Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19/19.8YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
ACTO DE CONTEÚDO PURAMENTE NEGATIVO
ATO DE CONTEÚDO PURAMENTE NEGATIVO
PERICULUM IN MORA
FUMUS BONUS IURIS
PREJUÍZO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
DANOS REFLEXOS
REQUISITOS
PRESSUPOSTOS
VICE PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DESPACHO
RECLAMAÇÃO
JUIZ
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSOS CAUTELARES / DISPOSIÇÕES COMUNS / CRITÉRIOS DE DECISÃO.
Doutrina:
- ISABEL DA FONSECA, O Debate Universitário, p. 343;
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., p. 705, 913 e 923;
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., p. 299-300 ; Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 451;
- MIGUEL PRATA ROQUE, Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo, p. 588;
Legislação Nacional:
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 170.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 120.º, N.ºS 1 E 2.
Sumário :

I - Nos termos do art. 170.º, n.º 2, 2.ª parte, do EMJ e do art. 120.º, n.º 1, do CPTA, a adoção da providência cautelar de suspensão da eficácia de um ato administrativo depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) a existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (critério do periculum in mora) e (ii) a probabilidade séria de a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no recurso contencioso vir a ser julgada procedente (critério do fumus boni iuris ou da aparência do bom direito).

II - Nos termos do n.º 2 do art. 120.º, do CPTA, o decretamento da providência será recusado quando, «devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências», constituindo tal ponderação e proporcionalidade um requisito negativo.

III - Na indagação do preenchimento do primeiro requisito, que se prende com a morosidade processual da impugnação contenciosa, caberá emitir um juízo de prognose em termos de avaliar se a não concessão da providência cautelar pode conduzir: (i) ou a uma situação de irreversibilidade, traduzida na impossibilidade da reconstituição natural da situação existente antes da atuação ilegal (situação de facto consumado); (ii) ou a uma situação em que, sendo a reconstituição natural, em abstrato, possível, esta se revele, todavia, muito difícil, em especial por não ser determinável a verdadeira extensão dos prejuízos causados (produção de prejuízo de difícil reparação).

IV - Na relevância deste requisito, importa atentar que (i) serão prejuízos de difícil reparação «aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente»; (ii) tais prejuízos terão de resultar direta, imediata e necessariamente do ato suspendendo, carecendo de relevância para o efeito, os danos ou prejuízos indiretos ou mediatos; e (iii) terão de consistir em danos ou prejuízos efetivos, reais e concretos, sendo de desconsiderar os danos ou prejuízos meramente hipotéticos, conjeturais, ou aleatórios.

V - A deliberação do CM, que julga improcedente a reclamação deduzida contra despacho do Vice-Presidente do CSM, é um ato de conteúdo (puramente) negativo, uma vez que, por si só e enquanto tal, não comporta, aparentemente, nem dela resulta diretamente, a produção de qualquer efeito jurídico na situação individual e concreta da requerente, pelo que, em princípio, não se vislumbra qualquer interesse na suspensão da eficácia do ato.

VI - Não ocorre, no caso em presença, uma situação de facto consumado, traduzida na impossibilidade da reconstituição natural da situação existente antes da atuação ilegal, porquanto, sendo o ato suspendendo de conteúdo puramente negativo, ainda que não seja decretada a providência cautelar, sempre se mantém a situação que existia à data da deliberação do Plenário do CSM até ao momento em que, no processo principal, seja decidida a questão da validade do ato impugnado.

VII - Não se pode ter por verificado o requisito do fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação porquanto os prejuízos invocados: (i) são insuscetíveis de se identificarem como consequência direta, imediata e necessária do ato a suspender, uma vez que tais prejuízos se prendem apenas com a própria tramitação do processo disciplinar e com o prosseguimento dos seus termos; e (ii) sempre seriam de desconsiderar enquanto prejuízos que não colocam em risco a efetividade da decisão proferida no processo principal.

Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO


Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, Juíza ..., nos termos das disposições conjugadas dos artigos 168.°, 169.°, 170.°, n.os 1 e 2, e 178.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), e artigos 112.°, n.° 2, alínea a), 114.°, n.os 1, alínea a), 2 e 3, e 128.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), veio requerer, em sede cautelar, a suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) tomada na sessão de 26 de março de 2019, que julgou improcedente a reclamação apresentada pela Requerente do despacho do Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, datado de 8 de janeiro de 2019, que havia apreciado o recurso hierárquico interposto do despacho da Senhora Inspetora Judicial datado de 11 de dezembro de 2018.

2. Para o efeito, a Requerente alega, em síntese, que:

— Em 11/12/2018, no âmbito do Processo Disciplinar nº 2017-236/PD, dos Serviços de Inspeção do CSM, a Senhora Inspetora pronunciou-se parcialmente sobre as diligências de prova requeridas em sede de defesa, admitindo de forma condicionada a acareação de testemunhas e sua prévia inquirição;

— Considerou a Requerente haver omissão de pronúncia relativamente às demais diligências de prova requeridas, designadamente a realização de perícia informática ao sistema citius e respetivos quesitos enunciados, a solicitação de documentos em posse de terceiros, a tomada de declarações presenciais da Arguida, havendo igualmente omissão de pronúncia sobre a prescrição e nulidades arguidas em sede de defesa, as quais ao considerarem-se preenchidas obstam à apreciação do mérito da causa, evitam a prática de atos inúteis proibidos por lei e obstam à consumação de atos lesivos indemnizáveis;

— Com esse fundamento interpôs recurso hierárquico para o Senhor Juiz Conselheiro Presidente do CSM;

— No uso de competência delegada de Sua Excelência o Senhor Juiz Conselheiro Presidente do CSM no Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente, foi decidido, a 08/01/2019, o recurso hierárquico pelo Senhor Juiz Conselheiro Vice-‑Presidente do CSM, que deferiu a pretensão da Arguida apenas quanto às requeridas junção de documentos na posse de terceiros e tomada de declarações presenciais à Senhora Juíza Arguida;

— Dessa decisão foi apresentada Reclamação para o Plenário do CSM, tendo este deliberado, em 26/03/2019, julgar improcedente a reclamação apresentada pela Requerente;

— Verifica-se elevado grau de probabilidade de as pretensões formuladas pela Requerente quanto à prescrição do processo disciplinar e ao poder-dever do Plenário, do Vice-Presidente do CSM e do Juiz Instrutor conhecerem e se pronunciarem sobre a prescrição arguida em sede de reclamação, recurso hierárquico e de defesa, respetivamente; à nulidade insanável do procedimento disciplinar por omissão da enunciação da pena aplicável na acusação; à nulidade insanável por violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório e à nulidade por insuficiência da instrução virem a ser julgadas procedentes, em sede de ação principal;

— A demora na apreciação da prescrição e das nulidades arguidas obstam à apreciação do mérito da causa e criam danos irreversíveis, desde logo, ter de produzir prova sobre factos que já prescreveram e que não podem ser apreciados, criando uma inutilidade de todos os atos praticados após o dia 06.12.2018, sendo que os atos inúteis são proibidos por lei;

— Ao seguir-se o entendimento do Plenário do CSM, no sentido de a prescrição só poder ser apreciada após ser produzida toda a prova, tal acarretará custos quer para as testemunhas, que têm de se deslocar ao local da inquirição e terão de perder o seu tempo útil, podendo até exigir à Requerente o ressarcimento monetário dessas despesas, implicando também custos para a Requerente com custas judiciais, taxas de justiça e honorários e despesas de deslocação quer de Advogado quer da Requerente;

— A continuação deste procedimento disciplinar causa um transtorno psicomotor à Requerente, que, inclusive, impediu, durante muito tempo, que a Requerente recuperasse da patologia de que padeceu;

— A tramitação do processo disciplinar e a produção de prova sobre factos que estão prescritos provocam na Requerente humilhação, difamação, uma vez que violam o seu direito à honra e à imagem ao serem inquiridas testemunhas que irão inevitavelmente comentar os factos sobre os quais serão inquiridas;

— E poderão levar a recaídas na saúde da Requerente, bem como o facto de ter de prestar declarações sobre factos já prescritos, pode levar novamente ao aparecimento de ataques de pânico, conforme advertência clínica, tendendo aos níveis de ansiedade e angústia que provoca na Requerente o facto de o processo estar prescrito e não ver apreciada a questão prévia que impede o conhecimento de mérito do processo disciplinar;

— Os danos que resultariam da concessão da providência cautelar não são superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ponderados os interesses públicos e privados em presença, desde logo, porque a ser deferida esta providência cautelar evitará a prática de atos inúteis proibidos por lei, uma vez que o processo disciplinar prescreveu a 06.12.2018, designadamente impedir-se-á a inquirição de testemunhas e demais diligências de prova e evitar-se-ão custos ao Estado e à Requerente com pedidos de reembolso de despesas pelas testemunhas, evitando-se assim que quer a Requerente quer o Estado despendam dinheiro com a produção de prova num processo que já prescreveu;

— Poderá, igualmente, evitar-se que seja despendido tempo pelos funcionários do Estado que serão inquiridos como testemunhas ou até que tramitam o processo ou até se poupará tempo aos Juízes que terão de apreciar e decidir estes autos e poderá evitar-se que não sejam violados os princípios constitucionais da proporcionalidade, da necessidade e intervenção mínima do direito penal, respeitando-se a segurança jurídica e a paz jurídicas;

— Mesmo em relação à Requerente, se esta tiver recaída na saúde e novo reaparecimento de ataques de pânicos que a impeçam de dormir, terá de ficar novamente de baixa médica por doença, o que implicará prejuízo para o Estado porque terá quebra na produtividade de trabalho de um Juiz e terá a inerente despesa com o subsídio de doença.

3. O Conselho Superior da Magistratura apresentou resposta, em que pugna pela não verificação dos pressupostos legais para adoção da providência requerida, devendo ser determinada a improcedência do efeito suspensivo requerido, sustentando, no essencial, que:

— A deliberação sub judice não padece de qualquer invalidade, circunstância que será devidamente demonstrada na ação principal;

— A deliberação impugnada apreciou a invocada omissão de pronúncia a respeito da pretensa prescrição do procedimento disciplinar, concluindo, em traços largos, inexistir omissão de pronúncia a tal respeito;

— A deliberação impugnada não apreciou a verificação, ou não, de prescrição, não existindo a obrigação legal de, na deliberação impugnada, se proceder a tal apreciação.

— Mostra-se irrepreensível e explicada a conformidade da deliberação impugnada no que diz respeito à alegada omissão da pena aplicável na acusação;

— A oportunidade e a pertinência das diligências probatórias requeridas foram adequadamente ponderadas e decididas, não merecendo qualquer reparo;

— Os alegados prejuízos irreparáveis para os interesses da Requerente são de ordem abstrata e indeterminada;

— Não se verifica nenhuma lesão ou perigo de facto consumado, porquanto o prosseguimento do processo disciplinar não equivale a aplicação de pena disciplinar, nem é suscetível de provocar qualquer dano irreparável;

— O interesse que a Requerente visa salvaguardar com a requerida suspensão de eficácia da decisão sub judice é o seu interesse individual no não prosseguimento do processo;

— O diferimento da execução da pretensa decisão suspendenda seria gravemente prejudicial para o interesse público e para o interesse coletivo dos demais magistrados judiciais, porquanto resultaria prejudicada a imagem e o rigor no respeito pelas regras prescritas nas leis e nas normas estatutárias, inerentes ao exercício do respetivo cargo e funções públicas de garante da legalidade.

4. Não se vislumbram quaisquer nulidades ou questões que inviabilizem o conhecimento do mérito da providência, pelo que cumpre apreciar e decidir.

            II. Fundamentação.

1. Contexto factual relevante

Dos elementos documentais juntos pela Requerente e corroborados pela documentação junta pelo CSM, releva o seguinte contexto factual:

1.1. Em 11 de dezembro de 2018, no âmbito de Processo Disciplinar nº 2017-‑236/PD, após apresentação da defesa e do requerimento de diligências probatórias, a Senhora Inspetora Judicial proferiu o despacho constante de fls. 34 e 34vº destes autos, em que fixa as datas e os locais para inquirição das testemunhas arroladas pela Arguida, pronunciando-se, quanto à acareação requerida, nos seguintes termos: «A acareação suscitada entre algumas das testemunhas será apreciada da respectiva exigência após as respectivas inquirições; no tocante às testemunhas que depõem em tribunais distintos a acareação será oportunamente ponderada».

1.2. Notificada do despacho, a Requerente interpôs recurso hierárquico, tendo o Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, no uso de competência delegada, proferido o seguinte despacho:

«Apreciado o recurso interposto pela Juíza ... AA, do despacho de 11.12.2018 da Exmª. Inspectora Judicial instrutora, determino o seguinte:

1. Quanto às diligências probatórias requeridas
(i) Acareação entre várias testemunhas

Na situação vertente só após a inquirição das testemunhas indicadas é que a Exmª. Inspectora instrutora terá percepção quanto à existência de eventuais contradições entre depoimentos e poderá avaliar da necessidade de proceder a eventual acareação entre algumas das testemunhas. Não merece, pois, qualquer reparo o teor do despacho da Exmª. Inspectora Judicial instrutora a tal respeito, nada havendo a determinar.

(ii) Prova pericial por técnico informático aos atos registados no Citius

Os aspectos suscitados pela recorrente traduzem-se numa análise dos dados judiciais inseridos no sistema Citius que estão ao alcance da Exmª. Inspectora judicial não se tomando necessária a realização de qualquer perícia, sem prejuízo de as requeridas informações a extrair do Citius, serem obtidas pela Exmª. Inspectora.

No que respeita ao que parece ser uma pretensão de submeter algumas testemunhas a contradita com os referidos elementos a extrair do Citius, não é invocado na defesa nenhum fundamento nem motivo para tal, pelo que se afigura ser de indeferir por desnecessário, sem prejuízo de posição diversa vir a ser assumida como necessária pela Exmª. Inspectora Judicial Instrutora na sequência da conjugação dos autos de declarações das testemunhas e das informações recolhidas do Citius.

(iii) A junção de documentos na posse de terceiros

Embora não seja indicada qual a justificação para a requerida junção de documentos, deverá ser deferida esta parte do requerimento probatório e satisfeitos os respectivos pontos Dl) a D3), com obtenção dos documentos requeridos, na posse do Juízo Local Cível de ... J2; da Presidência da Comarca de ... e deste Conselho Superior da Magistratura (foi justificado com o alegado nos artigos indicados na defesa).

(iv) Tomada de declarações presenciais à Senhora Juíza Arguida

Deverá ser deferida esta parte do requerimento probatório, agendando dia, hora e local para a tomada de declarações da Juíza ... visada, ora recorrente.

2. Quanto à invocada omissão de pronúncia

Improcede a alegada omissão de pronúncia a respeito da pretensa prescrição, porquanto a oportunidade para a apreciação da mesma se verificará após a produção de prova, aquando da elaboração do Relatório previsto no artigo 122º. do EMJ, inexistindo dever de pronúncia da Exmª. Inspectora judicial em sede de despacho de apreciação da defesa.

No que respeita à invocada omissão de pronúncia quanto à nulidade suscitada na defesa por inexistência de indicação da pena aplicável na acusação, não se vislumbra a falta de nenhum elemento legal na acusação atento o disposto no artigo 117º. do EMJ, pelo que fica prejudicado qualquer dever de pronúncia a tal respeito, improcedendo também a referida omissão de pronúncia.

Improcede igualmente a alegada omissão de pronúncia relativamente à pretensa nulidade por violação dos direitos de audiência, defesa e contraditório e por insuficiência da instrução, uma vez que ainda haverá lugar a produção de prova, inexistindo dever de pronúncia da Exmª. Inspectora Judicial em sede de despacho de apreciação da defesa e não se verificando, por conseguinte, qualquer omissão de pronúncia a tal respeito.

Notifique.

(No uso de competência delegada por despacho 11472/2018, de 13 de novembro, publicado no Diário da República, 2ª. série, nº. 231, de 30 de novembro).

Lisboa, 8 de Janeiro de 2019.».

1.3. A Requerente apresentou Reclamação para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura pedindo a «revogação do aludido despacho (do Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura datado de 08/01/2019) nos segmentos de que se reclama e que seja determinado que existe um poder-dever de o CSM apreciar liminarmente (antes da determinação de qualquer produção de prova após ser proferida a acusação) a prescrição arguida (...) em sede de Defesa, saneando os autos, o que se pugna, devendo considerar-se que quer as nulidades insanáveis por omissão de enunciação da pena aplicável na acusação e violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório e da nulidade por insuficiência da instrução, quer a prescrição se encontram preenchidas, e, em consequência, deve declara-se extinto este processo disciplinar e, consequentemente, determinar-se o arquivamento dos autos, ou, caso assim não se entenda, seja admitida plenamente a acareação das testemunhas sem quaisquer limitações, restrições ou condicionamentos ao resultado do seu depoimento ou em virtude da distância geográfica entre os tribunais designados pela Senhora Inspectora para inquirição das testemunhas, podendo tal ser solucionado através da utilização do sistema de videoconferência ou designação de tribunal equidistante para todas as testemunhas, dever ser admitida a prova pericial informática nos termos requeridos, de modo a permitir a resposta aos quesitos formulados ou caso assim não se entenda sejam recolhidos do sistema citius as informações constantes dos quesitos formulados e junta essa prova documental aos autos, de modo a poder contraditar as testemunhas que infirmam esses factos

1.4. Por deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura tomada em 26 de março de 2019, foi «julgada improcedente a reclamação apresentada pela Exma. Senhora Juíza ... AA», considerando-se o seguinte:

«Compulsada a decisão reclamada constata-se que a mesma se pronunciou no sentido da inexistência da alegada omissão de pronúncia a respeito da prescrição por considerar que a oportunidade para a sua apreciação se verificará após produção da prova, aquando da elaboração do relatório previsto no artigo 122º do Estatuto dos Magistrados Judiciais inexistindo qualquer dever de pronúncia da Exma. Senhora Inspectora Judicial em sede de despacho de apreciação da defesa.

Ora, não se vislumbra motivo para discordar de tal entendimento.

Com efeito, o Estatuto dos Magistrados Judiciais consagra normas específicas relativas ao processo disciplinar em que sejam visados magistrados judiciais sendo que tais normas prevêem que após a produção de prova subsequente à acusação o instrutor (inspector judicial) elabore um relatório final.

Após ter sido proferida acusação, como se verificou no caso vertente, é em tal relatório, após a produção da prova e não antes, que incumbe ao instrutor pronunciar-se relativamente a excepções, nulidades, factos provados e não provados, qualificações jurídicas e concluir pela responsabilidade disciplinar propondo sanção concreta ou pela inexistência daquela propondo arquivamento.

Após a acusação e antes de tal momento processual de elaboração de relatório não existe qualquer dever de pronúncia e inexistindo o mesmo não existe omissão de pronúncia.

Ademais e embora a prescrição seja de conhecimento oficioso o dever de proceder a tal conhecimento não é violado quando ocorre ou se entende que deve ocorrer apenas em fase posterior a produção de prova.

Com efeito, contestando a ora reclamante na sua defesa a verificação dos factos que foram descritos e qualificados juridicamente do ponto de vista meramente indiciário e sem consolidação temporal ou qualificação jurídica definitiva e pretendendo exercer a sua defesa relativamente aos mesmo através de uma multiplicidade de meios de prova não se alcança como pode considerar-se que os autos estão sequer dotados dos elementos necessários ao conhecimento do prescrição antes do relatório final e que existe uma omissão de pronúncia e que a mesma é geradora de nulidade.

A omissão de pronúncia significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe que sejam conhecidas mas pressupõe que tais questões possam ser conhecidas no momento em que se omite o seu conhecimento, o que não ocorrer nem ocorreu no caso vertente.

Inexiste, pois, motivo para não se manter nesse particular a decisão reclamada.»;

«Ademais invoca, ainda, a reclamante a existência de nulidade insanável decorrente de omissão de enunciação da pena aplicável na acusação.

Compulsada a decisão reclamada verifica-se que a mesma sustentou a inexistência de tal nulidade atento o preceituado no Artg 117e do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Ora bem andou a decisão reclamada porquanto efectivamente o referido preceito não prevê a enunciação de pena aplicável mas tão-somente que sejam articulados discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circunstâncias agravantes ou atenuantes, que se reputem estar indiciados e indicando os preceitos legais no caso aplicáveis.

Assim inexiste pois fundamento para não se manter também este segmento a decisão reclamada.»;

«Defende, por outro lado, a reclamante que existe nulidade por violação dos seus direitos de audiência, contraditório e defesa e insuficiência da instrução.

Analisada a decisão reclamada não se pode concordar com tal asserção porquanto a mesma determinou que fosse agendada a tomada de declarações à reclamante e que fosse deferida a obtenção dos documentos na posse de terceiros.

Acresce que tal decisão não inviabilizou a possibilidade de acareação de testemunhas ou de contradita das testemunhas com os elementos do CITIUS apenas e bem considerou que as mesmas a terem lugar apenas o poderiam ter caso se verificassem os seus pressupostos.

Por outro lado e no que se refere à perícia também o seu indeferimento não configura qualquer insuficiência de instrução que seja violadora dos direitos de defesa da reclamante porquanto a realização da perícia pressupõe a necessidade de um conhecimento especial que não está ao alcance do inspector judicial, circunstância que não ocorre no caso vertente pois que a perícia visava a obtenção de elementos constantes do CITIUS.

   Ora, não tendo sido vedada a obtenção dos elementos constantes do CITIUS e não carecendo tal obtenção da realização de qualquer perícia não ocorre qualquer diminuição dos direitos de defesa e de contraditório da reclamante, tanto mais que após obtenção de tais elementos não está a reclamante privada da possibilidade de os contraditar, requerer elementos adicionais ou até se verificarem os pressupostos requerer então perícia aos mesmos.

Em suma, a decisão reclamada não padece de qualquer vício mormente os que lhe são imputados pela reclamante, pelo que inexiste motivo para deferir a reclamação.»

2. Apreciação jurídica

2.1. Enquadramento preliminar

No caso em presença, estamos no âmbito de uma pretensão cautelar de suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), tomada em 26/03/2019, deduzida pela Sra. Juíza ..., AA, ao abrigo do disposto nos artigos 168º., 169º., 170º., nºs.1 e 2, e 178º. do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), e artigos 112º., nº. 2, alínea a), 114º., nºs. 1, alínea a), 2 e 3, e 128º. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Efetivamente, das deliberações do CSM recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 168º., nº. 1, do EMJ), encontrando-se a tramitação de tais recursos para a Secção do Contencioso do STJ especialmente prevista nos artigos 168º. e segs. do EMJ.

 E, dado o carácter simplificado de tal tramitação, mais determina o artigo 178º. do mesmo EMJ a aplicação subsidiária das normas (hoje) constantes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Todavia, nos termos do artigo 170º., nº 1, do mesmo Estatuto, «a interposição do recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação».

Neste específico contexto, trata-se, então, de uma providência cautelar dependente de um meio de tutela definitiva (qual seja, o recurso contencioso / a impugnação judicial das deliberações do CSM previsto nos artigos 168º. e seguintes do EMJ), a que são subsidiariamente aplicáveis, nomeadamente, as normas dos artigos 112º., nº. 2, al. a), e 120º. do CPTA (respeitantes aos "processos cautelares"), por força do preceituado no aludido artigo 178º. do EMJ e no artigo 192º. do CPTA.

Por sua vez, nos termos dos artigos 170º., nº. 2, 2ª. parte, do EMJ, e 120º., nº. 1, do CPTA, a adoção da providência cautelar de suspensão da eficácia de um ato administrativo depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

 (i) A existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (critério do periculum in mora).

Encontrando a tutela cautelar a sua justificação, quer do ponto de vista teleológico (a sua função), quer do ponto de vista ontológico (o que é e o que não pode ser) nas garantias processuais (na garantia de efetividade a uma forma de tutela jurisdicional principal), este primeiro pressuposto enunciado no nº. 1 do artigo 120º. do CPTA, traduz-se, assim, no fundado receio (não bastando, por isso, qualquer simples receio, que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num juízo precipitado das circunstâncias) de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a recair uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio:

Seja porque a evolução das circunstâncias, durante a pendência do processo, conduziu a que se formassem situações de facto definitivas, consumadas e irreversíveis para o futuro, tornando a decisão (no processo principal) totalmente inútil;

Seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de prejuízos dificilmente reparáveis.

(Neste sentido: cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 4ª ed., pag. 913)

Na indagação do preenchimento deste requisito, que se prende com a morosidade processual da impugnação contenciosa, caberá, então, emitir um juízo de prognose em termos de avaliar se a não concessão da providência cautelar pode conduzir:

  Ou a uma situação de irreversibilidade, traduzida na impossibilidade da reconstituição natural da situação existente antes da atuação ilegal (situação de facto consumado);

(Quanto a esta situação, mais explicita MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", 4ª ed., p. 299-300, «desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade - é este o sentido a atribuir à expressão facto consumado».)

Ou a uma situação em que, sendo a reconstituição natural, em abstrato, possível, esta se revele, todavia, muito difícil, em especial por não ser determinável a verdadeira extensão dos prejuízos causados (produção de prejuízo de difícil reparação).

Daí que o periculum in mora não se traduza em qualquer perigo genérico de dano, mas antes no prejuízo de ulterior dano marginal derivado da demora a que está sujeito o processo principal, só assumindo relevância os prejuízos que coloquem em risco a efetividade da decisão proferida no processo principal.

 (Assim: ISABEL DA FONSECA, in "O Debate Universitário”, p. 343)

Na relevância deste requisito, e no que aos danos ou prejuízos concerne, importa atentar ainda que:

— Serão prejuízos de difícil reparação «aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente» (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in ob. cit., p. 705);

Tais prejuízos terão de resultar direta, imediata e necessariamente do ato suspendendo, carecendo de relevância para o efeito, os danos ou prejuízos indiretos ou mediatos;

E terão de consistir em danos ou prejuízos efetivos, reais e concretos, sendo de desconsiderar os danos ou prejuízos meramente hipotéticos, conjeturais, ou aleatórios.

(ii) A probabilidade séria de a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no recurso contencioso vir a ser julgada procedente (critério do fumus boni iuris ou da aparência do bom direito).

A propósito deste requisito, salienta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «a atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal» (in "Manual de Processo Administrativo", 2016, p. 451).

Porém, nos termos do nº. 2 do artigo 120º. do CPTA, o decretamento da providência será recusado quando, «devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências».

Tal ponderação (de todos os interesses, públicos e privados) e proporcionalidade entre os danos ou prejuízos que se pretende evitar com a concessão da providência e os danos que adviriam em resultado da concessão da mesma constitui, assim, um requisito negativo.

Tendo presentes os enunciados critérios legais, passemos, então, à apreciação da sua verificação relativamente ao requerimento de suspensão da eficácia da Deliberação do CSM de 26/03/2019, que julgou improcedente a reclamação apresentada do Despacho do Vice-Presidente do CSM, datado de 08/01/2019, que procedeu à apreciação do recurso hierárquico interposto do despacho da Senhora Inspetora Judicial datado de 11/12/2018.

2.2. Aferição do preenchimento do periculum in mora

2.2.1. Breve contextualização

No caso em presença, consideradas as finalidades das (antecedentes) "impugnações administrativas", constata-se, desde logo, que:

O recurso hieráquico para o Presidente do CSM do despacho da Senhora Inspetora Judicial datado de 11/12/2018 (alicerçado na omissão de pronúncia sobre a invocada prescrição do procedimento disciplinar e sobre as nulidades suscitadas na defesa por inexistência de indicação da pena aplicável na acusação, por violação dos direitos de audiência, defesa e contraditório e por insuficiência da instrução; e na omissão, parcial, de pronúncia relativamente às diligências de prova requeridas) dirigiu-se:

   (i) à prática do ato de pronunciamento sobre a arguida prescrição do procedimento disciplinar e as invocadas nulidades decorrentes da inexistência de indicação da pena aplicável na acusação, da violação dos direitos de audiência, defesa e contraditório e da insuficiência da instrução;

   (ii) à admissão das diligências de prova nos termos requeridos.

            A reclamação para o Plenário do CSM do despacho do Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura datado de 08/01/2019 (alicerçada na arguição de nulidade decorrente da omissão de pronúncia; arguição de nulidade insanável do procedimento disciplinar por omissão da enunciação da pena aplicável na acusação; arguição de nulidade insanável por violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório; arguição de nulidade por insuficiência da instrução; discordância quanto à admissão condicionada da acareação e omissão de pronúncia relativamente à perícia ao sistema CITIUS) dirigiu-se:

        (i) à revogação do despacho do Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura datado de 08/01/2019;

  (ii) à prática do ato de saneamento dos autos e consequente declaração de extinção do procedimento disciplinar e arquivamento dos autos;

                 (iii) a título subsidiário, à admissão plena da acareação das testemunhas e à admissão da prova pericial informática nos termos requeridos.

 Por sua vez, a presente providência, no plano jurisdicional, dirige-se à suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), tomada em 26/03/2019, que, apreciando a reclamação interposta do despacho do Senhor Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura datado de 08/01/2019, considerou que:

    — A decisão reclamada se pronunciou no sentido de inexistência da alegada omissão de pronúncia a respeito da prescrição, não se vislumbrando motivo para discordar de tal entendimento;

    — Bem andou a decisão reclamada ao sustentar a inexistência de nulidade insanável decorrente de omissão de enunciação da pena aplicável na acusação, inexistindo, pois, fundamento para não se manter também neste segmento a decisão reclamada;

                  — A decisão reclamada determinou que fosse agendada a tomada de declarações à Reclamante e que fosse deferida a obtenção dos documentos na posse de terceiros e não inviabilizou a possibilidade de acareação de testemunhas ou de contradita das testemunhas com os elementos do CITIUS, apenas e bem considerando que as mesmas a terem lugar apenas o poderiam ter caso se verificassem os seus pressupostos, não se concordando, assim, com a asserção de que existe nulidade por violação dos direitos s de audiência, de defesa e de contraditório;

                 — O indeferimento da perícia não configura qualquer insuficiência de instrução que seja violadora dos direitos de defesa da Reclamante;

                  — A decisão reclamada não padece de qualquer vício, mormente os que são imputados pela Reclamante, inexistindo motivo para deferir a reclamação.

E concluiu em «julgar improcedente a reclamação apresentada pela Exma. Senhora Juíza ... AA».

Assim, com a presente providência de suspensão da eficácia do ato, pretende a Requerente paralisar os efeitos da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), tomada em 26/03/2019, até à decisão sobre a sua validade/invalidade em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto ação principal.

E, para preenchimento do pressuposto do periculum in mora, invoca a Requerente, no essencial:

                  — A demora na apreciação da prescrição e das nulidades arguidas obstam à apreciação do mérito da causa e criam danos irreversíveis, desde logo, ter de produzir prova sobre factos que já prescreveram e que não podem ser apreciados, criando uma inutilidade de todos os atos praticados após o dia 06.12.2018

— Ao seguir-se o entendimento do Plenário do CSM, no sentido de a prescrição só poder ser apreciada após ser produzida toda a prova, tal acarretará custos quer para as testemunhas, que têm de se deslocar ao local da inquirição e terão de perder o seu tempo útil, podendo até exigir à Requerente o ressarcimento monetário dessas despesas, implicando também custos para a Requerente com custas judiciais, taxas de justiça e honorários e despesas de deslocação quer de Advogado quer da Requerente;

— A continuação deste procedimento disciplinar causa um transtorno psicomotor à Requerente, que, inclusive, impediu, durante muito tempo, que a Requerente recuperasse da patologia de que padeceu;

— A Requerente teve uma recuperação lenta, durante dois anos, de abril de 2017 a abril de 2019, tendo tido a necessidade de internamento de setembro de 2018 a fevereiro de 2019, o que demonstra cabalmente, a gravidade do quadro clínico e os danos causados com a manutenção do processo;

— A tramitação do processo disciplinar e a produção de prova sobre factos que estão prescritos provocam na Requerente humilhação, difamação, uma vez que violam o seu direito à honra e à imagem ao serem inquiridas testemunhas que irão inevitavelmente comentar os factos sobre os quais serão inquiridas;

— E poderão levar a recaídas na saúde da Requerente, bem como o facto de ter de prestar declarações sobre factos já prescritos, pode levar novamente ao aparecimento de ataques de pânico, conforme advertência clínica, tendendo aos níveis de ansiedade e angustia que provoca na Requerente o facto de o processo estar prescrito e não ver apreciada a questão prévia que impede o conhecimento de mérito do processo disciplinar;

                  — Assim sendo, a única forma de evitar a criação de uma situação de facto consumado e a produção de prejuízos irreparáveis, é decretar a suspensão de eficácia da deliberação proferida pelo Plenário do CSM no dia 26.03.2019 até à decisão sobre a sua validade/invalidade em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto ação principal.

                  2.2.2. Do conteúdo negativo do ato suspendendo

                 Em causa nos autos, encontra-se um ato de expresso indeferimento da Reclamação deduzida pela Requerente contra a decisão do Vice-Presidente do CSM de 08/01/2019 (que foi julgada improcedente) e dos pedidos formulados nessa sede, a recordar:

Revogação do Despacho do Vice-Presidente do CSM de 08/01/2019;

Saneamento dos autos, devendo considerar-se que quer as nulidades insanáveis por omissão de enunciação da pena aplicável na acusação e violação dos direitos fundamentais de audiência, de defesa e de contraditório e da nulidade por insuficiência da instrução, quer a prescrição se encontram preenchidas, com consequente declaração de extinção do processo disciplinar, determinando-se o arquivamento dos autos,

A título subsidiário, admissão plena da acareação das testemunhas e admissão da prova pericial informática nos termos requeridos.

E é este ato de expresso indeferimento que a Requerente pretende ver de eficácia suspensa até à decisão sobre a sua validade/invalidade no âmbito do recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Ora, tal ato de recusa de revogação do Despacho do Vice-Presidente do CSM de 08/01/2019 é um ato de conteúdo (puramente) negativo, uma vez que não lhe estão associados quaisquer efeitos, secundários ou acessórios, ablativos da situação individual e concreta da Requerente preexistente a tal Deliberação, que se manteve inalterável com deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, tomada em 26/03/2019.

Ou seja: à emissão do ato negativo em presença não se mostra associada qualquer modificação da situação referente à defesa da Requerente que até aí existia, na medida em que deixou intocada a apreciação jurídica já efetuada quanto à defesa apresentada pela Requerente, nada tendo sido criado, retirado, modificado ou extinto relativamente ao statu quo ante (e resultante da prolação do despacho da Sra. Inspetora Judicial com o "aditamento" introduzido pela Decisão do Senhor Vice-‑Presidente).

Como tal, desde logo, a Deliberação do CSM (que julgou improcedente a reclamação apresentada pela Requerente), por si só e enquanto tal, não comporta, aparentemente, nem dela resulta diretamente, a produção de qualquer efeito jurídico na situação individual e concreta da Requerente.

Ora, «como resulta da sua função conservatória, a suspensão da eficácia só serve para proteger, a título cautelar, os interesses que se dirijam à conservação de situações já existentes, perturbadas por actos administrativos impugnáveis, de conteúdo positivo» (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in ob. cit., p. 923), pelo que, em caso de inexistência de qualquer situação jurídica preexistente que deva ser restabelecida, não se identifica qualquer interesse na suspensão da eficácia do ato.

Analisemos, então, se, ainda assim, pode operar aqui uma pretensão dirigida à conservação da situação jurídica que existia no momento em que o ato foi praticado (ato que manteve tudo como estava antes), mediante suspensão da eficácia de tal ato negativo, até que, no processo principal, seja decidida a questão da validade do ato impugnado.

                  2.2.3. Da verificação do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado

Conforme referido, o fundado receio a que alude o do artigo 120º. do CPTA reporta-se, desde logo, à ocorrência de situações em que seja de prever que o restabelecimento da situação que existiria não fosse a conduta ilegal se tornará impossível pela mora do processo.

Assim, dado que a tutela cautelar visa garantir efetividade a uma forma de tutela jurisdicional principal, tal fundado receio de constituição de facto consumado exigirá a adoção de uma providência cautelar, de forma a evitar que se formem situações de facto definitivas, consumadas e irreversíveis para o futuro, assim se obstando a que a passagem do tempo, só por si mesma, decida definitivamente a questão.

(Cfr., MIGUEL PRATA ROQUE, in "Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo", p. 588).

Não ocorre, no caso em presença, uma situação de facto consumado, traduzida na impossibilidade da reconstituição natural da situação existente antes da atuação ilegal, porquanto, sendo o ato suspendendo de conteúdo puramente negativo, ainda que não seja decretada a presente providência cautelar, sempre se mantém a situação que existia à data da deliberação do Plenário do CSM, tomada em 26/03/2019, até ao momento em que, no processo principal, seja decidida a questão da validade do ato impugnado.

Ou seja: nada impede que, através da ação principal (recurso contencioso), se venha a apreciar a validade/invalidade do ato que julgou improcedente a reclamação deduzida pela Requerente contra a decisão do Vice-Presidente do CSM de 08/01/2019, uma vez que o estado de coisas que a ação principal quer influenciar se manteve na mesma situação em que se encontrava antes de ser proferido tal ato.          

Não se verifica, assim, o requisito ora em análise (fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado) da existência do periculum in mora.

                  2.2.4. Da ocorrência do fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal

Na sequência do referido, o fundado receio a que alude o do artigo 120º. do CPTA reporta-se, ainda, à ocorrência de uma outra situação, qual seja: quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

Ora, ainda que não se esteja perante uma situação de facto consumado, será que a não suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do CSM, tomada em 26/03/2019, é suscetível de produzir prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente deseja ver reconhecidos na ação principal?

Conforme se vem referindo, a pretensão da Requerente visa a suspensão da eficácia da Deliberação que julgou improcedente a reclamação apresentada (Deliberação cuja validade/invalidade a Requerente pretende discutir na ação principal), consubstanciando tal desatendimento expresso da reclamação apresentada uma recusa de introdução de qualquer alteração na situação jurídica em apreço.

Como assim, visando a pretensão da Requerente impedir a produção de alterações decorrentes da deliberação do Plenário do CSM, tomada em 26/03/2019, causadoras de prejuízos, os prejuízos invocados sob os artigos 134º. a 143º. do requerimento inicial são:

Desde logo, insuscetíveis de se identificarem como consequência direta, imediata e necessária do ato a suspender, uma vez que tais prejuízos se prendem, antes e tão-só, com a própria tramitação do Processo Disciplinar, com o prosseguimento dos seus termos.

Ora, o pretendido efeito de suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do CSM de 26/03/2019 não equivale à suspensão dos termos do processo disciplinar, a uma paralisação temporária dos termos do processo, consubstanciando antes uma paralisação da eventual modificação que a deliberação viesse a introduzir na ordem jurídica, modificação que, no caso concreto, conforme analisado, não se verificou por a deliberação ter mantido a situação que existia.

Por outro lado, sempre tais prejuízos seriam de desconsiderar enquanto prejuízos que não colocam em risco a efetividade da decisão proferida no processo principal.

Não se pode, igualmente, ter por verificado o requisito do fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação da existência do periculum in mora.

2.2.5. Em conclusão

Na confluência das anteriores constatações, tem-se por inverificado o elemento constitutivo da providência requerida exigido pela 1ª. parte do nº. 1 do artigo 120º. do CPTA e pelo nº. 1 do artigo 170º. do EMJ .

Ora, sendo de verificação cumulativa os requisitos de que depende a concessão da requerida providência cautelar, a inverificação do periculum in mora:

 — Implica que fique prejudicada a apreciação do requisito atinente à aparência do direito, bem como efetuar a ponderação a que se refere o n.º 2 do artigo 120º. do CPTA.,

— E obsta ao decretamento da mesma providência cautelar.

III. Decisão

Posto o que precede, acordam os juízes, que constituem a Secção do Contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça, em indeferir a requerida suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, tomada em 26/03/2019, que julgou improcedente a reclamação deduzida pela Requerente contra a decisão do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de 08/01/2019, mantendo-a nos seus precisos termos.

Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.


Lisboa, 23 de maio de 2019

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)


Pedro de Lima Gonçalves (Relator) *

Maria da Graça Trigo

Chambel Mourisco

Helena Moniz

Graça Amaral

Oliveira Abreu

Pinto Hespanhol (Presidente)