Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B747
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO BERNANDO
Descritores: ARRESTO
PENHORA
GARANTIA REAL
Nº do Documento: SJ2007050300747
Data do Acordão: 05/03/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
1 . O arresto não constitui garantia real para efeitos de reclamação de crédito em processo executivo.
2 . Se convertido em penhora, surge a preferência derivada desta, não sendo rigorosa, para estes efeitos, a expressão “arresto convertido em penhora”.
3 . A preferência derivada da penhora alcança, por retroactividade, a data do arresto.
4 . Não obstante, não implica a admissão duma reclamação de créditos levada a cabo em processo executivo em que se invoca apenas o arresto, o qual só veio a ser convertido em penhora posteriormente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I –
Na execução ordinária movida por AA contra BB, pendente na 3.ª Vara Cível de Lisboa, veio o Banco CC SA – posteriormente substituído pela Caixa Geral de Depósitos por esta ter sucedido no direito dele - reclamar o seu crédito, nos termos do art.° 865°, do Cod. Proc. Civil.

Alegou, em síntese, que:
Por sentença proferida pelo 1.° Juízo Cível, 2ª secção, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, transitada em julgado, foi o executado BB condenado a pagar-lhe a quantia de 454.175.790$00 (€ 2.265.319,19).
Para garantir o pagamento daquela quantia, o reclamante obteve arresto sobre o imóvel penhorado nesta execução.
A referida sentença constitui título executivo, gozando ele de garantia real sobre o referido prédio.
Conclui pedindo que seja verificada a existência do crédito, o qual tem preferência sobre os demais.
A reclamação foi admitida liminarmente, com a consequente notificação do exequente e do executado.
O exequente AA opôs-se, referindo, em resumo, que:
O arresto referido pelo reclamante tem a ver com o processo nº 15-A/1994, do 2° Juízo Cível do Tribunal de Viana de Castelo (ex-processo n° 44-A/89, do 3° Juízo, 1ª secção do mesmo Tribunal).
A certidão junta a fls. 19 reporta-se ao processo n° 347/1996, do 3° Juízo Cível do Tribunal de Viana do Castelo.
Embora nos referidos processos as partes, como Autor o Banco CC, S.A. e como Réu o executado BB, sejam as mesmas, tratam-se de processos distintos.
No processo nº 347/1996, do 3° Juízo Cível do Tribunal de Viana do Castelo, não existe qualquer arresto.
Respondeu a Caixa Geral de Depósitos S.A., sustentando que:
O prédio dado à execução encontra-se arrestado, desde 11 de Abril de 1989, a favor do reclamante.
Este e outros prédios fazem parte do arresto que o reclamante moveu contra o executado BB, em 17 de Agosto de 1989, com vista ao pagamento do seu débito ao tempo no valor de 404.802.043$00.
O arresto foi deferido em 21 de Março de 1989.
O pedido de arresto que correu termos sob o nº 33/89, do 2° Juízo, 2ª Secção do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, apenas foi requerido contra BB.
Acontece que com o desenrolar do mesmo arresto, veio ao conhecimento do reclamante, em 19 de Abril de 1989, que o requerido era casado com DD.
Motivo pelo qual a acção ordinária foi movida contra o executado e sua mulher, correndo termos sob o n° 44/89, da 1.ª secção, do 3.° Juízo do Tribunal Judicial de Viana do Castelo e, posteriormente, sob o nº 15/94, a correr termos pelo 2.° Juízo do mesmo Tribunal, a que se encontrava adstrito o identificado arresto.
Paralelamente, foi também requerida contra BB, através do processo nº 347/96, da 2.ª secção, do 1 ° Juízo do Tribunal Judicial de Viana do Castelo a declaração de executoriedade prevista no art.° 31°, da Convenção de Lugano, confirmada por decisão de 27 de Novembro de 1996.
Nos autos nº 15/94, do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo foi proferida sentença de condenação dos RR., em 15 de Julho de 2004.

II -
Foi, após junção de documentos, proferido o despacho de fls. 130 a 132, no qual se decidiu julgar que o crédito reclamado não goza de garantia real sobre o imóvel penhorado no processo principal com prevalência sobre o crédito do exequente, indeferindo-se a reclamação de créditos apresentada.

Fundou-se tal decisão na seguinte ordem de razões :
A acção executiva só deu entrada em juízo no dia 24 de Novembro de 2004 e o arresto só foi convertido em penhora por despacho de 3 de Fevereiro de 2005.
O título executivo dessa acção não é o processo nº 347/96, mas sim a acção ordinária intentada contra os cônjuges e a sentença nela proferida a 15 de Julho de 2004.
No processo nº 347/96 existe apenas o reconhecimento de sentença estrangeira a condenar o executado.
Para o exequente poder demandar o casal teve de instaurar outra acção de condenação contra o executado e sua esposa, que correu termos com o n° 15/94.
A dívida nos dois processos é exactamente a mesma. Mas enquanto no processo nº 347/96 é somente condenado o R. marido, no processo n° 15/94 são condenados ambos os cônjuges, discutindo-se a comunicabilidade da dívida.
O arresto registado na certidão de encargos junta ao processo principal de execução foi feito no âmbito da providência cautelar que está apensa ao processo nº 15/94 e não ao processo n° 347/96, ao qual se reporta a reclamação de créditos.
Assim sendo, relativamente ao processo n° 347/96 não houve arresto. Há apenas penhora, a qual ainda não foi registada.
No momento em que a reclamação de créditos foi deduzida, a reclamante não tinha título executivo quanto ao processo n° 15/94, mas tinha um arresto; quanto ao processo n° 347/96, tinha título executivo, mas não tinha garantia real sobre o bem penhorado no processo principal.
Mesmo admitindo que o crédito é o mesmo nas acções que correram termos nos processos nºs. 347/96 e 15/94 do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, no momento em que foi deduzida a reclamação de créditos, a reclamante não tinha título executivo quanto ao processo nº. 15/94, mas tinha um arresto, e quanto ao processo n°, 347/96, tinha título executivo, mas não tinha garantia real sobre o bem penhorado no processo principal.

III –
Desta decisão interpôs recurso a Caixa Geral de Depósitos e fê-lo, com êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa, revogou a decisão de primeira instância, determinando que se defira a reclamação, vindo-se a reconhecer e graduar o crédito no lugar que lhe compete.

Fundamentou a sua decisão, no essencial, do seguinte modo:
“É certo que o procedimento cautelar de arresto que veio a incidir sobre o imóvel em causa não é formalmente dependente do processo 347/1996, do 3° Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, não constituindo a respectiva acção principal - o que sucede sim relativamente ao mencionado processo n° 15-A/1994, do 2° Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo ( ex 44-A/89, do 3° Juízo, 1 ª secção ).
Foi esta, no essencial, a razão de ser da decisão recorrida. Afigura-se-nos, não obstante, que a exigência da titularidade in casu dum título executivo que sirva de base à reclamação sub judice se satisfaz plenamente com a apresentação da decisão judicial proferida no processo nº 347/1996, do 3° Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo.
O que a Lei pretende é, apenas e só, que o reclamante comprove, através da junção dum título executivo idóneo, a certeza, segurança e liquidez do seu crédito privilegiado.
Ora, ambas as acções judiciais, no que concerne ao ora executado BB, têm por objecto exactamente o mesmo crédito, decorrente dos mesmos factos, subsumíveis a um único enquadramento jurídico.
O arresto em causa foi determinado na sequência da alegação factual que esteve subjacente à condenação proferida na Cour d'Appel de Versailles de 23 de Maio de 1995, posteriormente declarada executória face à ordem jurídica nacional.
Isto porque, pendendo a acção condenatória em França, teve a credora necessidade de requerer autonomamente o arresto perante os tribunais portugueses, uma vez que o património do devedor se situava no nosso país.
Uma vez decretado o arresto, não era tecnicamente viável a sua apensação a um processo pendente em Tribunal estrangeiro.
Perante a circunstância - absolutamente contingente - da credora haver descoberto que o seu devedor era afinal casado, interpôs então uma nova acção junto dos tribunais portugueses, com vista a responsabilizar, pelo pagamento do mesmo crédito, o cônjuge daquele, uma vez demonstrada a comunicabilidade da dívida.
Daí ter surgido a acção tramitada sob como processo n° 15-A/1994, do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo ( ex 44-A/89, do 3° Juízo, 1.ª secção ), que passou formalmente a assumir-se como principal relativamente ao arresto decretado.
De tudo isto resulta que o crédito garantido pelo arresto judicialmente reconhecido, em termos indiscutíveis, em qualquer dos dois processos - está devida e efectivamente servido por um título executivo, susceptível enquanto tal de suportar a reclamação sub judice.
Concluir-se-á, por conseguinte, que, aquando da apresentação da reclamação de créditos em análise, o crédito reclamado se encontrava efectivamente estribado num título exequível, não subsistindo quaisquer dúvidas acerca da sua certeza, exigibilidade e liquidez.
É o que basta para o preenchimento do requisito constante do nº 2 do art.° 865°, do Cod. Proc. Civil.”

IV –
Deste acórdão interpuseram recurso, quer o executado, quer o exequente.
Mas o do primeiro foi julgado deserto.

Subsiste, assim, apenas o do segundo, cujas conclusões das alegações são do seguinte teor:

1 -Para que a reclamação de créditos pudesse ser procedente era necessário que existisse cumulativamente o título executivo e existência de garantia real sobre o bem penhorado na execução - art. 865.° n.º I e n.º 2 do CPC;
2 - O arresto não foi realizado nos presentes autos sendo pois inaplicável o disposto no art. 822.° do CC;
3 - A Reclamante declarou expressamente que o seu crédito resultava da sentença proferida no processo 347/96, no qual existindo sentença, inexiste no entanto qualquer arresto ou direito real de garantia para satisfação dessa obrigação;
4 - O crédito da Recorrente não beneficia de garantia real;
5 - A decisão recorrida violou, entre outros, o art. 865° do C.P.C ..

Contra-alegou a CGD, pugnando pela manutenção do decidido.

V –
A questão que se nos depara consiste, pois, em saber se o crédito reclamado goza de garantia real.

VI –
Vem provada a seguinte matéria que assume no presente caso a natureza de factual:
Banque CC intentou contra BB acção de declaração de executoriedade de decisão proferida em tribunal francês.
Tal processo tem o nº 347/1996, do 3° Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo.
Com data de 27 de Novembro de 1996, foi proferida sentença, transitada em julgado, na qual se declarou executória em Portugal, nos termos do art.° 34°, a decisão proferida na " Cour d'Appel " de Versailles, que consta a fls. 25 a 49, em que é A. Banque CC e Réu BB e outro.
No âmbito do processo nº 44/89, da 1ª secção, do 3° Juízo do Tribunal Judicial de Viana do Castelo - o qual passou a ter o n° 15/94, a correr termos pelo 2° Juízo do mesmo Tribunal - o Banque CC requereu, em 17 de Março de 1989, o arresto dos bens pertencentes a BB.
Por decisão datada de 21 de Março de 1989, foi determinado o arresto dos bens do requerido BB.
Através do termo de arresto lavrado a 21 de Março de 1989, foi arrestada a casa de dois pavimentos para um fogo, composto de um rés-do-chão, com sala comum, um quarto, cozinha e casa de banho, com quatro vãos, um anexo com duas divisões e garagem com três vãos e logradouro sito na Quinta ..., Rua ..., lote 00 A, freguesia de Darque, a confrontar a norte com lote 58 ; a sul com lotes 185, 186, 187 e 188 ; a nascente com lote 57 B e do poente com Rua ..., com a superfície coberta de 94 m2, anexo com 28,20 m2, logradouro com 372 m2, inscrito na matriz sob o artigo 1512, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o n° 84891, a fls. 76 B-215, com o rendimento colectável de 47.324$00 e com o valor matricial de 709.860$00.
Veio o Banco CC a intentar contra BB e DD acção declarativa de condenação, relativamente ao mesmo crédito que havia sido objecto da decisão declarada com força executória no processo nº 347/1996, do 3° Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo.
Este último processo teve o nº 15/94, do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo e nele foi proferida sentença, datada de 15 de Julho de 2004, que transitou em julgado, condenando os RR. BB e mulher DD a pagar ao A. Banque CC a quantia de 404.803.043$00, acrescida de juros.
Foi intentada por Banque CC contra BB e DD, execução para pagamento de quantia certa - processo nº 15-B/94, do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo.
Por despacho datado de 3 de Fevereiro de 2005 foi convertido o arresto em penhora

VII –
O artigo 865.º do Código de Processo Civil determina a abertura do concurso de credores. No Código de Processo Civil de 1939, o concurso era aberto a todos os credores.
Entendeu-se, porém, por bem, restringi-lo e, a partir da reforma de 1961, só os credores com garantia real são admitidos.
Temos, pois, na garantia real do crédito, o primeiro dos requisitos de admissão ao concurso.

VIII –
O Banco reclamante – substituído, depois, no processo, pela Caixa Geral de Depósitos - veio invocar, como garantia real, um arresto que foi decretado a seu pedido sobre o imóvel penhorado nesta acção executiva.
“Para garantir o pagamento daquela quantia o ora reclamante fez um arresto sobre o referido imóvel penhorado nesta execução” – alega no artigo 2.º da petição.
A reclamação deu entrada em 8.2.2002.
A conversão do arresto em penhora ocorreu por despacho de 3.2.2005, em acção executiva intentada em 24.11.2004.
Levanta-se aqui uma primeira subquestão, consistente em saber se se deve considerar a conversão do arresto em penhora para efeitos de aferição da garantia real necessária para a pertinência da reclamação.
O disposto no artigo 822.º, n.º2 do Código Civil apontaria, numa primeira análise, para uma resposta positiva.
Mas não cremos que assim seja.

A razão radica-se na imperatividade da existência, à data da reclamação, da garantia real (1), A lei compadece-se cronologicamente com a falta de título exequível (artigo 869.º do Código de Processo Civil) ou com a falta de vencimento do crédito reclamado ou ainda com a incerteza e iliquidez da obrigação (n.º7 do artigo 865.º e n.º3 do artigo 867.º do mesmo código), mas ignora qualquer contemplação de prazo para a verificação da garantia real. O que bem se compreende, pois, tendo o concurso como justificação a extinção das garantias através da venda executiva (2), mal se compreenderia que o processo prosseguisse para tal venda com pendência da questão da garantia real. E, se se impedisse o prosseguimento, ficaria, em casos como o nosso, nas mãos do reclamante, a possibilidade de bloquear a tramitação da execução, até que, mesmo passados anos – como foi o caso - requeresse a execução onde obteria a conversão do arresto em penhora. Por outro lado, se, para evitar tudo isso, a lei admitisse a venda executiva, então a retroactividade daquele artigo 822.º, n.º2 do Código Civil colidiria com direitos entretanto adquiridos.

IX –
Do que vem sendo exposto, ficamos apenas com a relevância do arresto, despido do acto posterior da conversão em penhora.
Circunscrevendo-se, então, a questão a saber se confere ao arrestante garantia real para efeitos da reclamação prevista no artigo 865.º referido.
Já Vaz Serra, no BMJ n.º 73, 41 se dava conta de que “de jure condito” o arresto não concedia preferência enquanto não convertido em penhora. Mas sustentava que “no caso do arresto, o direito de preferência deve existir em termos análogos aos propostos a respeito da preferência no caso da penhora” e, por isso, propôs uma redacção da lei cujo ponto n.º3 do artigo 22.º se pode ver a folhas 388 do mesmo boletim e que era do seguinte teor:
“O arresto atribui ao arrestante direito de preferência em termos análogos aos declarados no artigo 6.º”(o artigo referente à preferência resultante da penhora).

Mas este texto não passou para a lei.
A lume vieram os artºs 622º, nº2 ("ao arresto são extensíveis, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora") e 822º nº2 do Código Civil ("Tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto").
A referência à "parte aplicável" deixa-nos campo aberto para, se for caso disso, não considerarmos extensível ao arresto a preferência resultante da penhora (consignada no n.º1 do dito artigo 822º).
Dentro desse campo de liberdade, temos a interpretação do falado n.º2 deste mesmo artigo.
Ora, o que este preceito estatui é que, tendo havido arresto, a anterioridade da penhora se reporta à data deste. Cremos poder ver aqui até uma negação de que o arresto confira preferência, porquanto se assim fosse, sempre valeria a data dele (ou, no caso dos imóveis, do seu registo). Não precisava a lei de estabelecer qualquer retroactividade.
Mas, mais decisiva para a nossa posição, é a expressão "anterioridade da penhora". É que, se o arresto valesse por si, não haveria qualquer “anterioridade da penhora”. Não era a penhora que precisava de ser "distendida" cronologicamente, ficcionando, para estes efeitos, uma data. Era a data do arresto que valeria, sem necessidade de ficção. Mesmo relativamente ao arresto convertido o que resulta da lei não é que conceda direito de preferência. O que a lei diz - em sentido contrário a essa ideia - é que se reporta à data dele a anterioridade da penhora, sendo esta e não aquele o fundamento para a preferência. A expressão “arresto convertido em penhora” é, assim, pouco rigorosa. A conversão destrói aquele e é a penhora que alcança o que ele foi em termos de data. Rigorosamente, melhor se chamaria “penhora precedida de arresto”.
Se - como no caso dos autos – não se pode considerar a conversão, então não temos penhora cuja data se possa ficcionar para estes efeitos. A preferência inexiste.

X –
Pela não preferência derivada do arresto não convertido se tem pronunciado constantemente a jurisprudência, podendo nós citar, sem preocupação da exaustão, os Acórdãos deste Tribunal de 17.3.2005, 8.6.2006 e 21.11.2006 e, bem assim, da Relação do Porto de 7.11.2002 (3)., 19.10.2004 (ambos na CJ, 2002, 5.º, 163 e 2004, 4.º, 192) e da Relação de Lisboa de 8.2.2001 e de 17.1.2006. (4)
Na doutrina, todavia, a divisão é profunda.
Em abono do nosso entendimento podemos referir Teixeira de Sousa, ob. cit., 333, Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, ano 1992, 203, Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios, Regime Jurídico e Sua Influência no Concurso de Credores, 143 e Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 246. Sem olvidar, sempre e com consideração, as opiniões contrárias. (5)itados.

XI –
A interpretação que fizemos, na parte referente à consideração de que a lei, afinal, confere preferência à penhora, distendendo-a cronologicamente à data do arresto e a nega, concomitantemente, a este, torna mais nítida a relevância – já referida supra em VIII - da não existência dessa preferência à data da reclamação. Não havia penhora e não podia o arresto conferir retroactividade ao que não tinha tido lugar.
É no regime atinente à própria penhora, posteriormente levada a cabo, que se deve encontrar o modo de a recorrida fazer valer os seus direitos, então com o benefício da retroactividade de que falámos, mas sem que este alcance o renascer duma reclamação que nascera morta.

XII –
Não havendo garantia real emergente do invocado arresto, fica prejudicada a discussão que nos chega sobre se vale para estes efeitos o arresto decretado no âmbito de outro processo que não o invocado na petição da reclamação.
Esta não colhe, logo à partida, pelas razões expendidas.

XIII –
Termos em que se revoga a decisão da Relação para subsistir o indeferimento da reclamação decidido em primeira instância.

Custas pela reclamante.

Lisboa, 3 Maio de 2007

João Bernardo( relator)
Oliveira Rocha
Oliveira Vasconcelos

_________________________
(1)Cfr-se Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, 3.º, 505, Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 333, “in fine”, mantendo ainda perfeita actualidade as palavras de Castro Mendes (Obras Completas, Direito Processual Civil, III, 446): “Se o credor tiver título executivo, mas não tiver garantia, não pode fazer nada em execução alheia. Só poderá mover execução, proceder a segunda penhora e suscitar a aplicação do artigo 871.º.”
(2) Veja-se Teixeira de Sousa, ob. acabada de citar, 326.
(3) O raciocínio que expendemos acompanha, de certo modo, o deste aresto cujo relator é o mesmo.
(4)Os acórdãos sem menção de inserção podem ver-se em www.dgsi.pt.
(5) Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, anotação ao art.º 622º do Código Civil, Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 15 e 298, Carvalho Martins, Reclamação, Verificação e Graduação de Créditos, 150 e Lebre de Freitas e Outros, ob. e loc. citados.