Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
982/10.4TBPTL.G1-A.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: VALOR DOS ACÓRDÃOS UNIFORMIZADORES DE JURISPRUDÊNCIA
QUANTIFICAÇÃO DO VALOR DA SUCUMBÊNCIA
RECLAMAÇÃO CONTRA A REJEIÇÃO DE RECURSO
TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
Data do Acordão: 05/12/2016
Data da Decisão Singular: 05/12/2016
Votação: ----------
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / CUSTAS, MULTA E INDEMNIZAÇÃO / TAXA SANCIONATÓRIA / RECURSOS / RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA / RECLAMAÇÃO.
DIREITO CIVIL - INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS.
Doutrina:
- Antunes Varela, “A responsabilidade pessoal dos juízes”, na RLJ, ano 130º, 10.
- Karl Larenz, Metodologia do Direito, 497.
- Manuel de Andrade, “Sentido e Valor da Jurisprudência”, Separata do Vol. XLVIII do BFDUC, de 1972, 8, 40.
- Michelle Taruffo, “A jurisprudência entre a casuística e a uniformidade”, na revista Julgar, nº 25, 19 e 20.
- Oliveira Ascensão, O Direito-Introdução e Teoria Geral, 130, 133.
- René David, Os Grandes Sistemas de Direito Contemporâneo, 403 e ss..
- Ribeiro Mendes, “Os Recursos no C.P.C. Revisto”, 108.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 8.º, N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 531.º, 542.º, 629.º, NºS 1 E 2, ALS. C) E D), 656.º, 671º, Nº 2, AL. B), 672.º, N.º 1, AL. C), 679.º, 686.º, N.º2, 688.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-AUJ Nº 10/15, DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT .
Sumário :
1. Os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, conquanto não tenham a força obrigatória geral que era atribuída aos Assentos pelo revogado art. 2º do CC, têm um valor reforçado que deriva não apenas do facto de emanarem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, como ainda de o seu não acatamento pelos tribunais de 1ª instância e Relação constituir motivo para a admissibilidade especial de recurso, nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC.

2. Esse valor reforçado impõe-se ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, sendo projectado, além do mais, pelo dever que recai sobre o relator ou os adjuntos de proporem ao Presidente o julgamento ampliado da revista sempre que se projecte o vencimento de solução diversa da uniformizada.

3. Em face do que foi decidido no AcUJ nº 10/15, não é de admitir recurso de revista interposto pelo Autor de acórdão da Relação que condenou o Réu no pagamento da quantia de € 8.426,64, depois de o Autor se ter conformado com a sentença de 1ª instância que condenou o Réu no pagamento da quantia € 21.343,57, uma vez que a diferença entre esses valores, que traduz a sucumbência do Autor em face do acórdão recorrido, é inferior a metade da alçada da Relação.

4. A dedução de reclamação contra o despacho que rejeitou o recurso com total desconsideração do que foi decidido em acórdão de uniformização de jurisprudência é susceptível de ser sancionada ao abrigo do art. 531º do CPC, com aplicação de taxa sancionatória excepcional.

Decisão Texto Integral:
1. AA vem reclamar do despacho do relator que, na Relação, rejeitou o recurso de revista com fundamento no facto de o valor da sucumbência ser inferior a metade da alçada da Relação.

Efectivamente a acção tem o valor de € 36.872,63 (resultante do somatório de € 21.872,63 referente a danos patrimoniais e de € 15.000,00 de danos morais)

Na 1ª instância os RR. foram condenados no pagamento da quantia de € 19.843,57, a título de danos patrimoniais, e € 1.500,00 por danos morais (€ 21.343,57).

Dessa sentença recorreram apenas os RR.

A Relação julgou parcialmente procedente a apelação e condenou os RR. no pagamento da quantia de € 6.962,64, por danos patrimoniais e € 1.500,00 por danos morais.

Interposto pela A. recurso de revista, o mesmo foi rejeitado na Relação tendo em conta que o diferencial entre o resultado do acórdão da Relação e o que fora decretado na sentença de 1ª instância era inferior a € 15.000,00 (metade da alçada da Relação).


2. Nos termos do art. 629º, nº 1, do CPC, apenas é admissível recurso se o valor da acção superar a alçada do Tribunal a quo e se, além disso, o valor da sucumbência superar metade desse valor.

Tratando-se de recurso de revista, este está, em regra, dependente do facto de o valor da acção ser superior a € 30.000,00 e de o valor da sucumbência ser superior a € 15.000,00.

No caso, está preenchida a primeira condição mas falha a segunda, o que obsta à admissibilidade da revista.


3. Discutia-se se, em situações como a dos autos, o valor da sucumbência era aferido em função do resultado declarado pela decisão recorrida, comparado com o pedido inicialmente formulado, ou se deveria ser aferido em face da anterior decisão que é objecto do recurso.

Foi esta a tese que prevaleceu e que foi fixada pelo AcUJ nº 10/15, com a seguinte súmula:

Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1ª instância e o acórdão da Relação”.

Assim ocorreu precisamente no caso presente.

Com efeito, a A., embora tenha formulado um pedido cujo valor é superior a € 30.000,00, conformou-se com a decisão da 1ª instância que condenou os RR. no pagamento da quantia de € 21.343,57.

Nesta medida, tendo sido posteriormente confrontada com o acórdão da Relação que, no âmbito de recurso que foi interposto pela parte contrária, reduziu a condenação para € 8.426,64, o valor da sucumbência é o resultado da diferença entre o valor arbitrado na sentença de 1ª instância e o valor fixado no acórdão da Relação, o qual, sendo inferior a metade da alçada da Relação, obsta ao recurso de revista pela via normal do art. 629º, nº 1, do CPC.


4. Obtempera a recorrente que, “em Portugal” as fontes imediatas do direito “são as leis” e que “os Tribunais não podem criar leis nem sequer doutrina com força obrigatória geral”, de modo que “estão sujeitos às leis”.

Ainda que não o refira expressamente, intui-se de tal argumentação inserida numa peça processual dirigida a este Supremo Tribunal, que não deve ser acatada a interpretação que foi uniformizada por este mesmo Supremo acerca da determinação do valor da sucumbência.

Ora, mal andaria o sistema e os vectores fundamentais da certeza e da segurança jurídica se a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, legitimada não apenas por regras do processo civil como ainda por normas da organização judiciária, pudesse tratar-se com a displicência revelada pela reclamante.

Outra é a solução que se impõe, por adesão pura e simples ao entendimento jurisprudencial que emana do AcUJ nº 10/15 e que se mantém válido.


5. Aos anteriores Assentos do Supremo Tribunal de Justiça era atribuída força obrigatória geral pelo art. 2º do CC.

Tal norma foi declarada inconstitucional, na medida em que atribuía aos Assentos força obrigatória geral que os equiparava a outras fontes normativas.

Na sequência de tal decisão, nada obstava a que fosse mantida a figura dos Assentos, restringindo a sua força vinculativa à orgânica judiciária, mas o certo é que o legislador optou pela revogação daquele preceito e pela abolição daquela figura, introduzindo a figura dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, com função preventiva ou resolutiva.

Estes arestos que, de início (na reforma de 1995/96), derivavam apenas do julgamento ampliado dos recursos de revista, podem emergir também do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência introduzido na reforma dos recursos cíveis aprovada pelo Dec. nº 303/007 e mantido no CPC de 2013.

Com tal opção, deixou de existir suporte formal para atribuir à jurisprudência uniformizada força obrigatória, mesmo no seio da organização judiciária. Mas daí não decorre que seja desvalorizada ao ponto que é referido pela reclamante, passando os Tribunais e designadamente este Supremo Tribunal de Justiça a decidir os casos em que se suscitem as mesmas questões como se não existissem nem devesse ser respeitados os precedentes jurisprudenciais com o valor reforçado que deriva quer da solenidade do julgamento e do órgão específico de que emanam (Pleno das Secções Cíveis), quer de outros preceitos de natureza instrumental que indirectamente apelam ao seu acatamento pelos Tribunais quando são confrontados com questões de direito idênticas, de natureza essencial e dentro do mesmo quadro normativo substancial.


6. O primado da lei sobre a jurisprudência apresenta-se como uma das características diferenciadoras relativamente aos sistemas anglo-saxónicos. Nestes, a falta de uma codificação é compensada pelo relevo atribuído aos precedentes jurisprudenciais que vão tecendo a malha da ordem jurídica.[1]

Já entre nós privilegia-se um sistema legal com pretensões de abarcar, em abstracto, todas as situações da vida real, reservando-se para a jurisprudência a função de fonte mediata do direito, na sua vertente interpretativa.[2]

A subalternização da jurisprudência em relação à lei e a recusa em qualificar a primeira como fonte imediata de direito são comuns à generalidade dos sistemas jurídicos de raiz romanística, nos quais a lei ocupa o lugar cimeiro, surgindo a jurisprudência numa posição subordinada.[3]

É pela persuasão, que não pela atribuição de efeitos correspondentes aos de verdadeiras normas, que noutras ordens jurídicas é exercida a influência intra-sistemática da jurisprudência uniformizada através de precedentes que, sendo susceptíveis de ser modificados pelo Tribunal Superior, são, em regra, acatados pelos tribunais de categoria inferior.[4]

Apesar da não vinculação ao sentido assumido pelos Tribunais Superiores, na aplicação do direito os Tribunais têm de necessariamente tomar em consideração os valores da segurança, da certeza jurídica e da eficácia, como factores que concorrem para a legitimação das decisões judiciais.[5]

Mais do que ocorre com a jurisprudência constante, cujo relevo formal é evidenciado designadamente pelo art. 536º, nº 2, al. b) (repartição de custas) ou pelo art. 656º do CPC (admissibilidade de apreciação de recurso por decisão singular do relator), a jurisprudência uniformizada emanada do Supremo Tribunal de Justiça deve merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial, de tal modo que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios à concreta resolução da questão de direito.[6]

Por isso, quando porventura haja razões para divergir de tal jurisprudência, a decisão judicial não poderá deixar de ser sustentada em fundamentação convincente, baseada nalguma diferença relevante entre as situações de facto ou novos argumentos que porventura não tenham sido apreciados, de tal modo que a divergência não se justifica por si mesma, antes deve ser encarada como o resultado de um percurso que, sem hiatos, tenha como ponto de partida a letra da lei e percorra todas as etapas intermédias.


7. Porém, o valor reforçado da jurisprudência uniformizada não resulta apenas destas considerações de ordem genérica ou de outras que apelam ao tratamento isonómico de situações idênticas (princípio da igualdade que emerge do art. 8º, nº 3, do CC) ou à tutela dos vectores da certeza e da segurança jurídica na aplicação da lei e na resolução dos litígios.

O legislador, acautelando atitudes de pura rebeldia, associou à figura dos acórdãos uniformizadores regras de natureza instrumental que contribuem para a natural aceitação e acatamento da respectiva jurisprudência pelos tribunais inferiores e pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça.

O tendencial respeito pela jurisprudência definida através dos acórdãos de uniformização é projectada a partir de diversas normas:

a) Nos termos do art. 629º, nº 2, al. c), do CPC, é sempre admissível recurso de qualquer decisão, independentemente do valor da causa, quando o tribunal de 1ª instância ou a Relação desrespeitem jurisprudência uniformizada; [7]

b) Nos casos em que está vedado o 3º grau de jurisdição por motivos diversos do valor do processo ou da sucumbência, é possível interpelar o Supremo através de recurso de revista quando o acórdão recorrido contrarie outro acórdão da Relação (ou do Supremo), sobre a mesma questão fundamental de direito, mas esse recurso é vedado se acaso o acórdão recorrido tiver aderido a jurisprudência uniformizada (art. 629º, nº 2, al. d));

c) Constitui obstáculo à admissibilidade de revista excepcional sustentada em alguma contradição jurisprudencial o facto de o acórdão recorrido ter aderido a uma tese uniformizadora emanada do Supremo (art. 672º, nº 1, al. c));

d) Impede a admissão de revista interlocutória regulada no art. 671º, nº 2, al. b), o facto de o acórdão da Relação ter acatado jurisprudência uniformizada;

e) Na Relação ou mesmo no Supremo o recurso pode ser julgado singularmente pelo relator quando incidir sobre questão que tenha sido decidida de modo uniforme ou reiterado, nos termos dos arts. 656º e 679º (e, por maioria de razão, quando a questão jurídica tenha uma resposta uniformizada pelo Supremo);

f) Ao nível do próprio Supremo Tribunal, a eventual discordância que seja manifestada relativamente a alguma uniformização jurisprudencial impõe ao relator ou aos adjuntos o dever de proporem ao Presidente o agendamento de julgamento ampliado da revista de forma a permitir que o Pleno das Secções Cíveis possa de novo debruçar-se a fim de alterar ou de sustentar a solução já anteriormente uniformizada (art. 686º, nº 2, do CPC);

g) O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência deve ser liminarmente rejeitado se acaso o acórdão do Supremo que é objecto desse recurso tiver aderido a jurisprudência uniformizada, nos termos do art. 688º, nº 3.

São essas regras que, como a prática o evidencia, têm contribuído para a generalizada aceitação dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, de tal modo que, mesmo sem natureza vinculativa formalmente derivada de algum preceito legal, acabam de facto por ser acolhidos pelos tribunais e aceites pela generalidade dos demais profissionais do foro, constituindo a ora reclamante uma excepção que apenas confirma aquela regra.


8. Neste contexto, mesmo sem norma alguma que atribua aos acórdãos de uniformização de jurisprudência a força obrigatória que, por exemplo, está agora prevista no art. 927º do novo CPC brasileiro para as súmulas vinculantes emanadas do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os mecanismos de controlo situados a jusante têm sido suficientes para quebrar certos impulsos geradores de discordâncias injustificadas, prevenir os perigos de um eventual individualismo exacerbado e determinar o corrente respeito pela interpretação uniformizadora assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Ainda que destituída de força obrigatória geral, por via de imposição constante em norma legal, a jurisprudência uniformizadora acaba por se impor aos tribunais inferiores e até ao próprio STJ em recursos posteriores, na medida em que persistam os pressupostos que a determinaram.

Assim, tendo em conta o sentido e o valor que se atribuiu à jurisprudência uniformizada, parece óbvio que, enquanto se mantiverem as circunstâncias em que se baseou a tese do Supremo, os Tribunais Judiciais devem acatá-la, na medida em que, não o fazendo, além de esse não acatamento poder representar uma quebra injustificada do valor da segurança jurídica e das legítimas expectativas dos interessados, podem ser provocados graves danos na celeridade processual e na eficácia dos tribunais, considerando a previsível derrogação da decisão em caso de interposição de recurso.


9. Ora, se essa postura é exigida dos Tribunais, não podem as partes, através dos respectivos mandatários judiciais, agir nos processos como se não houvesse qualquer pronúncia uniformizadora relativamente à questão suscitada, alinhando num sistema sem balizas, a pretexto de que, como refere a reclamante, os Tribunais apenas estão sujeitos à lei e que a jurisprudência não é fonte normativa.

Tal argumentário ignora que os Tribunais devem respeitar o sistema legislativo em bloco, mas que neste também se inscrevem as regras de cariz adjectivo que foram mencionadas e que necessariamente condicionam a liberdade de decisão.

Por outro lado, tal posição passa ao lado do sentido e do valor da jurisprudência, enquanto fonte mediata da lei, na medida em que, através de proposições judiciais, se alcança a necessária concretização normativa, passando do plano da mera abstracção para o da resolução dos casos concretos.

Acresce que, no caso concreto, para além do apelo que a reclamante faz ao desprezo puro e simples da jurisprudência uniformizada, não se deu ao trabalho de arrolar qualquer argumento capaz de contrariar os motivos que levaram este Supremo Tribunal a fixar a jurisprudência que ficou expressa no AcUJ nº 10/15.

Por todos estes motivos, não existe motivo algum para divergir de tal entendimento, do qual decorre, com particular evidência, a improcedência da reclamação.


10. Mas da atitude de rebeldia revelada pela reclamante devem ser extraídas outros efeitos.

O art. 531º do CPC prescreve a aplicação de taxa sancionatória excepcional quando a reclamação seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.

É precisamente o que revela a posição assumida pela reclamante.

Na verdade, malgrado conhecer a tese que foi fixada no AcUJ nº 10/15 que, aliás, foi citado na decisão reclamada e que, além do mais, é do conhecimento público, pelo facto de ter sido publicado no D.R., nos termos do art. 687º do CPC, a reclamante avanço com a reclamação sem a mais ligeira consideração por tal aresto e, além disso, sem a mais breve argumentação que pusesse em causa a validade da tese que nele foi assumida.

Sem ir ao ponto de integrar tal actuação nos parâmetros da litigância de má fé, nos termos do art. 542º do CPC, não pode deixar de ser civilmente sancionada essa conduta através da medida prevista no art. 531º do CPC.


VIII – Face ao exposto, e não havendo motivo algum para divergir do AcUJ nº 10/15:

a) Indefere-se a reclamação;

b) Custas a cargo da reclamante que suportará a taxa sancionatória de 6 UC’S

Notifique.

Lisboa, 12-5-16


Abrantes Geraldes

________________
[1] Oliveira Ascensão, O Direito-Introdução e Teoria Geral, pág. 133, e René David, Os Grandes Sistemas de Direito Contemporâneo, págs. 403 e segs.
A aproximação dos sistemas de Direito Continental à metodologia própria dos sistemas anglo-saxónicos verifica-se actualmente no âmbito do Direito Europeu. A jurisprudência emanada do Trib. de Justiça da União Europeia vai suprindo a incompleta normativização, a divergência de conceitos ou de institutos dos vários sistemas jurídicos nacionais ou a necessidade de encontrar soluções que melhor se adaptem às circunstâncias.
[2] Manuel de Andrade, na Sep. do Vol. XLVIII do BFDUC, de 1972, em trabalho intitulado “Sentido e Valor da Jurisprudência”, utiliza a expressão “jurisprudência” no seu sentido mais amplo, de modo a abarcar “o conjunto das disciplinas votadas ao estudo do direito positivo, em ordem à sua aplicação aos casos da vida” (pág. 8). Com tal amplitude, acrescenta que a jurisprudência está “ao serviço da lei, mas num sentido de obediência pensante, que atende menos à letra que mata do que ao espírito que vivifica” (pág. 40).
[3] Oliveira Ascensão, O Direito-Introdução e Teoria Geral, pág. 130.
[4] Antunes Varela em artigo intitulado A responsabilidade pessoal dos juízes, reportando-se genericamente ao dever de fundamentação das decisões judiciais, conclui que “só a justificação convincente da decisão, quer na determinação das normas aplicáveis, quer na fiel reconstituição dos factos que interessam ao exame e decisão da causa, quer na interpretação e correcta aplicação do direito, podem garantir que a sentença seja, não apenas o remate cronológico da acção, mas também um real instrumento de pacificação social” (RLJ, ano 130º, pág. 10).
[5] Como refere Michelle Taruffo, a uniformidade da jurisprudência, como valor fundamental que deve ser assegurado, encontra diversas justificações, desde logo, a “exigência de assegurar a certeza do direito, dado que a jurisprudência uniforme evita a incerteza e a variação das decisões; a garantia de igualdade dos cidadãos perante a lei, de acordo com o princípio da stare decisis típico dos ordenamentos anglo-americanos, segundo o qual casos iguais devem ser decididos de um modo igual; a necessária previsibilidade das decisões futuras, com base na qual as partes devem poder confirmar no facto de que os juízes futuros se comportarão do mesmo modo dos juízes que os antecederam. A previsibilidade pode também desempenhar uma função económica, uma vez que, se a decisão for previsível, poderá evitar-se o recurso ao juiz. Enfim, uma jurisprudência constante pode ser conhecida com mais facilidade e, deste modo, orienta de forma mais eficaz o comportamento das pessoas em sociedade” (“A jurisprudência entre a casuística e a uniformidade”, na revista Julgar, nº 25, págs. 19 e 20).
[6] Citando Karl Larenz, Metodologia do Direito, pág. 497, “o juiz não tem apenas o direito, está até obrigado a divergir do precedente, sempre que chegue à convicção de que ele traduz uma incorrecta interpretação ou desenvolvimento da lei, ou de que a questão, então correctamente resolvida, deve hoje - mercê de uma mudança de significado da norma ou de uma alteração fundamental das circunstâncias relevantes para a sua interpretação - ser resolvida de outro modo”. Mais adiante (pág. 503) conclui que “o juiz não pode confiar no precedente como que de olhos fechados, deve formar um juízo pessoal, pelo menos quando surjam dúvidas sobre a correcção daquele”. Remata dizendo: “se, na convicção do juiz chamado a decidir, a incorrecção do precedente for evidente, o postulado da igualdade de tratamento não o impedirá de decidir correctamente”.
[7] Segundo Ribeiro Mendes, a justificação desta medida assenta na necessidade de “evitar que os Tribunais possam afastar-se dessa jurisprudência sem que o Supremo Tribunal de Justiça tenha a possibilidade de a alterar ...”, confiando em que “o respeito por essa jurisprudência será normalmente assegurado pela iniciativa das partes - que não deixarão de impugnar por via de recurso quaisquer decisões que se não conformem com a jurisprudência precedentemente uniformizada” (Os Recursos no CPC Revisto, pág. 108).
Esta jurisprudência corresponderá não apenas à que resultar dos acórdãos de revista ampliada produzidos ao abrigo da nova legislação, como ainda à contida nos “Assentos” anteriormente proferidos e cuja doutrina ainda persista (cfr. o art. 17º, nº 2, do Dec. Lei nº 329-A/95).