Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1668/15.9T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PLURALIDADE SUBJECTIVA SUBSIDIÁRIA
REVELIA
CONFISSÃO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
Data do Acordão: 01/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / LEGITIMIDADE DAS PARTES – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / REVELIA DO RÉU.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 3ª Edição, 1981, p. 12;
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, p. 235 e 236;
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, p. 348-349;
- José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, p. 409;
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 299-300;
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, Vol I, Almedina, 2001, p. 448.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 39.º, 563.º, 567.º, N.º 1 E 568.º, ALÍNEA A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 2.º.
CONSÓRCIO E ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO, APROVADO PELO DL N.º 231/81, DE 28-07: - ARTIGOS 21.º E 24.º, N.º 1.
Sumário :  
I. No âmbito de uma ação intentada sobre o mesmo pedido contra dois réus, no quadro da pluralidade subjetiva subsidiária prevista no artigo 39.º do CPC, não ocorre interesse comum entre o réu principal e o réu subsidiário, mas antes interesses contrapostos, assistindo a cada um deles um interesse próprio em contradizer a pretensão assim deduzida.

II. Por isso, o réu principal não dispõe de legitimidade para assumir a defesa do réu subsidiário, contrariando a sua própria defesa.

III. Ademais, não se divisa que possa existir o risco de se darem, simultaneamente, como provados e não provados os mesmos factos essenciais, na medida em que, tratando-se de pretensão subjetivamente subsidiária, a prova dos factos imputados ao réu principal sobrepõe-se ou torna irrelevante a prova dos mesmos factos imputados ao réu subsidiário.

IV. Nessa medida, ao réu principal, citado pessoal e regulamente, mas em situação de revelia absoluta, não aproveita a defesa deduzida pelo réu subsidiário, nos termos do artigo 568.º, alínea a), parte final, do CPC.  

V. Neste caso, os factos pessoalmente imputados ao réu demandado em via principal têm-se por assentes por efeito legal da confissão ficta nos termos do artigo 567.º, n.º 1, não excluído pelo disposto no artigo 568.º, alínea a), ambos do CPC.

VI. A interpretação e aplicação do artigo 568.º, alínea a), parte final, do CPC no sentido do não aproveitamento pelo réu principal da defesa do réu subsidiário não se mostram violadoras do princípio da confiança ínsito na ideia do estado de direito proclamada no artigo 2.º da Constituição, por se conterem dentro do teor literal e do alcance teleológico daquele normativo, com que o réu revel podia e devia contar, para mais ao ter sido citado com a advertência e cominação prescritas nos artigos 563.º e 567.º, n.º 1, do CPC.

VII. É qualificável como contrato de associação em participação previsto e regulado nos artigos 21.º e seguintes do Dec.-Lei n.º 231/81, de 28-07, a situação, como a dos presentes autos, em que o 1.º réu associou o autor a um empreendimento imobiliário de loteamento e urbanização de um terreno e venda dos lotes a construir nele, sob promoção daquele e a desenvolver através de uma sociedade comercial (2.ª ré) de que o mesmo réu é sócio-gerente, tendo o autor entregue a esse réu determinado valor contributivo através de cheque e este assumida a obrigação de lhe pagar metade dos lucros que fossem realizados.

VIII. Com tal entrega, no quadro daquela relação jurídica, foi transferido o direito sobre aquele valor contributivo da esfera patrimonial do autor para a do 1.º réu, tendo-se assim por observado o disposto no artigo 24.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 231/81, de 28-07, independentemente do subsequente destino que este réu lhe deu para a esfera patrimonial da sociedade 2.ª ré..

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) intentou, em 09/12/2015, ação declarativa, sob a forma de processo declarativo comum, contra BB (1.º R.) e CC - Sociedade de Construções, Lda (2.ª R.), alegando, no essencial, o seguinte:  

  . O 1.º R. dedica-se à promoção imobiliária, nomeadamente através da 2.ª R., da qual é sócio gerente;

 . Em 2003, o 1.º R. abordou o A. a solicitar ajuda com vista a satisfazer o preço de um prédio rústico sito na …, …, que a 2.ª R. havia adquirido para loteamento, urbanização e ulterior venda dos lotes;

  . O A. satisfez tal solicitação, entregando-lhe, contra obrigação de reembolso, dois cheques: um de € 162.109,31, datado de 23/10/2003, sacado sobre o Banco DD, e outro de € 167.518,00, datado de 04/11/2003, sacado sobre o Banco EE;

 . Dada a confiança então existente entre o A. e o 1.º R., tais empréstimos eram titulados por declarações apostas por este nas fotocópias dos cheques;

   . Porém, o 1.º R. insistiu em associar o A. ao negócio imobiliário que projetara realizar através da 2.ª R., prometendo reembolsá-lo do montante de € 167.518,00 com juros, ficando o remanescente para ser pago no valor de metade das receitas da venda dos lotes a construir, deduzida metade das despesas havidas com a compra do prédio, o loteamento e as obras necessárias;

   . Entre 2003 e 2007, ano em que ocorreu o corte de relações entre A. e 1.º R., este ainda lhe pediu € 60.000,00, a título de empréstimo, reconhecendo ainda dever-lhe honorários no valor de € 100.000,00, tendo, entretanto, efetuado pagamentos ao A. no total de € 197.875,00 para além do montante dos honorários;

   . A partir de 2007, o 1.º R. tem-se recusado a reembolsar o A. do mais, argumentando que o prédio da … é pertença dos dois em partes iguais e que o valor a reembolsar correspondia a metade do valor desse prédio;

  . Além disso, nenhum dos R.R. levou a cabo qualquer loteamento no referido prédio, tendo deixado de lado o projetado empreendimento imobiliário, sem daí produzir nenhuma receita;

  . Em 2013, o A. instaurou uma execução contra o 1.º R. como base no cheque de € 167.518,00, mas este deduziu oposição àquela execução, a qual foi julgada procedente, ali se decidindo que o referido cheque havia sido pago por aquele R. e que o cheque de € 162.109,31 extravasava o objeto desse processo, afastando-se a configuração da entrega deste como empréstimo;

   . Em face disso, as obrigações assumidas perante o A. pelo 1.º R., por si ou em representação da 2.ª R., devem ser configuradas no âmbito de um contrato de associação em participação, em que a contribuição do A. para atividade económica a desenvolver pelo 1.º R. ou pela 2.ª R. sobre o sobredito prédio foi de € 162.109,31;

  . O 1.º R., seja por si, seja em representação da 2.ª R., ao não concorrer para a atividade tida em vista no mencionado contrato de associação, incorre em incumprimento do mesmo, o que constitui justa causa para a sua extinção, além do que, tendo decorrido mais de dez anos sobre a celebração desse contrato, a extinção pode ainda ser declarada por qualquer das partes;

  . Foi nessa base que o A., em 12/11/2015, escreveu aos R.R. uma carta, em que declarou a sua vontade de se desvincular daquele contrato por resolução, invocando justa causa e, subsidiariamente, o decurso dos referidos 10 anos;

   . Tem assim o A. o direito a reaver o capital entregue no valor de € 162.109,31, bem como ao pagamento de juros sobre o mesmo, à taxa de 4%, a título da rentabilidade perdida, no valor de € 78.238,82 em 30/11/ 2015, perfazendo o total de € 240.348,13;

   . Porém, caso se considere que a intenção que presidiu à entrega dos € 162.109,31 foi a de transmitir metade do prédio ao A., então tal corresponderá a um contrato de compra e venda ou contrato-promessa de compra e venda, nulos por falta de forma, também, nesta hipótese, assistindo ao A. o direito à restituição daquele valor acrescido de juros.

    Suscitando dúvida quanto a saber se o 1.º R. agiu por si ou em representação da 2.ª R., o A. concluiu a pedir que:

a) – Fosse condenado o 1.º R. ou, subsidiariamente, a 2.ª R. a pagar-lhe, por incumprimento do contrato celebrado, a quantia total de € 240.348,13, sendo € 162.109,31, a título de capital, e € 78.238,82 de juros vencidos, sem prejuízo dos vincendos desde a citação;

b) – E, caso assim se não entendesse, fosse declarada a nulidade do contrato celebrado entre o A. e o 1.º R. ou a 2.ª R., por falta de forma, e fosse condenado o 1.º R. ou, subsidiariamente, a 2.ª R. a restituir aqueles montantes de capital e juros. 

2. Citados os R.R. regularmente por carta regista com A/R, só a 2.ª R. CC, Ld.ª, apresentou contestação, em que impugnou uma parte substancial dos factos alegados pelo A., tendo, além disso, invocado a exceção de prescrição dos juros peticionados e o abuso de direito do A., sustentando que fora constituída uma sociedade irregular entre as partes.

Nessa base, concluiu pela total improcedência da ação e, subsidiariamente, pela improcedência quanto a tais juros em virtude da respetiva prescrição.    

3. O A. respondeu a pugnar pela improcedência das exceções deduzidas.

4. Findos os articulados, realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador tabelar, relegando-se para final o conhecimento da exceção de prescrição invocada pela 2.ª R., procedendo-se, de seguida, à identificação do objeto do litígio, bem como à enunciação dos factos já tidos por assentes e dos temas da prova a submeter a julgamento.  

5. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 329-339/v.º, de 30/05/2017, a julgar a ação totalmente improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos R.R., tendo-se por prejudicado o conhecimento da prescrição e do abuso de direito invocados.

 6. Inconformado com tal decisão, o A. apelou para o Tribunal da Relação do Porto, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 390-422, datado de 05/03/2018, a julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida no sentido de condenar o 1.º R. BB a pagar ao A. a quantia de € 162.109,31, acrescida de juros de mora, à taxa legal dos juros civis, desde 22/11/2015 até integral pagamento.

 7. Desta feita, vieram ambos os R.R. pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - A sentença não se pronunciou sobre a prescrição e o abuso de direito por parte do A. por a ação ter sido julgada totalmente improcedente, mas, uma vez revogada no sentido da sua procedência parcial, tinha o acórdão recorrido de tomar posição sobre a prescrição e abuso de direito.

2.ª - Se um cheque invocado pelo A. é depositado na conta da R. e o seu sócio gerente o assina como tal, não em nome individual, e se é ela que com esse valor acaba por adquirir um prédio, o negócio existente, seja ele qual for, é entre o A. e essa R. beneficiária direta do cheque, estando os fundamentos do acórdão em oposição com os factos provados, verifica-se uma nulidade;

3.ª - Se o A., conhecido e respeitado advogado, se intitula de comproprietário em diversa correspondência dirigida à outra parte no negócio, não há dúvida que concebeu um contrato de compra e venda e que participava pela metade, atento o valor do cheque que emitira para esse negócio.

4.ª - Se essa qualidade invocada em documento, elaborado e assinado pelo A. e enviado à parte contrária, faz prova plena quanto às declarações nele contidas e que sejam contrárias ao seu interesse;

5.ª - Mais uma vez se verifica nulidade do acórdão por decidir contra documento que a lei qualifica como de prova plena, onde o A. reconhece que é comproprietário e não "parceiro" ou que fez uma "associação em participação";

6.ª - No contrato de “associação em participação”, a contribuição do associado deve ingressar no património do associante quando conste numa contribuição ou transmissão de direito e deve ser atribuído um valor em dinheiro;

7.ª - Não existe “associação em participação” com quem não recebe qualquer quantia em dinheiro do associado e nunca foi associante, pois o beneficiário do cheque e que fez a aquisição do imóvel foi a 2.a R.;

8.ª - Não existe justa causa para resolver um contrato alegado de “associação em participação” se o objeto que estava em causa, era para urbanizar e lotear um terreno, e a Câmara Municipal respetiva, notifica a 2.a R. que não era admitida para o terreno em causa qualquer operação urbanística de loteamento porque o PDM classifica a parcela como de Área Florestal de Produção Condicionada;

9.ª - A única via para o A., e dada a impossibilidade legal do objeto, era pedir a venda ou adjudicação do terreno no qual participava;

10.ª - Constitui abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” o comportamento do A. que, numa relação comercial sempre se reclamou de “comproprietário” de um terreno e depois verificando a impossibilidade legal da operação de loteamento, invoca outro tipo de contrato com os RR. e pede a devolução da quantia que entrega para o negócio com os respetivos juros.

11.ª - A vontade real das partes é aquela que se pode extrair da prova efetuada, sendo importante a que consta de documentos emanados pelas partes.

12.ª - Se o A., como jurista, deu a conhecer à contraparte, por escrito, que era comproprietário do terreno, e foi esse o sentido que admitido pelos R.R., toda a solução do negócio tem de ser encontrada nessa base negocial de propriedade em comum.

13.ª - Se por deficiência o acórdão não se pronuncia sobre a vontade real das partes, pode o STJ sindicar o resultado interpretativo da hipotética vontade das partes.

14.ª - Tendo o negócio sido operado em 2003 e até 2015, sempre o A. se tendo invocado como comproprietário, de que deu conhecimento expresso à outra parte, vale esta declaração emitida e não a figura de “associação em participação” que só veio a invocar em 2015 para resolver o contrato.

15.ª - O que verdadeiramente releva para a qualificação dum contrato, é a tradução da vontade das partes resultante das suas declarações negociais, expressa ou tacitamente emitidas, que permitam descortinar e tipificar a verdadeira realidade negocial.

16.ª - Constitui uma sociedade irregular o contrato verbal entre duas partes, que assumiram o projeto de investimento único na compra e venda de um imóvel em partes iguais, sendo suportadas por ambas as despesas, investimentos realizados e distribuindo entre eles os lucros que viessem a ser realizados na proporção do investimento de cada um;

17.ª - Não há “associação em participação”, pois o A. nunca se associou à atividade dum ou doutro R,;

18.ª - Pois a atividade do R. é professor e dedica-se à promoção imobiliária através da 2.a R. e esta tem por atividade operações de loteamento e compra e venda e tinha outros terrenos para lotear e o objeto do contrato entre eles se confinava a um só terreno;

19.ª - A “associação em participação” tem como escopo a associação duma pessoa à atividade global exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros e perdas do exercício resultante para a segunda;

20.ª - Se foi adquirido um único terreno em partes iguais, que não entrou na disponibilidade de qualquer das partes nesse momento, o seu negócio é só para esse terreno e não para qualquer outra atividade exercida pelos outros R.R.;

21.ª - De facto o 1.º R. nunca teve qualquer imóvel para lotear e o dos autos foi adquirido pela 2.a R.;

22.ª - Logo, está afastada de forma definitiva a associação do A., a qualquer atividade económica exercida pelos RR.;

23.ª - Com efeito, vem a jurisprudência decidindo que deve ser qualificada como de sociedade irregular e não como "associação em participação" o contrato pelo qual duas pessoas puseram em comum bens e indústria para o exercício de uma atividade lucrativa em espírito associativo e no propósito do lucro que entre si repartiriam;

24.ª - A exceção da al. a) do art.º 568.º do CPC contempla todos os casos de pluralidade de réus seja ela de litisconsórcio necessário, voluntário, de coligação ou alternativo;

25.ª - Contudo, o benefício do R. não contestante circunscreve-se à matéria impugnada pelo R. contestante que no caso dos autos foi total;

26.ª - Embora uma sociedade não se confunda com uma pessoa individual, a verdade é que o R. é o único sócio gerente da 2.ª R., ou seja, duas entidades representadas por uma só pessoa;

27.ª - Verificando-se que o R. não contestante delegou tacitamente na 2.ª R. a tarefa de impugnar os factos também no seu interesse;

28.ª - A não ser assim, haveria uma manifesta violação do princípio da confiança que se encontra ligado aos princípios da segurança jurídica e do Estado de direito.

29.ª - O princípio da confiança postula uma ideia de protecção e confiança na ordem jurídica e da atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança no direito das pessoas e nas expetativas que lhes são juridicamente criadas, razão pela qual é inconstitucional a interpretação da norma que pela sua natureza, obvie de forma intolerável ou arbitrária àquele mínimo de certeza e segurança que os cidadãos, a comunidade e o direito têm de respeitar.

30.ª - O princípio de proteção da confiança implica um mínimo de certeza das pessoas e nas expetativas jurídicas que lhe são criadas, não admitindo as afetações arbitrárias ou desproporcionalmente gravosas com os quais o cidadão comum, minimamente avisado não pode razoavelmente contar.

31.ª - A interpretação dada pelo acórdão recorrido à alínea a) do art.º 568.º do CPC de que uma contestação de um R. não aproveita os demais, viola o princípio da confiança consagrado no art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa e é inconstitucional;

32.ª - Destarte, devem ser eliminados os itens 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 39 dos factos acrescentados como provados, só com base na interpretação restritiva da alínea a) do art.º 568.º do CPC, já que tais factos foram contestados pela 2.ª R.;

Pede os Recorrentes que seja revogado o acórdão recorrido e substituído por decisão que reponha integralmente a sentença da 1.ª instância com fundamento em erro de interpretação e aplicação, dado violar:

i) – O disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), ex vi art.º 666.º do CPC;

   ii) – O disposto nos artigos 374.º e 376.º, n.º 1, 236.º, n.º 1 e 2, 238.º, n.º 2, e 334.º do CC, bem como no art.º 24.º, n.º 1, do D.L. n.º 231/81, de 28/7;

   iii) - E ainda, pela interpretação restritiva dada à alínea a) do art.º 568.º do CPC, o princípio da confiança, consagrado no art.º 2.º da Constituição.

 8. O A./Recorrido apresentou contra-alegações a arguir a inadmissibilidade da revista quanto à 2.ª R., por carecer de legitimidade para tal, uma vez que foi absolvida, e a sustentar a confirmação do julgado.

 9. Seguidamente, foi proferido, em conferência, o acórdão de fls. 533-539, datado de 10/09/2018, a pronunciar-se no sentido da não verificação das nulidades do acórdão recorrido invocadas na revista.     

10. Por fim, foi proferido o despacho de fls. 552-554, de 20/10/2018, em que foi rejeitada a revista relativamente à 2.ª R., por falta de legitimidade para tal, e admitida quanto ao 1.º R..

      Colhidos os vistos, importa apreciar e decidir sobre o objeto do recurso.

        

II – Delimitação do objeto do recurso


Do teor das conclusões recursórias em função das quais se delimita o objeto do recurso, as questões a apreciar consistem no seguinte: 

i) – A invocada nulidade do acórdão recorrido com fundamento em omissão de pronúncia sobre as exceções de prescrição e de abuso de direito invocadas na contestação apresentada pela 2.ª R.;

ii) - A invocada nulidade do acórdão recorrido com base em oposição dos seus fundamentos com factos a ter como plenamente provados;

iii) – A questão da pretendida eliminação dos factos aditados como assentes pela Relação nos pontos 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 39 da factualidade consignada no acórdão recorrido, sustentada na interpretação restritiva da alínea a) do art.º 568.º do CPC em violação do princípio da confiança constante do art.º 2.º da Constituição;

iv) – A questão do alegado erro de interpretação e aplicação da factualidade provada, no respeitante à qualificação do contrato de associação em participação;

v) – A questão sobre a alegada não verificação de justa causa de resolução do contrato;

vi) – A questão do invocado abuso de direito.   


III - Fundamentação


1. Factualidade dada como provada


Vem dada como provada a seguinte factualidade:

1.1. O 1.º R. é professor do ensino secundário, mas dedica-se também à promoção imobiliária, nomeadamente através da 2.ª R. – facto tido por assente;

1.2. Esta é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto a “indústria de construção de habitações para venda, operações de loteamento e compra e venda de imóveis” – facto tido por assente;  

1.3. Da qual o 1.º R. é sócio gerente, detendo uma quota do valor nominal de € 79.807,66, correspondente a 80% do capital social – facto tido por assente;

1.4. O A., por sua vez, é advogado e manteve com o 1.º R. uma relação de amizade que durou cerca de 20 anos e que se quebrou no ano de 2007 – facto tido por assente;

1.5. Na fotocópia do cheque de € 162.109,31, o 1.º R. escreveu que “Este cheque foi creditado na conta n.º 40…5 de CCAM da … e destina-se ao pagamento de 50% das despesas com a compra da …. ou da …, sita em …, … e sua urbanização”, datou de 23/10/2003 e assinou sob um carimbo com dizeres “... – O Gerente” – facto tido por assente;

1.6. Enquanto, na fotocópia do cheque de € 167.518,00, o 1.º R. escreveu “Este cheque perfaz um empréstimo de € 175.000,00 (…) que fez o Exm.º. Sr. Dr. AA”, datou de 04/11/2003 e assinou – facto tido por assente;

1.7. Entre 2003 e 2007, ano em que ocorreu o corte de relações entre eles, o 1.º R. ainda pediu ao A. mais € 60.000,00, a título de empréstimo, assim como reconheceu dever-lhe honorários no valor de € 100.000,00, pelo patrocínio judicial dos irmãos – facto tido por assente;

1.8. Mas foi também efetuando pagamentos ao A. que totalizaram € 197.875,00 para além do montante dos honorários – facto tido por assente;

1.9. A partir de finais de 2007, o 1.º R. recusou o reembolso de mais o que quer que fosse, com o argumento de que o prédio da … seria “pertença dos dois em partes iguais” – facto tido por assente;

1.10. E que o restante dinheiro que devia ao A. correspondia ao pagamento de metade da … ou da … – facto tido por assente;

1.11. O A., em 01/08/2013, instaurou contra o 1.º R., com base no cheque de € 167.518,00 - o segundo em data -, execução que correu pela 1.ª Secção de Execução - J5, da Instância Central e Comarca do Porto, sob o n.º 5062/13.8TBMTS – facto tido por assente;

1.12. A oposição aí deduzida pelo 1.º R. veio a ser julgada procedente por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19/03/2015, confirmando a decisão da 1.ª instância – facto tido por assente;  

1.13. Acórdão esse em que, em síntese, se decidiu que o montante titulado pelo cheque € 167.518,00 havia sido pago pelo 1.º R. – facto tido por assente;

1.14. Se julgou provado que o ali executado [aqui 1.º R.] se propôs desenvolver todos os procedimentos tendentes à urbanização/loteamento do terreno... e proceder à sua venda” – facto tido por assente;

1.15. E se afastou a configuração como empréstimo da entrega do montante desse cheque de € 162.109,31 pelo A. ao 1.º R. – facto tido por assente;  

1.16. Admitindo a Relação que, com esse valor, o A. “participava na compra (como “parceiro”, ou comproprietário, ou como associado em participação, ou como resultar de factos que forem eventualmente alegados noutro litígio) da … que seria mais tarde vendida” – facto tido por assente;  

1.17. Em 12/11/2015, o A. escreveu aos R.R. as cartas juntas como docs. 5 e 6 com a petição inicial, e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, declarando-lhes a sua vontade de se desvincular do contrato, por resolução – facto tido por assente;

1.18. Mercê dessa relação de amizade, por várias vezes o A. emprestou ao R. quantias de dinheiro, por vezes vultuosas, para negócios do ramo imobiliário – facto dado como provado em julgamento;

1.19. A 2.ª R. figura como compradora do prédio rústico denominado “… ou …”, sito no lugar da …, em …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº 1124 - …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo1.068, na escritura junta aos autos como doc. n.º 2 com a petição inicial – facto dado como provado em julgamento;

1.20. O 1.º R. solicitou ao A. e que este anuiu a entregar-lhe, a quantia de € 329.627,31 – facto dado como provado em julgamento;

1.21. O A. entregou então ao 1.º R. dois cheques, sendo um de € 162.109,31, datado de 23/10/2003, sacado sobre o Banco DD e outro de € 167.518,00, datado de 04/11/2003, sacado sobre o Banco EE – facto dado como provado em julgamento;

1.22. Dada a confiança existente entre o A. e o 1.º R., os empréstimos eram titulados por declarações apostas por este nas fotocópias dos cheques do A. – facto dado como provado em julgamento;

1.23. O 1.º R. prometeu ao A. reembolsar os € 167.518,00 com juros;

1.24. Nenhum dos R.R. levou a cabo qualquer loteamento no referido prédio, nem lograram vender, ou sequer prometer vender, toda ou parte dele – facto dado como provado em julgamento;

1.25. Os R.R. dedicaram-se, pelo menos a partir de 2008, a um loteamento de grande dimensão, num prédio sito no lugar dos …, freguesia e concelho da …, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º 2022/20100706 – facto dado como provado em julgamento;

1.26. O qual se traduz numa urbanização com 24 lotes, totalizando a área de 20.724,15m2, cujo licenciamento envolveu a cedência ao domínio público de uma área de 24.436,60m2, a doação ao Município de 4 parcelas com a área de 4.744,75 e a prestação duma caução de € 1.400.000,00 – facto dado como provado em julgamento;

1.27. O 1.º R. recebeu a carta que lhe era dirigida, mas não levantou a endereçada à 2.ª R., não obstante advertido na sua carta de que seria enviada outra à mesma R. – facto dado como provado em julgamento;  

1.28. Foi ao 1.º R. que o A. entregou essa importância, através dos já referidos cheques que estão emitidos em nome dele – facto dado como provado em julgamento;

1.29. O 1.º R. apôs na fotocópia do cheque de € 162.109,31, sobre a sua assinatura, o carimbo com a firma da 2.ª R. – facto dado como provado em julgamento;  

1.30. O prédio encontra-se inscrito a favor da 2.ª R., no registo predial e na matriz predial – facto dado como provado em julgamento;

1.31. A entrega, em 2003, da quantia de € 329.627,31, através dos cheques de € 162.109,31 e € 167.518,00, destinava-se satisfazer o preço do prédio denominado … ou da …, que a 2.ª R. havia adquirido no mês de maio, e a contribuir para a atividade a desenvolver sobre o prédio – facto aditado pela Relação, por ser tido como assente em virtude da revelia operante do 1.º R.;

1.32. No qual o 1.º R. tencionava levar a cabo operação de loteamento, através de 2.ª R., com os inerentes trabalhos de urbanização, para ulteriormente, vender os lotes – facto aditado pela Relação, por ser tido como assente em virtude da revelia operante do 1.º R.;

1.33. O 1.º R. associou o A. a esse negócio imobiliário que projetou realizar através da 2.ª R. – facto aditado pela Relação, por ser tido como assente em virtude da revelia operante do 1.º R.;

1.34. Como contrapartida da entrega da quantia de € 162.109,31 o 1.º R. obrigou-se a pagar ao A. metade do lucro da operação imobiliária sobre o referido prédio, isto é, metade das receitas da venda dos lotes resultantes do prédio deduzidas de metade das despesas havidas com a compra, o loteamento e as obras necessárias – facto aditado pela Relação, por ser tido como assente em virtude da revelia operante do 1.º R.;

1.35. O 1.º R. recebeu em 04/11/2003, a importância de € 162.109,31 para a entregar à 2.ª R. e lhe permitir pagar o preço da … ou …, ficando o A. desapossado desse montante – facto aditado pela Relação, por ser tido como assente em virtude da revelia operante do 1.º R.;

1.36. Desde, pelo menos, 2009 a 2015, o 1.º R. não promoveu o loteamento e a venda do prédio, não tendo sido alcançada uma coisa ou outra – facto aditado pela Relação, por ser tido como assente em virtude da revelia operante do 1.º R.;  

1.37. O 1.º R. passou a sustentar que o A. seria comproprietário da …. – facto aditado pela Relação, por ser tido como assente em virtude da revelia operante do 1.º R.;

1.38. Entretanto, decorreram mais de dez anos sobre a celebração do contrato, que não fixou a sua duração, nem determinou as operações em que consistiria – facto aditado pela Relação, por ser tido como assente em virtude da revelia operante do 1.º R.;

1.39. O A. deixou de dispor, ao longo de todo o tempo decorrido, do capital de € 162.109,31 e da rentabilidade que este lhe proporcionaria – facto aditado pela Relação, por ser tido como assente em virtude da revelia operante do 1.º R..


2. Apreciação do objeto da revista


2.1. Das arguidas nulidades do acórdão recorrido


2.1.1. Quanto à invocada omissão de pronúncia

        

   O 1.º R. aqui Recorrente começa por arguir a nulidade do acórdão recorrido por não ter conhecido das exceções de prescrição relativa aos juros peticionados e do abuso de direito deduzidas na contestação apresentada pela 2.ª R., argumentando que a Relação se devia ter ocupado dessa matéria, porquanto, diversamente do que sucedera na 1.ª instância, concluiu pela existência do direito invocado pelo A. quanto àquele R..

  Com efeito, na 1.ª instância, o conhecimento das sobreditas exceções foi tido como prejudicado em virtude da improcedência total da ação, mormente por ali se ter considerado como não provada a matéria de facto pertinente à própria existência dos direitos invocados pelo A..  

 Por sua vez, o tribunal “a quo”, através do acórdão proferido em conferência a fls. 533-539, datado de 10/09/2018, pronunciou-se no sentido da não verificação daquela nulidade, considerando, em síntese, que tais exceções perentórias se traduzem em meios de defesa pessoal da 2.ª R. que, como tal, não aproveitam ao 1.º R. revel, salientando ainda que a questão da prescrição relativa aos juros de mora se mostra irrelevante, na medida em que o 1.º R. só foi condenado nos juros tidos como devidos a contar da sua citação para a ação. E quanto ao abuso de direito foi também referido que nem tão pouco foi carreado para os autos matéria de facto que autorizasse o conhecimento oficioso desta exceção quanto ao mesmo R..


         Vejamos.


  Do artigo 608.º, n.º 2, do CPC emerge o dever de pronúncia sobre todas as questões suscitadas pelas partes e sobre as que incumba ao tribunal conhecer oficiosamente, salvo quando umas e outras se encontrem prejudicadas pela solução dada às demais. A omissão desse dever de pronúncia importa a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do mesmo Código. Tais disposições são também aplicáveis aos acórdãos da Relação por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 666.º, n.º 1, do indicado diploma.

   No caso presente, só a 2.ª R. apresentou contestação, em que, além do mais, deduziu as sobreditas exceções, ficando o 1.º R. em situação de revelia absoluta.    

    Ora, como bem ajuizou o tribunal a quo tais exceções constituem meios de defesa pessoal.

    Com efeito, a exceção de prescrição aproveita a quem dela possa tirar benefício e só pode ser invocada por aquele a quem aproveita, respetivamente nos termos dos artigos 301.º e 303.º do CC. 

  Acresce que, como também considerou o tribunal recorrido, a questão da prescrição dos juros de mora mostra-se irrelevante na medida em que o 1.º R. nem sequer vem condenado senão nos juros de mora tidos por devidos a partir da sua citação para esta ação. 

   Por sua vez, a exceção do abuso de direito deduzida pela 2.ª R. ou mesmo sendo de conhecimento oficioso relativamente ao direito contra ela invocado, não aproveita o 1.º R., sem prejuízo de tal ser oficiosamente equacionado, se for caso disso, em sede do direito que vier a ser reconhecido ao A. sobre este réu.

Assim, tendo as referidas exceções sido invocadas apenas pela 2.ª R. não aproveitam ao 1.º R., independentemente de saber se este, enquanto revel, beneficia da defesa apresentada por aquela R., já que a defesa deduzida por esta impugnante não se estende à matéria de defesa exclusivamente atinente ao réu revel nos termos do artigo 568.º, alínea a), parte final do CPC, não sendo tão pouco lícito ao impugnante deduzir meios de defesa pessoal em representação ou em substituição do co-réu revel.

Nestas circunstâncias, não incumbia ao tribunal a quo ocupar-se dessas exceções, pelo que se tem por não verificado o alegado vício de nulidade do acórdão recorrido baseado em omissão de pronúncia. 

         Termos em que improcede tal arguição do Recorrente.

        

2.1.2. Quanto à nulidade do acórdão recorrido com base em oposição entre os seus fundamentos e factos a ter como plenamente provados


Vem também o Recorrente arguir a nulidade do acórdão recorrido com base em oposição entre os seus fundamentos e factos a ter como provados, nomeadamente por efeito de prova plena, como seriam os indicados nas conclusões 2.ª a 5.ª acima transcritas, sustentando que:

2.ª - Se um cheque invocado pelo A. é depositado na conta da R. e o seu sócio gerente o assina como tal, não em nome individual, e se é ela que com esse valor acaba por adquirir um prédio, o negócio existente, seja ele qual for, é entre o A. e essa R. beneficiária direta do cheque, estando os fundamentos do acórdão em oposição com os factos provados, verifica-se uma nulidade;

3.ª - Se o A., conhecido e respeitado advogado, se intitula de comproprietário em diversa correspondência dirigida à outra parte no negócio, não há dúvida que concebeu um contrato de compra e venda e que participava pela metade, atento o valor do cheque que emitira para esse negócio.

4.ª - Se essa qualidade invocada em documento, elaborado e assinado pelo A. e enviado à parte contrária, faz prova plena quanto às declarações nele contidas e que sejam contrárias ao seu interesse;

5.ª - Mais uma vez se verifica nulidade do acórdão por decidir contra documento que a lei qualifica como de prova plena, onde o A. reconhece que é comproprietário e não "parceiro" ou que fez uma "associação em participação";


A nulidade de sentença fundada em oposição entre os seus fundamentos e a decisão nos termos prescritos no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do CPC, só ocorre quando entre aqueles e esta exista uma relação de recíproca exclusão lógica no quadro do silogismo judiciário a que se reconduz o ato decisório e que se revele obstativa de qualquer juízo de mérito sobre o mesmo.

Nessa linha, têm sido doutrina e jurisprudência correntes que o não atendimento de factos relevantes para a decisão, oportunamente alegados e/ou adquiridos nos autos, não se configura como o referido vício formal de oposição, constituindo, quando muito, erro de julgamento a apreciar já em sede de mérito.

E o mesmo sucede no caso de não terem sido atendidos ou dados como provados factos que se encontrem cobertos por eficácia probatória plena. Neste caso, o que poderá verificar-se é também o vício de erro de julgamento a apreciar em termos de mérito do assim julgado.   


Sucede que as ilações que o Recorrente pretende retirar de elementos de prova documental, nomeadamente de aludida eficácia probatória plena, com incidência preclusiva na factualidade dada por provada inscrevem-se, claramente, na esfera da apreciação livre ou legal das provas, podendo, quando muito, equacionar-se como erro de julgamento, mas nunca em sede do vício formal de contradição previsto no citado artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.    

Improcedem, pois, os arguidos vícios de nulidade do acórdão recorrido com base na invocada oposição entre os seus fundamentos e os factos que o Recorrente considera plenamente provados.


2.2. Quanto às questões de mérito


2.2.1. Quanto à questão da pretendida eliminação dos factos aditados pela Relação nos pontos 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 e 39 da factualidade ali consignada


Como decorre do anteriormente relatado, estamos no âmbito de uma ação em que o A. deduziu:

i) – Em via principal, uma pretensão de condenação do 1.º R. BB, a pagar-lhe a quantia total de € 240.348,13 (€ 162.109,31, a título de capital, e € 78.238,82 de juros vencidos), sem prejuízo dos juros vincendos desde a citação, com fundamento em incumprimento ou caducidade de um alegado contrato de associação em participação, previsto nos artigos 21.º e seguintes do Dec.-Lei n.º 231/81, de 28-07, ou, subsidiariamente, a título de restituição de quantia entregue no âmbito de um pretenso contrato de compra e venda ou de contrato-promessa de compra e venda, nulos por falta de forma;  

b) – E em via subsidiária, uma pretensão de condenação da 2.ª R. CC, Ld.ª. em iguais quantias, com os mesmos fundamentos para a eventualidade de se entender que os referidos contratos foram celebrados com o A. pelo 1.º R, na qualidade de representante da 2.ª R..

          

   Tais pretensões foram deduzidas ao abrigo do artigo 39.º do CPC, sob a invocação de dúvida fundamentada quanto ao sujeito devedor da relação material controvertida.

     Só a 2.ª R. apresentou contestação, ficando o 1.º R., regularmente citado, em situação de revelia absoluta.

   Sucede que, na 1.ª instância, toda a matéria controvertida pela 2.ª R., ali considerada também aproveitável pelo 1.º R. revel, foi submetida à produção de prova, tendo sido, em boa parte, julgada não provada com a consequente absolvição de ambos os R.R. dos pedidos contra eles formulados. 

     Porém, na apelação interposta pelo A., o Tribunal da Relação considerou que a matéria de facto alegada sob artigos 9.º, 10.º, 16.º, 17.º, 18.º, 40.º a 44.º, 47.º a 49.º, 54.º e 61.º da petição inicial, dada como não provada pela 1.ª instância, devia ser considerada assente em relação ao 1.º R. revel, em virtude da falta de contestação deste, por não lhe aproveitar a impugnação da 2.ª R., atenta a condição em que esta vem demandada a título de pretensão subjetiva subsidiária a coberto do artigo 39.º do CPC.

    Nessa base, em face dos factos por tal via dados como assentes e aditados sob os pontos 31 a 39 da factualidade então consignada no acórdão recorrido, foi considerada provada e procedente a pretensão deduzida, a título principal, contra o 1.º R., julgando-se verificada a resolução, por incumprimento, do alegado contrato de associação em participação celebrado entre o mesmo R. e o A., sendo, por isso, aquele condenado a pagar a este a quantia de € 162.109,31, acrescida de juros de mora, à taxa legal dos juros civis, desde 22/11/2015 (data da citação) até integral pagamento.


Vem agora o 1.º R. interpor a presente revista a pugnar, além do mais, pela eliminação dos sobreditos factos, sustentando que a impugnação deles feita pela 2.ª R. lhe aproveita em resultado da revelia inoperante estatuída no artigo 568.º, alínea a), do CPC, argumentado que a interpretação restritiva deste normativo feita pelo tribunal a quo viola o princípio da confiança consagrado no artigo 2.º da Constituição.


Não sofre dúvida de que o 1.º R. foi citado regularmente mediante carta registada com A/R. e que só a 2.ª R. apresentou contestação, o que significa que aquele passou a estar em situação de revelia absoluta, nos termos do artigo 566.º do CPC.

Ora, de acordo com o preceituado no artigo 567.º, n.º 1, do mesmo Código, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor quando o réu se encontre em tal situação de revelia.

Todavia, o artigo 568.º, alínea a), do indicado diploma preceitua que não se aplica o disposto no artigo anterior [art.º 567.º]:

Quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.     

   Este normativo corresponde ao artigo 485.º, alínea a), do CPC na versão anterior à Reforma aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, sendo que a restrição expressas constante da sua parte final foi introduzido pela Reforma daquele Código em 1961.

    Assim, quando haja vários réus, quer se trate de litisconsórcio necessário ou voluntário, quer se trate de coligação, a contestação de qualquer deles aproveitará aos co-réus revéis, mas só relativamente aos factos impugnados pelo réu contestante. E mantém-se tal aproveitamento mesmo que, posteriormente, este réu contestante desista da instância ou do pedido, mas já não assim se a contestação for rejeitada por extemporaneidade ou por falta de requisitos externos, ou se, por exemplo, o contestante for julgado parte ilegítima[1].

   Segundo Alberto dos Reis[2], o aproveitamento da contestação por parte dos réus revéis permitida pela norma em apreço impunha-se para evitar que a questão de direito fosse julgada duas vezes. Porém, este argumento não se afigura decisivo, na medida em que as exigências de uniformidade jurídica da decisão não obstam, por exemplo, a que alguns dos pedidos possam ser julgados, desde logo, no despacho saneador, prosseguindo a ação quanto aos que ainda necessitarem de produção de prova, mesmo com o risco de serem adotadas soluções jurídicas divergentes.

     Mais convincente parece ser a justificação apontada por Anselmo de Castro[3], no sentido de que se pretenderá fazer prevalecer a verdade material sobre a meramente formal da confissão ficta dos réus não contestantes”, quando escreve que:

«A justificação e alcance do regime haverá que procurar-se (…) em qualquer das duas vias seguintes: ou em que, para o efeito em vista, se fez do litisconsorte actuante um representante dos restantes, na presunção de que estes se terão abstido de contestar por se conformarem com a sua actuação e considerarem inútil fazê-lo, ou em que, e para além dessas razões, se optou por uma solução da causa, quanto a todos os réus, de acordo com os resultados da prova a produzir quanto ao réu contestante. Por outras palavras: imperou a ideia de assegurar a uniformidade da decisão em relação a todos os litisconsortes – objectivo a que tende a regulamentação do litisconsórcio, embora sem prejuízo, todavia, da posição autónoma dos litisconsortes. E, por outro lado, a de fazer prevalecer a verdade material sobre a meramente formal da confissão ficta dos réus não contestantes.

Para esta última justificação propendemos, dada a aplicação do regime também quando nenhuma contestação é apresentada e um dos réus é pessoa colectiva ou incapaz. 

(…)

A posição processual dos réus não contestantes fixou-se; desde logo passaram a ficar investidos (…) em todos os poderes processuais, nomeadamente no de requerer e produzir todas as provas. E não pode, por isso, esta posição ser atingida pelos actos posteriores em que não intervenham ou que a eles não respeitem.

O contrário seria reduzir o litisconsorte não contestante a uma posição meramente reflexa do contestante: em rigor deixaria de ser um litisconsorte para passar à posição de mero assistente do réu contestante, incapaz ou pessoa moral.»

    Com efeito, se os réus revéis não beneficiassem da posição do réu contestante, poderia muito bem acontecer que, no mesmo processo, os mesmos factos fossem considerados como assentes em relação aos réus revéis para, a final, serem julgados como não provados quanto ao réu contestante. Terá sido, pois, a incongruência desta eventualidade que fez prevalecer aqui o princípio da verdade material sobre o regime cominatório da revelia ditado por razões de economia processual e inspirado na auto-responsabilidade das partes. 

    Neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora[4] observam que:

   «Na base da solução adoptada encontra-se não só a intenção de afastar a solução chocante de os mesmos factos se encontrarem, na mesma acção, como provados em relação a um dos réus e não provados em relação a outros, mas ainda o propósito de facilitar aos réus a possibilidade de delegarem, expressa ou tacitamente, em algum ou alguns deles, o ónus de contestar no interesse de todos.»    

    Todavia, a revelia só é inoperante em relação à matéria que tiver sido impugnada pelo contestante, mais precisamente no domínio dos factos comuns, imputados a todos os réus, pois só em relação a estes factos se circunscreverá o interesse de todos eles.

     A este propósito, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[5] consideram que:

«O benefício concedido aos réus revéis circunscreve-se à matéria efectivamente impugnada pelo réu contestante. Por isso, os factos da petição inicial que não hajam sido impugnados são dados como assentes, em relação a todos os réus, pelo que a eficácia da norma excepcionante acaba por se limitar aos factos de interesse para o réu revel e para o réu contestante, dado não ser relevante, fora de uma relação formal de representação, a impugnação de factos que, por só respeitarem ao revel, o réu contestante não tem interesse em contradizer. É assim fortemente limitada a possibilidade de se aplicar nos casos de coligação (nunca, nomeadamente, quando nem a causa de pedir é única nem há factos essenciais comuns (…).»    

        

 No caso do autos, estamos no âmbito de uma hipótese muito particular como é a da chamada “pluralidade subjetiva subsidiária” passiva hoje prevista no artigo 39.º correspondente ao antecedente artigo 31.º-B do CPC, que foi introduzida com a Revisão de 1995/1996, na redação resultante do Dec.-Lei n.º 180/96, de 25-09, através da qual se visou facultar ao autor demandar, desde logo, a título subsidiário, pessoa diferente do réu demandado em via principal e que pudesse ser o responsável pela obrigação em causa, pressupondo dúvida fundamentada sobre essa titularidade passiva.   

 Em tal situação, não ocorrerá interesse comum entre o réu principal e o réu subsidiário, mas antes interesses contrapostos, assistindo a cada um deles um interesse próprio em contradizer a pretensão assim deduzida, não se afigurando, por isso, que o réu principal disponha de legitimidade para assumir a defesa do réu subsidiário, contrariando a sua própria defesa.

Nem sequer se divisa que possa existir o risco de se darem, simultaneamente, como provados e não provados os mesmos factos essenciais, na medida em que, tratando-se de pretensão subjetivamente subsidiária, a prova dos factos imputados ao réu principal se sobrepõe ou torna irrelevante a prova dos mesmos factos mas imputados ao réu subsidiário.

   Nesta linha de entendimento, afigura-se correta a interpretação e aplicação do artigo 568.º, alínea a), parte final, do CPC adotadas no acórdão recorrido no sentido de não estender ao 1.º R., enquanto réu principal, o benefício ali previsto – de revelia inoperante – por virtude da defesa apresentada pela 2.ª R. como ré subsidiária.  

   Trata-se de uma interpretação e aplicação que se contêm dentro do teor literal e alcance teleológico daquele normativo com que o 1.º R. podia e devia contar, para mais com acolhimento em doutrina avalizada como se deixou exposto.

   Acresce que o referido réu foi citado com a cominação prescrita nos artigos 563.º e 567.º, n.º 1, do CPC, ficando assim em perfeitas condições de saber que a falta da sua contestação era de molde a produzir o efeito jurídico da confissão ficta quanto aos factos que lhe eram pessoalmente imputados, o que lhe competia equacionar, mormente perante a interpretação mais que plausível do disposto no indicado artigo 568.º, alínea a), parte final.

   Nestas circunstâncias, não parece curial nem avisado que o 1.º R. confiasse numa interpretação daquele normativo tão lata como a que ora sustenta, ao arrepio da doutrina atinente, deixando a sorte da sua defesa ao amparo da eventual defesa da 2.ª R. cuja posição subsidiária dificilmente se compatibilizaria com a dele, pelo menos nos termos em que as pretensões foram deduzidas.

Assim sendo, a interpretação e aplicação do normativo em foco adotadas no acórdão recorrido não se mostram violadoras do princípio da confiança ínsito na ideia do estado de direito proclamada no artigo 2.º da Constituição, como pretende o Recorrente.


Ora, o A. alegou sob artigos 9.º, 10.º, 16.º, 17.º, 18.º, 40.º a 44.º, 47.º a 49.º, 54.º e 61.º da petição inicial o seguinte:


Art.º 9.º.


   Em 2003, o 1.º R. abordou o A. para lhe solicitar ajuda, dessa vez para satisfazer o preço de um prédio que a 2.ª R. havia adquirido no mês de Maio.

Art.º 10.º.


   E no qual tencionava levar a cabo operação de loteamento, com os inerentes trabalhos de urbanização, para ulteriormente vender os lotes.

Art.º 16.º.


   No caso vertente, porém, o 1.º R. insistiu em associar o A. ao negócio imobiliário que projectara realizar através da 2.ª R..

Art.º 17.º


   Prometendo que lhe reembolsaria os 167.518,00 € com juros, mas que, quanto ao remanescente, lhe pagaria, em vez disso, metade do lucro da operação imobiliária.

Art.º 18.º


   Isto é, metade das receitas da venda dos lotes resultantes do prédio, deduzidas de metade das despesas havidas com a compra, o loteamento e as obras necessárias.

Art.º 40.º


   Ao prometer que, como contrapartida da entrega da quantia de 162.109,31 €, pagaria ao A. metade do lucro da operação imobiliária sobre o já identificado prédio

Art.º 41.º


   Isto é, metade das receitas da venda dos lotes resultantes do prédio, deduzidas de metade das despesas havidas com a compra, o loteamento e as obras necessárias.

Art.º 42.º


   O 1.º R. associou o A. a uma atividade económica dele ou da 2.ª R., ficando este a participar nos seus lucros, nos exatos termos definidos pelo art.º 21.º do DL n.º 231/81, de 28-07, que regula a associação em participação.

Art.º 43.º


   Sendo o montante de 162.109,31 € a contribuição do A. para a atividade económica a desenvolver pelo 1.º R. ou pela 2.ª R. sobre o prédio

Art.º 44.º


   Sucede que a negligência dos R.R. em promover o loteamento e a venda do prédio prolongou-se por 12 anos, não tendo sido alcançada uma cois ou outra.

Art.º 47.º


   Os R.R. preferiram dedicar-se a outras atividades, como a referida nos artigos 27.º e 28.º, que é claramente concorrente daquela a que o A. havia sido associado.

Art.º 48.º


   O 1.º R. para se furtar a si ou à 2.ª R. às obrigações de loteamento e venda assumidas perante o A. passou a sustentar que este seria comproprietário do prédio.

Art.º 49.º


   Manifestando, assim, claramente, a vontade de não cumprir as obrigações de lotear e vender a … ou da … – pela via tortuosa da negação da existência do contrato celebrado com o A.

Art.º 54.º 


   Entretanto, decorreram mais de dez anos sobre a celebração do contrato, que não fixou a sua duração nem determinou as operações em que consistiria

Art.º 61.º


 O A. deixou de dispor, ao longo de todo o tempo decorrido, do capital de 162.109,31 € e da rentabilidade que este lhe proporcionaria.


    A 1.ª instância, sem atentar no alcance da revelia operante em relação ao 1.º R. decorrente do preceituado no artigo 568.º, alínea a), parte final do CPC, submeteu à produção de prova em julgamento toda a matéria controvertida pela 2.ª R. incluindo aquela que competia ao 1.º R., acabando por dar como não provado os seguintes factos:

   i) - Em 2003, o 1,º réu abordou o autor para lhe solicitar ajuda, dessa vez para \ satisfazer o preço de um prédio que a 2ª ré havia adquirido no mês de Maio;

ii) - E no qual tencionava levar a cabo operação de loteamento, com os inerentes trabalhos de urbanização, para ulteriormente, vender os lotes.

iii) - A emissão de dois cheques se ficou apenas a dever à conveniência do autor, face à distribuição das aplicações dadas às suas poupanças.

iv) - No caso vertente, porém, o 1º réu insistiu em associar o autor ao negócio imobiliário que projectara realizar através da 2ª ré.

v) - Quanto ao remanescente, lhe pagaria, em vez disso, metade do lucro da operação imobiliária.

vi) - Isto é, metade das receitas da venda dos lotes resultantes do prédio, deduzidas de metade das despesas havidas com a compra, o loteamento e as obras necessárias.

vii) - Nesse sentido, e apesar de o autor nunca lhe ter dado expresso acordo, o 1º réu deu tratamento diferente a cada um dos cheques do autor.

viii) - O 1º réu deixou completamente de lado a actividade económica que se propôs desenvolver sobre a … ou da …, a qual nenhuma receita produziu, fosse directamente para ele, fosse através da 2ª ré.

ix) - Facto este que o autor tem por certo apesar de nunca nenhum dos réus lhe ter prestado contas da actividade desenvolvida com vista ao loteamento, urbanização e venda de toda ou parte a … ou da ….

x) - Convencido pela apatia dos réus de que o comportamento do 1º réu, visara apenas protelar para as calendas gregas a devolução de parte do montante entregue,

xi) - Ao prometer que, como contrapartida da entrega da quantia de 162.109,31 €, pagaria ao autor metade do lucro da operação imobiliária sobre o já identificado prédio,

xii) - Isto é, metade das receitas da venda dos lotes resultantes do prédio, deduzidas de metade das despesas havidas com a compra, o loteamento e as obras necessárias,

xiii) - O 1º réu associou o autor a uma actividade económica dele ou da 2ª ré, ficando este a participar nos seus lucros.

xiv) - Sendo o montante de 162.109,31 € a contribuição do autor para a actividade económica a desenvolver pelo 1º réu ou pela 2ª ré sobre o prédio.

xv) - Sucede que a negligência dos réus em promover o loteamento e a venda do prédio prolongou-se por 12 anos, não tendo sido alcançada uma coisa ou outra.

xvi) - Sem que fossem prestadas quaisquer contas dessa actividade ou mesmo meras informações sobre as diligências realizadas junto da Câmara Municipal para obter a aprovação da operação de loteamento do prédio,

xvii) - Pela quase certa razão de que tal actividade não existiu, pura e simplesmente.

xviii) - Os réus preferiram dedicar-se a outras actividades, como a referida nos artigos 27º e 28º da petição inicial, que é claramente concorrente daquela a que o autor havia sido associado.

xix) - Mais, o 1º réu para se furtar a si ou à 2ª ré às obrigações de loteamento e venda assumidas perante o autor, passou a sustentar que este seria comproprietário do prédio.

xx) - Manifestando, assim, claramente, a vontade de não cumprir as obrigações de lotear e vender a … ou da … – pela via tortuosa da negação da existência do contrato celebrado com o autor.

xxi) - Qualquer dos réus violou de forma grosseira os deveres de proceder, na gerência da actividade, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado e de prestar ao associado as informações justificadas pela natureza e objecto do contrato,

xxii) - Desrespeitando também as obrigações de conservar as bases da associação e de não concorrer com a atividade para a qual tal associação foi contratada.

xxiii) - Aliás, entretanto, decorreram mais de dez anos sobre a celebração do contrato, que não fixou a sua duração, nem determinou as operações em que consistiria.

xxiv) - A extinção do contrato deixou o património do autor em situação muito pior do que aquela em que se encontraria sem a sua celebração.

xxv) - Porquanto o autor deixou de dispor, ao longo de todo o tempo decorrido, do capital de 162.109,31 € e da rentabilidade que este lhe proporcionaria,

xxvi) - Repare-se, na verdade, que o 1º réu, recebeu em 04.11.2003, a importância de162.109,31 €, para a entregar à 2ª ré e lhe permitir pagar o preço da compra da “… ou …”, ficando o autor desapossado desse montante.

xxvii) - Desde essa data, os réus, ou pelo menos a 2ª ré, passaram a usufruir dessa importância e vieram, através dela, a beneficiar exclusivamente do gozo da “… ou …”, com absoluta exclusão do autor.

xxviii) - Sendo certo que serão eles os únicos beneficiários da valorização que o terreno não deixou e não deixará de conhecer, com o decorrer do tempo.

xxix) - Pesa incerteza sobre o sujeito da obrigação de reembolsar e indemnizar o autor, pois se o 1º réu o abordou, em nome pessoal, para solicitar a quantia de 162.109,31 €,

xxx) - Em todas as conversas com o autor, o 1º réu nunca invocou a qualidade de gerente da 2.ª ré referindo-se ao prédio como coisa sua.

        

    Por sua vez, a Relação, ao abrigo do disposto nos artigos 567.º, n.º 1, e 568.º, alínea a), do CPC, considerou como factos assentes em virtude da revelia operante do 1.º R. a seguinte matéria:

31. A entrega, em 2003, da quantia de € 329.627,31, através dos cheques de € 162.109,31 e € 167.518,00, destinava-se satisfazer o preço do prédio denominado … ou da …, que a 2.ª R. havia adquirido no mês de maio, e a contribuir para a atividade a desenvolver sobre o prédio;

32. No qual o 1.º R. tencionava levar a cabo operação de loteamento, através de 2ª R., com os inerentes trabalhos de urbanização, para ulteriormente, vender os lotes; 

33. O 1.º R. associou o A. a esse negócio imobiliário que projetou realizar através da 2.ª R.;

34. Como contrapartida da entrega da quantia de € 162.109,31 o 1.º R. obrigou-se a pagar ao A. metade do lucro da operação imobiliária sobre o referido prédio, isto é, metade das receitas da venda dos lotes resultantes do prédio deduzidas de metade das despesas havidas com a compra, o loteamento e as obras necessárias;

35. O 1.º R. recebeu em 04/11/2003, a importância de € 162.109,31 para a entregar à 2.ª R. e lhe permitir pagar o preço da … ou …, ficando o autor desapossado desse montante;

36. Desde, pelo menos, 2009 a 2015, o 1.º R. não promoveu o loteamento e a venda do prédio, não tendo sido alcançada uma coisa ou outra; 

37. O 1.º R. passou a sustentar que o A. seria comproprietário da …;

38. Entretanto, decorreram mais de dez anos sobre a celebração do contrato, que não fixou a sua duração, nem determinou as operações em que consistiria;

39. O A. deixou de dispor, ao longo de todo o tempo decorrido, do capital de € 162.109,31 e da rentabilidade que este lhe proporcionaria.

   Toda esta factualidade compreende factos pessoalmente imputados pelo A. ao 1.º R., como réu demandado em via principal, que se têm como assentes quanto a este réu por efeito legal da confissão ficta nos termos do artigo 567.º, n.º 1, não excluído pelo disposto no artigo 568.º, alínea a), ambos do CPC, nos termos acima ponderados, sobrepondo-se, nessa medida, aquela matéria dada como não provada pela 1.ª instância em sede de prova livre.

   Nesta conformidade, não se divisa base legal para proceder à eliminação desses factos da factualidade dada como provada pela Relação, como pretende o Recorrente, não merecendo a revista provimento nesta parte.


2.2.2. Quanto ao alegado erro de qualificação do contrato de associação em participação


Na base da factualidade dada como provada, em especial com referência aos factos aditados, o tribunal a quo enquadrou relação jurídica aqui em apreço, estabelecida entre o A. e o 1.º R. desde 2003, no âmbito contrato de associação em participação tipificado e regulado nos artigos 21.º e seguintes do Dec.-Lei n.º 231/81, de 28-07.

Ora, o n.º 1 do indicado artigo 21.º dá uma noção desse tipo de contrato nos seguintes moldes: 

A associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda (…)

   E, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, é elemento essencial desse contrato a participação nos lucros, sendo que a participação nas perdas pode ser dispensada.

    Trata-se de um contrato típico e nominado, de feição consensual, salvo se for exigida forma especial em função da natureza dos bens com que o associado contribua, como decorre do disposto no art.º 23.º do mencionado diploma.

   Como se refere no acórdão recorrido, na esteira do que vem sendo doutrinado, tal contrato pode definir-se:

«(…) como o contrato pelo qual uma ou mais pessoas, singulares ou coletivas (ditos associados ou partícipes), se associam a uma atividade económica exercida por outra (dito associante ou titular), ficando as primeiras a participar nos lucros (ou, facultativamente, também nas perdas) que resultarem desse exercício para a última.»

Depois de destacar, nessa base, como traços característicos dessa espécie contratual a atividade económica do associante, a participação do associado nos lucros ou perdas de tal atividade e a própria estrutura associativa, no mesmo acórdão, esclarece-se que: 

«De acordo com o respetivo regime legal, ao contrário da sociedade, a associação em participação, enquanto contrato associativo ou organizativo, não dá origem a uma nova entidade ou organização autónoma, a atividade económica não é exercida conjuntamente pelos contraentes (mas individualmente pelo associante), e não existe formação de qualquer património autónomo ou sequer comum (já que as contribuições do associado ingressam no património indi-vidual ou empresarial do associante).»


Quanto à qualidade dos contraentes, Menezes Cordeiro observa[6] que:

«No domínio da associação em participação, apenas o associante actua em ter-mos comerciais: o associado não tem qualquer actividade, para além da contribuição.»

            Por sua vez, José Engrácia Antunes[7] escreve que:

   «Quanto ao associante, tudo o que a lei impõe é que se trate de “uma pessoa” que exerça “actividade económica” (art.º 21.º, n.º 1). Estão assim aqui abrangidos todos os tipos de entes individuais ou morais que sejam titulares de uma empresa desenvolvendo qualquer tipo de actividade económica (empresários individuais, sociedades, cooperativas, etc.)

   Quanto ao associado ou participe, a lei fala de novo simplesmente em “pessoas” singulares ou colectivas (art.º 21.º, n.º 1, e 22.º, n.º 1).»     

   E, em nota de rodapé (nota 752), o mesmo Autor considera que:

  «Muito embora corresponda a uma hipótese marginal na prática, a formulação lata da lei parece permitir, em rigor, que o associante possa ser qualquer indivíduo que exerça actividade económica, ainda que de forma não profissional ou fora do quadro de uma organização empresarial (cf., todavia, art.º 25.º, n.º 6). Inequívoco, em qualquer caso, é que o associado não tem que ser comerciante (diferentemente do que sucedia no quadro do direito pretérito).»

        

      À luz do quadro normativo em foco, no acórdão, foi considerado que:

«Absolutamente nodal é a participação do associado na esfera de risco da empresa do associante, traduzida na sua comunhão nos lucros e perdas. O âmbito, conteúdo e limites dessa partilha do risco empresarial podem variar, todavia, em função da vontade das partes: conquanto a partilha dos lucros seja elemento imperativo do contrato (art. 21º, nº 2), já pode ser convencionada a dispensa do associado comungar nas perdas (art. 25º, nº 2)»

   Afigurando-se ser de sufragar tal entendimento, o acervo factual constante dos aditados pontos 1.31 a 1.35 retrata uma situação configurável com o contrato de associação em participação, nos termos do qual o 1.º R. assume o papel de associante, no âmbito da atividade imobiliária por ele promovida e a desenvolver através da 2.ª R. de que ele era sócio gerente, a que associou o A. com vista a levar a cabo um projeto de loteamento e urbanização no prédio rústico denominado “… ou …”, e a subsequente venda dos lotes ali a implantar. Para tanto, aquele o A. entregou ao 1.º R. uma contribuição de € 162.109,31, destinada a satisfazer parte do preço de aquisição do referido imóvel, mediante a contrapartida de participar em metade do lucro da referida operação imobiliária, ou seja, em metade das receitas da venda dos lotes a construir, deduzida metade das despesas havidas com a compra, o loteamento e obras necessárias.


Não obstante isto, o Recorrente procura descaracterizar tal enquadramento jurídico, argumentando que o cheque de € 162.109,31 foi depositado na conta da 2.ª R. e assinado por ele (1.º R.) na qualidade de sócio gerente daquela, pelo que o negócio existente, seja qual for, foi entre o A. e a 2.ª R..

Porém, da factualidade provada colhe-se que:

i) - O 1.º R. solicitou ao A. e que este anuiu a entregar-lhe, a quantia de € 329.627,31 – ponto 1.20 ;

ii) - O A. entregou então ao 1.º R. dois cheques, sendo um de € 162.109,31, datado de 23/10/2003, sacado sobre o Banco DD e outro de € 167.518,00, datado de 04/11/2003, sacado sobre o Banco EE – ponto 1.21 ;

iii) - Foi ao 1.º R. que o A. entregou essa importância, através dos já referidos cheques que estão emitidos em nome dele – ponto 1.28 ;

iv) - A entrega, em 2003, da quantia de € 329.627,31, através dos cheques de € 162.109,31 e € 167.518,00, destinava-se satisfazer o preço do prédio denominado …. ou da …, que a 2.ª R. havia adquirido e a contribuir para a atividade a desenvolver sobre o prédio – ponto 1.31;

v) - Na fotocópia do cheque de € 162.109,31, o 1.º R. escreveu que “Este cheque foi creditado na conta n.º 40…5 de CCAM da … e destina-se ao pagamento de 50% das despesas com a compra da … ou da …, sita em …, … essa urbanização”, datou de 23/10/2003 e assinou sob um carimbo com dizeres “... – O Gerente” – ponto 1.5;

vi) - O 1º R. apôs na fotocópia do cheque de € 162.109,31, sobre a sua assinatura, o carimbo com a firma da 2.ª R. – ponto 1.29;

vii) A 2.ª R. figura como compradora do prédio rústico denominado “… ou …”, sito no lugar da …, em …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º 1124 - …, inscrito na respetiva matriz sob o art.º 1.068, na escritura junta aos autos como doc. n.º 2 com a petição inicial – ponto 1.19;

viii) - O prédio encontra-se inscrito a favor da 2.ª R., no registo predial e na matriz predial – ponto 1.30;

ix) - No qual o 1.º R. tencionava levar a cabo operação de loteamento, através de 2.ª R., com os inerentes trabalhos de urbanização, para ulteriormente, vender os lotes – ponto 1.32;

x) - O 1.º R. associou o A. a esse negócio imobiliário que projetou realizar através da 2ª R. – ponto 1.33;

xi) - Como contrapartida da entrega da quantia de € 162.109,31 o 1.º R. obrigou-se a pagar ao A. metade do lucro da operação imobiliária sobre o referido prédio, isto é, metade das receitas da venda dos lotes resultantes do prédio deduzidas de metade das despesas havidas com a compra, o loteamento e as obras necessárias – ponto 1.34;

xii) - O 1.º R. recebeu em 04/11/2003, a importância de € 162.109,31 para a entregar à 2.ª R. e lhe permitir pagar o preço da … ou …, ficando o autor desapossado desse montante – ponto 1.35.


Perante este quadro factual não sofre dúvida de que o cheque aqui em causa, no valor de € 162.109,31, foi entregue pelo A. ao 1.º R. para satisfazer o preço do prédio denominado … ou da …, que a 2.ª R. havia adquirido, e a contribuir assim para a atividade de loteamento e urbanização a desenvolver naquele prédio, sob a promoção do 1.º R. e através da 2.ª R.. E que foi o 1.º R. quem associou o A. ao negócio imobiliário que projetava promover e realizar através da 2.ª R. mediante a contrapartida de pagar ao A. metade do lucro da referida operação imobiliária.

Significa isto que tal contrato foi celebrado entre o A. e o 1.º R., o que não se mostra contrariado pelo simples facto de este R., depois de receber o referido cheque, o encaminhar para a 2.ª R., apondo-lhe então a sua assinatura na qualidade de seu sócio gerente.

De forma alguma esse encaminhamento subsequente consubstancia uma atuação do 1.º R. perante o A., como sócio gerente da 2.ª R., mormente na assunção das obrigações assumidas entre aqueles, não se podendo assim extrair de todos os factos provados em presença qualquer elemento que permita inferir que o 1.º R. tenha atuado perante o A. na qualidade de sócio gerente da 2.ª R..

E foi no contexto dessa relação firmada entre o A. e o 1.º R. que a disponibilização do valor da contribuição de € 162.109,31, por aquele entregue a este através de cheque, foi transferida, primeiramente, para a esfera patrimonial do 1.º R., para só depois ser encaminhada por este para a 2.ª R..

Significa isto que, no estrito quadro dessa relação jurídica, o direito sobre aquele valor contributivo foi transferido da esfera patrimonial do A. para a do 1.º R., tendo como contrapartida a obrigação aí assumida por este R. para como aquele A. de lhe pagar metade do lucro que obtivesse através da operação imobiliária tida em vista. Por sua vez, a transferência desse valor para a esfera patrimonial da 2.ª R. já diz respeito às relações entre o 1.º R. e a 2.ª R. no quadro da sua envolvência mútua na promoção e desenvolvimento do empreendimento projetado, relações estas a que o A. não se vinculou, mormente perante a 2.ª R., nem esta para com ele.

Tanto basta, a nosso ver, para considerar observado o disposto no artigo 24.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 231/81, de 28-07, com a transmissão do direito sobre o sobredito valor contributivo do associado (A.) para a esfera patrimonial do associante (1.º R.), independentemente do subsequente destino que este lhe dera.

Do mesmo modo, a aposição da assinatura pelo 1.º R. no referido cheque, como sócio gerente da 2.ª R., ocorrida posteriormente à sua entrega pelo A., e o subsequente encaminhamento desse cheque para a esfera patrimonial daquela R. inscrevem-se no âmbito das relações entre ambos os réus, não relevando no âmbito da anterior relação estabelecida entre o A. e o 1.º R.. Daí que não se mostre lícito inferir que este réu tenha atuado perante o A. como sócio gerente da 2.ª R., como pretende o Recorrente.

 

Argumenta ainda o mesmo Recorrente que da prova documental emanada pelo próprio punho do A. resulta que este se assumiu como comproprietário de metade do terreno da Folgosa.


Porém, da factualidade provada colhe-se que:

- A partir de finais de 2007, o 1.º R. recusou ao A. o reembolso de mais o que quer que fosse, com o argumento de que o prédio da Folgosa seria “pertença dos dois em partes iguais” – facto tido por assente em 1.ª instância no ponto 9;

- O 1.º R. passou a sustentar que o A. seria comproprietário da … – facto tido por assente e aditado no ponto 37 pela Relação.

  Além disso, está também provado que o referido prédio foi adquirido pela 2.ª R. e que se encontra inscrito no registo predial a favor dela.

De nenhum facto sustentado em prova plena consta que o A. seja comproprietário desse prédio e que, por essa via, se possa sobrepor - ou contrariar - aos factos dados como provados respeitantes à celebração do contrato de associação em participação.

Nem mesmo a aludida confissão do A. de que seria comproprietário daquele prédio, que o Recorrente procura extrair das indicadas cartas juntas aos autos, para além de duvidosa à luz do preceituado nos artigos 352.º e 357.º, n.º 1, do CC, seria inadmissível, nos termos do artigo 354.º, alínea a), do mesmo Código, por legalmente insuficiente para comprovar o ato aquisitivo dessa compropriedade, para mais contra o facto plenamente provado de que o prédio foi adquirido pela 2.ª R. e se encontra registado a favor dela.


Pretende também o Recorrente reconduzir o acordo celebrado à figura de constituição de uma sociedade irregular, o que, perante a clareza dos factos provados, não encontra qualquer substrato factual, desde logo, como bem se refere no acórdão recorrido, por carência da chamada affectio societatis.

Com efeito, dos factos provados resulta, à saciedade, a mera contribuição do A. para o empreendimento imobiliário a que o 1.º R. o associou mediante a contrapartida nos lucros daí advenientes, sem que se revele qualquer intenção associativa com fundo social próprio a desenvolver por entidade diversa dos contraentes.

De resto, salvo o devido respeito, os factos provados espelham bem a vontade real de ambas as partes (A. e 1.º R.) na celebração do referido contrato de associação em participação, o que dispensa qualquer especulação sobre o seu sentido e alcance da vontade negocial e, muito menos, a convocação de uma hipotética vontade normativa, nos termos dos artigos 236.º e 238.º do CC.  


Em suma, face à factualidade provada, tem-se por correta a qualificação dada pelo tribunal a quo ao contrato em apreço como tratando-se de um contrato de associação em participação celebrado entre o A. e o 1.º R..


2.2.3. Quanto à questão da justa causa da resolução do contrato


No acórdão recorrido, foi considerado que dos pontos 24, 25 e 36 da factualidade provada resulta que o 1.º R. não promoveu o loteamento e a venda do prédio nos moldes a que se obrigara, tendo-se dedicado, pelo menos a partir de 2008, à realização de um outro loteamento.

Nessa base, entendeu-se que, dada a natureza duradoura da relação contratual em apreço, a mesma era passível de resolução por justa causa, nos termos do art. 30.º do Dec.-Lei n.º 231/81.

A esse propósito, foram tecidas as seguintes considerações:

«(…) o 1º réu não cumpriu a sua prestação debitória, sendo que, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 799.º do Cód. Civil, se presume a sua culpa nesse inadimplemento.

Acresce que os factos provados mostram um motivo de resolução por justa causa do contrato duradouro celebrado entre as partes, já que é de todo evidente a existência de uma justificada perda de confiança por parte do autor na capacidade do réu para um exato cumprimento futuro do programa contratual, sendo que, como salienta BAPTISTA MACHADO, naqueles casos, como o presente, em que o inadimplemento tem um valor sintomático, não será tanto a gravidade do incumprimento em si mesmo que terá relevância mas o seu significado no que respeita à confiança que poderá merecer ao credor o futuro cumprimento exato por parte do devedor, tanto mais que, in casu, a não concretização da mencionada operação imobiliária se arrastava há mais de doze anos.

Verificando-se, deste modo, a justeza da resolução declarada pelo autor (que, de acordo com o disposto nos arts. 224º e436º do Cód. Civil, se tornou eficaz com a receção da missiva junta com a petição inicial como documento nº 5- datada de 12 de novembro de 2015 e rececionada no dia imediato), por mor das implicações neste domínio do princípio geral da liquidação resolutiva expresso no art. 433º do Cód. Civil, ficou o réu António Silva Pereira constituído no dever de proceder à restituição da quantia de € 162.109,31 que lhe havia sido entregue pelo demandante, restituição esta que, conforme entendimento pacífico, é devida com fundamento direto na resolução e não com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.»


No entanto, vem o Recorrente contrapor, em síntese, que não existe justa causa para resolver um contrato alegado de “associação em participação” se o objeto que estava em causa, era para urbanizar e lotear um terreno, e a Câmara Municipal respetiva notifica a 2.a R. de que não era admitida para o terreno em causa qualquer operação urbanística de loteamento porque o PDM classifica a parcela como de Área Florestal de Produção Condicionada; a única via para o A., e dada a impossibilidade legal do objeto, era pedir a venda ou adjudicação do terreno no qual participava.


Ora, no que aqui releva, dos factos provados consta que:

- Nenhum dos R.R. levou a cabo qualquer loteamento no referido prédio, nem lograram vender, ou sequer prometer vender, toda ou parte dele – ponto 1.24;

- Os R.R. dedicaram-se, pelo menos a partir de 2008, a um loteamento de grande dimensão, num prédio sito no lugar dos …, freguesia e concelho da …, descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o n.º 2022/ 20100706 – ponto 1.25;

- Desde, pelo menos, 2009 a 2015, o 1.º R. não promoveu o loteamento e a venda do prédio, não tendo sido alcançada uma coisa ou outra – ponto 1.36

- Entretanto, decorreram mais de dez anos sobre a celebração do contrato, que não fixou a sua duração, nem determinou as operações em que consistiria – ponto 1.38;

- O A. deixou de dispor, ao longo de todo o tempo decorrido, do capital de € 162.109,31 e da rentabilidade que este lhe proporcionaria – ponto 1.39.

        

E da restante factualidade provada nada consta no sentido da aludida impossibilidade de lotear e urbanizar o terreno em causa nem, muito menos, que a não promoção do empreendimento por parte do 1.º R. não lhe seja imputável.

De resto, não tendo o 1.º R. apresentado contestação, nada alegou oportunamente nesse sentido, estando vedado ocupar-nos aqui de questão nova.

  Termos em que não merece censura o acórdão recorrido nesta parte.


2.2.4. Quanto ao abuso de direito


Invocou também a Recorrente o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, qualificando como tal o comportamento do A. que, numa relação comercial sempre se reclamou de “comproprietário” de um terreno e depois verificando a impossibilidade legal da operação de loteamento, invoca outro tipo de contrato com os R.R. e pede a devolução da quantia que entrega para o negócio com os respetivos juros.

Como já acima foi dito, dos factos provados resulta que o A. não é comproprietário do terreno em referência, mas sim que é a 2.ª R. a proprietária do mesmo. E nem sequer da factualidade dada por provada consta que o A. se tenha declarado como comproprietário desse terreno nem existem nos autos elementos de que se possa extrair que o tenha declarado inequivocamente e por forma legalmente suficiente, como já foi acima referido.  

Além disso, foi também dado como provado que:

- A partir de finais de 2007, o 1.º R. recusou ao A. o reembolso de mais o que quer que fosse, com o argumento de que o prédio da … seria “pertença dos dois em partes iguais” – facto tido por assente em 1.ª  instância no ponto 9;

- O 1.º R. passou a sustentar que o A. seria comproprietário da … – facto tido por assente e aditado no ponto 37 pela Relação.

Quanto a aludida impossibilidade legal da operação de loteamento, além de nada ter sido oportunamente alegado pelo 1.º R., também nada sobre isso consta dos factos dados como provados.

Nestas circunstâncias, não se colhe qualquer base factual que permita equacionar, mesmo oficiosamente, a questão do abuso de direito invocado pelo A. contra o 1.º R., à luz do artigo 334.º do CC.  

 

   IV – Decisão


    Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

   As custas do recurso ficam a cargo do 1.º R./Recorrente.    


Lisboa, 24 de janeiro de 2019


                                        

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)


Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching 

_______

[1]  Neste sentido, vide Manuel Salvador, in Estudos de Direito, Lisboa, 1965, pp.. 193 a 213; Castro Mendes, Direito Processual Civil, Vol. III, AAFDL, 1978/79, pa.. 128; Ac. STJ, de 12-3-1974, BMJ nº 235, p. 313.
[2]  In Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 3ª Edição, 1981, p. 12.
[3]  In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 235 e 236.
[4] In Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1985, pp. 348-349.
[5] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, pp. 299-300.
[6] In Manual de Direito Comercial, Vol I, Almedina, 2001, p. 448,
[7] In Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2009, p. 409.