los dos párrafos anteriores se aplicarán también si la víctima incumple su deber de mitigar el daño. La víctima incumple este deber si deja de llevar a cabo una conducta generalmente exigible que, sin comportar riesgo alguno para su salud o integridad física, habría evitado la agravación del daño producido y, en especial, si abandona de modo injustificado el proceso curativo.

3. El propietario no conductor responderá de los daños a las personas y en los bienes ocasionados por el conductor cuando esté vinculado con este por alguna de las relaciones que regulan los artículos 1.903 del Código Civil y 120.5 del Código Penal. Esta responsabilidad cesará cuando el mencionado propietario pruebe que empleó toda la diligencia de un buen padre de familia para prevenir el daño.

El propietario no conductor de un vehículo sin el seguro de suscripción obligatoria responderá civilmente con el conductor del mismo de los daños a las personas y en los bienes ocasionados por éste, salvo que pruebe que el vehículo le hubiera sido sustraído.

4. Los daños y perjuicios causados a las personas como consecuencia del daño corporal ocasionado por hechos de la circulación regulados en esta Ley, se cuantificarán en todo caso con arreglo a los criterios del Título IV y dentro de los límites indemnizatorios fijados en el Anexo.

5. Las indemnizaciones pagadas con arreglo a lo dispuesto en el apartado 4 tendrán la consideración de indemnizaciones en la cuantía legalmente reconocida, a los efectos de la Ley 35/2006, de 28 de noviembre, del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y de modificación parcial de las leyes de los Impuestos sobre Sociedades, sobre la Renta de no Residentes y sobre el Patrimonio, en tanto sean abonadas por una entidad aseguradora como consecuencia de la responsabilidad civil de su asegurado.

6. Reglamentariamente, se definirán los conceptos de vehículos a motor y hecho de la circulación, a los efectos de esta Ley. En todo caso, no se considerarán hechos de la circulación los derivados de la utilización del vehículo a motor como instrumento de la comisión de delitos dolosos contra las personas y los bienes”.

Interessa, principalmente, o disposto no n.º 1, que prevê a responsabilidade do condutor do veículo pelos danos causados a pessoas e a bens derivadas dos riscos próprios do veículo. Trata-se de responsabilidade objectiva ou pelo risco.

Explica Xabier Basozabal Arrue que, ao contrário do que sucede com a responsabilidade culposa, em que é sempre o juízo de negligência – com a sua flexibilidade – que está na base da imputação subjectiva, constituindo um autêntico requisito ou pressuposto do pedido de indemnização, na responsabilidade objectiva é habitualmente aceite que não existe um único argumento ou princípio que a justifique, mas um conjunto de critérios que, quando conjugados, sustentam o reconhecimento legal – em alguns casos, também jurisprudencial – deste tipo de responsabilidade.

Acrescenta que, entre os critérios de determinação da responsabilidade pelo risco, destaca-se o perigo ou o risco criado pela coisa ou actividade causadora do dano, que deve ser extraordinário ou anormal “em relação ao que qualquer coisa ou atividade implica normalmente para si e para os outros”. Nesta perspectiva, o que é próprio da responsabilidade objectiva é estar ligado a certas coisas ou actividades anormalmente perigosas, o que torna necessário determinar quando o são. Existe uma certa unanimidade na aceitação de que os critérios para o decidir são ou a probabilidade particularmente elevada de o dano ocorrer (circulação automóvel), ou a probabilidade de a extensão do dano ser catastrófica (navegação aérea), ou - acrescentam Canaris/Larenz - o desconhecimento de um risco potencial que a priori não pode ser excluído (manipulação genética)45.

Comentando, em especial, a Lei referida acima, observa ainda o autor que o artigo 1.º estabelece que “o condutor de veículos a motor é responsável, em virtude do risco criado pela sua condução, pelos danos causados a pessoas ou bens no decurso da condução”, mas distingue a forma de responsabilidade consoante os danos sejam causados a pessoas ou bens; relativamente aos primeiros, prevê que o condutor só é exonerado “quando provar que o dano se deveu exclusivamente à conduta ou negligência do lesado ou a caso de força maior alheio à condução ou operação do veículo” (“não são considerados casos de força maior os defeitos do veículo ou a quebra ou avaria de qualquer das suas peças ou mecanismos”); e, relativamente aos segundos, que é responsável “quando for civilmente responsável nos termos do disposto nos artigos 1902.º e seguintes do Código Civil, 109.º e seguintes do Código Penal e nos termos da presente lei”. A responsabilidade civil stricto sensu deve ser objecto de um seguro obrigatório e, desde 1995, dispõe de um anexo que introduz o primeiro “sistema espanhol de avaliação dos danos causados às pessoas em caso de acidente”6.

Sucede que, perante a factualidade provada, não há dúvidas de que estão preenchidos pressupostos da responsabilidade pelo risco da ré, designadamente aquele cuja verificação a recorrente mais contesta, isto é, o nexo de causalidade entre o despiste do veículo segurado pela recorrente e os danos ou, pelo menos, alguns dos danos sofridos pelo autor.

Destaca-se o facto provado 2.11.:

- Quando estava ao lado da porta do condutor do seu veículo, o autor viu o veículo da marca “Renault” a despistar-se e a invadir também a berma do lado esquerdo que delimita a via, vindo na sua direção e, nessa altura, para se pôr a salvo do atropelamento por aquele veículo, empurrou a outra ocupante do seu veículo e saltou para uma ribanceira de dois metros de altura abaixo, acabando por aí ficar estendido, numa zona de pedras, embatendo o “Renault” contra a parte traseira do “BMW” e imobilizando-se naquela margem (sublinhados nossos).

Deste facto decorre claramente que foi para se pôr a salvo do atropelamento pelo veículo segurado pela recorrente que o autor saltou para a ribanceira.

Com interesse para este caso, pelo seu paralelismo (parcial), é o caso tratado em estudo comparativo sobre a responsabilidade civil extra-contratual, incluindo o ordenamento jurídico espanhol. Afirma-se aí, sem hesitação, que, de acordo com o Direito espanhol, na hipótese de a condutora de um motociclo fazer uma manobra brusca com vista a desviar-se de um automóvel que vinha a ziguezaguear na estrada e, consequentemente, cair na ribanceira, é evidente que o condutor deste último veículo seria obrigado a indemnizar aquela (“it is clear that [the driver of the vehicle] would have to pay compensation”)7.

Como é visível, a circunstância que a recorrente destaca – de o veículo segurado por ela nunca ter embatido no recorrido (cfr. conclusão XVI), ou seja, de não ter havido contacto físico do veículo com o autor – não é impeditivos desta conclusão pois a sua presença não é necessária para o – não é um pressuposto do – nexo de causalidade.

A recorrente invoca também o artigo 217.º, n.º 2, da Ley de Enjuiciamiento Civil (doravante LEC), querendo, se bem se compreende, dizer que era o autor que cabia provar o nexo de causalidade e que, não o tendo feito, deve ser “penalizado” por isso.

O artigo 217.º da LEC é próximo do artigo 342.º do CC português e, tal como ele, regula o ónus da prova, dispondo que:

1. Cuando, al tiempo de dictar sentencia o resolución semejante, el tribunal considerase dudosos unos hechos relevantes para la decisión, desestimará las pretensiones del actor o del reconviniente, o las del demandado o reconvenido, según corresponda a unos u otros la carga de probar los hechos que permanezcan inciertos y fundamenten las pretensiones.

2. Corresponde al actor y al demandado reconviniente la carga de probar la certeza de los hechos de los que ordinariamente se desprenda, según las normas jurídicas a ellos aplicables, el efecto jurídico correspondiente a las pretensiones de la demanda y de la reconvención.

3. Incumbe al demandado y al actor reconvenido la carga de probar los hechos que, conforme a las normas que les sean aplicables, impidan, extingan o enerven la eficacia jurídica de los hechos a que se refiere el apartado anterior”.

Se estivéssemos no âmbito da lei portuguesa, a regra de distribuição do ónus da prova não relevaria: estando aquele facto provado, não interessaria a quem competia, ab initio, o ónus da prova, em virtude do princípio da aquisição processual (cfr. artigo 413.º do CPC), segundo o qual a atividade instrutória realizada no processo visa, essencialmente, determinar quais os factos que estão provados, independentemente da distribuição de ónus da prova entre as partes8.

A verdade é que o mesmo sucede, mutatis mutandis, no quadro do Direito espanhol. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 217.º da LEC, as regras constantes dos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito aplicam-se quando o juiz, na falta de prova, imputa a uma das partes as consequências negativas dessa falta.

Fala-se, igualmente, em Espanha no principio da aquisição processual9 10. Vale aí também a ideia de que o objectivo da disciplina da distribuição do ónus da prova é, essencialmente, determinar qual dos litigantes deve ser prejudicado pela falta de prova de um facto relevante para a decisão do processo. Por isso, só se deve recorrer a ela quando há alegações que exigem a atividade probatória, destinada a formar a convicção do tribunal. De tudo isto resulta que, quando existem, no processo, elementos de prova suficientes, deixa de interessar a quem compete o onus probandi.

Quer isto dizer, em conclusão, que mesmo que não tivesse sido o autor a carrear para os autos os elementos dirigidos a fixar os factos provados em causa isso seria irrelevante.

A recorrente invoca ainda o artigo 1104.º do CC espanhol, com vista, mais uma vez, a afastar a sua responsabilidade (pelo risco) e a imputar a culpa, logo, a responsabilidade (por factos ilícitos) ao autor.

Recorde-se que, em última análise, o responsável a título de risco pode ser exonerado “quando provar que o dano se deveu exclusivamente ao comportamento ou à negligência do lesado” (cfr. artigo 1.º, n.º 1, 2,º parágrafo, da LRCS).

O artigo 1104.º do CC espanhol define a culpa nos seguintes termos:

La culpa o negligencia del deudor consiste en la omisión de aquella diligencia que exija la naturaleza de la obligación y corresponda a las circunstancias de las personas, del tiempo y del lugar.

Cuando la obligación no exprese la diligencia que ha de prestarse en su cumplimiento, se exigirá la que correspondería a un buen padre de família”.

A culpa é equiparada à negligência ou à falta de diligência – falta da diligência exigível ou devida – e é indistintamente aplicável à responsabilidade contratual e extracontratual11.

Ora, à luz desta norma, e ao contrário do que afirma a recorrente, a decisão do autor de saltar para a ribanceira não pode ser qualificada como uma decisão “culposa” ou “negligente”.

Impõe-se, por força desta a norma, identificar não só o padrão de comportamento diligente mas também o padrão de comportamento exigível em face das circunstâncias do caso – o padrão de comportamento que o sujeito devia e podia adoptar.

Ora, desde logo, tendo o veículo segurado pela recorrente vindo, de facto, embater no veículo do autor (cfr. facto provado 2.11), o receio do autor, que motivou o seu “salto” para a ribanceira, era um receio sério e justificado. Se alguma coisa, até seria possível dizer que terá sido uma decisão adequada a evitar a ocorrência de danos mais graves.

Em qualquer caso, dado o contexto especial em que o veículo do autor se encontrava imobilizado (na sequência de um choque do veículo em que seguia contra uma árvore), é, no mínimo, duvidoso que, se fosse concebível outra conduta racionalmente mais indicada, o autor estivesse em condições de a adoptar, ou seja, que isso lhe fosse exigível.

Acresce que o despeite do veículo do autor e o despiste do veículo segurado pela recorrente foram mediados de pouco tempo (cfr. facto provado 2.9.), de tempo insuficiente para o autor configurar a possibilidade de novos despistes e actuar em conformidade.

Não colhe, pois, esta argumentação em que se apoia a recorrente para se eximir à responsabilidade que lhe é assacada.

Num segundo grupo de alegações, a recorrente invoca o artigo 1105.º do do CC espanhol e o conceito de “força maior”. Quererá ela dizer, tanto quanto é dado ver, que o despiste do veículo por ela segurado se qualifica como um caso de força maior e, portanto, fica excluída a sua responsabilidade.

Aprecie-se mais este argumento.

Dispõe-se no artigo 1105.º do CC espanhol:

Fuera de los casos expresamente mencionados en la ley, y de los en que así lo declare la obligación, nadie responderá de aquellos sucesos que no hubieran podido preverse, o que, previstos, fueran inevitables”.

Apesar de não a mencionar expressamente, é consensual que esta disposição se refere ao / define o “caso fortuito” (conhecido desde o Direito comum como “casus fortuitus”). Segundo grande parte da doutrina e da jurisprudência espanholas, este conceito é equiparado ao de força maior12 13.

Entendem alguns autores espanhóis que o caso fortuito se apresenta como um critério de imputação ou, melhor, de quantificação de danos indemnizáveis14 e tem o efeito de exonerar o sujeito de responsabilidade, uma vez que surge como o factor determinante dos danos15.

Os requisitos (alternativos) expressamente previstos na norma para que funcione a exoneração da responsabilidade por esta via são a imprevisibilidade e, sendo o evento previsíveis, a sua inevitabilidade (i.e., segundo a jurisprudência espanhola, a inelutabilidade ou irresistibilidade do evento)16. Simplificadamente: se o evento é previsível já não há caso fortuito / força maior.

De forma diversa (mais completa), dir-se-ia que, actualmente, é consensual em Espanha que a expressão “força maior” se refere a um acontecimento ou facto alheio à actividade geradora do risco a que está ligada a responsabilidade objectiva e que, além disso, não é previsível nem evitável com a diligência exigida ad casum. As notas que caracterizam o acontecimento denominado “força maior” seriam, pois, a imprevisibilidade, a inevitabilidade e a sua caraterização como um acontecimento externo ou fora do âmbito em que ocorre; os factos ou acontecimentos que se aceitam como tal podem agrupar-se em torno de dois focos: os fenómenos naturais de carácter extraordinário e os factos derivados do terrorismo, do motim ou tumulto17.

Tendo tudo isto presente, não é possível reconduzir a causa do despiste do veículo segurado pela recorrente a força maior. A verdade é que o despiste do veículo por força de uma placa de gelo na estrada é um exemplo clássico de um risco próprio ou mesmo típico da circulação de veículos e tão-pouco é o imprevisível e, portanto, não pode imputar-se à força maior.

Conclui-se, assim, pela manutenção da condenação da recorrente na obrigação de indemnizar o autor, com fundamento em responsabilidade pelo risco.

Num terceiro e último grupo de alegações, e a título subsidiário (i.e., caso se entenda ser de manter a obrigação de indemnização a seu cargo), invoca a recorrente o disposto no n.º 2 do artigo 1.º da LRCS, sustentando que, nos termos desta norma, o contributo do lesado para os danos determina a redução da indemnização.

Prevê-se na norma, de facto, a redução da indemnização com base no contributo do lesado, até um máximo de 75%, devendo considerar-se que existe contributo do lesado quando, por falta de uso ou uso desadequado de cinto de segurança, capacete ou outros elementos protectores, o lesado deixe de cumprir as regras de segurança e provoque o agravamento dos danos. A regra é aplicável ainda quando o lesado omite o seu dever de atenuar ou mitigar os danos, devendo considerar-se que se verifica esta hipótese quando o lesado deixe de adoptar a conduta que seria exigível e que, sem implicar risco para a sua saúde ou integridade física, permitiria evitar o agravamento dos danos e, em especial, quando o lesado abandona injustificadamente o processo curativo.

Sobre esta norma, em particular, e a concorrência do comportamento do lesado para o dano pronunciou-se o Tribunal Supremo espanhol em 11 de Novembro de 201118. O caso respeitava aos danos causados por um camião a um ciclista cuja trajetória foi bloqueada por aquele quando ia ultrapassá-lo no espaço entre o veículo e o passeio, provocando a sua queda e o seu atropelamento.

Afirmou-se aí que, conforme jurisprudência anterior desse mesmo Tribunal19, a existência de um comportamento negligente por parte do lesado dá lugar a uma moderação da responsabilidade do condutor nos termos do artigo 1, n.º 2, da LRCS. Esta limitação justifica-se pelo facto de, sendo a responsabilidade do condutor por danos não patrimoniais fundada no risco objectivo criado pela circulação (cfr. artigo 1.º, n.º 1, da LRCS), o legislador considerar que a negligência do lesado constitui uma circunstância objetivamente apreciável que, como também se havia dito noutra decisão20, consoante o seu grau de relevância, determina que o condutor não seja imputável, no todo ou em parte, pelo resultado danoso produzido21.

No caso dos autos, não há, porém, possibilidade de imputar ao autor nenhum desrespeito pelas regras aplicáveis à condução de veículos, sejam elas regras de trânsito stricto sensu ou regras de segurança e de prevenção do perigo.

Sugere logo o carácter obediente e prudente do autor o facto de ele circular dentro dos limites de velocidade legalmente fixados naquela estrada (facto provado 2.7.).

Mas, acima de tudo, e como se disse, não se pode concluir que o autor tenha deixado de adoptar a conduta devida tendo em conta as circunstâncias em que ocorreram os eventos. Saliente-se, de novo, que o despeite do veículo do autor e o despiste do veículo segurado pela recorrente foram mediados de pouco tempo (cfr. facto provado 2.9.), não sendo exigível ao autor, não só por esta escassez de tempo mas também pela perturbação que, em princípio, causa a um condutor o despiste do seu veículo, que tivesse previsto o sucessivo despiste e se tivesse de imediato posto em local absolutamente resguardado.

Tudo visto, não se vê justificação para reduzir a indemnização arbitrada ao autor pelo Tribunal recorrido ao abrigo do artigo 1.º, n.º 2, da LRCS, sendo de manter o seu valor.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pela recorrente.

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Lisboa, 14 de Setembro de 2023


Catarina Serra (relatora)

Isabel Salgado

Ana Paula Lobo

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1. Redacção alterada pelo Tribunal recorrido.

2. Diz Xabier Basozabal Arrue [Responsabilidad Extracontractual Objectiva: Parte General, Madrid, 2015, p. 31 (https://www.boe.es/biblioteca_juridica/abrir_pdf.php?id=PUB-PR-2015-39)] que a Lei n.º 122/1962, de 24 de Dezembro de 1962, sobre a Utilização e Circulação de Veículos a Motor, sofreu uma evolução complexa até ao actual Real Decreto Legislativo n.º 8/2004, de 29 de Outubro, que aprova o Texto Revisto da Lei sobre Responsabilidade Civil e Seguros na Circulação de Veículos a Motor, modificado pela Lei n.º 21/2007.

3. Dada a proximidade entre o castelhano e o português, considera-se dispensável a tradução das normas, considerando-se preferível concentrar os esforços na tarefa da sua interpretação doutrinal e jurisprudencial.

4. Cfr. Xabier Basozabal Arrue, Responsabilidad Extracontractual Objectiva: Parte General, cit., pp. 55-56.

5. Diz a mesma coisa, por outras palavras, Carlos Lasarte [Derecho de Obligaciones – Principios de Derecho Civil II, Madrid-Barcelona-Buenos Aires, Marcial Pons, 2010 (Decimocuarta edición), p. 335]: é a especial perigosidade dos veículos motorizados, diariamente comprovada pelo número de acidentes automobilísticos, que justifica que o ordenamento jurídico atenda de forma particular a esta realidade, estabelecendo uma responsabilidade objectiva nesta matéria.

6. Cfr. Xabier Basozabal Arrue, Responsabilidad Extracontractual Objectiva: Parte General, cit., pp. 31-32.

7. Cfr. Marta Infantino / Elena Servogianni (Editors), Causation in European Tort Law, Cambridge, Cambridge University Press, 2017, pp. 467-468 (Case 13).

8. Cfr., sobre o artigo 413.º do CPC e o princípio da aquisição processual, por todos, José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Coimbra, Almedina, 2017 (3.ª edição), pp. 212 e s. Cfr., para um caso de aplicação do princípio da aquisição processual, por exemplo, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2019 (Proc. 131502/16.0YIPRT.G1.S1).

9. Cfr., por exemplo, Jesús Eugenio Corbal Fernández. “La adquisición procesal y la carga de la prueba”, in: Cuadernos de Derecho Judicial, 1993, n.º 34, p. 144, Antonio Valmaña Cabanes, “El principio de adquisición procesal y su proyección sobre la prueba no practicada”, in: InDret, 2012, n.º 2, pp. 1 e s (https://www.raco.cat/index.php/InDret/article/download/260818/348004) ou Xavier Abel Lluch, Objecto y carga de la prueba civil, Barcelona, J.M. Bosch, 2007, pp. 357 e s.

10. Costuma localizar-se, em Espanha, a origem do princípio da aquisição processual na decisão do Tribunal Supremo espanhol, de 20 de Março de 1945 [STS de 20 de Marzo de 1945 (RJ 1945/287)], em que se afirmou, pela primeira vez, que, se os factos estão provados, é irrelevante a parte que tenha fornecido o material probatório a partir do qual o tribunal forme a sua convicção (“cuando el hecho esté acreditado en autos es irrelevante cuál sea la parte que haya suministrado el material probatorio con tal de que el órgano judicial pueda extraer y valorar el hecho proclamado”.

11. Cfr. Eugenio Llamas Pombo, in: Andrés Domínguez Luelmo (Director), Comentarios al Código Civil, Lex Nova, Valladolid, s.d., pp. 1212-1213.

12. Cfr. Eugenio Llamas Pombo, in: Andrés Domínguez Luelmo (Director), Comentarios al Código Civil, cit., p. 1216.

13. Segundo alguma doutrina, a força maior é a causa de exoneração mais significativa. Cfr. Xabier Basozabal Arrue, Responsabilidad Extracontractual Objectiva: Parte General, cit., p. 111.

14. Cfr. Eugenio Llamas Pombo, in: Andrés Domínguez Luelmo (Director), Comentarios al Código Civil, cit., p. 1213.

15. Alguns críticos dizem que o caso fortuito não deve ser considerado causa de exoneração porque, se o for, os condutores de veículos deixam de ser responsáveis ​​por acidentes causados ​​por causas não alheias ao contexto do trânsito (óleo na estrada, motorista que aparece de repente…). Se a responsabilidade objectiva visa a imputação dos riscos gerados por determinada actividade, não deve ser possível ao sujeito possível exonerar-se alegando riscos inerentes à referida actividade ou argumentando que o acidente não poderia ter sido evitado mesmo que todas as diligências possíveis tivessem sido adoptadas. Cfr. Xabier Basozabal Arrue, Responsabilidad Extracontractual Objectiva: Parte General, cit., p. 118.

16. Cfr. Eugenio Llamas Pombo, in: Andrés Domínguez Luelmo (Director), Comentarios al Código Civil, cit., pp. 1215-1216.

17. Cfr. Xabier Basozabal Arrue, Responsabilidad Extracontractual Objectiva: Parte General, cit., p. 111.

18. STS de 11 de Noviembre de 2011 (RJ 2011/1822).

19. STS de 25 de Marzo de 2010 (RJ 2010/4349).

20. STS de 12 de Deciembre de 2008 (RJ 2009, 527)

21. O Tribunal Supremo conclui que o comportamento do lesado que contribua para causar o dano está relacionado com o elemento “nexo de causalidade”, que é comum a todos os casos de responsabilidade por danos, e é, por conseguinte, tido em conta independentemente do fundamento da responsabilidade. Deve dizer-se, porém, que esta visão não é pacífica. Alguma doutrina espanhola considera que ela ignora que o dano também deve ser imputado à vítima e que o título de imputação é, neste caso, diferente para o autor do dano. Recordam ainda estes autores que em determinados ordenamentos, para limitar a responsabilidade do detentor da fonte de perigo, se exige que a culpa da vítima seja qualificada, ou seja, que a causa de exoneração se limite à culpa grave e ao dolo. Cfr., por todos, Xabier Basozabal Arrue, Responsabilidad Extracontractual Objectiva: Parte General, cit., pp. 126-128. Diz o autor: quando a responsabilidade é objectiva, a culpa da vítima só deve ser tida em conta para reduzir ou excluir a responsabilidade quando for grave ou “única”, isto é, a causa determinante do dano.