Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
53/04. 2TBAVZ.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA AMBAS AS REVISTAS
Sumário :
I-O contrato de transporte é, nos termos da definição gizada pelo grande civilista e tratadista que foi Luís da Cunha Gonçalves «o que se celebra entre aquele que pretende fazer conduzir a sua pessoa ou as suas coisas de um lado para o outro e aquele que por um determinado preço se encarrega dessa condução» (Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, 2º vol, pg. 394).

II-Trata-se de um contrato de prestação de serviços que obedece a uma disciplina específica, designadamente quando assume natureza mercantil, como é o caso, atento o seu enorme e indiscutível relevo na vida empresarial e económica das sociedades contemporâneas.

III- Entre outros aspectos relevantes deste contrato, sobreleva justamente o regime de responsabilidade do transportador, estabelecendo-se no corpo do artº 377º do dito Código. o que se transcreve:
«O transportador responderá pelos seus empregados, pelas mais pessoas que ocupar no transporte dos objectos e pelos transportadores subsequentes a quem for encarregando do transporte».
Logo no § 1º a referida norma estatui que:
«Os transportadores subsequentes terão direito a fazer declarar no duplicado da guia de transporte o estado em que se acharem os objectos a transportar, ao tempo em que lhes foram entregues, presumindo-se, na falta de qualquer declaração, que os receberam em bom estado e na conformidade das indicações do duplicado».

IV- Ainda segundo Cunha Gonçalves, a responsabilidade cumulativa dos transportadores, que resulta da lei e não do contrato, constitui uma obrigação indivisível. A responsabilidade indivisível no transporte cumulativo pode ser, evidentemente, a consequência de ser paga a indemnização pela empresa que nenhuma culpa teve do dano (Cunha Gonçalves, citado por Abílio Neto in Código Comercial e Contratos Comerciais, anotado, Setembro/2008, Forum, pg. 138).

V-A responsabilidade do transportador perante quem com ele estabelece um contrato de transporte é de natureza contratual sempre que do mesmo resultem danos relativamente ao objecto do contrato, por forma a que se verifique uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso.

VI- Desta forma, não há que buscar a analogia com o regime da responsabilidade objectiva do comitente pelos danos que o comissário causar, cujo regime legal se compendia no artº 500º do Código Civil e que se situa no domínio da responsabilidade extracontratual, mas sim com a responsabilidade do devedor pelos actos dos seus representantes legais ou auxiliares, cujo regime é gizado pelo artº 800º do mesmo diploma substantivo civil.
Na verdade, será este o preceito jurídico-civil que encontra o seu paralelismo mais perfeito com o do contrato mercantil cujo arquétipo acha a sua sede legal no artº 377º do Código Comercial.

VII- Ora, como é sabido, na responsabilidade contratual ou obrigacional, a culpa do devedor presume-se, nos temos do artº 799º do Código Civil, pelo que, no caso do contrato de transporte, caberia ao Recorrente (transportador) provar que havia desenvolvido as necessárias diligências, para que o automóvel de cujo transporte foi contratualmente incumbido pelo Autor, fosse entregue ao mesmo em tempo, no local do destino convencionado e sem os defeitos que resultaram do transporte e da retenção pelo 2º Réu.

Decisão Texto Integral:

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


RELATÓRIO

AA instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra BB e CC, todos com os sinais dos autos, pedindo a condenação dos Réus:

– a devolverem de imediato ao A. a viatura ligeira de passageiros com a matrícula ........., marca BMW, modelo 3B/325, com o número de chassis 000000000000000 ;
– no pagamento de uma revisão/reparação a fazer à viatura do A., em oficina da marca, previamente à entrega da viatura ;
– no pagamento da quantia diária de 50 euros desde 28/7/2003 até à entrega da viatura ao A. ;
– no pagamento da quantia mensal de l .200 euros desde Setembro de 2003 até que a viatura lhe seja entregue ;
– no pagamento da indemnização de 5.000 euros a título de danos morais ;
quantias estas acrescidas de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento .

Alega, em resumo, ser emigrante no Luxemburgo e ser proprietário do veículo automóvel de marca BMW, com a matrícula .........1, modelo 3B/325, e que no Verão de 2003 contratou o 1° R. para efectuar o transporte desse veículo para Portugal, pelo preço de 450 euros.
O 1° R. comprometeu-se a colocar a viatura na residência do A. no prazo máximo de uma semana após 18 de Julho e que, depois do decurso do prazo, o A. verificou que o veículo se encontrava junto à casa do 2° R., apresentando-se riscada no tejadilho, na mala e no capot, com o guarda-lamas amolgado e com a frente do pára-choques partido, pelo que o A. se recusou a recebê-la ;
Um empregado do 2° R. conduziu a viatura para a residência do A. e este reclamou junto do 1° R. pelos danos que o veículo padecia, tendo-lhe este dito que os danos eram da responsabilidade do 2° Réu, pois ele é que tinha efectuado o transporte, pelo que ele próprio o iria contactar.
Depois de aguardar e de contactar o 1° R. e o 2° R., este último disse que iria proceder à sua reparação, mas no dia combinado para a entrega da viatura ao A, tal entrega foi recusada com o argumento de que o 1° R, devia dinheiro ao 2° R.
Em consequência, o A. continua privado da sua viatura, não tendo outros meios de transporte;
Adiou o seu regresso ao Luxemburgo aguardando a todo o momento que os RR. lhe entregassem a sua viatura, sendo que auferia um salário líquido mensal de l .200 euros e esta situação traz o A. nervoso, preocupado e à beira de um esgotamento nervoso, tanto mais que as suas economias já foram consumidas com a sua estadia involuntária e prolongada em Portugal.

Regularmente citados, ambos os RR. contestaram.

O R. CC impugnou a factualidade descrita pelo A. e alegou que o 1° R. solicitou ao legal representante da sociedade S......P..., Lda que reparasse a viatura do A., dizendo que a mesma não deveria ser entregue ao A. sem a sua autorização.
Por sua vez, o R. BB alegou ter ajustado com o 2° R., na qualidade de gerente da sociedade S......P..., Lda, que fosse esta a efectuar o transporte do Luxemburgo para Portugal; solicitou várias vezes ao gerente da S......P..., Lda a reparação dos veículos danificados durante o transporte, o que ele sempre recusou, pelo que o 1° R. se recusou a pagar a parte do preço do transporte ainda em falta ; o gerente da S......P..., Lda entrou em acordo directamente com o A. em reparar-lhe o seu carro, mas recusou a sua devolução dizendo que não o fazia enquanto o 1° R. não pagasse o preço que restava. Por último, invoca que os prejuízos alegados pelo A. são descabidos e exagerados .

Por despacho de fls. 135 a 138 foi admitida a intervenção principal provocada, como ré, de S......P...-Transportes e Representações, Lda, requerida pelo A., contra a qual este deduziu o pedido inicialmente formulado na petição inicial.
Uma vez citada, a interveniente fez sua a contestação apresentada pelo 2° Réu.
O A. respondeu a fls. 169 .
Foi proferido despacho saneador e elaborada lista de factos assentes e a base instrutória, que sofreu reclamação, parcialmente atendida a fls. 241 a 243.
No decurso do julgamento, a interveniente S......P..., Lda confessou o primeiro pedido formulado pelo A., pelo que foi condenada a devolver de imediato a viatura de matrícula ........., marca BMW, modelo 3B/325 ao A..
Também no decurso do julgamento o A. apresentou articulado superveniente, alegando ter recebido o seu veículo, o qual se encontrava com bastantes danos, que descreve, pelo que ampliou o seu pedido no sentido de os RR. e a interveniente serem condenados no pagamento de uma revisão/reparação a fazer à viatura do A. em oficina da marca, no pagamento da quantia diária de 50 euros desde a data da entrega até à realização de tal revisão/reparação e em todos os danos morais e patrimoniais resultantes da privação da viatura por parte do A. até que tal viatura seja reparada .

O 1° R. respondeu ao articulado superveniente, alegando que o veículo do A., nas instalações da interveniente, ficou fora do seu alcance e domínio factual, pelo que impugnou os factos alegados, invocando que o valor comercial daquele veículo rondaria os 3.000 euros, não se justificando a reparação por excessivamente onerosa .
Também o 2° R. e a interveniente responderam, alegando que o valor comercial e real da viatura do A. no ano de 2004 não era superior a 2.500 euros e negando os danos invocados .
Por despacho de fls. 768 e 769 foram aditados mais factos à base instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que absolveu a interveniente Solução-Pan Transportes e Representações Lda do pedido e condenou os RR BB e CC, solidariamente, a pagarem ao Autor:

– Uma revisão/reparação à viatura do Autor, de matrícula ......... em oficina da marca;
– A quantia de € 15,00 por dia desde 1/9/2003 até à realização da revisão/reparação e
– A quantia de € 2000,00 ( dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da sentença proferida.

Inconformados, interpuseram os Réus recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, não tendo logrado sucesso, pois aquele Tribunal julgou improcedentes as apelações, confirmando a sentença recorrida.

Novamente inconformados, os mesmos vieram interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.
São, portanto, dois recursos de Revista que foram interpostos no presente processo, de que cumpre conhecer.
Dado que a factualidade provada nos presente autos interessa a ambos os recursos interpostos, sendo fundamento factual comum a ambos, comecemos por transcrever a matéria fixada pelas Instâncias.
Importa dizer, no entanto, que certamente por manifesto lapso, a Relação não teve em atenção ao transcrever para o acórdão proferido, ora sob recurso, a factualidade fixada pela 1ª Instância, que a mesma continuava na folha seguinte (fls. 959 do processo), pelo que apenas transcreveu até ao facto 28 (sob o nº 2.1.28), quando na verdade, são 44 ( quarenta e quatro) factos que foram fixados em 1ª Instância e que a 2ª Instância não alterou nem julgou não provados e, aliás, a existência de lapso manifesto confirma-se até pelo que consta do próprio acórdão recorrido, quando na parte final de fls. 25 ( 1138 dos autos) se refere aos factos 35 a 41 ( que não constam do elenco transcrito, mas sim da sentença da 1ª Instância).
Tal lapso, por ser ostensivo, deve ser rectificado neste momento, transcrevendo-se aqui e agora a totalidade da factualidade provada em primeira instância, por se ter mantido intocada em sede de apelação e com a numeração aí consignada.

Factos Provados

1. O A. é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ........., marca BMW, modelo 3B/325, com o n° de chassis 000000000000000.

2. O A. é emigrante no Luxemburgo desde há cerca de 6 anos.

3. Nas férias do verão do ano de 2003, o A. deslocou-se a Portugal em 18 de Julho .
4. Contratou para efectuar o transporte do veículo mencionado no ponto 1 o R. BB, que explora uma empresa de transportes denominada THD- Transportes nacionais e internacionais BB .

5. Tendo sido acordado entre o A. e o 1° R. o preço de 450 euros para tal transporte .

6. Entregando na ocasião o A. ao 1° R. a quantia de 250 euros.

7. Tendo o restante sido pago a 12/9/2003

8. O R. BB comprometeu-se a colocar a viatura na residência do A., em Ferrarias, Maçãs de Dona Maria .

9. O 1° R. não entregou a viatura ao A., tendo este apurado que a mesma já se encontrava em Portugal, em Bispos, Alvaiázere, junto à oficina da interveniente S......P... , Lda , cujo sócio gerente é o 2° R.

10. O A. deslocou-se a Bispos, Alvaiázere, onde se encontrava a sua viatura, constatando que a mesma se encontrava danificada .

11. O veículo do A. apresentava riscos no tejadilho, na mala e no capot e a frente do pára-choques partida .

12. Um empregado da interveniente S......P..., Lda, DD, conduziu tal viatura para a residência do A.

13. O A. reclamou junto do 1° R. os danos existentes no seu veículo.

14. O A. foi informado que o transporte havia sido efectuado pelo 2° R.

15. O A. aguardou que alguém fosse buscar a sua viatura para a reparar, mas como tal não sucedeu, passado algum tempo contactou o R. CC para que este assumisse a reparação, tendo este acedido, pelo que a viatura foi-lhe entregue, na oficina da interveniente S......P..., Lda, para tal efeito .

16. O A. incumbiu EE de ir buscar a viatura assim que estivesse reparada.

17. EE deslocou-se à oficina no dia indicado pelo R. CC ao A. como sendo o dia em que lhe entregaria a viatura .

18. Não lhe tendo sido entregue a viatura, uma vez que o R. BB devia dinheiro ao R. CC relativo ao transporte dessa viatura para Portugal.

19. Algum tempo depois, o A., juntamente com o EE e elementos da GNR de Alvaiázere, deslocaram-se à dita oficina para levantarem a viatura ......... .

20. Tendo o R. CC recusado mais uma vez a entrega da viatura.

21. O A. não tem outros meios de transporte, andando à boleia e com veículos emprestados desde 25/7/2003 .

22. O A. não regressou ao Luxemburgo após as férias de verão de 2003, não tendo retornado ao trabalho.

23. O A. trabalhava no Luxemburgo como electricista .

24. O A. tem um grande cuidado com o seu automóvel.

25. Fazendo todas as revisões e reparações que tal viatura necessitava.

26. Mercê da não entrega do veículo o A. ficou nervoso e preocupado .

27. O A. deslocava-se para o trabalho na viatura de matrícula ..........

28. O 1° R. ajustou o transporte do ......... com S......P..., Lda .

29. O veículo ......... veio a ser efectivamente transportado do Luxemburgo para Portugal, por via terrestre, pela S......P..., Lda .

30. Os danos no veículo ocorreram após o carregamento e durante o transporte do Luxemburgo para Portugal.

31. Foi a S......P..., Lda que providenciou e executou a carga e descarga do referido veículo .

32. O R. BB pagou parte do transporte relativo ao acordado no ponto 28 .

33. No dia 28/3/2007, após o terminus da audiência de julgamento, a interveniente S......P..., Lda entregou ao A. o veículo automóvel de matrícula ........., que se apresentava num parqueamento daquela .

34. Uma viatura equivalente à do A. tem o valor mínimo de aluguer diário de 50 euros .

35. Aquando da entrega aludida no ponto 33, fruto das intempéries a que esteve sujeito, o veículo do A. tinha ferrugem nas partes metálicas.

36. O interior de uma das portas encontrava-se descolado .

37. O forro do tecto estava descolado .

38. A pintura estava queimada .

39. Tinha os estofos queimados pelo sol.

40. Os componentes de acrílico (spoiler da frente) estavam partidos .

41. Faltava um friso no carro .

42. A reparação dos danos descritos nos pontos anteriores, ao nível de interiores, mecânica, chapa e pintura do veículo do A. ascende a 17.639,96 euros.

43. Quando a viatura do A. foi entregue aos RR. e à interveniente encontrava-se em bom estado no que toca aos interiores, mecânica, chapa e pintura .

44. Aquando da entrega aludida no ponto 33 faltava na viatura do A. um amplificador e duas colunas .

45. Em consequência do descrito nos pontos 35° a 41° e 44°, o A. sofreu abalo emocional.

Após o delineamento do acervo factual fixado, passemos, de imediato, à apreciação e decisão de cada um dos recursos interpostos.

Recurso do Réu BB

FUNDAMENTOS

O Recorrente BB começa por afirmar que foi injustamente condenado a indemnizar o Autor por danos decorrentes de factos «que não praticou, donde a injustiça contra que se reclama no presente recurso».
Alega que os prejuízos reclamados pelo Autor não provêm do incumprimento do contrato de transporte por parte do recorrente, nem mesmo da empresa sub-transportadora.
Tais danos, segundo a sua perspectiva, « foram causados exclusivamente por essa ilegal e prolongada retenção do veículo em condições deploráveis (num parqueamento exposto às intempéries) por ordem do seu co-réu CC» sem autorização e contra a vontade do ora Recorrente e, por isso, deve o referido Réu ser responsabilizado e não também o ora Recorrente.
Remata as suas alegações no presente recurso, com as seguintes:

Conclusões

1) Deve ordenar-se a ampliação da base instrutória e, consequentemente, anular-se a douta sentença recorrida, nos termos do n° 4 do art. 712° do CPC, de modo a incluir-se na BI. a matéria relevante que consta nos 3° a 54° da contestação, com ressalva da que já figura nos quesitos 53°, 54°, 54-A e 54-B° e 55° da BI;

2) Verificam-se algumas contradições sensíveis na matéria de facto que importa dilucidar.

Efectivamente,

3) a resposta dada ao quesito 10° - " o 1° Réu não entregou a viatura ao autor "- dá por não provado um facto que, na realidade, em pontos posteriores da matéria de facto provada, já se admite ou pressupõe que ocorreu, ou seja, a ENTREGA DO VEÍCULO, havendo manifesta contradição;

4) Desde logo, o tribunal julgou contra aquilo que o próprio autor admite, bastando confrontar o alegado no artigo 14° da réplica, onde o próprio confessou que " É verdade que numa primeira fase, a viatura do Autor foi entregue a este ".
5) Ora na resposta ao quesito 16° da BI, deu-se como provado que um empregado da interveniente S......P..., Lda, conduziu tal viatura para a residência do A., logo houve entrega, pois a viatura passou para a posse e domínio factual do A.

6) Não se provou o quesito 15°, segundo o qual o autor se teria recusado a recebê-la;

7) Do ponto 25° da BI, cuja resposta foi transporta para o ponto 15°, também se infere que a viatura se encontrava na posse do autor e passado algum tempo depois do transporte a entregá-la ao 2° R. para reparação;

8)Por conseguinte a resposta ao quesito 10°, que transposta foi para o ponto 9° do provado, tem de ser alterada de forma a eliminar-se a contradição relativamente ao problema da entrega;

9) A resposta ao quesito 19°, mostra-se em contradição com as respostas positivas dadas aos quesitos 53°, 54° e 54° -B, segundo os quais, o transporte e foi efectuado pela interveniente e não pelo 2° Réu;

10) As respostas aos quesitos 29° e 31° colidem também com as respostas positivas aos quesitos 53°, 54° e 54° -B que, inequivocamente, indicam que o transporte foi efectivamente realizado pela interveniente, logo é impossível que o recorrente devesse dinheiro pelo transporte ao 2° Réu, porque não foi este quem o realizou;

11) Pelo exposto deve ordenar-se a remessa do processo à Relação para, nos termos do n° 3 do art. 729° do CPC, serem dilucidadas tais contradições sobre a matéria de facto.

12) Porque se verifica a hipótese contemplada no n° 2 do art. 722°, do CPC, deve este Supremo Tribunal conhecer do erro na apreciação de provas, quanto ás respostas dadas aos pontos 56° e 65° da BI, devendo alterá-las ex vi do n° 2, do art. 729°;

13) É que as páginas da Web, não assinadas, não têm força probatória reconhecida na lei - art. 376°,n°l,doCCivil;

14) E tendo sido impugnadas, nelas também não figura qualquer veículo idêntico ao do autor em marca, modelo e ano e não foi produzido outro meio de prova, devendo ser alterada a resposta ao facto 56° da BI para um " não provado ";

15) Também não foi feita prova que autorizasse a resposta positiva ao ponto 65° da BI, pois, a Mª Juiz a quo estribou-se no documento particular de fls. 776 a 783 que impugnado foi, não tendo ficado demonstrando o nexo de causalidade entre as peças orçamentadas e aquelas que foram danificadas e se tornaria necessário substituir por causa da conduta da interveniente;

16) Entre o recorrente e o autor foi celebrado um contrato de transporte internacional de mercadorias, tendo como partes aquele, enquanto expedidor e o 1° R., na qualidade de transportador, com o recurso a terceiros na execução material da prestação, sendo aplicáveis os artigos 366° e seguintes do Código Comercial e a Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias Por Estrada ( abreviadamente Convenção CMR ), assinada em Genebra, em 19-5-1956 e aprovada, para adesão, pelo DL n° 46235, de 18-3-1965, modificada pelo Protocolo de Genebra, de 5-7-1978, aprovado para adesão, pelo Decreto n° 28/88, de 6-9.

17) Por seu turno o negócio celebrado entre o 1° R e a interveniente é qualificável de subcontrato de transporte, que a lei comercial autoriza nos termos do art. 367° do CCom.;

18) Os danos pelo autor reclamados na acção não foram causados pelo transporte, logo não era possível a responsabilização do recorrente, com base no estatuído nos artigos 3 77° do Cód. Comercial e 3° da Convenção CMR;

19) Por outro lado, os artigos 383° CCom. e 17° CCMR responsabilizam o transportador pelos danos causados até à entrega, a qual no caso sub-judice ocorreu no momento da condução do veículo á residência do autor pelo empregado da interveniente, não tendo o autor recusado;

20) A lei comercial consente que o transporte seja feito por intermédio de outras pessoas (367° Código Comercial ), logo por intermédio delas também poderá fazer a respectiva entrega material, sendo que o artigo 767°, n° l do CC igualmente é expresso que a prestação possa ser feita por terceiro (interessado ou não no cumprimento da obrigação ) de tal modo que o credor que a recuse incorre em mora perante o devedor. ( 768°, l CCiv );

21) Os danos sofridos pelo autor foram causados pela ilícita e prolongada retenção do veículo pelo 2° Réu alegando um ilegal direito de retenção, posterior ao transporte, depois do veículo ter chegado á posse do autor;

22) Entre o autor e o 2° R. foi celebrado um autónomo contrato mediante o qual aquele entregou o veículo para efeitos de reparação, negócio esse qualificável de contrato de prestação de serviço sem retribuição, sendo o 1°R alheio a tal acordo não podendo ser responsabilizado por apelo à chamada eficácia externa das obrigações( cfr. 406°/2CC).

23) Trata-se dum contrato perfeitamente válido e regular, atento o princípio da autonomia privada e deveria ser pontualmente cumprido (artigos 1154°, 405°, n° l e 406°, n° l, todos do CCivil).

24) A responsabilização do 2° R. não é subsumível á figura da assunção de dívida nos termos do art. 595° do CCiv., antes resulta da violação daquele contrato;

25) A interveniente alegou nos artigos 2°, 3° e 4°, da sua douta contestação, o exercício dum " seu direito legítimo de retenção sobre a viatura " ;

26) No processo criminal n° 181/03.1GAAVZ o 2° R. invocou em sua defesa "o direito de retenção da viatura até que lhe seja pago o preço do transporte ( art. 755/1a) e 758° do Código Civil);

27) Não verificavam os pressupostos legais do direito de retenção: inexistia crédito contra o autor; sendo uma garantia real, nunca o bem retido poderia ser executado ao A./proprietário; o direito extingue-se com a entrega da coisa e não renasce ainda que tenha voltado ao primitivo detentor;

28) Logo o direito de retenção era ilegítimo devendo o 2° R. arcar exclusivamente com as consequências dessa sua conduta ilegal;

29) Aliás o 2° R, violou as regras da boa-fé ( 762°, 2 do CCiv) e agiram com abuso do direito;

30) Se titular fosse dum direito de retenção sobre coisa móvel, sempre estaria sujeito às obrigações do credor pignoratício (758° CCiv), onde avulta a de guardar e administrar como proprietário diligente a coisa retida, respondendo pela sua existência e conservação ( 671-a)), o que não se concebe quando deixou prolongadamente a viatura num parqueamento a céu aberto exposto às intempéries;

31) Sem condescender, a conceber-se uma "demora na entrega "( mora na entrega) da viatura ao autor por efeito ainda do transporte, então verifica-se que tal se ficou a dever a " circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar ", logo o recorrente não teve culpa, porque os danos resultam todos da actuação do 2° R. por via duma ilegal retenção causada e da falta de cuidados na guarda, apenas ao mesmo imputáveis, quedando-se inaplicável o art. 29°, n° l da Convenção CMR.;

32) Ainda sem conceder, quanto aos danos, a ocorrer a responsabilização do recorrente, deve funcionar a limitação indemnizatória plasmada no artigo 23°, n° 5 e 6 da Convenção CMR, pelo valor do frete ( 450 €);

33) O pedido de pagamento ao autor uma revisão/reparação á viatura do A. e em oficina da marca ", não deve proceder sem a prévia liquidação em execução de sentença (47\/[-b) do CPC);

34) O autor não fez prova de perdas patrimoniais reais em consequência da privação do uso do veículo, nem procedeu ao aluguer de um outro de substituição, pelo que não é visível um dano patrimonial específico decorrente da privação do uso, quer emergente, quer na modalidade de lucro cessante;

35) Daí que in casu não exista obrigação de indemnizar, havendo um mero "dano em abstracto" que tornaria inaplicável a "teoria da diferença" e o recurso á equidade, na perspectiva da responsabilidade aquiliana ( 566°, 2 e 3 CCiv.);

36) Quando não, deveria tal valor ser objecto de redução para níveis mais razoáveis e não constituir um meio de enriquecimento do lesado, tendo em conta, aliás, que só pagou 450 € pelo transporte, havendo acentuada desproporção de prestações e fica a receber um valor patrimonial para um automóvel novo;

37) Decidindo em contrário, a douta sentença impugnada violou por erro de interpretação e/ou aplicação o disposto nos artigos: 511°, n° l e 471°, n° l, b) do Código de Processo Civil; artigos 367°, 377° e 383°, do Código Comercial; artigos 376°, 405°, n° l, 406°, n° l e 2, 496°, 566°, 2 e 3, 595°, 671°, a), 758°, 759°, l, 761°, 762°, n° 2, 767°, l e 1154°, todos do Código Civil; e, os artigos 3°, 17°, n°s l e 2, 23°, n° 5 e 6 e 29°, n° l, da Convenção CMR.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.
Como se colhe da primeira parte da matéria alegada, condensada nas conclusões 1ª a 15ª, o Recorrente visa a alteração da matéria de facto, invocando o disposto no artº 729º, nº 2 do CPC conjugado com o nº 2 do artº 722º do mesmo compêndio legal adjectivo.
Não tem razão, neste aspecto, o Recorrente!
Decerto o Recorrente não desconhece, por isso que está devidamente patrocinado, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode alterar ou censurar o que a Relação soberanamente decidir em matéria de facto, fora das apertadas margens do nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil.
Assim, não sendo este o caso previsto como excepcional naquela disposição legal, este Supremo Tribunal, como Tribunal de Revista, não pode conhecer da matéria de facto, competindo-lhe somente decidir sobre matéria de direito.
Desta sorte, aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgar adequado, como uniformemente tem decido este Tribunal, desde há muito ( por todos, o Acórdão do STJ, de 10-03-87, de que foi Relator o Exmº Conselheiro Gama Prazeres, disponível em www.dgsi.pt , mantendo-se incólume esta linha jurisprudencial).
Este regime apenas comporta duas únicas excepções que são as que clara e expressamente se encontram no nº 2 do artº 722º do CPC:

a) ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto.

b) ofensa de uma disposição legal expressa que fixe a força de determinado meio de prova.


Por outro lado, não existe nos factos provados qualquer contradição como alega o Recorrente, designadamente entre os pontos de facto referidos na alegação (10º e 11º da base instrutória que correspondem ao facto 9º do acervo factual acima transcrito), do seguinte teor:

« O 1° R. não entregou a viatura ao A., tendo este apurado que a mesma já se encontrava em Portugal, em Bispos, Alvaiázere, junto à oficina da interveniente S......P... , Lda , cujo sócio gerente é o 2° R.»

Na verdade, resulta da factualidade apurada que o Réu BB nunca entregou a viatura ao Autor, ao contrário do que havia sido contratualmente acordado, pois foi o próprio Autor que apurou «que a mesma já se encontrava em Portugal, em Bispos, Alvaiázere, junto à oficina da interveniente S......P... , Lda , cujo sócio gerente é o 2° R».
Foi o próprio Autor que, tendo tomado conhecimento de que o seu automóvel BMW se encontrava em Bispos, Alvaiázere, deslocou-se a tal localidade, onde constatou que a mesma se encontrava danificada, tendo um empregado da Interveniente conduzido aquele carro à residência do Autor
Tal viatura chegou à posse do Autor, apenas pela forma descrita nos pontos 10º a 12º do acervo factual:

9. O 1° R. não entregou a viatura ao A., tendo este apurado que a mesma já se encontrava em Portugal, em Bispos, Alvaiázere, junto à oficina da interveniente S......P... , Lda , cujo sócio gerente é o 2° R.

10. O A. deslocou-se a Bispos, Alvaiázere, onde se encontrava a sua viatura, constatando que a mesma se encontrava danificada .

11. O veículo do A. apresentava riscos no tejadilho, na mala e no capot e a frente do pára-choques partida .

12. Um empregado da interveniente S......P..., Lda, DD, conduziu tal viatura para a residência do A.

Portanto, repete-se para que não restem dúvidas, foi o Autor que, tendo-lhe constado que a viatura se encontrava em Portugal, em Bispos, Alvaiázere, junto da oficina da S......P..., Lda que foi buscar a referida viatura, tendo sido um empregado desta que a conduziu para a residência do Autor.
Não foi o Réu BB nem qualquer pessoa a seu mando ou em sua representação!
Mesmo assim, quando a viatura chegou à residência do Autor levada pelo empregado da Interveniente, aquele reclamou junto do ora Recorrente BB dos danos existentes no seu veículo, obtendo a informação de que o transporte havia sido efectuado pelo 2° R e passado algum tempo contactou com o 2º Réu para que este assumisse a reparação do veículo, o que este aceitou, mas quando a mesma lhe foi entregue, manteve-a na sua posse até ao dia 28/3/2007, após o terminus da audiência de julgamento, em que a interveniente S......P..., Lda entregou ao A. o veículo automóvel de matrícula ........., que se apresentava num parqueamento daquela, pois só nesse dia é que ocorreu a entrega da viatura BMW e, mesmo assim com os defeitos que se mostram provados.
Não colhe, assim, por totalmente infundamentada, a afirmação do recorrente BB no início da peça alegatória, de que «o recorrente fez a entrega lícita por intermédio de auxiliares e não recusada pelo autor».
Não cabendo na competência deste Tribunal sindicar qualquer erro na apreciação de prova, fora dos limitados casos referidos, e não ocorrendo qualquer nulidade processual por contradição nos factos provados, improcedem as conclusões 1ª a 15ª da alegação do Recorrente.

Passemos agora à apreciação da matéria de direito!
Desde logo, importa ter presente que, como bem decidiram as Instâncias e, aliás, é consensual entre as partes, os acervos normativos aplicáveis à situação sub judicio são os artºs 366º e segs. do Código Comercial que regulam o regime jurídico do contrato de transporte e a Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), assinada em 19/1956 em Geneve e aprovada em Portugal pelo Dec.-Lei 46 235, de 18 de Março de 1965 e objecto de alteração pelo Protocolo de Emenda aprovado pelo Decreto 28/88 de 6/9.
Para além destes normativos, são aplicáveis imediata ou subsidiariamente diversos preceitos do Código Civil em matéria obrigacional.
Dito isto, convirá recordar que o contrato de transporte é, nos termos da definição gizada pelo grande civilista e tratadista que foi Luís da Cunha Gonçalves «o que se celebra entre aquele que pretende fazer conduzir a sua pessoa ou as suas coisas de um lado para o outro e aquele que por um determinado preço se encarrega dessa condução» (Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, 2º vol, pg. 394).
Trata-se de um contrato de prestação de serviços que obedece a uma disciplina específica, designadamente quando assume natureza mercantil Segundo o artº 366º do C. Comercial «o contrato de transporte por terra, canais ou rios considerar-se-á mercantil, quando os condutores tiverem constituído empresa ou companhia regular e permanente»., como é o caso, atento o seu enorme e indiscutível relevo na vida empresarial e económica das sociedades contemporâneas.
Entre outros aspectos relevantes deste contrato, sobreleva justamente o regime de responsabilidade do transportador, estabelecendo-se no corpo do artº 377º do dito Código. o que se transcreve:
«O transportador responderá pelos seus empregados, pelas mais pessoas que ocupar no transporte dos objectos e pelos transportadores subsequentes a quem for encarregando do transporte».
Logo no § 1º a referida norma estatui que:
«Os transportadores subsequentes terão direito a fazer declarar no duplicado da guia de transporte o estado em que se acharem os objectos a transportar, ao tempo em que lhes foram entregues, presumindo-se, na falta de qualquer declaração, que os receberam em bom estado e na conformidade das indicações do duplicado».

Ainda segundo Cunha Gonçalves, a responsabilidade cumulativa dos transportadores, que resulta da lei e não do contrato, constitui uma obrigação indivisível. A responsabilidade indivisível no transporte cumulativo pode ser, evidentemente, a consequência de ser paga a indemnização pela empresa que nenhuma culpa teve do dano (Cunha Gonçalves, citado por Abílio Neto in Código Comercial e Contratos Comerciais, anotado, Setembro/2008, Forum, pg. 138).
No plano jurisprudencial e neste mesmo sentido, pode ver-se, por todos, o Ac. da Relação de Lisboa, de 9 de Março de 1984, onde se sentenciou:
« Tendo sido estabelecido um contrato de transporte, a transportadora é responsável perante a expedidora pelo cumprimento defeituoso desse contrato, cabendo-lhe a reparação dos danos causados, quer resultantes da acção dos empregados, quer da acção das transportadoras subsequentes».

Esta responsabilidade dos transportadores em cadeia (originário e subsequentes) – responsabilidade cumulativa, como lhe chama Cunha Gonçalves – é solidária, como vem decidindo a nossa Jurisprudência, pelo menos desde o recuado ano de 1964 (cfr. Ac. Rel. Lxª de 19.04.64 in JR, 10º-77) e daí que, como se decidiu no aresto acabado de citar, «nem sequer carece que o autor peça a condenação solidária dos réus para que o Juiz condene solidariamente os co-obrigados. De resto, tal pedido está englobado na expressão « nestes termos e nos mais de direito» empregada pelo autor na petição inicial».
Porém, importa não olvidar que, como decidiu este Supremo Tribunal no seu Acórdão de 8.7.2003, de que foi Relator o saudoso Juiz Conselheiro Araújo de Barros, «em qualquer dos casos o transportador continua obrigado ao cumprimento, pois, tanto numa como noutra das situações, é ele o sujeito da relação contratual de transporte que estabeleceu com o expedidor» ( Col. Jur/STJ, 2003, II, 147).
E o mesmo aresto relembra que nos termos do artº 800º, nº 1 do Código Civil também aquele que recorre a terceiros auxiliares para cumprir as suas obrigações responde pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se fossem por si praticados.

Traçado assim o quadro jurídico (sob o prisma legal, doutrinal e jurisprudencial) há muito instituído entre nós, relativamente à responsabilidade do transportador de objectos e outras mercadorias por estrada, e tendo sempre em pauta o acervo factual apurado e definitivamente fixado pelas Instâncias, é patente que nenhuma razão assiste ao Recorrente quando visa refutar a sua responsabilidade pelo cumprimento defeituoso do contrato de transporte em que foi sujeito contratual, mediante a alegação da matéria que se acha condensada nas conclusões 18ª a 30ª das alegações.
Assim, desde logo quando na conclusão 18ª afirma que «os danos pelo autor reclamados na acção não foram causados pelo transporte, logo não era possível a responsabilização do recorrente, com base no estatuído nos artigos 3 77° do Cód. Comercial e 3° da Convenção CMR», tal asserção é contrariada pelo facto 30º do acervo factual fixado.
Quanto à conclusão 19º, são despiciendas mais palavras do que as anteriormente escritas (vide supra) para se demonstrar que a entrega do veículo só teve lugar no dia 28 de Março de 2007, como claramente resulta do facto 33 onde se afirma que «no dia 28/3/2007, após o terminus da audiência de julgamento, a interveniente S......P..., Lda entregou ao A. o veículo automóvel de matrícula ........., que se apresentava num parqueamento daquela», mas com os defeitos indicados na factualidade provada ( factos 35º a 41º).

Ao contrário do decidido pelas Instâncias, não se verificou no caso vertente qualquer assunção de dívida – como aliás afirma este Recorrente na conclusão 24ª – sendo certo também que não colhe a alegação de qualquer direito de retenção pelo Réu CC com relevo para a decisão desta causa.
O Autor é completamente alheio às dívidas e créditos existentes entre ambos os Réus e/ou as suas empresas.
Para ele, tais dívidas ou créditos, constituem « res inter alios acta» e, como é consabido, «res inter alios acta, aliis non nocet neque prodest» ou seja, o que for combinado ou pactuado entre terceiros não pode prejudicar nem aproveitar a estranhos a tal convénio, ressalvadas naturalmente as excepções legais!
Por outro lado, o Recorrente não podia ignorar que ao não fazer a entrega do automóvel do autor ao seu dono no prazo razoável, por força do contrato de transporte por estrada que celebrou com o ora Autor estava a incumprir ou, pelo menos, a cumprir defeituosamente tal contrato, o que fatalmente geraria prejuízos patrimoniais e, eventualmente, não patrimoniais, para o destinatário da viatura cujo transporte do Luxemburgo para Portugal lhe fora encomendado.
Note-se que, como ficou provado, no facto 4, o Réu BB é profissional da actividade de transportes, sendo certo que o Autor «contratou para efectuar o transporte do veículo mencionado no ponto 1 o R. BB, que explora uma empresa de transportes denominada THD- Transportes nacionais e internacionais BB».
Finalmente, é de capital importância ter em atenção que o contrato de transporte internacional ou nacional é susceptível, em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso, de gerar responsabilidade civil contratual.
Entendemos que a responsabilidade do transportador perante quem com ele estabelece um contrato de transporte é de natureza contratual sempre que do mesmo resultem danos relativamente ao objecto do contrato, por forma a que se verifique uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso.
Desta forma, não há que buscar a analogia com o regime da responsabilidade objectiva do comitente pelos danos que o comissário causar, cujo regime legal se compendia no artº 500º do Código Civil e que se situa no domínio da responsabilidade extracontratual, mas sim com a responsabilidade do devedor pelos actos dos seus representantes legais ou auxiliares, cujo regime é gizado pelo artº 800º do mesmo diploma substantivo civil.
Na verdade, será este o preceito jurídico-civil que encontra o seu paralelismo mais perfeito com o do contrato mercantil cujo arquétipo acha a sua sede legal no artº 377º do Código Comercial.
Ora, como é sabido, na responsabilidade contratual ou obrigacional, a culpa do devedor presume-se, nos temos do artº 799º do Código Civil, pelo que, no caso do contrato de transporte, caberia ao Recorrente (transportador) provar que havia desenvolvido as necessárias diligências, para que o automóvel de cujo transporte foi contratualmente incumbido pelo Autor, fosse entregue ao mesmo em tempo, no local do destino convencionado e sem os defeitos que resultaram do transporte e da retenção pelo 2º Réu.
Ao invés disso, resultaram provados os seguinte factos:

« O R. BB comprometeu-se a colocar a viatura na residência do A., em Ferrarias, Maçãs de Dona Maria .

O 1° R. não entregou a viatura ao A., tendo este apurado que a mesma já se encontrava em Portugal, em Bispos, Alvaiázere, junto à oficina da interveniente S......P... , Lda , cujo sócio gerente é o 2° R.

O A. deslocou-se a Bispos, Alvaiázere, onde se encontrava a sua viatura, constatando que a mesma se encontrava danificada .

O veículo do A. apresentava riscos no tejadilho, na mala e no capot e a frente do pára-choques partida .

Um empregado da interveniente S......P..., Lda, DD, conduziu tal viatura para a residência do A.

O A. reclamou junto do 1° R. os danos existentes no seu veículo.

O A. foi informado que o transporte havia sido efectuado pelo 2° R.»

Improcede assim, fatalmente, a conclusão 31º da sua alegação de recurso.
Relativamente às demais conclusões, designadamente as que vão de 32ª a 37ª, claudicam inapelavelmente os argumentos delas constantes.
Com efeito, na decisão da 1ª Instância vem considerado, em face da factualidade provada e relativamente a este Réu, o seguinte:

«No caso em apreço, apurou-se que o veículo do A. ficou com riscos no tejadilho, na mala e no capot e ficou com a frente do pára-choques partida durante o seu transporte do Luxemburgo para Portugal, sendo que nenhum dos RR. ou a interveniente demonstrou, como lhe competia em face do n° 2 do artigo 342° do C.C. e do artigo 18°, n° l da Convenção CMR, que tais danos foram causados fortuitamente, por motivo de força maior, por vício do próprio carro ou por culpa do A..
Tudo a justificar a responsabilidade do 1° R. pelos danos mencionados .
Por outro lado, o 1° R. incumpriu o acordado com o A. quanto à entrega da coisa transportada :
Nos termos do artigo 387° do C. Comercial, o transportador deve entregar os objectos transportados imediatamente e sem estorvo, sob pena de responder pelos prejuízos resultantes da demora .
Na situação em análise, o 1° R. comprometeu-se a colocar a viatura do A. na residência deste, em Ferrarias, Maçãs de Dona Maria .
Contudo, não a entregou ao A., tendo este apurado que o seu veículo já se encontrava em Portugal, mas em Bispos, Alvaiázere (junto à oficina da interveniente) .
Poderia eventualmente argumentar-se ter o 1° R. direito de retenção sobre a viatura do A., dado que este, dos 450 euros convencionados como preço, tinha pago inicialmente a quantia de 250 euros, só tendo entregue o restante em Setembro seguinte - de notar que o artigo 390°, 1a parte do C. Comercial prescreve que o transportador não é obrigado a fazer a entrega dos objectos transportados ao destinatário enquanto este não cumprir aquilo a que for obrigado .
Porém, não resultou minimamente apurado que o A. e o 1° R. tivessem convencionado diverso prazo de pagamento e que, portanto, o pagamento efectuado em 12/9/2003 tenha sido realizado extemporaneamente !
Sendo o 1° R., perante o A., o responsável pelos danos ocasionados aquando do transporte da viatura daquele para o nosso país, cumprir-lhe-ia, nos termos dos artigos 798°, 799° e 562° do C.C., entregar o veículo ao A. devidamente reparado, o que não fez, não obstante ter sido interpelado pelo A. para tal efeito - cfr. os pontos 13 e 15 dos factos provados».
Esta decisão foi integralmente confirmada pela Relação e assenta totalmente na factualidade provada, pelo que é patente a responsabilidade do Recorrente por tais danos, solidariamente com o seu co-réu, como amplamente se deixou exposto.
Sendo assim, dado que a viatura foi entregue em 28 de Março de 2007, com os apontados defeitos (factos 35º a 41º), é por demais evidente, que carece da reparação em oficina da marca do veículo, de modo a pôr termo ao cumprimento defeituoso verificado.
Para cabal esclarecimento deste aspecto, convém transcrever mais uma passagem do Acórdão sob recurso:

«A este propósito importa reter que o A. não tem outros meios de transporte, andando à boleia ou com veículos emprestados desde 25/7/2003 ; que se deslocava para o trabalho no veículo em questão e que uma viatura equivalente à do A. tem o valor mínimo de aluguer diário de 50 euros .
De acordo com a opinião de Abrantes Geraldes (in Indemnização do Dano da Privação do Uso, p. 39) a privação do uso de um veículo, desacompanhada da sua substituição por outro, ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma parte dos poderes inerentes ao proprietário . No mesmo sentido, ver Teles de Menezes Leitão (in Direito das Obrigações, p. 297) , ao considerar que o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a privação constitui um dano .
Acresce que o dano que se considera perdura, na hipótese de não ser facultada uma viatura de substituição, até à reparação da viatura danificada, ou até ser satisfeita a indemnização correspondente .
No caso em apreço, apenas se desconhece exactamente desde quando está o A. indevidamente privado da sua viatura - apenas sabemos que o A, se deslocou do Luxemburgo para Portugal em 18/7/2003 e que tem andado à boleia e com veículos emprestados desde 25/7/2003 .
Porém, também resultou apurado que o A. deslocou-se a Portugal nas férias do Verão de 2003, pelo que é de concluir que, após o seu gozo, regressaria ao Luxemburgo com a sua viatura . Ou seja, considerando o período normal de férias anuais (30 dias) pode concluir-se que pelo menos desde 1/9/2003 está o A. privado do uso da sua viatura, privação esta imputável aos 1° e 2° R., conforme exposto supra .
Deste modo, importa avaliar pecuniariamente este dano, sendo que tal. avaliação há-de ser feita com base na equidade, mas considerando-se o valor locativo da viatura em causa - veja-se, a propósito, o Acórdão da Relação do Porto de 5/2/2004, in C.J. ano XXIX, tomo I, p. 178 .
Ora, atendendo ao período de privação da viatura (cerca de três anos e meio), ao facto de o A. não dispor de qualquer outro meio de transporte, à circunstância de o A. a utilizar para se deslocar para o trabalho, o valor mínimo de aluguer diário de um veículo semelhante, o facto de o A. ter andado à boleia e com veículos emprestados e a circunstância de a privação não ter implicado propriamente uma perda de ganho, conduz à fixação do valor indemnizatório em 15 euros por dia ».

Desta forma, ficou o Autor privado da viatura até a sua entrega ( 28 de Março de 2007), mas quando a mesma lhe foi entregue, apresentava os danos descritos nos factos 35º a 41º que aqui se repetem: (aquando da entrega aludida no ponto 33, fruto das intempéries a que esteve sujeito, o veículo do A. tinha ferrugem nas partes metálicas, o interior de uma das portas encontrava-se descolado, o forro do tecto estava descolado, a pintura estava queimada, tinha os estofos queimados pelo sol. os componentes de acrílico (spoiler da frente) estavam partidos, faltava um friso no carro .
A reparação dos danos descritos nos pontos anteriores, ao nível de interiores, mecânica, chapa e pintura do veículo do A. ascende a 17.639,96 euros).
Como é de primeira evidência, não é exigível ao Autor/Recorrido que passe a utilizar a viatura naquele estado de degradação, o que vale dizer que se encontra privado do uso da mesma até à sua revisão/reparação, como bem decidiram as Instâncias.
Em face do quanto amplamente exposto se deixa, claudicam as conclusões da alegação do Recorrente, relevantes para decisão do presente recurso, o que fatalmente determina a improcedência do mesmo.

Recurso do Réu CC

FUNDAMENTOS

Este Recorrente sintetizou as suas alegações, nas seguintes

Conclusões

1 - Da análise de toda a prova produzida conclui-se inequivocamente que o transporte do veículo do recorrido, foi efectuado do Luxemburgo para Portugal, pela sociedade S......P... Lda e não pelo ora recorrente .

2 - Ao manterem inalteráveis as respostas dadas pelo Tribunal da 1ª instância, nomeadamente quanto ao que concerne aos pontos invocados pelo recorrente, e que se traduzem nos pontos 2.1.13, 2.1.14, 2.1.17 , 2.1.25 e 2.1.28, o douto acórdão , contém em si as nulidades previstas no art° 668 n° l alíneas c) e d) do C.P.C., que este Supremo Tribunal, declarará através da reapreciação da matéria de facto, ordenando-se se tal se mostrar necessário ,o reenvio do processo à 2a instância, com as legais consequências , nos termos do disposto no art° 721 do C.P.C, e seguintes.

Mas caso assim se não entenda,

3 - Não resulta da matéria de facto provado qualquer facto constitutivo do contrato entre o recorrido Autor e o ora recorrente, ou qualquer outra entidade, como demonstrativo de que o autor ao pedir a reparação, o estava a fazer por conta e em consequência das obrigações assumidas pelo 1° R, também recorrido, em consequência do contrato de transporte efectuado do Luxemburgo para Portugal.

4 - Sendo certo, que o que resulta demonstrado é que quem assumiu a reparação foi a S......P... Lda., e não que tivesse sido o próprio CC ( Ponto 2.1.14)

5 - Inexistem pois quaisquer factos integradores da afirmada assunção de dívida, concreta e claramente pelo recorrente CC .

6 - O aliás douto acórdão, viola além do mais o disposto no art° 595 n° l alínea b) do C.C. e art° 668 e 721 do C.P.C.

Antes do mais, importa precisar que tudo quanto anteriormente se disse, no recurso acabado de apreciar, é aplicável, com as devidas adaptações, ao presente recurso, pelo que não há necessidade de voltar a apreciar as questões anteriormente decididas e que são comuns a ambos os recursos.
No caso concreto, a questão da impossibilidade deste Supremo Tribunal reapreciar a matéria de facto, já foi amplamente esclarecida no recurso anterior, pelo que remetemos para o quanto ficou dito, improcedendo assim a conclusão 2ª.
Relativamente à 1ª, na verdade, o único facto que ficou provado quanto ao transporte do veículo é o que consta sob o nº 29, ou seja, que «o veículo ......... veio a ser efectivamente transportado do Luxemburgo para Portugal, por via terrestre, pela S......P..., Lda»
Não é exacto o que alega este Recorrente na conclusão 3ª, não sendo de concluir o que refere o Recorrente na conclusão 4ª.
Com efeito, como bem referiu a 2ª Instância, «ao longo de todo este processo há uma relação algo equívoca quanto à actuação da S......P... e CC, havendo certa dificuldade por vezes em apurar quando é que começa e acaba a intervenção de cada um deles»
Tal relação resulta, efectivamente, do que consta dos factos seguintes:

Facto 14: O A. foi informado que o transporte havia sido efectuado pelo 2° R.

Facto 15: O A. aguardou que alguém fosse buscar a sua viatura para a reparar, mas como tal não sucedeu, passado algum tempo contactou o R. CC para que este assumisse a reparação, tendo este acedido, pelo que a viatura foi-lhe entregue, na oficina da interveniente S......P..., Lda, para tal efeito .

Facto 18: Não lhe tendo sido entregue a viatura, uma vez que o R. BB devia dinheiro ao R. CC relativo ao transporte dessa viatura para Portugal.

Facto 20: Tendo o R. CC recusado mais uma vez a entrega da viatura.

Não há qualquer contradição entre os factos provados, como defende este Recorrente, o que existe é uma indefinição na qualidade da actuação do Réu CC que, sendo gerente ou sócio-gerente da S......P.... Lda, por vezes actuou como se fosse a título pessoal, como resulta dos factos acabados de apontar.
Era ao Réu CC que competia informar o Autor em que qualidade intervinha nos acordos e combinações que fazia, quer quando assumiu a reparação, quer quando recusou a entrega da viatura.
Não o tendo feito, o sentido que um declaratário normal deduzirá do comportamento do declarante, que aceda a reparar uma viatura e depois recuse a sua entrega com o argumento que um terceiro lhe deve dinheiro, é de que é ele o sujeito da relação contratual e não outro qualquer.
É exactamente isso que resulta dos factos 15º, 18º e 20º supra transcritos, onde nada autoriza a interpretação de que tenha agido em nome de qualquer empresa!
Nem impressiona o facto de a viatura ter sido entregue na oficina da S......P..., Lda, pois CC, como gerente dessa empresa certamente poderia utilizar ou requisitar os serviços mecânicos da mesma, daí não se inferindo que a responsável pela reparação perante o Autor fosse essa empresa.
Não é tal que emerge da apontada factualidade provada.
Deste modo, não cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça censurar a fixação da matéria de facto operada pelas Instâncias, pelo que só resta aceitar, neste plano, a decisão definitiva das mesmas.
Claudicam, destarte, todas as conclusões da alegação deste Recorrente, designadamente quanto à existência de qualquer nulidade ou contradição, do que deflui também a improcedência deste recurso.

DECISÃO

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça, embora com fundamentação jurídica mais desenvolvida, em não conceder as revistas, confirmando-se a decisão recorrida

Custas pelos Recorrentes, por força da sua sucumbência.

Processado e revisto pelo Relator.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Janeiro de 2010

Álvaro Rodrigues (Relator)
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria