Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B4252
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRESUNÇÕES
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Nº do Documento: SJ200601260042522
Data do Acordão: 01/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1314/05
Data: 07/07/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : Ao Supremo Tribunal de Justiça é vedado o uso de presunções simples, judiciais ou hominis, nas suas atribuições não cabendo, também, a censura sobre a utilização, pelas instâncias, de tais presunções, salvo ocorrência de ilogismo manifesto, ou sobre a abstenção do uso das mesmas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. a) A, B, C e D, intentaram, contra o "E", acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, nos termos e com os fundamentos que ressumam de fls. 2 a 6, destinada a efectivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação.

b) Cumprido que foi o demais legal, veio a ser proferida sentença decretando, como decorrência da procedência da acção, a condenação do réu a pagar:

1. Aos autores, ern conjunto, a quantia de 1.400 euros, a título de danos patrimoniais, quantia essa acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados a partir da citação até efectivo pagamento.

2. Aos autores, ern conjunto, a quantia de 16.222,95 euros, a título de danos não patrimoniais, e juros de mora sobre tal "quantum" à taxa de 7%, "contados a partir da notificação da sentença até efectivo pagamento.

3. A cada um dos quatro autores a quantia de 8.043,12 euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 7%", contados a partir da notificação" da sentença até efectivo pagamento.

4. As custas.

c) Com a sentença se não tendo conformado, apelou o E, o TRG, por acórdão com o teor que fls 178 a 183 mostram, concedendo parcial provimento ao recurso, tendo "revogado a sentença recorrida na parte em que condenou" o réu a pagar as custas e rectificado "o lapso de escrita que se constata haver na alínea c) da decisão condenatória, de forma que onde se escreve 7% deve ler-se 4%", no mais mantendo a decisão impugnada.

d) Do predito acórdão traz revista o E, na alegação oferecida tendo tirado as conclusões seguintes:

1ª. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos autos em epígrafe referenciados que manteve, em parte, a sentença recorrida, designadamente na parte em que manteve o ponto 2 dos factos provados.

2ª. É certo que o Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso de revista, não pode conhecer de matéria de facto, salvo nos casos previstos no nº 2 do art. 722º do CPC. Porém, a razão de ser deste recurso não se prende com a discussão acerca da matéria de facto em si, mas da forma como foi (erroneamente) interpretado pelo Tribunal recorrido o princípio da livre apreciação da prova, vertido no art. 655º do CPC, preceito este que se mostra violado.

3ª. Foi o aqui recorrente condenado em 1ª instância a pagar aos aqui recorridos as indemnizações fixadas por ter o Tribunal "a quo" entendido que: " 2. No dia 11 de Novembro de 2000, entre as 17 e 18 horas, um veículo automóvel ligeiro cuja marca, matrícula e condutor não foi possível identificar, circulava na estrada municipal que liga a freguesia de Fragoso, no concelho de Barcelos, a uma velocidade não apurada, sendo que quando este veículo atravessava uma ponte sem qualquer protecção existente no local, embateu na mencionada F, a qual caminhava a pé pela berma da referida estrada, projectando-a para o riacho situado a montante daquela ponte, onde ficou coberta de lama, tendo o condutor do veículo acima referido abandonado o local sem prestar auxílio à referida F, a qual veio a ser encontrada por uma pessoa que circulava naquele local e ouviu os seus gritos."

4ª. Em virtude deste facto e atento o disposto no art. 21º nº 2, alínea a) do DL nº 522/85, competiria realmente ao recorrente ressarcir a lesada dos danos causados pelo veículo automóvel desconhecido.

5ª. Interpôs-se então recurso daquela decisão, pois entendia o recorrente, tal como agora, que não se lograra, em parte alguma, fazer prova de que a lesada F tivesse sofrido danos causados por um veículo automóvel, tal como se expõe nas alegações de recurso para o Tribunal de 2ª instância

6ª. No acórdão daí resultante, entendeu-se manter nessa parte a sentença recorrida, tendo em conta os argumentos aí expandidos que, apreciados no seu conjunto e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, seriam suficientes para dar como provado o referido facto.

7ª. Tendo em conta os fundamentos em que se baseou o Tribunal da Relação para manter a sentença recorrida, é opinião do recorrente que os mesmos não são válidos, pelas razões supra aduzidas, pois que apenas assentam em juízos de probabilidade, sendo estes insuficientes para permitir a condenação do recorrente, do E.

8ª. Não se logrou fazer qualquer tipo de prova, no sentido correcto do termo, de que a falecida F tivesse sido abalroada por um automóvel. E o princípio da livre apreciação da prova não pode servir de pretexto para valorar meros indícios.

9ª. Mostra-se assim violado pelo acórdão ora em crise, o nº 1 do art. 655º do CPC, na medida em que fez uma errada interpretação do seu conteúdo e, em consequência, deu como provado um facto quando nenhuma prova do mesmo consta dos autos.

10ª. Nestes termos, julgando procedente o presente recurso, e alterando a sentença recorrida no sentido atrás indicado, será feita a mais elevada JUSTIÇA.

e) Não contra-alegaram os autores.

f) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Eis como se figura a factualidade dada como assente pelas instâncias:

1. F nasceu no dia 20 de Dezembro de 1936 e faleceu no dia 11 de Dezembro de 2000 no estado de viúva, tendo deixado como únicos herdeiros os autores, seus filhos.

2. No dia 11 de Novembro de 2000, entre as 17 e as 18 horas, um veículo automóvel ligeiro cuja marca, matrícula e condutor não foi possível identificar, circulava na estrada municipal que liga a freguesia de Fragoso, no concelho de Barcelos, a uma velocidade não apurada, sendo que quando este veículo atravessava uma ponte sem qualquer protecção existente no referido local, embateu na mencionada F, a qual caminhava a pé pela berma da referida estrada, projectando-a para o riacho situado a montante daquela ponte, onde ficou coberta de lama, tendo o condutor do veículo acima referido abandonado o local sem prestar auxílio à referida F, a qual veio a ser encontrada por uma pessoa que circulava naquele local e ouviu os seus gritos.

3. O embate causou na referida F uma hemorragia subaracnoideia, na sequência da qual esta faleceu, tendo sido aquando do sinistro socorrida no Hospital de Viana do Castelo e no dia seguinte transferida para o Hospital de S. Marcos, em Braga, regressando ao Hospital do Viana do Castelo em 27 de Novembro onde, veio a falecer, após ter estado em coma durante 31 dias.

4. Sofreu dores e angústia no momento do embate enquanto permaneceu internada em ambos os hospitais, pressentindo a morte a todo o momento, sendo que à data de embate a vítima era uma pessoa saudável.

5.0 embate, a doença e o seu posterior falecimento causou aos autores um profundo golpe moral, os quais, para visitarem a mãe, diariamente, nos Hospitais de Braga e Viana do Castelo, despenderam a importância de 400 euros, faltando ao trabalho e deixando de auferir a importância de 1.000 euros.

III. 1. Sopesado o que delimita o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC) , temos:

Cumprindo o plasmado no art. 205º nº 1 da CRP e no art. 158º de CPC, o Tribunal "a quo", fundamentadamente, como inequivocamente flui de fls. 181 a 183, após proceder reapreciação a que alude o art. 712º n 2 do CPC, não acolheu a, em sede de apelação, ocorrida impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto quanto ao concreto ponto a que se reporta o E nas conclusões 5ª a 8ª da revista.

Pois bem:

Fora dos casos previstos, na lei, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito (art. 26º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro).

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo acontecendo qualquer das duas hipóteses contempladas no art. 722º nº2 do CPC, o que se não verifica, patentemente

Nem o contrário defende o E (conclusão 2ª da sua alegação).

Por assim ser, estando a este Tribunal, como de revista, outrossim, defeso o uso de presunções simples, judiciais ou hominis que os art.s 349º e 351º do CC consentem às instância, nas suas atribuições, adite-se, nem sequer estando, cabendo, salvo ilogismo manifesto, a censura sobre a utilização que aquelas façam de tais presunções, ou sobre a abstenção do uso das mesmas, tão só cabe aceitar a materialidade fáctica como provada toda pela Relação, estando-lhe vedado, consequentemente, julgar se face, designadamente, à prova gravada, a Relação devia ter alterado esta ou aquela resposta a números da base instrutória.

Nem se antolha como, com valimento, é apodíctico sustentar a ocorrência de violação do princípio da livre apreciação das provas consignado no art. 655º nº 1 do CPC.

Efectivamente:

As provas têm por função o vertido no art. 341º do CC

O TRG, é evidente, bastando ler a decisão recorrida para tal concluir, sem violação do art. 655º nº 2 do CPC, "em inteira liberdade","sem obediência a uma tabela ditada externamente, mas em perfeita conformidade, como é natural e compreensível, com as regras da experiência e as leis que regulam a actividade mental" (cfr. Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. III, pág. 245), efectivando, volta a sublinhar-se, a reapreciação das provas que a lei ordena (art. 712º nº 2 do CPC, concluiu no sentido já noticiado, contra o qual se rebela o E, não arbitrariamente!...

Do E aduzir, em suma, que, acaso fosse o " juiz ", julgaria procedente a deduzida impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, efectuada a competente reapreciação das provas, não brota, muito longe disso, evidenciada, sem mais, a violação do princípio da livre apreciação das provas por banda do Tribunal "a quo", a violação, enfim, por este, do normativo convocado na alegação da revista, o art. 655º nº 1 do CPC!...

Há que não confundir o, ao cabo e ao resto, em resumo, defendido erro no julgamento de facto, com violação do supracitado artigo de lei !...

Tudo visto, não se estando, ainda, ante a hipótese prevista no art. 729º nº 3 do CPC, ponderado, igualmente, o prescrito no art. 729° nº 2 de tal Corpo de Leis, a factualidade que como definitivamente fixada se tem é a elencada em II.,a qual, por despiciendo isso ser, se não reescreve.

2. Pelo dissecado, falecendo o pressuposto da bondade da pretensão recursória (cfr. conclusões 4ª a 9ª da alegação), sem necessidade de considerandos outros, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão sob recurso.

Sem custas.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2006.

Pereira da Silva

Rodrigues dos Santos

Moitinho de Almeida