Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3546/15.2T8LOU.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
EXTINÇÃO
ABUSO DO DIREITO
Data do Acordão: 04/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / SERVIDÕES PREDIAIS / SERVIDÕES LEGAIS / EXTINÇÃO DAS SERVIDÕES / CASOS DE EXTINÇÃO.
Doutrina:
-A. Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, p. 477;
-A. Santos Justo, Direitos Reais, 428; R. Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 2.ª Edição, p. 199;
-H. Sousa Antunes, Direitos Reais, p. 488 e 489;
-C. Mota Pinto, Direitos Reais, p. 344;
-Cunha de Sá, Abuso do Direito, p. 222 e ss.;
-Henrique Mesquita, Revista de Legislação e Jurisprudência, p. 135 a 151, 129 a 273;
-J. Alberto Vieira, Direitos Reais, p. 852;
-J. Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 4.ª Edição, p. 196, 252 e 439;
-L. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª Edição, 474 e 475;
-L. Menezes Leitão, Direitos Reais, p. 184 e 421;
-Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Volume II, p. 673 ; Direitos Reais, p. 412 e 415;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª Edição, p. 632 e ss., 676 e 677;
-Pires de Lima, BMJ n.º 136, 142 e 143:
-Rita Castro Teixeira, Da extinção por desnecessidade das servidões por destinação de pai de família, p. 38 e ss, e in http://repositorio.ucp.pt;
-Rui Pinto e Cláudia Trindade, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume II, p. 416 e 446;
-Tavarela Lobo, Mudança e Alteração de Servidão, p.149, 150 e 154.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1569.º, N.ºS 1, 2 E 3.
Legislação Estrangeira:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 20-05-2003;
- DE 11-11-2003;
- DE 18-12-2003;
- DE 03-03-2005;
- DE 13-12-2007;
- DE 14-04-2009;
- DE 14-05-2009;
- DE 20-05-2010;
- DE 25-10-2011;
- DE 31-02-2012;
- DE 05-05-2015, PROCESSO N.º 4273/06.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


- DE 13-11-2012.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 484/2010.
Sumário :
I. A servidão por destinação do pai de família constitui-se no momento em que os prédios ou fracções de um determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes.

II. É considerada uma servidão voluntária, uma vez que assenta num facto voluntário (a colocação de sinal ou sinais aparentes e permanentes); todavia, verificados os aludidos pressupostos, a servidão constitui-se automaticamente por mero efeito da lei.

III. Continua a ser francamente predominante na doutrina e praticamente uniforme na jurisprudência o entendimento de que a servidão por destinação do pai de família não pode ser extinta por desnecessidade.

IV. Para além da letra da lei (art. 1569º, nºs 1, 2 e 3, do CC), que parece clara nesse sentido, existem outras razões que justificam a diferença de tratamento das servidões legais e das servidões constituídas por usucapião em relação às servidões que têm origem num facto voluntário.

V. É fundamental nestas matérias o princípio da função social dos direitos reais, que tem orientado o legislador no sentido do estabelecimento de limitações especiais a esses direitos; para além dessas limitações, o conteúdo destes direitos pode ainda ser limitado negativamente pelo abuso do direito.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA, posteriormente acompanhado pela chamada, sua mulher, BB, intentou a presente acção declarativa comum, contra CC e marido DD.

Concluiu, pedindo que:

I) seja reconhecido seu o direito de propriedade sobre o prédio que descreve como seu;

II) seja reconhecido que o seu prédio e os identificados prédios dos RR pertenceram ao mesmo dono, até à data da escritura de partilha, celebrada em 4 de Junho de 1954, no Cartório Notarial de ..., na qual declararam os outorgantes dividir e partilhar um prédio em três lotes, em que o segundo lote foi adjudicado aos (ali) segundos outorgantes EE e mulher FF (pais do aqui A.) e o terceiro lote foi adjudicado aos (ali) terceiros outorgantes CC e marido HH (avós da R. mulher);

III) seja reconhecido que em data anterior (04/06/1954) à separação de domínios do actual prédio (319/C...) do A. e dos actuais prédios (220/R e 218/U) dos RR., a serventia de passagem já existia, ou seja, o actual prédio do primeiro já beneficiava, para acesso à via publica e vice-versa, de uma serventia, sobre os actuais prédios dos RR. identificados em a) e b) do artigo 8° da p.i., direito esse que sempre se exerceu por uma faixa de terreno em linha recta, com uma extensão de cerca de 57 metros e com uma largura aproximada de 4 metros, melhor descrita e caracterizada em 9°, 10° e 11° da p.i. e com a configuração e traçado constante na planta topográfica junta.

IV) seja reconhecida a existência a um direito de servidão de passagem, constituída por destinação de anterior proprietário (destinação do pai de família) a favor do (agora) prédio (319/C...) do A., gozando de uma servidão permanente de pé, carro e gado, por um caminho (faixa de terreno) existente no (agora) prédio dos RR. (218/U) e que o onera.

Caso assim não se entenda: Seja reconhecida a existência a um direito de servidão de passagem, constituída por usucapião, a favor do (agora) prédio (319/C...) do A., gozando de uma servidão permanente de pé, carro e gado, por um caminho existente no (agora) prédio (218/U) dos RR. e que o onera.

V) se condene os RR. a permitir que o acesso, da via pública ao prédio do A. e vice-versa, se faça pela faixa de terreno existente no seu prédio e que se abstenham de praticar actos que impeçam ou perturbem o aludido acesso.

VI) se condene os RR a removerem o portão que colocaram, abusivamente, no início do caminho de servidão, na estrema em que o mesmo confronta com a via pública, permitindo o livre exercício do direito de servidão de passagem a favor do prédio do A..

Caso assim não se entenda: Se condene os RR. a entregarem ao A. uma chave do portão; E, cumulativamente,

VII) se condene os RR. no pagamento de uma quantia pecuniária, de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal e na máxima amplitude legal permitida, mas nunca inferior a 50€/dia, por cada acto de perturbação do direito à servidão de passagem e/ou por cada dia de atraso na remoção dos obstáculos que impedem o livre exercício do referido direito, nos termos do artigo 829°-A do CC.

VIII) se condene os RR. no pagamento ao A. de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, com vista a ressarcir os prejuízos por este sofridos por força da actuação daqueles.

Como fundamento, alegou que foi constituída uma servidão de passagem por destinação do pai de família a favor do seu prédio, através de um caminho que percorre o prédio dos RR, sem prejuízo de que tal servidão sempre haveria de ter-se por constituída por usucapião. Mais referiu que os RR. colocaram um portão junto a esse caminho, que os impede de circular pelo mesmo, o que lhes causa transtornos.

Os réus contestaram, alegando (além da ilegitimidade, sanada com a intervenção), que não existe servidão por destinação do pai de família, que a existir a mesma deve ser extinta por desnecessidade e para o caso de se considerar que existe servidão, deduzem pedido reconvencional conducente à sua extinção por desnecessidade ou abuso de direito.

Concluem pela improcedência da acção ou caso se considere a existência de um caminho de servidão, seja julgada procedente a reconvenção e o A./reconvindo condenado:

A) a ver judicialmente declarado que a servidão predial de passagem constituída sobre o prédio dos Reconvintes descrito no art. 36° da reconvenção a favor e em proveito do prédio discriminado no art. 1° da petição inicial se tornou desnecessária ao prédio dominante, consequentemente;

B) a ver, igualmente, declarada a extinção da identificada servidão por desnecessidade;

C) Ou, na hipótese de se entender que a servidão constituída por destinação do pai de família não pode ser extinta por desnecessidade, ser declarada extinta a mesma servidão por manifesto abuso do direito;

D) em qualquer das hipóteses, a abster-se, de futuro, de utilizar o referenciado prédio dos RR./reconvintes para quaisquer fins.

O A. replicou, mantendo o alegado na p.i. e impugnando a existência de outro caminho que sirva igualmente as suas necessidades.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou procedente a acção, excepto quanto ao pedido indemnizatório e à remoção do portão, considerando, quanto a este, suficiente a entrega de chave ao autor.

Consequentemente, julgou improcedente a reconvenção.

Discordando desta decisão, os réus interpuseram recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformados, os réus vieram pedir revista, excepcional (art. 672º, nº 1, al. c), do CPC) que foi admitida, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

7) No caso dos autos, considerou-se constituída, por destinação do pai de família, uma servidão predial de passagem de pé e carro imposta nos identificados prédios dos Recorrentes, a favor do prédio do recorrido, sendo certo que passou a ser desnecessária ao prédio dominante, desde que este ficou servido de acesso directo à via pública - Rua …, em 1998.

8) Para constituição desta servidão, aliás como de quaisquer outras, e tendo em conta o estatuído nos arts. 1543° e 1544° do Código Civil, é condição indispensável, mercê da sua natureza de encargo que limita os poderes do proprietário do prédio serviente, a utilidade que representa para o prédio dominante, como aliás já se verificava no Direito Romano, através do brocardo servitus fundo utilis esse debet.

9) Uma servidão que não represente um benefício não só viola o princípio da tipicidade dos direitos reais, com a consequência da sua nulidade, como ofende o princípio do conteúdo tendencialmente ilimitado do direito de propriedade, sempre que essa compressão não se justificar, face ao quadro objectivo de circunstâncias em análise (arts. 1305º, 1306º e 294º do CC).

10) Acresce, como proficientemente justifica Tavarela Lobo, com base na analogia entre as situações de mudança e extinção das servidões, que é de afastar a interpretação literal do nº 2 do art°. 1569°, adoptada no acórdão recorrido, segundo o qual a desnecessidade constitui fundamento apenas para a extinção das servidões que hajam sido constituídas por usucapião e das servidões legais, qualquer que tenha sido o título constitutivo.

11) E mau grado seja claro que quem defende tal interpretação, entende que se justifica logicamente a cessação de todas as servidões que se tornem desnecessárias.

12) Tal como ao Ilustre autor, afigura-se-nos preferível o entendimento de que o princípio da extinção da servidão por desnecessidade deve estender-se a todas as servidões, seja qual for o seu título de constituição, com base nas conclusões firmadas no domínio da mudança de servidão e na manifesta analogia de situações entre a situação de facto derivada dessa mudança para outro prédio e a situação geral de desnecessidade da servidão.

13) Assim, no actual quadro substantivo, não se verifica qualquer impedimento legal à extinção por desnecessidade da servidão predial constituída por destinação de pai de família, "uma vez que as normas não devem ser interpretadas isoladamente mas tendo em conta a unidade do sistema jurídico, até porque estão ligadas entre si e só se entendem dentro do espírito daquele" (cfr. Rita Valente Ribeiro e Castro Teixeira).

14) Por outro lado, a utilização do direito de servidão, nos moldes considerados provados, ofende o fim social da previsão normativa desse mesmo direito: facilitar a exploração das terras e o uso dos prédios, ao oferecer um meio técnico de aumentar a utilidade económica dos bens, através da afectação de um bem ao serviço de outro ou outros.

15) E afecta negativamente o que a doutrina denomina por função social dos direitos reais, por se perpetuar uma servidão que não traz qualquer benefício e, por conseguinte, consiste num encargo injustificado para o prédio serviente e num prejuízo, ainda que indirecto, para toda a comunidade.

16) Na verdade, é incontestável que os recorridos dispõem agora de um acesso mais rápido, fácil e cómodo à via pública, por força da abertura da Rua da …., arruamento onde têm até colocada a sua caixa postal, pelo que a utilização do caminho em questão só pode representar um acto emulativo, não permitindo, assim, que a servidão se extinga pelo não uso.

17) Ora, perante a relutância da Jurisprudência em aceitar a aplicação do instituto do abuso de direito para neutralizar e extinguir uma servidão que se tornou desnecessária, mais se justifica, como se avança no acórdão fundamento, para que o Tribunal logre atingir a justiça material, correspondente ao correcto entendimento da função social do direito real de servidão, que se aplique a desnecessidade como fundamento da extinção de todo o tipo de servidões, incluindo a constituída por destinação do pai de família.

18) Caso assim não sucedesse, o direito de propriedade injustamente restringido pela servidão, que se tornou de tal forma inútil que seria com certeza recusada a sua constituição legal, caso fosse requerida, ficaria sem a merecida tutela.

19) Que pode ser conseguida desde que a Jurisprudência aceite extinguir uma servidão que não mantém, ao menos, uma utilidade, concretizando, dessa forma, a justa composição dos litígios.

21) Violados foram pois, entre outros, os arts. 1305°, 1306°, 1543°, 1549° e 1569° do CC e 2274º do Código Civil de Seabra.

Termos em que, no provimento deste recurso, se impõe seja revogado o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que julgue integralmente improcedente a acção e procedente a reconvenção, considerando-se extinta a identificada servidão predial de passagem, por desnecessidade, devido a haver-se verificado uma alteração superveniente, juridicamente relevante, no prédio dominante em 1998.

 

Não foram apresentadas contra-alegações.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

No essencial, discute-se no recurso se a servidão constituída por destinação do pai de família pode ser extinta por desnecessidade.

III.

No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:

1. O A. é possuidor do prédio urbano constituído por uma casa de habitação de R/chão com logradouro, sito no lugar da ..., freguesia de C..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 319/C... e inscrito na actual matriz no artigo … da União de Freguesias de ... e C..., que proveio do anterior artigo 598U da extinta Freguesia de C....

2. O A. desde o seu nascimento que habita o referido prédio.

3.  Posteriormente adquiriu tal prédio por adjudicação em partilha, por óbito de seus pais EE e FF e registou pela Ap. 15 de 18/05/2000.

4. O A., por si e antepossuidores há mais de 60 anos, extraiu, do referido bem, todas as utilidades que o mesmo pode permitir, designadamente habitando-o, nele confeccionando refeições, dormindo, recebendo familiares e amigos, plantando quintal e vinha, colhendo os respectivos frutos, guardando lenhas, alfaias agrícolas e veículos motorizados, fazendo obras de conservação e remodelação e pagando os impostos.

5. Tudo, e durante o referido período de tempo, tem sido feito à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, inclusive dos RR., de forma ininterrupta, dia a dia e ano após ano, na convicção de ser seu único proprietário, de que exerce poderes sobre a coisa que lhe pertence e de que não está a lesar direitos ou interesses alheios.

6. Os RR. são possuidores dos prédios também sitos no lugar da ... da dita freguesia de C..., conforme documentos juntos de fls. 21 a 29 e 171 e ss., cujo teor aqui se dá por reproduzido:

a) Um prédio rústico, denominado Campo e Mata da ..., sito no lugar da ..., freguesia de C..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 220/C... e inscrito na actual matriz rústica no artigo 665 da União de Freguesias de ... e C..., que proveio do anterior artigo 503R da extinta Freguesia de C....

b) Um prédio actualmente urbano composto por casa de R/Chão e andar com logradouro, sito no mesmo lugar da ..., freguesia de C..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 218/C... e inscrito na actual matriz urbana no artigo ... da União de Freguesias de ... e C..., que proveio do anterior artigo urbano 665 da extinta Freguesia de C....

7. Desde tempos imemoriais, há mais de 60 anos, que o acesso da via pública ao agora prédio do A. e vice-versa se faz por uma faixa de terreno - situada na estrema Norte do actual prédio Urbano (218/C...) dos RR., na parte em que este confronta com a estrema Sul do prédio rústico (220/C...) também dos RR. - que o atravessa no sentido nascente/poente e no sentido inverso, ou seja desde a via pública até entrar no prédio do A., pelo seu lado nascente, e desde o prédio do A. até chegar à via pública.

8. Essa faixa de terreno, em linha recta, com uma extensão de cerca de 57 metros e com uma largura de pelo menos 2,5 metros, murado e gradeado, nas suas laterais e com uma ramada aérea, que o percorre em toda a sua extensão, desde a via pública até atingir o agora prédio do A. (319/C...), apresentava-se em terra batida, pisada, com ausência de vegetação, pela passagem contínua de carros, tractores e pessoas a pé, nomeadamente o A., sua família e amigos, para acesso e saída da sua habitação.

9. Sempre, pela referida faixa de terreno - que outrora constituía, juntamente com a demais porção de terreno, a totalidade do prédio mãe, antes de operada a sua divisão - existente no agora prédio (218/U) dos RR., se fez o acesso ao agora prédio do A., sendo que quer o A., sua família e amigos, quer os seus antepossuidores, o utilizavam a pé ou de carro, dia a dia, ano a ano, sem oposição de quem quer que fosse, sem oposição dos RR. e anteriores donos do prédio destes, à vista de toda a gente e na convicção de que está a exercer um direito de que beneficia o seu prédio e onera o prédio dos RR.

10. O prédio do A. e os prédios dos RR., entre outros, integravam um único prédio mãe, sito no lugar da ..., freguesia de C..., a confinar de Poente com terras do …, Nascente com o caminho publico, Norte com Leira de II e JJ, Sul com adro do Cemitério, descrito na Conservatória sob o número 19.686 do Livro B51, a fls. 168, conforme documento junto de fls. 38 e ss. cujo teor se dá por integramente reproduzido.

11. O prédio do A. e os prédios dos RR. pertenceram outrora, conjuntamente com outros, ao mesmo dono, até ao momento da separação de domínios e todos os prédios, no seu conjunto, englobavam um único prédio que pertencia ao casal KK e LL.

12. Em Escritura de Partilha, celebrada em 4 de Junho de 1954, no Cartório Notarial de ..., declararam os seus outorgantes, filhos do dissolvido casal KK e LL, dividir e partilhar o referido prédio em três lotes, que ficaram a confrontar entre si.

13. Nessa escritura, o segundo lote - ficou a confrontar do Nascente com terreno do terceiro lote, Poente com terreno do primeiro lote, Sul com ... Paroquial e respectivo Adro, Norte com leira da casa do recanto - foi adjudicado aos segundos outorgantes EE e esposa FF, pais do aqui A. e o terceiro lote - ficou a confrontar de Nascente com caminho público, Poente com terras do segundo lote, Norte II e leira da casa do recanto, Sul caminho publico da ... - foi adjudicado aos terceiros outorgantes CC e marido HH, avós da R. mulher.

14. Mais foi declarado nesta escritura de partilha de 04/06/1954 "Que o terceiro lote fica obrigado a dar servidão permanente de pé, carro e gado, a favor do segundo lote, por um caminho já muito antigo, como de resto já é uso e costume".

15. Posteriormente o terceiro lote - identificado na escritura de partilha 04/06/1954 - foi dividido em dois prédios rústicos [218/R e 220/R], cada um deles com a denominação de "Campo e Mata da ...", que foram adquiridos pelos RR., com as servidões, águas e demais pertenças, incluindo uma ramada na estrema, aos pais e tios da R. mulher, na escritura de compra e venda e partilha, celebrada em 7 Julho de 1994, conforme documento junto de fls. 171 e ss. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16. E, por força da separação de domínios, na escritura celebrada em 04/06/1954:

- O prédio 220/R de C... passou a ter a composição de cultura a mato e a confrontar MM da casa do recanto e NN, Sul caminho, Nascente caminho público, Poente Herdeiros de EE.

- O prédio 218/R passou a ter a composição de cultura, ramada e pinhal, a confrontar de Norte HH e outro, Sul EE, Nascente caminho publico, Poente EE, sendo que, posteriormente, este prédio rústico deu origem ao prédio urbano 218/U e passou a ter a composição de casa de rés-do-chão e andar com logradouro, mantendo as anteriores confrontações.

17. O segundo lote - identificado na escritura de partilha 04/06/1954 - foi objecto de partilha entre o A. e seus irmãos, em virtude das heranças abertas por falecimento de EE e FF, pais do A..

18. Nessa Escritura de Partilha, celebrada em 20 de Novembro de 1998, no Cartório Notarial de ..., ao A. foi adjudicado, entre outros, o prédio constante da verba dois da relação de bens anexa à escritura, que corresponde ao prédio descrito em 1°.

19. Declararam ainda os outorgantes na Escritura de Partilha, celebrada em 20 de Novembro de 1998, no Cartório Notarial de ... que "... o prédio da verba dois goza de servidão de passagem já constituída há muitos anos, sobre caminho situado a nascente do mesmo e que passa por terrenos da herança de OO ...".

20. Tal caminho, que hoje comporta a serventia para o prédio do A., foi criado há mais de 60 anos por KK, o anterior proprietário dos prédios hoje de A. e RR..

21. Os RR. iniciaram um processo de calcetamento do referido caminho e, com a conclusão da obra de calcetamento, no final de Setembro 2014, colocaram um portão de duas folhas, munido de fechadura, no início do aludido caminho, na estrema em que o mesmo confronta com a via pública.

22. Impedindo, desta forma, que o A. e sua família acedam, como sempre acederam, há mais de 60 anos, pelo dito caminho, ao seu prédio.

23. O referido portão encontra-se permanentemente fechado à chave.

24. Os RR. não entregaram ao A. uma chave da fechadura do dito portão.

25. A manutenção do portão fechado ou sem a entrega de uma chave ao A., impede que este, sua família e amigos utilizem o caminho para acesso e saída do seu prédio, de e para a Rua …, a pé e de automóvel, como vem a suceder ao longo de mais de 60 anos.

26. Obrigando o A. e sua família a entrar e sair do seu prédio, por outro lado, sujeitando-os a percorrer cerca de 190 metros a mais do que poderiam fazer, para chegarem da Rua … à sua habitação e vice-versa.

27. O prédio do Autor, que constitui agora o lote nº 2 do Alvará n° 3/96, confronta directamente, pelo lado sul, com a Rua da Urbanização da ..., aberta pela Junta de Freguesia de C..., há pelo menos 16 anos, onde tem colocada a sua caixa de correio.

28. O prédio do A. tinha também serventia pelo 1° lote, que confrontava pelo poente com o caminho público, o caminho da ..., que também era utilizado pelo A. e seus antecessores para se dirigirem da sua casa e vice-versa, à escola, à mercearia e ao correio e, para a ... e cemitério, localizados a sul, serviam-se de uma carreira onde hoje se situam os lotes da Urbanização da ... e a rua com o mesmo nome.

29. Do prédio do A. até ao caminho da urbanização da ... distam cerca de 6 metros.

30. Desde há mais de 30 anos que, por si e antecessores, os reconvintes estão no uso, fruição e disposição, sempre repetidos e renovados, do prédio aludido em 6°, designadamente cultivando-o, construindo a casa de habitação, habitando-o, percebendo os respectivos rendimentos e pagando as correspondentes contribuições, direitos adquiridos na ignorância de lesar outrem, sem emprego de qualquer violência e de modo a poderem ser conhecidos pelos interessados, agindo, igualmente, na convicção de exercitar um direito próprio e como se proprietários fossem.

E não provados outros factos, nomeadamente:

A) O caminho de servidão é desnecessário por existir outro caminho do lado contrário.

B) Antes das obras dos RR. encontrava-se fechado o portão do dito caminho e um portão de madeira junto da entrada do denominado Barraco dos RR., com cerca de 2 metros de largura e que tinha a altura da entrada deste, ou seja, 2,30 metros.

IV.

Foi reconhecido nestes autos que se encontra constituída, por destinação do pai de família, uma servidão de passagem que onera o prédio dos recorrentes, em favor do prédio dos recorridos.

Concluiu-se também no acórdão recorrido pela desnecessidade da referida servidão.

A questão que os recorrentes colocam é, justamente, a da extinção da aludida servidão por esse motivo, isto é, pela sua desnecessidade.

Vejamos.

Dispõe o art. 1549º do CC:

Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.

São assim pressupostos da constituição da servidão por destinação do pai de família:

- a existência de dois prédios ou de duas fracções do mesmo prédio que pertençam ao mesmo proprietário;

- a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem uma relação de serventia entre os prédios;

- a separação dos prédios ou fracções quanto ao domínio;

- inexistência no documento respectivo de declaração contrária à constituição da servidão[2].

Esta servidão constitui-se no momento em que os prédios ou fracções de um determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes.

É considerada uma servidão voluntária, uma vez que "assenta num facto voluntário (a colocação de sinal ou sinais aparentes e permanentes)"; todavia, verificados os aludidos pressupostos, a servidão constitui-se automaticamente por mero efeito da lei[3].

Não se trata de um negócio jurídico ou de acordo tácito, como se entendia tradicionalmente, mas de "um acto voluntário e intencional do primitivo proprietário na criação do estado de facto conducente à destinação. Todavia, constituída esta situação objectiva, a sua conversão em estado de direito opera-se independentemente do concerto das partes"[4].

No caso, tendo em conta a factualidade provada – cfr. factos 7º e segs – é patente a verificação dos re  quisitos da constituição da servidão por destinação do pai de família.

Note-se, porém, que, na escritura de partilha celebrada em 04.06.1954 – que constituiu o acto de divisão do prédio primitivo nos três lotes que se formaram – ficou consignado que o terceiro lote fica obrigado a dar servidão permanente de pé, carro e gado, a favor do segundo lote, por um caminho já muito antigo, como de resto já é uso e costume.

Assim, no acto de separação do domínio do prédio, as partes não se limitaram a omitir uma declaração contrária à constituição da servidão, tendo, pelo contrário, declarado, expressamente, a existência dessa servidão.

Por isso, se a servidão não se tivesse constituído por destinação, ela resultaria de contrato, que a confirmou, proporcionando-lhe um novo fundamento, podendo dizer-se que passou a ser também "de origem contratual ou de confirmação contratual"[5].

Concluiu-se no acórdão recorrido pela desnecessidade da servidão constituída por destinação do pai de família, afirmando-se:

Em suma, podemos afirmar que se é certo que tal caminho ainda representa uma utilidade para o prédio dos AA., a restrição que ele comporta ao direito de propriedade dos RR. sobre os seus prédios é por demais elevada, quando comparada com aquela utilidade, que é objectivamente diminuta. O prédio dos AA. consegue agora ter acesso fácil e cómodo por outra via, que não o caminho de servidão, e tem, em função disso, a mesma ou melhor aplicação ou aproveitamento que antes lograva através da servidão de passagem.

É em função disso que se pode concluir pela desnecessidade da referida servidão de passagem, na percepção de que a sua continuidade comporta um sacrifício desproporcionado e injustificado para o direito de propriedade dos RR. sobre os seus prédios, face à reduzida utilidade que assegura para o prédio dominante, dos AA.

Como se referiu, a questão que aqui se coloca é a de saber se a servidão, assim constituída, pode ser extinta por desnecessidade.

Dispõe o art. 1569º do CC:

1. As servidões extinguem-se:

a) Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa;

b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;

c) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio;

d) Pela renúncia;

e) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente.

2. As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.

3. O disposto no número anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição (…).

Perante esta norma a doutrina é francamente predominante no sentido de que a servidão por destinação do pai de família não pode ser extinta por desnecessidade[6].

A jurisprudência tem adoptado entendimento uniforme no mesmo sentido[7].

Afigura-se-nos, com efeito, que a letra da lei - que constitui naturalmente o ponto de partida da interpretação, eliminando aqueles sentidos que não tenham aí qualquer correspondência ou dando maior apoio a um dos sentidos possíveis – aponta claramente para a tese que vem sendo seguida maioritariamente.

As causas gerais da extinção das servidões estão previstas no nº 1 da disposição citada. Nos nºs 2 e 3 é acrescentado um fundamento específico – a desnecessidade – para a extinção das servidões constituídas por usucapião e das servidões legais.

Daí que a servidão por destinação do pai de família, por não se integrar, por regra[8], nestes casos, apenas possa ser extinta nas situações indicadas no nº 1 ou por acordo.

Por outro lado, a questão foi discutida no âmbito da Comissão Revisora do Anteprojecto sobre servidões prediais, tendo prevalecido a posição do Autor do Anteprojecto (Prof. Pires de Lima) no sentido da solução que veio a ser acolhida no diploma definitivo[9].

A este respeito, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela[10]:

"No caso das servidões voluntárias, há o acordo das partes ou a declaração de vontade do testador a respeitar, e nem sempre são conhecidas em toda a profundidade as razões determinantes desse acordo ou dessa declaração. Estender indiscriminadamente a essas servidões o princípio do nº 2 equivalia, por conseguinte, a abrir a porta a difíceis problemas de interpretação dos negócios jurídicos, com o risco de decisões contrárias à vontade das partes. Havendo para mais a regra da extinção pelo não uso, julgou-se mais prudente não ir além dos limites da solução consagrada em 1930".

Não é, pois, possível, de iure constituto, como sublinham esses Autores, defender a extinção das servidões voluntárias com fundamento na desnecessidade.

Neste sentido, afirma H. Sousa Antunes[11]:

"O artigo 1569º procura compatibilizar o proveito do titular do direito onerado com a extinção da restrição e o respeito que o seu compromisso voluntário determina. Se a constituição da servidão predial depende do concurso de vontades, é ineficaz a desnecessidade, enquanto não houver a extinção por não uso. Na verdade, a causa que justificaria a extinção está na disponibilidade do beneficiário do direito, respeita a este.

Segundo o artigo 1569º, nºs 2 e 3, a irrelevância da vontade na oneração do seu prédio, legitima o respectivo proprietário a requerer ao tribunal a extinção da servidão predial por desnecessidade (…).

Nos casos em que a vontade é determinante do direito, o proprietário do prédio serviente abdica de qualquer poder de disposição sobre o exercício das faculdades que transferiu".

Apesar de se reconhecer como razoável que as servidões prediais que se tornam desnecessárias se deveriam extinguir, todas elas, seja qual for o título por que se constituíram, uma vez que a sua manutenção redunda na desvalorização e prejuízo do prédio serviente, sem benefício do prédio dominante, relevam, em sentido contrário, as razões que ficaram expostas, que estão na base do regime consagrado no art. 1569º.

Razões que justificam a diferença de tratamento das servidões legais e das servidões constituídas por usucapião em relação às servidões que têm origem num facto voluntário.

As servidões legais (cfr. arts. 1550º a 1563º do CC) surgem por necessidade do dono do prédio dominante na sua constituição, justificando-se que se extingam caso essa causa desapareça, por deixar de haver razão para a manutenção do sacrifício imposto ao prédio serviente.

As servidões constituídas por usucapião não têm forçosamente por fundamento aquela necessidade, nem têm origem num facto voluntário, compreendendo-se que se extingam se desaparece o condicionalismo fáctico que as determinou, ou seja, o seu aproveitamento efectivo (a desnecessidade configura-se como "uma contrapartida da própria relevância da posse que gera a usucapião").

As servidões que têm na base um facto voluntário – por acordo ou por destinação – podem ser constituídas mesmo que não se mostrem estritamente necessárias, justificando-se que não se extingam por desnecessidade.

Está aqui em causa a prevalência do princípio da autonomia privada: "como estas não podem ser impostas ao dono do prédio serviente contra a sua vontade, só por um título equivalente ao constitutivo, no que respeita à relevância da vontade, elas se devem extinguir"[12],[13] .

Os recorrentes invocam ainda a violação do fim social do direito de servidão e da função social dos direitos reais, por se perpetuar uma servidão que não traz qualquer benefício, constituindo um encargo injustificado para o prédio serviente e um prejuízo, ainda que indirecto, para toda a comunidade. Dispondo agora os recorridos de um acesso mais rápido e cómodo à via pública, a utilização do caminho em questão só pode representar um acto emulativo.

Sem razão, parece-nos.

O acto emulativo caracteriza-se por não revestir qualquer utilidade para o seu autor, que tem por finalidade única causar um prejuízo a outrem[14].

Ora, esta situação não ficou provada. Pelo contrário, ficou demonstrado que o caminho ainda conserva alguma utilidade para os recorridos, que continuavam a usá-lo. O que se considerou e ponderou no acórdão recorrido, num juízo de proporcionalidade, foi que a servidão comporta um prejuízo injustificado para o prédio serviente face à utilidade, objectivamente reduzida, que ainda assegura ao prédio dominante.

Não estamos, pois, em presença de um acto emulativo: não se verifica a perda absoluta de utilidade da servidão e a intenção de prejudicar por parte dos recorridos.

Por outro lado, é realmente considerado fundamental nesta matéria o princípio da função social: "os direitos são concedidos às pessoas não para estas os utilizarem de acordo com o seu livre arbítrio, mas sim para que da sua utilização resulte um benefício social"[15].

Perante este princípio orientador, o legislador tem adoptado limitações especiais ao exercício dos direitos reais. Para além destas limitações especiais o conteúdo dos direitos reais ainda pode ser limitado negativamente pelo aludido princípio através do abuso do direito (art. 334º do CC): "o conteúdo dos direitos reais é assim negativamente delimitado pela necessidade de não se proceder em contravenção com a finalidade económico-social do próprio direito"[16].

A questão já foi analisada, nesta perspectiva, no acórdão recorrido: apesar de se reconhecer a desnecessidade da servidão, aferida em função da desproporção entre a sua utilidade para o prédio dominante e o sacrifício que da mesma resulta para o prédio serviente, concluiu-se que "o instituto jurídico do abuso de direito jamais poderá servir para se alcançar um resultado substantivo que o específico regime jurídico aplicável (designadamente o regime da servidão constituída por destinação de pai de família) claramente rejeita".

Assim parece, de facto.

Para além disso, para ser ilegítimo, o exercício do direito tem de revelar um excesso manifesto, designadamente dos limites que decorrem do fim social ou económico desse direito.

O excesso é manifesto se o exercício se pode considerar clamorosa e intoleravelmente ofensivo da justiça.

No caso, porém, os autores limitaram-se a exercer um direito juridicamente reconhecido e tutelado, conformando-se a sua actuação com o fundamento dessa tutela legal.

Não existe, por isso, abuso do direito, como foi decidido.

Será útil acrescentar-se o seguinte:

Ficou provado que os recorrentes calcetaram o pavimento do caminho de servidão, colocando um portão na saída para a via pública. Daí decorre que a manutenção da servidão não põe em causa o aproveitamento económico do prédio serviente; o prejuízo que daí pode advir para os recorrentes é apenas o de estes não poderem dispor de um acesso privativo para o seu prédio, tendo de o partilhar com os recorridos.

Mesmo assim, é compreensível e, em abstracto, legítima (cfr. art. 1305º do CC) a pretensão dos recorrentes, como proprietários, de pôr fim à servidão. Mas esta não tem, pela razão referida, o efeito negativo que normalmente lhe seria associado, em termos de aproveitamento económico do prédio e do proveito geral.

V.

Em face do exposto, decide-se negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

                                               

 Lisboa, 10 de Abril de 2018

Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

_________________
[1] Proc. nº 3546/15.2T8LOU.P1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 227)
Cons. José Rainho; Consª Graça Amaral
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., 632 e segs; Rui Pinto e Cláudia Trindade, Código Civil Anotado (coord. de Ana Prata), Vol. II, 416.
[3] Neste sentido, Henrique Mesquita, RLJ 135-151 e segs e os Acórdãos do STJ de 03.03.2005, de 13.12.2007, de 14.04.2009 e de 05.05.2015 (P. 4273/06)
[4] Tavarela Lobo, Mudança e Alteração de Servidão, 149 e 150.
[5] Henrique Mesquita, RLJ 129-273.
[6] Cfr. C. Mota Pinto, Direitos Reais, 344; J. Alberto Vieira, Direitos Reais, 852; A. Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 477; A. Santos Justo, Direitos Reais, 428; R. Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 2ª ed., 199; H. Sousa Antunes, Direitos Reais, 488; L. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª ed., 474; J. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 4ª ed., 439; L. Menezes Leitão, Direitos Reais, 421; Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., 676 e Rui Pinto e Cláudia Trindade, Ob. Cit., 446.
Em sentido contrário, Tavarela Lobo, Ob. Cit., 154 e segs; Rita Castro Teixeira, Da extinção por desnecessidade das servidões por destinação de pai de família, 38 e segs (acessível em http://repositorio.ucp.pt)
[7] Cfr. Acórdãos do STJ de 20.05.2003, de 11.11.2003, de 18.12.2003, de 14.05.2009, de 20.05.2010, de 25.10.2011, de 31.02.2012 e de 05.05.2015 (P. 4273/06).
Não se conhece jurisprudência em sentido diferente, para além do acórdão que é aqui indicado como fundamento (Rel. de Coimbra de 13.11.2012), mas com fundamentação sucinta, deste teor: "Entendemos, todavia, que apesar da lei não prever expressamente a extinção destas servidões por desnecessidade, também não o proíbe. Assim não nos repugna e julgamos até perfeitamente admissível, maxime se necessário para se consecutir a justiça material do caso concreto, que este fundamento extintivo também se aplique a tais servidões".
[8] Dizemos por regra uma vez que se entende que, apesar da constituição voluntária, não estaria afastada a possibilidade de a servidão por destinação do pai de família pode ser considerada uma servidão legal, no sentido de poder ser imposta coactivamente. Com efeito, repare-se que o nº 3 do art. 1569º dispõe que a extinção por desnecessidade também é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição. Isto significa que, "verificando-se os pressupostos que permitiam a imposição duma servidão legal, a servidão que se constituir se deve sempre considerar legal, mesmo que não tenha sido coactivamente actuada" – Oliveira Ascensão, Ob. Cit., 252; no mesmo sentido, Henrique Mesquita, RLJ 129-254 e segs; H. Sousa Antunes, Ob. Cit., 489; Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., 677; Acórdãos do STJ de 05.05.2015 (P. 4273/06 e P. 273/07).
No caso, porém, esta questão foi afastada pela Relação por constituir uma questão nova, apenas colocada na apelação e, de qualquer modo, por não existirem factos para concluir desse modo, ou seja, que a servidão podia ser coactivamente imposta (por encravamento do prédio dominante).
[9] BMJ 136-142 e 143.
[10] Ob. Cit, 676.
[11] Ob. Cit., 488 e 489.
[12] Carvalho Fernandes, Ob. Cit., 475.
[13] Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 484/2010 – que não julgou inconstitucional a norma dos nºs 2 e 3 do art. 1569º do CC, interpretados no sentido de que a servidão predial constituída por destinação do pai de família não é susceptível de extinção por desnecessidade – "a manutenção da servidão, apesar da desnecessidade objectiva superveniente (representa) uma conformação do direito referível à autonomia da vontade do proprietário (o «pai de família» que assim o «destinou» no momento da transmissão) e não uma restrição ou limitação coactiva do direito de propriedade privada resultante da lei". Aliás, acrescenta-se, "o que se apresenta é um conflito de pretensões que o legislador solucionou de modo não arbitrário".
[14] Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, 673.
[15] Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 412.
[16] Menezes Cordeiro, Ob. Cit., 415; no mesmo sentido Menezes Leitão, Ob. Cit., 184, e Oliveira Ascensão, Ob. Cit., 196. Conclui este Autor que o art. 334º é a tradução na legislação ordinária do princípio da função social. Cfr. também Cunha de Sá, Abuso do Direito, 222 e segs.