Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1234/06.0TASTS.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO FRÓIS
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
INCAPACIDADE
Apenso:
Data do Acordão: 01/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 173
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - É admissível o recurso para o STJ, limitado à parte cível, face ao estatuído no art. 400.º, n.º 3, do CPP (redacção vigente, dada pela Lei 48/2007, de 29-08), quando o pedido é superior à alçada do tribunal da Relação e a sucumbência superior a metade desse valor.

II - Danos não patrimoniais são os que são insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.

III - Para determinar o montante de indemnização por danos não patrimoniais, há que atender à sensibilidade do indemnizado, ao sofrimento por ele suportado e à sua situação sócio-económica; e há também que tomar em linha de conta o grau de culpa do agente, a sua situação sócio-económica e as demais circunstâncias do caso.

IV -Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para correcção do direito, em ordem a que se tenha em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.

V - A indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.

VI - Considerando que:
- na sequência do acidente dos autos, o demandante sofreu traumatismo cranioencefálico, forte traumatismo nas costas, na cabeça, na orelha esquerda e no punho esquerdo, zonas onde ficou com feridas a sangrar, com outras feridas contusas e padeceu de abrasão no joelho esquerdo;
- o demandante correu perigo de vida;
- foi transportado de ambulância para um hospital, de onde saiu, pouco depois e quase inconsciente, para um outro, porque o seu estado de saúde era grave e exigia intervenção médica mais qualificada e que não estava disponível no primeiro hospital;
- esteve internado durante 8 dias;
- após o internamento hospitalar, esteve em casa, doente e sem poder trabalhar;
- só passados 117 dias foi considerado curado e regressou ao trabalho;
- ficou portador de cicatrizes várias;
- ficou com sequelas neurológicas do traumatismo cranioencefálico, tais como irritabilidade fácil e outras alterações súbitas de humor, pequenas alterações da memória, intolerância ao ruído e dores de cabeça frequentes, especialmente em situações de stress;
- essas lesões tornam mais penoso o trabalho do demandante e obrigam-no a maior esforço na sua profissão habitual de operário fabril não especializado, com incapacidade parcial permanente de 6%;
- as cicatrizes corporizam dano estético mediano, prejudicando ligeiramente a afirmação pessoal e afectiva do queixoso, nomeadamente para interagir com mulheres, além de o desgostarem, mas não se traduzem em prejuízo de qualquer ordem para a sua actividade profissional;
- antes do acidente o demandante tinha boa saúde e era indivíduo sem defeito físico aparente, tendo, à data do incidente, 27 anos de idade;
- o arguido é pessoa com pouca integração social e é pobre;
afigura-se justa e equilibrada a indemnização arbitrada no acórdão recorrido, do montante de € 35.000, respeitante aos danos de natureza não patrimonial decorrentes das sequelas permanentes que afectam o demandante.

VII - Igualmente se afigura justa e equilibrada a indemnização relativa aos danos morais do demandante no período de doença e até à alta clínica, fixada em € 10.000.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No Círculo Judicial de Santo Tirso, no processo comum colectivo nº 1234/06.OTASTS, foi submetido a julgamento perante tribunal singular, o arguido:

– AA, melhor identificado nos autos, a quem era imputada a prática, como autor material e em concurso real, de:

- Um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º-1, 146º-1 e 2 e 132º-2-g, do C. Penal; e
- Um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artigo 200º, nºs 1 e 2 do C.P.

Deduziu pedido cível contra a seguradora A... Portugal – Companhia de Seguros SA, o demandante civil:

- BB, pedindo que aquela fosse condenada a pagar-lhe a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência do acidente em causa, a quantia total de € 94. 041,29.


A final, foi proferida sentença em 04.03.2009 que, além do mais:

Na Parte Penal:

- Condenou o arguido CC:

A) Como autor material, de um Crime de Ofensa à Integridade Física por Negligência, p. e p. pelos arts. 148º nºs. 1 e 2 e 144º-d), do Código Penal, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €2,00 (dois euros);
B) Como autor material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artigo 200º, nºs 1 e 2 do C.P. na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €2,00;
C) Na pena única resultante do cúmulo das penas referidas em A) e B), fixada em 310 (trezentos e dez) dias de multa à taxa diária de €2,00, no total de € 620,00 (seiscentos e vinte euros), com 206 (duzentos e seis) dias de prisão subsidiária, se não pagar a multa e se não prestar trabalho a favor da comunidade.
Foi ainda o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir todo o tipo de veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano.

Na Parte Cível:

Julgou parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado e, em consequência, condenou a demandada A... - Companhia de Seguros, SA, a pagar ao demandante BB a quantia de € 60.558, 35, acrescida de juros à taxa legal anual de 4%, contados desde 16.04.2008 e até integral pagamento.

À demandada A..., foi reconhecido o direito de regresso sobre o arguido de tudo o que vier a pagar ao queixoso e de tudo o que vier a suportar em virtude do sinistro de 07.06.2006.

Inconformada com essa decisão, interpôs recurso para a Relação do Porto, a demandada A... - Companhia de Seguros, SA, pugnando pela redução do valor da indemnização.

Por acórdão daquela Relação, proferido em 24.07.2009, o recurso da demandada/seguradora foi julgado parcialmente procedente e, em consequência, o pedido de indemnização formulado por BB foi julgado parcialmente procedente e a demandada foi condenada a pagar-lhe a quantia de € 558,35 (quinhentos e cinquenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos - como havia fixado a 1ª instância) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora á taxa legal de 4/%, desde a data da notificação do pedido cível até integral pagamento, bem como o montante de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros – e não € 60.000,00, como fora fixado na 1ª instância) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros á taxa legal, desde a data da decisão (e não, desde 16.04.2008, data da notificação do correspondente articulado, isto é, do pedido), até integral e efectivo pagamento.


Inconformada com tal decisão, interpôs recurso do respectivo acórdão e para este STJ a demandada A... PORTUGAL - Companhia de Seguros, SA, – pugnando pela alteração da decisão com a consequente redução da indemnização.


A recorrente - demandada A... PORTUGAL - Companhia de Seguros, SA conformou-se com a indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais, que lhe não suscita qualquer reparo.
Por isso, limita o recurso ás indemnizações e aos montantes indemnizatórios arbitrados ao ofendido a título de danos não patrimoniais, considerando excessivo o montante de € 10.000,00 (dez mil euros) arbitrado (em ambas as instâncias) para ressarcimento dos danos correspondentes ao período de doença e até à alta clínica, num total de 117 dias, peticionando a sua redução para valor que não exceda € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), que considera mais correcto e equilibrado.
Reputa também exagerada a indemnização de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) arbitrada no acórdão recorrido (Relação) como compensação moral pela IPP de 6% sofrida e pelos inerentes esforços adicionais e acréscimo de penosidade na profissão do demandante, pretendendo a sua redução para valor não superior a € 10.000,00 (dez mil euros).

Termina a respectiva motivação com as seguintes - - - - - - - - - - - - - - - -

Conclusões:

1. Pese embora a diminuição da indemnização por não danos não patrimoniais decorrentes da IPP, determinada pelo douto acórdão recorrido, a mesma mantém-se muito exagerada;
2. Com efeito, a justa indemnização, a fixar, como compensação moral pela referida IPP, de 6% apenas, não deverá exceder os 10.000,00 euros;
3. Igualmente, no segmento em que foi mantida inalterada a douta sentença de primeira instância, permanece o exagero indemnizatório da quantia arbitrada para compensar o sofrimento e a dor durante o período de doença e até à alta clínica;
4. Cifrando-se este período num total de 117 dias, afigura-se à recorrente que será justo, correcto e equilibrado um montante que não exceda 2.500,00 euros;
5. O douto acórdão recorrido violou, além do mais, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 559°, 562°, 564° e 566°, do Código Civil;
6. 0 Tribunal "a quo" interpretou e aplicou tais normas no sentido exposto no referido acórdão, condenando a recorrente numa indemnização manifestamente excessiva;
7. A única interpretação correcta de tais preceitos era a que resultaria na atribuição de montantes de indemnização que não se afastassem dos agora preconizados.

Respondeu o recorrido, demandante civil BB, pugnando pela manutenção do decidido.
Sem formular conclusões, alega, em resumo:
1 O douto acórdão do Tribunal “a quo” decidiu indemnizar o recorrido de uma forma ponderada e justa, tendo em conta as características e gravidade dos danos sofridos e a sua projecção na vida futuro do recorrido, agravando gravemente a qualidade de vida deste e a sua capacidade de ganho.
2 Por isso, os montantes fixados foram atribuídos ao recorrido não como danos patrimoniais mas como danos morais, sendo fixado um montante razoável tendo em conta o estado físico e psicológico em que aquele se encontra.
3 Importa ter em conta que, em consequência do acidente, o recorrido passou a ter alterações de memória, irritabilidade fácil, intolerância ao ruído e dores de cabeça frequentes, para além de ter pelo corpo enormes cicatrizes, pelo que a vida daquele nunca mais foi a mesma, nem a capacidade para trabalhar, motivo por que até está desempregado.
4 O douto acórdão recorrido, se de algum modo pecou, foi por moderação, pois o montante indemnizatório fixado representa a quantia mínima para compensar o recorrido de todos os prejuízos passados, presentes e futuros de que foi vítima e que até á data a recorrente não ousou indemnizar.


O Exmº Magistrado do Mº Pº junto deste Supremo Tribunal teve vista do processo e nada requereu dado o recurso ser limitado à parte cível.

O Direito:

Antes do mais deve dizer-se que não é suscitada a questão da admissibilidade do recurso e bem, pois, sendo ele – como é – limitado á parte cível, face ao estatuído no artigo 400º-3 do CPP (redacção vigente, dada pela lei 48/2007, de 29 de Agosto) dúvidas não há que o recurso é legalmente admissível, pois o pedido é superior á alçada do tribunal e a sucumbência superior a metade desse valor.

Por outro lado, está assente que o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do arguido, condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula 04-92-HT.

Apreciemos então as questões suscitadas neste recurso, a julgar em conferência uma vez que não foi requerida audiência – artigo 419º-3-c) do CPP:

Face às “conclusões” formuladas nas motivações de recurso apresentadas – que, como é sabido, delimitam o âmbito e o objecto do recurso - são as seguintes as questões a decidir:

1 - A indemnização respeitante aos danos morais do demandante no período de doença e até á alta clínica (fixada por ambas as instâncias em € 10. 000,00), deve ser fixada em € 2.500,00?

2 - A indemnização respeitante aos danos de natureza não patrimonial decorrentes das sequelas permanentes que afectam o demandante (fixada na 1ª instância em € 50.000,00 e reduzida na Relação para € 35.000,00), deve ser fixada em quantia não excedente a € 10.000,00?

Vejamos então.

A matéria de facto está assente, constando dos seguintes - - - - - - - - - - - - - - -

Factos Provados:

No acórdão recorrido tiveram-se como provados os seguintes factos:

Pelas 6h40m do dia 7/6/2006, o queixoso BB seguia pela berma da Estrada Nacional 14 na sua bicicleta, no sentido Trofa-Porto, com destino ao seu local de trabalho.
Atrás do queixoso e no mesmo sentido seguia o arguido, ao volante do seu automóvel ligeiro de passageiros ...-...-HT, à velocidade de 60 quilómetros por hora.
O arguido adormeceu momentaneamente e deixou de controlar o automóvel, o qual inflectiu ligeiramente a marcha para o lado direito, numa zona onde a estrada tem traçado recto.
Com o arguido adormecido e sem qualquer travagem ou abrandamento, o automóvel, ao quilómetro 16,8 da referida estrada, área do concelho da Trofa, invadiu a berma do seu lado direito e aí colidiu violentamente e em cheio, com a parte dianteira, na traseira da bicicleta onde seguia o queixoso, o qual nem sequer se apercebeu da aproximação do automóvel.
O arguido acordou com o estrondo do embate, ao mesmo tempo que o queixoso e a bicicleta eram projectados pelo ar durante vários metros, percebendo imediatamente o arguido que tinha colidido num ciclista e que esse ciclista ou estava muito ferido ou estava morto, tendo-o visto caído na estrada, inanimado, em cima da linha que delimita a berma direita.
O arguido não parou e nem sequer reduziu sensivelmente a velocidade, tal como não providenciou, de qualquer outra forma, pelo socorro do queixoso, afastando-se no automóvel e fugindo do local. Foram outras pessoas, que chegaram imediatamente ao local do sinistro, quem socorreram o queixoso e chamaram uma ambulância.
O arguido conduzia no momento do incidente com uma taxa de álcool no sangue de 0,8 gramas de álcool por litro de sangue, tendo essa circunstância contribuído para o facto de ter adormecido enquanto conduzia.
O arguido agiu livre e voluntariamente ao omitir qualquer tipo de auxílio ao queixoso e ao fugir do local, sabendo que estava obrigado a socorrer imediatamente o queixoso e a aguardar no local pela chegada das autoridades.
O arguido, cerca de uma hora depois, por sua iniciativa, compareceu no posto da Guarda Nacional Republicana da Trofa, onde descreveu o sucedido.
Entretanto, o queixoso foi prontamente transportado de ambulância ao Hospital Conde de São Bento, em Santo Tirso, de onde saiu, pouco depois e quase inconsciente, em direcção ao Hospital de São João, no Porto, uma vez que o seu estado de saúde era grave e exigia intervenção médica de emergência, mais qualificada, que não estava disponível naquele primeiro hospital.
O queixoso padeceu traumatismo crânio encefálico no incidente e correu perigo de vida. Ainda sofreu forte traumatismo que o atingiu nas costas (na região toráxica), na cabeça, na orelha esquerda e no punho esquerdo, zonas onde ficou com feridas a sangrar, com outras feridas contusas e com cortes, bem como padeceu abrasão no joelho esquerdo.
Esteve internado no Hospital de São João durante 8 dias.
Após o internamento hospitalar esteve em casa doente e sem poder trabalhar e só no dia 2/10/2006, ou seja ao fim de 117 dias, foi considerado curado, regressando então ao trabalho.
Durante dois meses o queixoso padeceu dores muito fortes, além de ter padecido grande abalo psíquico, tanto com o próprio incidente, como com as suas decorrências imediatas.
Ficou portador de uma cicatriz na orelha esquerda com 5 centímetros de extensão, outra cicatriz com 7 centímetros na região occipital esquerda, cicatrizes várias dispersas pelo tórax, a abrangerem uma área de 20 por 10 centímetros, tendo a maior delas 10 centímetros de extensão, outras cicatrizes na região do pulso esquerdo, tendo a de maior dimensão 4 centímetros, e outra cicatriz de 6 por 3 centímetros no joelho esquerdo.
O queixoso ainda ficou com sequelas neurológicas do traumatismo encefálico, como sejam irritabilidade fácil e outras alterações súbitas do humor, pequenas alterações da memória, intolerância ao ruído e dores de cabeça frequentes, especialmente em situações de stress, lesões essas que tornam mais penoso o seu trabalho e o obrigam a maior esforço na sua profissão habitual de operário fabril não especializado, com incapacidade parcial permanente de 6%.
Por seu turno, as cicatrizes descritas corporizam dano estético mediano, prejudicando ligeiramente a afirmação pessoal e afectiva do queixoso, nomeadamente para interagir com mulheres, além de o desgostarem, mas não se traduzem em prejuízo de qualquer ordem para a sua actividade profissional.
Antes do incidente, o queixoso tinha boa saúde e era indivíduo sem defeito físico aparente, tendo à data do incidente 27 anos de idade.
Era então operário fabril na ASV Stubbe Portuguesa, Limitada, com vencimento mensal de 496€, pago 14 vezes por ano.
A sua entidade patronal não lhe pagou vencimentos até 2/10/2006, no total de 2.254,20€, mas a própria ré, ao abrigo de seguro de acidentes de trabalho que celebrou com aquela ASV Stubbe Portuguesa, Limitada, pagou-lhe a verba de 1.977,89€ para o compensar pela perda de vencimentos naquele período.
Em despesas médicas e medicamentosas o queixoso gastou 160,04€ e viu a bicicleta totalmente inutilizada no incidente, com um prejuízo de 72€, além de inutilizar roupa e calçado no incidente no valor de 50€.
O arguido é imigrante em Portugal desde o ano de 2001, com situação neste país regularizada, sendo pai de duas filhas que têm 18 e 9 anos de idade, as quais se encontram a seu cargo e a cargo da sua mulher. Esta última é ajudante de cozinha, auferindo o salário mínimo nacional, ao passo que o arguido recebe subsídio social de desemprego de 323€ por mês. Até há cerca de um ano o arguido era operário fabril. Vive em casa arrendada, com renda mensal de 220€. É pessoa com pouca integração social e é pobre.
A demandada A... garantia por contrato de seguro de responsabilidade civil, os riscos de circulação do automóvel ...-...-HT.

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Ambas as questões a decidir respeitam ao montante dos danos de natureza não patrimonial.
Uns, relativos ao período de doença do demandante e até á alta clínica: 117 dias.
Outros, relativos às sequelas permanentes que afectam o demandante.

Estatui o nº 3 do artigo 496º do Código Civil (danos não patrimoniais) que “ o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494 (grau de responsabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – parêntesis nosso).

As circunstâncias referidas no citado nº 3 do artigo 496º do C. Civil integram a gravidade da lesão – V. Serra, RLJ, 113º, 96.

Danos não patrimoniais são os que são insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.

É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, pág. 576, Vaz Serra, RLJ, ano 109, pág. 115, acórdãos do STJ de 26-06-1991, BMJ 408, 538, de 9-12-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 137; de 11-07-2007, processo n.º 1583/07-3ª, de 26-06-2008, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 131.

Como se extrai do acórdão de 17-11-2005, recurso n.º 3436/05, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 127 “A apreciação da gravidade do dano embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana”.

Não há quaisquer dúvidas acerca da ressarcibilidade dos danos em apreço, nem a questão é colocada, cingindo-se a discordância ao montante a atribuir.

Estamos perante danos não patrimoniais cuja gravidade os torna merecedores de tutela jurídica.

Para determinar o montante de indemnização por danos não patrimoniais, há que atender à sensibilidade do indemnizando, ao sofrimento por ele suportado e à sua situação sócio-económica. E há também que tomar em linha de conta o grau de culpa do agente, a sua situação sócio-económica e as demais circunstâncias do caso.

Relativamente aos danos não patrimoniais próprios, há que ter em atenção que a indemnização pelos danos não patrimoniais visa, simultaneamente, compensar o lesado e sancionar o lesante.

E, como refere alguma jurisprudência, equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.

Visa a lei, no dano não patrimonial, proporcionar ao lesado uma compensação para os sofrimentos que a lesão lhe causou, contrabalançando o dano com a satisfação que o dinheiro lhe proporcionará (Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., pág. 115).

Como se refere no Ac. deste STJ de 16.04.91, in BMJ 406, 618 “O artigo 496º do C. Civil fixou-se definitivamente não numa concepção materialista da vida, mas num critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada, adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado. Assim, será o tribunal que, equitativamente, terá de fixar quais os danos relevantes e qual a indemnização que lhe corresponderá, de harmonia com as circunstâncias de cada caso, o que importará numa certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer indemnização rigorosa e precisa”

Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, (CC Anot., Vol. I, 2ª Ed., pág. 435) o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado...segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”

Também Leite de Campos (A Indemnização do Dano da Morte, pág. 12) ensina que nos danos não patrimoniais “a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de determinação exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Aqui, mais do que nunca, nos encontramos na incerteza, inerente a um imprescindível juízo de equidade.”

Sem se cair em exageros, a indemnização, como refere certa jurisprudência, “deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico” impondo-se que a jurisprudência caminhe seguramente para indemnizações não miserabilistas.

Alguma jurisprudência defende uma intervenção do tribunal de recurso limitada e restrita na fixação deste tipo de danos, não se justificando essa intervenção caso se entenda que a indemnização foi adequadamente fixada, sendo reveladora de bom senso.

Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» – Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º - «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» – só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos.

Neste sentido podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2000, processo n.º 2747/00-5ª; de 29-11-2001, processo n.º 3434/01-5ª; de 16-05-2002, processo n.º 585/02-5ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02-5ª; de 08-05-2003, processo n.º 4520/02-5ª; de 17-06-2004, processo n.º 2364/04-5ª; de 09-12-2004, processo n.º 4118/04-5ª; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5ª; de 13-07-2006, processo n.º 2172/06-5ª; de 07-12-2006, processo n.º 3053/06-5ª; de 27-11-2007, processo n.º 3310/07 -5ª; de 06-12-2007, processo n.º 3160/07-5ª; de13-12-2007, processo n.º 2307/07-5ª; de 13-03-2008, processo n.º 2589/07-5ª; de 03-07-2008, processo n.º 1226/08-5ª; de 11-09-2008, processo n.º 587/08-5ª; de 11-02-2009, processo n.º 313/09-3ª; de 25-02-2009, processo n.º 390/09-3ª; de 12-03-2009, processo n.º 611/09-3ª; de 15-04-2009, processo n.º 3704/08-3ª.

No acórdão de 11-07-2006, revista n.º 1749/06-6ª, consignou-se que salvo caso de manifesto arbítrio na fixação da indemnização, o STJ não pode sobrepor-se ao Tribunal da Relação na apreciação do quantum indemnizatório por esta julgado equitativo.

O juízo equitativo é critério primordial e sempre corrector de outros critérios.

Por outro lado, como se disse, há que ter em conta, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.

Como se refere no acórdão do STJ de 23-04-2008, processo n.º 303/08 - 3.ª, “Certo é que a indemnização por danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica” – cfr., entre outros, os acórdãos de 28-06-2007, 25-10-2007, 18-12-2007, 17-01-2008 e 29-01-2008, proferidos nos processos n.ºs 1543/07 - 2.ª, 3026/07 - 2.ª, 3715/07 - 7.ª, 4538/07 - 2.ª, 4492/07 - 1.ª; e de 21-05-2008, processo n.º 1616/08 - 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3ª; de 22-10-2008, processo n.º 3265/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08 - 3ª; de 29-10-2008, processo n.º 3380/08-5ª “o juiz deve procurar um justo grau de compensação, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico”; de 25-02-2009, processo n.º 3459/08-3ª; de 15-04-2009, processo n.º 3704/08-3ª.
Por outro lado, como se diz no ac. deste STJ de 28.02.2008 in www.dgsi.pt/jstj “nada impede que ... se arbitre indemnização por danos não patrimoniais, a uma vítima sobrevivente de um acidente de viação, superior ao montante médio atribuído pela jurisprudência ao dano morte”.
Voltando ao caso em análise:

Decorre da matéria de facto assente e com relevância para a decisão em causa, que, por um lado, as lesões sofridas pelo demandante, em consequência do acidente dos autos, não são lesões diminutas, ou sem importância.
Antes pelo contrário.
São lesões de alguma gravidade, que lhe provocaram traumatismo crânio encefálico.
Provocaram-lhe ainda forte traumatismo que o atingiu nas costas (na região toráxica), na cabeça, na orelha esquerda e no punho esquerdo, zonas onde ficou com feridas a sangrar, com outras feridas contusas e sem cortes e padeceu de abrasão no joelho esquerdo.
O demandante correu perigo de vida.
Foi transportado de ambulância ao Hospital Conde de São Bento, em Santo Tirso, de onde saiu, pouco depois e quase inconsciente, para o Hospital de S. João, Porto porque o seu estado de saúde era grave e exigia intervenção médica mais qualificada e que não estava disponível no primeiro hospital.
Esteve internado no Hospital de S. João durante 8 dias.
Após o internamento hospitalar, esteve em casa, doente e sem poder trabalhar.
Só passados 117 dias (no dia 02 de Outubro de 2006) foi considerado curado.
Só então regressou ao trabalho.

Por outro lado, resulta ainda da matéria de facto assente e com relevância para a decisão em causa, que, em consequência das lesões sofridas com o acidente dos autos, o demandante ficou portador de uma cicatriz na orelha esquerda com 5 centímetros de extensão.
Outra cicatriz com 7 centímetros de extensão, na região occipital esquerda.
Cicatrizes várias, dispersas pelo tórax, a abrangerem uma área de 20 centímetros por 10 centímetros, tendo a maior delas, 10 centímetros de extensão.
Outras cicatrizes na região do pulso esquerdo, tendo a maior, dimensão de 4 centímetros.
Outra cicatriz de 6 centímetros por 3 centímetros, no joelho esquerdo.
O demandante ficou ainda com sequelas neurológicas do traumatismo crânio encefálico, como sejam, irritabilidade fácil e outras alterações súbitas de humor, pequenas alterações da memória, intolerância ao ruído e dores de cabeça frequentes, especialmente em situações de stress.
Essas lesões, tornam mais penoso o trabalho do demandante e obrigam-no a maior esforço na sua profissão habitual de operário fabril não especializado, com incapacidade parcial permanente de 6%.
As cicatrizes descritas corporizam dano estético mediano, prejudicando ligeiramente a afirmação pessoal e afectiva do queixoso, nomeadamente para interagir com mulheres, além de o desgostarem, mas não se traduzem em prejuízo de qualquer ordem para a sua actividade profissional.

Ora, provado está também que antes do incidente, o queixoso tinha boa saúde e era indivíduo sem defeito físico aparente, tendo à data do incidente 27 anos de idade.
Era então operário fabril na ASV Stubbe Portuguesa, Limitada, com vencimento mensal de 496€, pago 14 vezes por ano.
O arguido é imigrante em Portugal desde o ano de 2001, com situação neste país regularizada, sendo pai de duas filhas que têm 18 e 9 anos de idade, as quais se encontram a seu cargo e a cargo da sua mulher. Esta última é ajudante de cozinha, auferindo o salário mínimo nacional, ao passo que o arguido recebe subsídio social de desemprego de 323€ por mês. Até há cerca de um ano o arguido era operário fabril. Vive em casa arrendada, com renda mensal de 220€. É pessoa com pouca integração social e é pobre.

Há pois, que sopesar tudo isto na indemnizar a fixar, recorrendo para tanto à equidade, o que não é fácil.
No acórdão recorrido foi fixada uma indemnização global a título de danos não patrimoniais, de € 45.000,00.
Quid juris?
Quanto aos danos resultantes das lesões sofridas, constata-se que tais lesões – e respectivas consequências – são as que estão descritas nos factos provados, supra transcritos.
Tais lesões, como se disse, revestem alguma gravidade – delas resultaram sequelas de natureza estética (várias cicatrizes, umas na orelha esquerda, outras na região occipital esquerda, outras no tórax a abrangerem uma área de 20 cm por 10 cm e outras ainda na região do pulso esquerdo e no joelho esquerdo) que sem poder dizer-se que constituem desfiguração grave, integram, sem dúvida, um dano estético mediano, que lhe causam desgosto, mas não acarretam qualquer prejuízo para o exercício da sua actividade profissional.
Daquelas lesões resultou ainda irritabilidade fácil e outras alterações súbitas do humor e também pequenas alterações da memória, intolerância ao ruído e dores de cabeça frequentes, sobretudo em situações de stress.
Tais sequelas são para toda a vida do demandante e causam sofrimento físico e psíquico (emocional) ao demandante.
Provocam também, naturalmente, prejuízo para a auto-estima e afirmação pessoal do mesmo, na medida em que daquelas sequelas neurológicas decorre maior dificuldade do demandante quer no relacionamento social quer na própria família.
E essas mesmas sequelas neurológicas tornam mais penoso o trabalho de operário fabril do demandante, obrigando este a despender maior esforço nessa profissão, com IPP (Incapacidade Parcial Permanente) de 6%.
Porém, porque tal IPP de que o demandante ficou afectado não se traduz em privação da capacidade de ganho, nem implica que aquele tenha de abandonar mais cedo do que o normal, a profissão que exerce, tal IPP foi indemnizada como dano de natureza não patrimonial e não como dano patrimonial (o que foi aceite pelo demandante, que aceitou a decisão e também pela seguradora demandada/recorrente que, nesse aspecto, não questiona a decisão recorrida).

Sendo assim, face ao quadro de sofrimento físico-psíquico do demandante, que á data do acidente tinha 27 anos, afigura-se-nos equilibrada e justa a indemnização arbitrada no acórdão recorrido, do montante de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) respeitante aos danos de natureza não patrimonial decorrentes das sequelas permanentes que afectam aquele.
Por isso, se mantém.

No que respeita á indemnização relativa aos danos morais do demandante no período de doença e até á alta clínica (117 dias), a indemnização fixada no acórdão recorrido (€ 10.000,00) afigura-se-nos igualmente justa e adequada.
Por isso, também não merece censura.

Na verdade, quanto a esse aspecto, há que ter em atenção a gravidade das lesões sofridas (designadamente o traumatismo crânio-encefálico) e que o demandante correu perigo de vida.
Por outro lado, sobretudo em virtude daquele traumatismo, nos primeiros 8 dias (daquele período temporal de 117 dias) em que o demandante esteve internado, a doença foi bastante aguda.

Acresce que naquele período e até ter alta, o demandante sofreu naturalmente muitas e fortes dores.

E sofreu naturalmente grande angústia não só por ter sentido a vida em perigo mas também, naturalmente, por recear a eventualidade de ficar com sequelas físicas e psíquicas muito graves.

Por isso se mantém também a indemnização fixada quanto a este aspecto no acórdão recorrido (que, neste segmento, manteve o montante arbitrado na 1ª instância).

Decisão:

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se em € 45.00,00 (quarenta e cinco mil euros) o montante (global) da indemnização a pagar pela demandada A... Portugal – Companhia de Seguros, SA ao demandante BB, a título de compensação por danos de natureza não patrimonial, decorrentes do acidente referido nestes autos.

Custas pela recorrente/demandada A... – Companhia de Seguros SA.

Lisboa, 6 de Janeiro de 2010
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar