Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1458/056.7TBVFR-A.P.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VÍCTOR
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEFESA DO CONSUMIDOR
ÓNUS DA PROVA
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
AVAL
LIVRANÇA
LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
NULIDADE
ACÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 02/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATOS DE ADESÃO
DIREITO BANCÁRIO - CONTRATO DE ABERTURA DE CREDITO - LIVRANÇAS
Doutrina: - Ana Prata “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina Coimbra 2010, p. 152 ss..
- Antunes Varela "Das Obrigações em Geral" I, 6ª Edição, Almedina, Coimbra 1989 p. 262 ss..
- Calvão da Silva “Direito Bancário”, Almedina, Coimbra, 2001, p. 305.
- Carlos Ferreira de Almeida "Contratos I, Conceito. Fontes. Formação", Almedina Coimbra 3ª Edição p. 157 ss..
- Galvão Telles "Manual dos Contratos em Geral", Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 4ª Edição, p. 316 ss..
- Menezes Cordeiro “Manual de Direito Bancário”, Almedina”, Coimbra, 4ª Edição, 2010, p. 439 ss..
- Mota Pinto Teoria Geral do Direito Civil Coimbra Editora, 4ª Edição p. 654 ss..
- Sousa Ribeiro “O Problema do contrato”. As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade contratual” Teses, Almedina, Coimbra 1999, p. 369.
Legislação Nacional: DL Nº 446/85, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 1.º, NºS1, 2 E 3, 5.º, NºS2 E 3, 8.º, Nº1 ALÍNEAS A) E B).
DIRECTIVA COMUNITÁRIA Nº 93/13/CEE DO CONSELHO, DE 5 DE ABRIL (TRANSPOSTA PELO D.L.Nº 220/95, DE 31-8, ALTERANDO O DL 446/85): - ARTIGO 3.º, Nº2.
LEI UNIFORME DAS LETRAS E LIVRANÇAS (LULL): - ARTIGOS 10.º, 77.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-IN CJ ANO XVIII, TOMO II 2010, P.43 SS.;
-DE 13-12-2000, IN C. J., 2000, 3, P.174.
Sumário : I - O “contrato de adesão” na sua forma pura poderá definir-se como sendo “aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão formula unilateralmente as cláusulas negociadas e a outra parte aceita essas condições mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhes é apresentado, não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado”.
II - Entre o contrato de adesão e o contrato consensual não existe todavia uma dicotomia absoluta, havendo ainda a considerar uma figura híbrida, o “contrato de adesão individualizado”, onde a par de cláusulas que se mantêm inalteráveis de contrato para contrato, se verifica a inserção de disposições específicas moldadas no interesse das partes e em particular do aderente; estes contratos têm uma regulamentação diversificada, de harmonia com a índole das normas que deles constam.

III - Tendo em consideração a superioridade em que por via de regra o proponente do contrato de adesão se encontra perante o cliente que ao mesmo adere, a lei procura, através de mecanismos legais - entre nós o DL 446/85 - que a decisão deste último seja tomada no pleno conhecimento de todos os termos contratuais, onerando o primeiro com o ónus da prova que os comunicou de forma cabal ao aderente.

IV - Sendo omitido aquele ónus em relação a cláusulas fulcrais para o negócio tido em vista, terão as mesmas que considerar-se excluídas, o que pode afectar integralmente os termos do contrato com reflexo sobre os direitos e obrigações constituídos pelo mesmo.

V - Não se provando que aos avalistas de duas livranças de garantia fora dada a informação do pacto de preenchimento respectivo, as mesmas terão de considerar-se incompletas pelo que nulas, não podendo servir de base a acção executiva.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

AA - Banco …, S.A., com sede na Rua …, n." …, Funchal, instaurou processo de execução comum contra BB e CC, ambos residentes na Rua …, …, Sta M." Feira; DD, EE, e ainda FF, Lda., sendo que foi já extinta a instância executiva contra a executada sociedade.

Foram apresentados como títulos executivos duas livranças, subscritas por um legal representante da sociedade executada e avalizadas pelos restantes executados.

Em 15/02/2005, a dívida da sociedade executada ascendia a € 235.495,59 - referente ao montante titulado pelas livranças e respectivos juros e demais acréscimos.

Foi então deduzida oposição pelos executados BB e CC, invocando, em síntese, que o meio processual usado não tinha sido o próprio, pois que as livranças dadas à execução tinham sido assinadas em branco e se encontravam desacompanhadas do pacto de preenchimento, pelo que o seu objecto é indeterminado; além do mais, invocaram que as livranças em questão se encontrariam prescritas e ainda que ao proceder da forma descrita a Exequente actuou em situação de abuso de direito.

Conclui pedindo que se julgue procedente a oposição.

Foi apresentada contestação, impugnando a exequente a matéria da oposição, invocando que as livranças foram preenchidas de acordo com um pacto de preenchimento e que o alegado pelos Oponentes respeita às relações imediatas estabelecidas entre os executados, pelo que não são estranhas ao Oponente.

Concluiu pedindo que a oposição fosse julgada improcedente.

O Tribunal julgou a oposição procedente declarando assim extinta a instância executiva dos autos contra os oponentes.

Apelou dessa decisão o exequente tendo contudo o Tribunal da Relação do Porto confirmado o decidido.

Daquele acórdão recorre agora de revista o exequente AA acabando por pedir que se revogue o acórdão e se ordene o prosseguimento da execução.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) O acórdão recorrido considerou, na esteira do que já havia sido decidido em primeira instância, estarmos perante Contratos de Adesão, aos quais são aplicáveis as regras estabelecidas no DL nº 446/85, de 25 de Outubro.

2) A figura dos Contratos de Abertura de Crédito em Conta Corrente Caucionada e do Empréstimo sob a forma de Financiamento Externo, inserem-se no âmbito dos Contratos Especiais de Crédito, mais precisamente, no âmbito dos Contratos de Mútuo Bancário atípicos (cf. artigo 362° - Código Comercial).

3) A Abertura de Crédito é um contrato consensual, oneroso, nominado, mas atípico, que constitui uma operação negocial distinta do Contrato de Mútuo.

4) É um Contrato mediante o qual um Banco (habi-tualmente designado por Creditante) se obriga, por um período de tempo determinado, a ter uma quantia em dinheiro à disposição do Cliente (Creditado) constituindo-se este na obrigação de reembolsar o Banco, de pagar os juros em função das utilizações efectivas do crédito utilizado, bem como, a pagar as respectivas Comissões.

5) Já no Empréstimo sob a forma de Financiamento Externo a Empresa solicita ao Banco uma antecipação das receitas de exportação, tendo como base os próprios documentos que dão suporte à exportação,

6) Assegurando, deste modo, uma antecipação das receitas de exportações, permitindo fazer face a eventuais necessidades de tesouraria.

7) Em face da importância do conteúdo do clausulado de tais Contratos, os mesmos são objecto de negociação e validação pelos contraentes de cada uma das cláusulas por referência à operação de crédito aprovada e, aos seus objectivos.

8) O Contrato de Adesão, por sua vez, é aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado.

9) Trata-se pois de negociações, no âmbito dos fornecimentos massificados ou em série, de bens ou serviços, que avultam em nossos dias. O traço comum consiste na referida superação do modelo contratual clássico. Os clientes subordinam-se a cláusulas previamente fixadas, de modo geral e abstracto, para uma série indefinida de efectivos e concretos negócios.

10) Como tal, este tipo de Contratos está sujeito a um regime especial de tutela previsto no DL nº 446/85, de 20 de Outubro.

11) No entanto, aceitar que o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais não está sujeito a parâmetros de concorrência, admitindo, sem correcções e limites, a sua eficácia e aplicação a todo e qualquer Contrato, importaria sufragar desequilíbrios a nível global do comércio com perdas sociais significativas.

12) Assim, para que este regime seja aplicável torna-se necessário que o conteúdo das cláusulas de um Contrato, não seja imputado a ambas as partes, isto é, que as mesmas sejam impostas por um dos contraentes, sem possibilidade de conformação negocial.

13) Ora da análise das características dos Contratos em questão, é possível concluir que os mesmos apresentam como característica essencial a consensualidade no sentido em que se consideram perfeitos mediante o acordo das partes envolvidas.

14) Independentemente da sua natureza, é necessário ter em conta que, o regime proteccionista emergente do aludido DL nº 446/85, de 25/10, apenas contempla as cláusulas contratuais gerais.

15) Estando perante cláusulas particulares do Contrato, como tal sujeitas a negociação, não lhes é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais mas sim o regime geral dos contratos.

Contra-alegaram os recorridos pugnando pela confirmação do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2. FUNDAMENTOS.

O Tribunal deu como provados os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. As duas livranças dadas à execução foram preenchidas, no que concerne ao local e data de emissão, o vencimento, o valor, o local de pagamento e a identificação dos subscritores, sem o conhecimento dos oponentes.

2.1.2. Os oponentes tinham conhecimento das assinaturas delas constantes nas suas frente e verso e seu beneficiário.

2.1.3. Quando os oponentes subscreveram tais documentos foi-lhes dito que tal seria necessário para que viesse a ser concedido crédito à FF, Lda..

2.1.4. Esta empresa dedicava-se ao fabrico de calçado, dedicando-se ambos os oponentes exclusivamente à parte da produção.

2.1.5. O oponente marido tem apenas a instrução primária, a velha 4ª classe".

2.1.6. A oponente mulher apenas possuía o então designado Ciclo Preparatório, hoje 8° ano de escolaridade.

2.1.7. Era o co-executado DD que tratava dos assuntos da empresa atinentes a bancos, compras, vendas ou qualquer outro tipo de contratos.

2.1.8. A exequente teve conhecimento de que a 06.03.02 os oponentes outorgaram escritura de cessão de quotas da aludida empresa, mediante a qual cederam as suas quotas ao co-executado DD, cessão de quotas essa que veio a ser registada em 29.05.03.

2.1.9. Quando o oponente marido deixou a FF, Lda., esta era uma empresa financeira e economicamente estável, tendo todas as possibilidades, quer próprias, quer sobretudo de crédito, de substituir as garantias então existentes.

2.1.10. Os oponentes subscreveram, conjuntamente com os co-executados, o pacto de preenchimento da livrança dada à execução, no âmbito de empréstimo sob a forma de financiamento externo, documento esse datado de 22.06.98.

2.1.11. Os oponentes subscreveram conjuntamente com os co-executados documento de contrato de abertura de conta corrente caucionada, datado de 22.06.98, do qual consta o pacto de preenchimento da aludida livrança.

2.1.12. O exequente comunicou aos oponentes, através de carta registada com a/r, que resolvia os contratos referidos em 10. e 11., que iria preencher as livranças e apresentá-las a pagamento, não tendo aqueles pago as importâncias tituladas por esses documentos.

Refira-se ainda, já que com interesse para a decisão da causa e cabal compreensão do que vai decidir-se, não se ter provado que:

“Os oponentes tinham conhecimento do conteúdo dos contratos de financiamento e de abertura de conta corrente caucionada, bem como dos pactos de preenchimento das livranças dadas à execução e das próprias livranças, com excepção das suas assinaturas e da entidade beneficiária desses documentos”.

2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- A caracterização do contrato em análise e o regime legal que se lhe aplica.

- Consequências a tirar das considerações precedentes quanto à sorte da acção

2.2.1. A caracterização do contrato em análise e o regime legal que se lhe aplica.

Insurge-se o AA contra a decisão de 2ª instância, na medida em que o Tribunal considerando estar em causa nos presentes autos um “contrato de adesão” e não tendo sido comunicadas aos oponentes as cláusulas do mesmo, nomeadamente as condições em que o preenchimento do pacto e respectivas livranças iriam ocorrer, considerou extinta a instância executiva no tocante aos oponentes BB e CC, por violação do disposto no artigo 5º do DL 446/85 de 25 de Outubro.

Como é sabido “as cláusulas contratuais gerais” surgiram como fruto da massificação negocial que se verificou após a revolução industrial e que tem vindo a acentuar-se com a expansão do comércio e serviços, propiciada pelo fenómeno da globalização cujos instrumentos facilitam a oferta e procura de bens em mercados até há pouco tempo dificilmente acessíveis em razão do respectivo distanciamento. É claro que toda esta evolução postula e exige mecanismos reguladores jurídicos eficientes de molde a acompanhar os inegáveis benefícios propiciados pela nova ordem económica. Tais mecanismos, para que possam ser úteis, terão que ser eficientes e tal só poderá suceder na medida em que fomentem a economia de tempo e igualação no tratamento dos clientes e fornecedores.

Mas o dinamismo assim criado traz em si também as desvantagens inerentes à supressão ou redução da liberdade de negociação, inadaptação dos interesses particulares com o inevitável pendor para a desigualdade das partes, com a que é economicamente mais forte a fazer pender a seu favor a balança contratual (1). Assim se explica que os "contratos de adesão", instrumentos reguladores por excelência da massificação, tenham merecido a atenção dos Estados com vista a procurar minorar, tanto quanto possível, as desigualdades provocadas por abusos de regulamentação e capciosidades em consequência do modo como são por vezes intencionalmente redigidos pelos respectivos proponentes. Fruto desta tendência, o DL nº 446/85 de 25 de Outubro, de inspiração germânica, surgiu entre nós como a primeira tentativa de disciplinar as cláusulas contratuais gerais insertas nos contratos – estatuindo que "as cláusulas gerais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem respectivamente a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente Diploma" – Cfr. artigo 1º nº 1. Um dos campos preferenciais de atenção deste Diploma concentra-se nos "contratos de adesão" nomeadamente no âmbito dos seguros. É assim desde a Directiva comunitária nº 93/13/CEE do Conselho de 5 de Abril que veio a ser transposta pelo DL 220/95 de 31 de Agosto alterando o DL 446/85.

O “contrato de adesão” poderá definir-se como sendo “aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, formula unilateralmente as cláusulas negociadas e a outra parte aceita essas condições mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhes é apresentado não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado” (2). O Banco ora recorrente coloca o acento tónico da sua discordância no facto de o contrato em análise ter vindo a ser considerado erradamente como de adesão, sendo certo que é antes de natureza consensual, já que o mesmo ostenta claramente cláusulas que resultam de um acordo das partes, o que não sucede com o “contrato de adesão típico” onde não existe consensualidade mas apenas a imposição unilateral de um conjunto de disposições que o aderente tem que aceitar. Só nesse caso se justificaria, na opinião do Banco, a protecção que o Direito comunitário e nacional vem concedendo a este tipo contratual, nomeadamente o cunho proteccionista da parte mais débil, o aceitante aderente.

O AA não tem contudo razão. Mau grado já resultasse implícito do teor da sentença de 1ª instância, esclareça-se agora como mais pormenor, que entre o contrato consensual e o contrato de adesão não existe necessariamente uma dicotomia absoluta. Há nesta sede ainda a considerar uma “figura híbrida” onde a par de cláusulas que se mantêm inalteráveis de contrato para contrato, suportam todavia a inserção de disposições específicas moldadas no interesse das partes e em particular do aderente; são “os contratos de adesão individualizados”, reconhecidos expressamente no artigo 1º nº 2 do citado DL 446/85 (que aliás resulta do nº 2 do artigo 3º da Directiva 93/13/CEE, ao estatuir que “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”. Haverá pois que indagar se é dessa índole o “contrato de abertura de crédito” que agora apreciamos, sendo certo que esta qualificação não obsta a que contenha cláusulas uniformes e também específicas, de harmonia com os interesses dos outorgantes em presença.

Em traços gerais, o aludido contrato, quando celebrado por um banco, é aquele em que essa instituição se obriga a mutuar ao cliente normalmente por prazo determinado e por uma ou mais vezes incumbindo-lhe posteriormente restituir com os juros os montantes sacados ou mutuados” (3). Trata-se de um contrato atípico sendo permeável a cláusulas de índole variada; e assim como é óbvio, cláusulas gerais que se repetem sistematicamente em contratos da mesma índole e de natureza fixa, e outras adaptadas à especificidade do caso que visam contemplar, estas resultado na sua generalidade de discussão e acordo entre as partes. Nestes contratos, à diversidade das cláusulas que nele se inserem corresponde um diverso tratamento jurídico que lhes é conferido.

Revertendo ao caso concreto não nos restam dúvidas quanto à natureza mista do mesmo e, sendo assim, são-lhe aplicáveis as normas do Diploma em análise desde logo no que toca às cláusulas uniformes que o mesmo contém. É bem certo que é por vezes difícil, perante um determinado contrato, saber quais as normas que concretamente resultaram de um acordo específico ou têm a natureza de pré-determinadas e de pura adesão. Todavia é a própria lei – artigo 1º nº 3 do DL 446/85 - que resolve o impasse na medida em que estatui que “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”; essa prova não foi conseguida por qualquer das partes e nomeadamente pelo Banco recorrente, a quem tal poderia interessar, para se eximir às exigências que o DL supracitado faria impender sobre ele, v.g. no que se refere à comunicação das cláusulas.

Nesta conformidade, ao contrato em análise, de natureza mista, são aplicáveis as disposições do artigo 5º do Diploma legal supracitado, que versa sobre o alcance das cláusulas gerais e os requisitos que devem ser observados na sua comunicação ao aderente (4)

2.2.2. Consequências a tirar das considerações precedentes quanto à sorte da acção.

Resulta pois de todo o exposto que os oponentes BB e CC, na qualidade de avalistas, apuserem as respectivas assinaturas em duas livranças em branco, estas por seu turno subscritas por um legal representante da sociedade executada “FF Lda.”, no montante global de € 235.495,59 - referente ao valor ti­tulado pelas livranças, respectivos juros e demais acréscimos.

Aplicando-se in casu às cláusulas uniformes o regime do DL nº 446/85 de 25 de Outubro, caberia ao AA exequente ter feito a prova de que havia dado cumprimento ao disposto no artigo 5º nsº 2 e 3, informando os oponentes das condições em que aqueles títulos iriam ser preenchidos; não o fez, facto que ex­clui tais cláusulas do contrato, nos termos do artigo 8º nº 1 alíneas a) e b) do citado Diploma Legal (5).

Na verdade o recorrente não provou (e sobre ele recaía o respectivo ónus), que “os oponentes tinham conhecimento do conteúdo dos contratos de financiamento e de abertura de conta corrente caucionada, bem como dos pactos de preenchimento das livranças dadas à execução e das próprias livranças, com excepção das suas assinaturas e da entidade beneficiária desses documentos”. Tal omissão sempre ditaria, como já dissemos, a exclusão das cláusulas em que o exequente se baseou para executar os ora embargantes.

Mas, por outro lado, resulta também de todo o exposto que não se provando que os embargantes conheciam os termos do pacto de preenchimento as livranças assumem a natureza de títulos incompletos não valendo como tais, o que se pode aliás inferir do estatuído no artigo 10º,º e 77º da LULL.

Sendo assim, não nos merece qualquer censura o decidido pelas instâncias pelo que a revista não poderá ser concedida.

Poderá então concluir-se:

1) O “contrato de adesão” na sua forma pura poderá definir-se como sendo “aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão formula unilateralmente as cláusulas negociadas e a outra parte aceita essas condições mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhes é apresentado, não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado”.

2) Entre o contrato de adesão e o contrato consensual não existe todavia uma dicotomia absoluta, havendo ainda a considerar uma figura híbrida, o “contrato de adesão individualizado”, onde a par de cláusulas que se mantêm inalteráveis de contrato para contrato, se verifica a inserção de disposições específicas moldadas no interesse das partes e em particular do aderente; estes contratos têm uma regulamentação diversificada, de harmonia com a índole das normas que deles constam.

3) Tendo em consideração a superioridade em que por via de regra o proponente do contrato de adesão se encontra perante o cliente que ao mesmo adere, a lei procura, através de mecanismos legais - entre nós o DL 446/85 - que a decisão deste último seja tomada no pleno conhecimento de todos os termos contratuais, onerando o primeiro com o ónus da prova que os comunicou de forma cabal ao aderente.

4) Sendo omitido aquele ónus em relação a cláusulas fulcrais para o negócio tido em vista, terão as mesmas que considerar-se excluídas, o que pode afectar integralmente os termos do contrato com reflexo sobre os direitos e obrigações constituídos pelo mesmo.

5) Não se provando que aos avalistas de duas livranças de garantia fora dada a informação do pacto de preenchimento respectivo, as mesmas terão de considerar-se incompletas pelo que nulas, não podendo servir de base a acção executiva.

3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2011

Távora Victor (Relator)

Sérgio Poças

Granja Fonseca

______________________

1)- Para mais desenvolvimentos cfr. v.g. Carlos Ferreira de Almeida "Contratos I, Conceito. Fontes. Formação", Almedina Coimbra 3ª Edição pags. 157 ss. Antunes Varela "Das Obrigações em Geral" I, 6ª Edição, Almedina, Coimbra 1989 pags. 262 ss. Galvão Telles "Manual dos Contratos em Geral", Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 4ª Edição, pags. 316 ss.

2)- Cfr. Mota Pinto Teoria Geral do Direito Civil Coimbra Editora, 4ª Edição pags. 654 ss.

3)- Cfr. por todos, Menezes Cordeiro “Manual de Direito Bancário”, Almedina”, Coimbra, 4ª Edição, 2010, pags. 439 ss e na Ju­risprudência ver Acs. Deste STJ de 13-Dez-2000 in Col. de Jur., 2000, 3, 174;

4)- Cfr. v.g. Calvão da Silva “Direito Bancário”, Almedina, Coimbra, 2001, pags. 305: Ana Prata “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina Coimbra 2010, pags. 152 ss; e Sousa Ribeiro “O Problema do contrato”. As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade contratual” Teses, Almedina, Coimbra 1999, pags. 369,

5)- Cfr. desde logo o recente Ac. deste STJ in CJ ano XVIII, tomo II 2010, pags. 43 ss.