Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1289
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS FUTUROS
DANOS MORAIS
Nº do Documento: SJ200305200012896
Data do Acordão: 05/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 968/02
Data: 11/06/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I -Sendo a IPP resultante de um acidente de viação, causado por culpa exclusiva do condutor de um veículo seguro na ré, embora parcial, tão elevada que coloque o lesado numa situação de inferioridade manifesta perante terceiros candidatos a determinado tipo de emprego para que se encontrava antes do acidente habilitado ou em vias de habilitação por meio de um curso de formação profissional, a consideração de razões de equidade conduz justificadamente a que o montante indemnizatório correspondente se aproxime do que corresponderia à IPP total.
II -A fixação dos danos não patrimoniais em quantia superior à valorada pelo lesado é admissível desde que a sentença não condene em montante superior ao do pedido indemnizatório global.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 22 de Junho de 1999, "A" instaurou contra Companhia de Seguros B (hoje .......- Companhia de Seguros, S.A., sucessora daquela), e Companhia de Seguros C., acção com processo ordinário a que foi atribuído o n.º 193/99, pedindo a condenação das rés a pagarem-lhe a quantia de 928.100$00 e a que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos que diz ter sofrido em consequência de um acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva dos condutores de dois veículos, seguros, um na primeira ré, e o outro na segunda.
Ambas as rés contestaram, cada uma delas imputando a culpa exclusiva na produção do acidente ao condutor do veículo seguro na outra, e impugnando.
Proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias, foram enumerados os factos desde logo considerados assentes e elaborada a base instrutória.
Foi ainda ordenada e efectuada a apensação de dois outros processos respeitantes ao mesmo acidente e deduzidos contra as mesmas rés: o processo n.º 202/99, e o processo n.º 317/99. Naquele, é autora D, que pediu a quantia de 8.719.300$00 e juros, e neste, são autores E e mulher, F, que pediram as quantias de, respectivamente, 3.451.720$00, juros e um montante a liquidar em execução de sentença, e 1.000.000$00 e juros, tudo como indemnização pelos danos que do mencionado acidente lhes resultaram.
Posteriormente, a autora deduziu articulado superveniente em que concretizou os danos que se foi apurando terem-lhe sido causados pelo acidente e cuja liquidação relegara par execução de sentença, sem que os tivesse indicado antes por falta dos necessários elementos clínicos, concluindo pelo pedido líquido de condenação das rés a pagarem-lhe o montante de 81.310.680$00, acrescido dos juros legais respectivos a contar da notificação desse articulado até integral pagamento.
Foram, por isso, aditados quesitos à base instrutória, após o que teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual as rés confessaram encontrar-se acordadas no facto de o acidente em causa ter ocorrido por culpa de ambos os condutores dos aludidos veículos nelas seguros, na proporção de 50% para cada um, por excesso de velocidade (mais de 100 Km/hora dentro da cidade de Braga), inadvertência e desatenção desses condutores.
Além disso, a autora A ampliou o pedido em mais 500.837$00, e foram aditados mais quesitos à base instrutória.
Oportunamente foi decidida a matéria de facto instruenda, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou: no processo n.º 193/99, ambas as rés, cada uma delas a pagar à autora A a quantia de 31.552.426$00, acrescida de juros legais de mora desde a notificação do articulado superveniente, sem prejuízo dos juros legais de mora desde a citação sobre a quantia de 464.050$00 por cada uma das rés; no processo n.º 202/99, ambas as rés, cada uma delas a pagar à autora D a quantia de 4.359.650$00, acrescida dos juros legais de mora desde a citação; no processo n.º 317/99, ambas as rés a pagar ao autor marido a quantia de 484.270$00 e juros legais de mora desde a citação, e ambas as rés apagar à autora mulher, cada uma delas, a quantia de 150.000$00, com idênticos juros, e ainda ambas as rés a pagarem aos autores a quantia de 100.000$00, também com juros legais de mora desde a citação.
Apelaram ambas as rés e o autor E, a título principal, e as autoras D e A, a título subordinado.
Entretanto, ainda na 1ª instância, a autora D celebrou com ambas as rés transacção que ali foi homologada por sentença, transitada em julgado, ali tendo também sido julgado deserto, por falta de alegações, o recurso interposto pelo autor E. Em causa ficaram, pois, apenas os recursos das rés quanto ao pedido formulado pela autora A, e o recurso desta.
A Relação proferiu acórdão que revogou parcialmente a sentença ali recorrida, condenando as rés no pagamento à autora A da quantia de 265.486,94 Euros, acrescida de juros nos termos indicados na sentença da 1ª instância, tendo em conta a responsabilidade de 50% que as mesmas rés acordaram.
É deste acórdão que vem interposta a presente revista, pela autora A e pelas rés, que, em alegações, formularam as seguintes conclusões:
I -A autora A:
1ª - Os valores máximos de desvalorização são de atribuir quando as cicatrizes forem impeditivas do desempenho do posto de trabalho por razões de ordem estética e se o trabalhador não tiver idade nem aptidão para ser reconvertido profissionalmente;
2ª - A apelante está incapaz de exercer a sua profissão habitual de técnica de comércio;
3ª - Continua agarrada a uma canadiana;
4ª - Dadas as sequelas sofridas, que se manterão ao longo de toda a sua vida, não são exageradas as quantias arbitradas na 1ª instância a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;
5ª - No aresto do Tribunal a quo foi violado o disposto no art.º 566º do Cód. Civil, por erro de aplicação e/ou interpretação.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido no que respeita ao montante dos danos patrimoniais e não patrimoniais, fixando-se os montantes arbitrados na 1ª instância.
II -Das rés, em conjunto:
1ª - A indemnização decorrente da IPP de 69,4% com que a recorrida ficou afectada não deve ser fixada em montante superior a 125.000 Euros;
2ª - A compensação pelo dano moral não deve ultrapassar o montante de 50.000 Euros, valor, aliás, referido pela recorrida no art.º 49º do seu articulado superveniente, incluindo factos que não se provaram;
3ª - Tais montantes indemnizatórios afiguram-se ajustados à situação concreta da lesada e eivados de justiça equitativa;
4ª - Não deixando de se trazer à colação o acórdão deste Supremo de 17/10/02, proferido no Proc. n.º 2587/02 -7ª, tendo como relator o Sr. Conselheiro Araújo Barros;
5ª - Sobre aquelas importâncias são devidos juros de mora apenas a partir da data da prolação da sentença, uma vez que estão actualizadas;
6ª - O acórdão recorrido não fez correcta aplicação do disposto nos art.ºs 496º, n.ºs 1 e 3, 564º, n.º 2, 566º, n.º 3, e 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), todos do Cód. Civil.
Terminam pedindo a alteração do acórdão recorrido no sentido de serem fixados os montantes indicados, tendo em conta a responsabilidade de 50% em que ambas acordaram.
Apenas a ré B apresentou contra alegações, em que pugnou pela improcedência do recurso da autora.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os como tais declarados no acórdão recorrido, para o qual nessa parte se remete ao abrigo do disposto nos art.ºs 726º e 713º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil, uma vez que não houve impugnação da matéria de facto nem há fundamento para a sua alteração. Nas suas contra alegações, a ré B sustenta que a autora A pretende alteração da matéria de facto no sentido de se considerar assente que ficou totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual de técnica de comércio, quando a Relação declarara não provada essa matéria. Ora, é certo que a Relação declarou tal facto não provado, nessa parte alterando a decisão de facto da 1ª instância, não tendo este Supremo poderes para alterar essa decisão da Relação em face do disposto nos art.ºs 722º, n.º 2, e 729º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código; mas a autora A também não defende propriamente essa alteração, dizendo mesmo que não discute a resposta negativa dada pelos peritos ao quesito da base instrutória em que o facto em causa era perguntado. Com efeito, o que ela sustenta é que, apesar dessa resposta negativa, face à elevada percentagem de incapacidade permanente com que ficou e às demais consequências, nomeadamente de ordem estética, que lhe resultaram do acidente, a Relação não devia ter reduzido o montante de indemnização pela IPP arbitrada na 1ª instância, isto com base na análise e ponderação dos demais factos assentes e à luz de disposições legislativas que invoca (Dec. -Lei n.º 341/93, de 30/9).
Não obstante, sempre se dirá não haver lugar, por falta de poderes de sindicância deste Supremo sobre a decisão da matéria de facto pelos motivos acima indicados, a qualquer alteração dessa matéria no sentido impugnado pela recorrida B, sem embargo das consequências a extrair dos factos assentes a tal respeito.
Encontra-se acordado e definitivamente decidido ter o acidente tido lugar em consequência de actuação gravemente culposa dos condutores dos veículos nele intervenientes, reveladora de forma manifesta de enorme desconsideração pelos riscos que a condução descuidada possa determinar para outros, e de repugnante desinteresse, mesmo que porventura inconsciente, pelos valores superiores da vida humana e da integridade pessoal de terceiros, bem como pelo sofrimento que a outrem essa actuação pudesse provocar; por isso, também se encontra assente a responsabilidade das rés, como seguradoras, pela indemnização pelos danos resultantes do acidente para as pessoas por ele inesperada e infelizmente lesadas sem para tal facto terem minimamente concorrido.
A primeira questão suscitada nas conclusões das alegações, quer da autora, quer das rés, embora obviamente pretendendo elas soluções diferentes, é a do montante da indemnização pela IPP.
A sentença da 1ª instância fixara, a esse título, para a autora A, o montante de 35.000.000$00, baseando-se em ter ela ficado completamente incapaz para o exercício da profissão a que se propunha (tinha ela então ainda 17 anos) e para a qual vinha recebendo formação profissional, sendo provável que ainda tivesse uma vida activa de pelo menos mais 46 anos. Tomou em conta o salário que ela auferiria se pudesse trabalhar no exercício da sua profissão (100.000$00 mensais), a IPP de 69,4%, e a taxa de juro anual dos depósitos a prazo de 4%, para, por aplicação de uma fórmula matemática das que vêm sendo com relativa frequência utilizadas pela jurisprudência, temperada por um juízo de equidade, chegar àquele resultado.
A Relação, considerando que não se provara que a autora A ficara totalmente incapaz para o exercício da sua profissão, reduziu aquele montante para 150.000 Euros.
Pretende a autora A a elevação desse montante para o fixado em 1ª instância, enquanto as rés, baseando-se noutra fórmula, pretendem que desça ainda mais, para 125.000 Euros, por já se ter partido, para a realização dos cálculos, de um salário que só viria a ser devido futuramente, bem como por razões de justiça equitativa.
Não têm razão as rés.
Com efeito, o que ficou dado por assente foi que, quanto ao vencimento daquela autora, seria de 100.000$00 mensais, para o futuro, quer terminasse o curso, quer não, catorze vezes por ano. Por isso, só esse montante se pode considerar como sendo o montante de partida, e não, por exemplo, o salário mínimo nacional.
Por outro lado, para além de as fórmulas utilizadas na jurisprudência não serem vinculativas mas meros meios auxiliares de cálculo, também as razões de justiça equitativa não são vinculativas, só podendo valer como factor a ponderar, no sentido de influenciar argumentativamente a decisão, perante situações exactamente iguais. Ora, não está certificada nos autos situação igual à destes, até porque na hipótese presente as cicatrizes, marcas e deformidades com que a autora ficou, e as demais consequências físicas e psíquicas que do acidente lhe resultaram, a tornam gravemente inferiorizada perante qualquer outra pessoa, homem ou mulher - como é notório e portanto atendível (art.º 514º do Cód. Proc. Civil) -, que lhe faça concorrência para obtenção de emprego na sua profissão, situação que até pode não se verificar no caso apresentado como exemplo, embora sem certificação, pelas rés.
É precisamente devido a essa situação de inferioridade manifesta da autora perante a actualmente cada vez mais forte e muitas vezes implacável e até desumana concorrência na obtenção de empregos que se entende que, apesar de a sua incapacidade permanente para o exercício da sua profissão não ser total, a consideração de razões de equidade, consagrada como forma de cálculo da indemnização pelo art.º 566º, n.º 3, do Cód. Civil, aponta para a fixação do montante arbitrado pela 1ª instância. Com efeito, na situação da autora, revelada pelos factos assentes, e atendendo nomeadamente a que no ramo profissional a que a autora se pretendia dedicar é elemento importante a boa apresentação, verifica-se uma espécie de presunção natural de que não conseguirá obter um emprego estável a não ser com um sacrifício exagerado que não será sequer humano exigir-lhe, face às dores que, está provado, sentirá a vida inteira, havendo que partir dessa situação de verosimilhança de insucesso para, mediante o apontado recurso à equidade, fazer a determinação de um montante indemnizatório justo.
Assim, e face ao disposto no art.º 562º do Cód. Civil, justifica-se a fixação de um montante que permita à autora a obtenção de um rendimento, se não igual, pelo menos muito próximo do total que viria a auferir. Por isso o dito montante de 35.000.000$00, atendendo ainda a que a taxa de juro tem sofrido várias baixas, - como é o caso da taxa de juros legais, recentemente reduzida de 7% para 4% -, apresenta-se como o mais adequado a essa indemnização pela IPP.
É certo que, dessa forma, permanecerá a autora detentora de capital, que receberá todo de uma vez e antecipadamente. Mas daí não resulta qualquer injustiça, do género da que integra o enriquecimento sem causa, uma vez que, produzindo o capital arbitrado um rendimento inferior ao vencimento que a autora auferiria se pudesse trabalhar de forma estável, parte desse capital vai sendo consumida mensalmente para completar montante igual ao daquele vencimento, sendo que uma outra parte do mesmo capital também acabará por ser sistematicamente consumida para permitir à autora auferir aumentos correspondentes aos aumentos de vencimento normais e aos derivados de progressão na carreira em resultado de antiguidade e experiência, que sem dúvida viria a auferir trabalhando. Ora, tendo em conta que, face à notória baixa da taxa de juro, não poderá ser aplicada a mais vulgarmente aceite, de 4%, há que utilizar taxa inferior, que se afigura ser a de 3%; e o montante de 35.000.000$00 referido, mediante a aplicação dessa taxa, produz rendimento inferior ao dito vencimento de 100.000$00 mensais, e mesmo só de forma muito reduzida superior a 69,4% (percentagem da IPP) desse vencimento.
Nestas condições, entende-se ser o mais adequado o montante de 35.000.000$00, correspondente a 174.579,26 Euros, como indemnização pela IPP sofrida pela autora A.
A segunda questão suscitada nas conclusões de ambas as alegações respeita à indemnização pelos danos não patrimoniais.
A sentença da 1ª instância arbitrou a este título o montante de 25.000.000$00, que a Relação reduziu para 100.000 Euros. A autora pretende a elevação deste montante também para o fixado na 1ª instância, e as rés pretendem que esse montante baixe mais ainda, para o de 50.000 Euros, por ser esse (aliás 10.000.000$00) o montante estimado pela autora no art.º 34º do mencionado articulado superveniente, por não ter ela provado todos os factos que a tal respeito incluíra (tratamentos fisiátricos e de cirurgia plástica), e de novo por razões de justiça equitativa.
Sobre esta questão dir-se-á que se entende encontrar-se correcto o entendimento expresso no acórdão recorrido.
Na verdade, as razões de justiça equitativa, como se referiu, pressupõem a prova da igualdade de situações, prova essa que não se mostra feita, ignorando-se em consequência se o sofrimento suportado pelo lesado no exemplo apontado pelas rés mas não certificado será tão intenso como o que a aqui autora padeceu, padece e padecerá até ao fim da sua vida, com os seus naturais sonhos tão injusta e tão abruptamente limitados, se não mesmo extintos. De todo o modo, tais razões constituem argumentação orientadora mas não vinculativa, tendo de ser conjugadas com as demais circunstâncias que se verifiquem no caso concreto.
Por outro lado, na petição inicial a autora invocara que teria ainda de se submeter a um tratamento de cirurgia plástica, - coisa que não logrou provar -, e no articulado superveniente invocou que teria de fazer tratamento fisiátrico ao longo de toda a vida, - o que também não provou. Mas tal em nada afecta o cálculo da indemnização por danos não patrimoniais, pela simples razão de que a autora não se baseou nesses tratamentos para a realização daquele cálculo, antes os referindo para determinação da indemnização pelos danos patrimoniais consistentes no respectivo custo. E, por outro lado, também invocou a autora no articulado superveniente ter sido sujeita a intervenções de cirurgia plástica e a tratamentos de fisiatria, sendo aos danos não patrimoniais daí resultantes que atendeu para liquidação da indemnização respectiva, e como se vê da análise dos fatos assentes logrou fazer a prova dessas intervenções e tratamentos.
Finalmente, quanto à estimativa feita pela autora no articulado superveniente, o que ela diz no respectivo art.º 34º é que, para a compensar de tão extenso e grave dano não patrimonial, "não é demais a quantia de 10.000.000$00". Daí não se pode, porém, concluir que ela entendesse então que tal quantia era suficiente e não de menos: só se pode entender que se conformaria com tal quantia se lhe fosse simultaneamente atribuído o montante que pedia com base nos danos patrimoniais, por forma a que o montante da condenação fosse o do pedido global. Só pode ser esse o sentido da mencionada estimativa, acompanhada pela transcrita expressão, de que resulta entender ela justificar-se que tal quantia fosse até aumentada sem que por isso se pudesse entender haver exagero ou injustiça. Assim, desde que este montante do pedido global não seja excedido, nada impede que o Juiz, actuando no exercício da faculdade de recurso à equidade que a lei lhe concede, exceda aquele montante referente aos danos não patrimoniais, pois só o montante global do pedido e não as parcelas em que este se desdobre é que não pode ser excedido pelos limites da condenação (art.º 661º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil). Portanto, a fixação dos danos não patrimoniais em quantia superior à valorada pela autora não infringe esse dispositivo, sendo legal e admissível, desde que a sentença, como é o caso, não condene em montante superior ao do pedido indemnizatório global (Ac. do S.T.J. de 2/3/83, in B.M.J. 325-365, entre outros).
E, face à enormidade e intensidade do sofrimento, quer físico quer psíquico, que do acidente resultou para a autora, o qual permanecerá pela vida inteira, entende-se que seria manifestamente desadequado e injusto reduzir o montante fixado pela Relação.
Não obstante a falta de razão das rés, parece também, neste particular, não assistir razão à autora: do disposto nos art.ºs 496º, n.º 3, e 494º, do Cód. Civil, conjugados, resulta que seria de considerar exagerado exceder o montante fixado pela Relação a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A última questão a decidir, esta suscitada apenas pelas rés, respeita ao momento de início da contagem dos juros de mora, que elas sustentam dever ter lugar apenas a partir do momento da prolação da sentença e não da data da citação ou notificação do articulado superveniente, por a indemnização já ter sido actualizada e visto o acórdão uniformizador de jurisprudência deste Supremo de 9/5/02 (in DR de 27/6/02).
Mas também aqui não têm razão. Como o acórdão recorrido já explicou, o que daquele acórdão uniformizador resulta é que os juros moratórios se contarão apenas a partir da data da sentença se nesta for feita a actualização da indemnização. Mas tal não se verifica na hipótese dos autos, pois a autora é que procedeu à actualização dos montantes no articulado superveniente, e a posterior ampliação do pedido, e a sentença limitou-se a ter em conta esses montantes por ela autora actualizados, não renovando tal actualização. Por isso, é desde os momentos indicados no acórdão recorrido que os juros de mora deverão ser contados.

Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista da autora A e em negar a das rés, alterando-se o acórdão recorrido no sentido de a indemnização pela IPP passar a ser, em vez de 150.000 Euros, no montante de 174.579,26 Euros, e confirmando-se o mesmo acórdão em tudo o mais.
Custas pelas rés, quanto à revista por elas proposta, e por elas e pela autora, na proporção de 50% para esta e de 50% para aquelas, quanto à revista da autora, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário a esta concedido.
Lisboa, 20 de Maio de 2003
Silva Salazar
Ponce de Leão
Afonso Correia