Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2371/19.6T8GDM-A.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
REVISTA EXCECIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Nas providências cautelares, pode porém aceder-se ao Supremo Tribunal de Justiça, em sede de revista ordinária, nos casos excepcionais do artº 629.º n.º 2 CPCiv, designadamente no caso de oposição de julgados, do artº 629.º n.º2 al. d) CPCiv, mas não sendo caso de invocar revista excepcional.

II – Se o acórdão recorrido partiu de um quadro de flagrante ausência de prova de quaisquer factos que pudessem fundar um juízo de aparência do direito, mas não questiona que exista a necessidade de provar apenas a “aparência de direito”, como é simplesmente a conclusão do acórdão fundamento, não existe a necessária oposição entre os acórdãos.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


                  

  Reclamação contra o despacho proferido ao abrigo do disposto nos artºs 679º e 652º nº1 al. b) CPCiv que não admitiu o recurso de revista.


AA intentou procedimento cautelar comum, por apenso à acção declarativa que corre termos pelo Juízo Central Cível do ..., contra BB.

Invocou ser filha de CC e DD, tendo sido casada com o Requerido em comunhão de adquiridos e hoje divorciada.

Sua mãe, CC, faleceu a 10/1/2001, no estado de casada com DD, no regime de comunhão de adquiridos, sendo seus herdeiros o marido e 3 filhos, a Requerente, EE e FF.

A mãe da Requerente, por sucessão de seus pais, adquiriu determinado bem imóvel que a família da Requerente, em meados de 1998, decidiu partilhar em vida da CC, acordando na sua adjudicação à Requerente mediante o pagamento de tornas aos irmãos desta e reservando os pais da Requerente para si o direito a habitar o imóvel.

Ficou fixado em 7 800 000$00 o valor do imóvel.

A Requerente e o seu então marido, agora Requerido, assumiram o compromisso de recorrer a financiamento bancário por forma a proceder ao pagamento das tornas devidas, e de praticarem os actos necessários à implementação do acordo entre todos firmado, na sequência do que decidiram recorrer a financiamento bancário para aquisição de habitação própria e permanente.

A pedido da Requerente e do Requerido, foi pela família decidida a outorga de contrato de compra e venda do imóvel, e não de doação, como comprador figurando o aqui Requerido, por forma a evitar dúvidas à instituição bancária que iria conceder o financiamento.

Na sequência do acordo entre todos, sem que a instituição bancária se apercebesse do verdadeiro negócio, a 5/1/1999 foi lavrada escritura pela qual a CC declarou vender, e o aqui Requerido declarou comprar, pelo preço de 5 250 000$00, o imóvel onde aquela sempre residiu e que pretendia doar à aqui Requerente, em acto simultâneo Requerente e Requerido confessando-se devedores ao “Crédito Predial Português, SA”, pela quantia de 5 000 000$00, declarando ainda utilizar tal quantia na aquisição do imóvel que, pelo mesmo título, deram de hipoteca.

Em 11/12/2013, Requerente e Requerido divorciaram-se por mútuo consentimento, acordando, quanto ao dito imóvel, que o mesmo se destinaria à habitação da aqui Requerente e dos filhos de ambos.

Todavia, na sequência de inventário para partilha de meações intentado pelo Requerido, este relacionou o referido imóvel como bem comum do casal, e o imóvel acabou por ser adjudicado ao Requerido.

A Requerente reside no imóvel juntamente com o seu pai e irmã, tendo entrado na posse do mesmo em 1998 e sucedendo na posse da sua mãe, que por sua vez a havia obtido dos respectivos pais.

Invoca a seu favor a tutela possessória, em nome próprio e com conhecimento e reconhecimento do aqui Requerido, desde há mais de 30 anos, afirmando ser a sua posse titulada, de boa-fé, pública e pacífica, e susceptível de fundar a aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel por usucapião.

As declarações produzidas na escritura de compra e venda celebrada a 05/1/1999 não corresponderam à real vontade das partes, antes tendo sido intenção da CC doar o imóvel à aqui Requerente, no âmbito de partilha em vida, tendo o aqui Requerido actuado unicamente com a intenção de se interpor em nome da aqui Requerente e todos os restantes intervenientes pretenderam a outorga de um contrato de doação.

A escolha pela celebração da compra e venda teve por base a necessidade de recurso a financiamento bancário para obtenção do dinheiro destinado ao pagamento das tornas devidas aos irmãos da Requerente, e dessa forma enganar a instituição bancária que concedeu o financiamento.

Pouco tempo após a escritura de compra e venda, procedeu ao pagamento das tornas devidas ao irmão FF.

A escritura de compra e venda de 05 de Janeiro de 1999 constitui um negócio simulado e nulo, sendo válido o negócio dissimulado de partilha em vida que as partes verdadeiramente pretenderam celebrar, e por isso sendo o imóvel bem próprio da requerente.

Teme a Requerente que o Requerido instaure acção executiva para a entrega do imóvel.

Conclui pedindo a condenação do Requerido a abster-se de perturbar a propriedade e posse da Requerente sobre o prédio sito na rua ......, da união das freguesias de ......., ....

Em oposição, o Requerido reconheceu as invocadas relações familiares, bem como, quanto aos negócios de compra e venda e mútuo, mas a providência constitui apenas tentativa de obstar a que o imóvel, pertença do Requerido, seja a este entregue.

Na verdade, o contrato de compra e venda foi o pretendido pelas partes, e, após a sua celebração, Requerente e Requerido procederam à realização de diversas obras no imóvel, para que o Requerido procedeu à venda de bens seus.

De resto, a Requerente, ao longo do processo de divórcio e de inventário, jamais defendeu que o imóvel em causa era bem próprio seu, sempre aceitando que se tratava de bem comum do casal.

É legítimo proprietário do imóvel, por isso tendo direito a reclamar a sua entrega.


As Decisões Judiciais

Na sentença proferida na Comarca, a providência cautelar requerida foi julgada improcedente, e o Requerido absolvido do pedido.

O acórdão da Relação confirmou a decisão adrede.


A Revista

O Réu interpôs agora de forma expressa recurso de revista que classificou como revista excepcional.

Formula as seguintes conclusões na peça recursória:

1ª- A recorrente apresentou como título de aquisição a usucapião do prédio.

2ª- Provou a usucapião do prédio.

3ª-O douto acórdão recorrido ao decidir que a requerente reside no prédio conjuntamente com outros, desde antes de 1998 e que ainda nele habita e não tem outra habitação e que pelo menos até à partilha residiu no imóvel na convicção de exercer direito próprio, ignorando lesar direito alheio, fazendo-o à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, deu como provado que atuou sobre o prédio como a proprietária ou como se da proprietária de tratasse.

4ª-Perante a prova produzida declarada na cláusula anterior o douto acórdão devia reconhecer o direito de propriedade da autora, mas não reconheceu.

5ª- Assim, os fundamentos da ação estão em oposição com a decisão e o douto acórdão é nulo nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.

6ª-O douto acórdão, também, omitiu a pronúncia sobre a matéria conducente à usucapião, pelo que, igualmente, incorreu na nulidade da alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615º do CPC.

7ª-O autor alegou a aquisição do prédio por doação da mãe dissimulada em compra e venda encabeçada pelo ex-marido que, apesar de se opor providência requerida, não provou ter pago o preço como lhe competia.

8ª-A venda do prédio feita pela mãe da autora ao ex-marido, sem pagar o preço, encerra fortes indícios de que é simulada e que o verdadeiro ato é uma doação.

9ª- A outorga da compra e venda feita pela mãe da autora em nome do ex-marido da autora, livre de ónus ou encargos, sem que se prove o pagamento do preço, mantendo-se os pais e irmãos no objeto vendido dá a clara impressão de que o ato praticado tem a forma de compra e venda, mas na realidade é uma doação à autora, com partilha em vida.

10ª- Declarando ex-marido que a aquisição é para habitação própria e mantendo-se a família no prédio é por demais evidente que a declaração visa enganar o banco financiador e que o empréstimo se destina a fim diverso do declarado no empréstimo.

11ª- A não ser considerado que a autora adquiriu o prédio por usucapião, os fatos provados demonstram forte probabilidade do direito da autora existir a partir de um ato gratuito da mãe.

12ª- O ato gratuito é anterior à escritura de compra e venda, sem título, mas com efeitos conducentes à usucapião.

13ª- Assim, e como está provado, a autora adquiriu o bem por usucapião iniciada na mãe, que lhe transmitiu de fato o imóvel.

14ª-A partilha não constitui justo título de aquisição.

15ª- Em qualquer caso é ineficaz em relação à aquisição por usucapião.

16ª- Está verificado o requisito de periculum in mora providência requerida.

17ª- A providência requerida é mesmo danosa para o requerido do que a execução que este pretende intentar.

18ª- O douto acórdão viola o disposto nos artigos 240º, 241º, 342º n.º 2, 1264º, 1268º, 1288º, 1296º do Código Civil, 362º e 607º n.º 4 do Código Civil.


Para além de sustentar a negação da revista, as contra-alegações defendem a inexistência de oposição de julgados e a inadmissibilidade do recurso.


Por despacho do presente relator de 18/10/2021, decidiu-se não admite o recurso de revista apresentado pela Requerente.

Por reclamação deduzida, a Requerente requer agora que a Conferência se pronuncie, nos termos do disposto no artº 652º nº 3 CPCiv.


São os seguintes os Factos Provados no Processo:

1 - A Requerente é filha de CC e de DD.

2 - Requerente e Requerido casaram a 17 de Julho de 1996, sem convenção antenupcial.

3 - A Requerente tem 2 irmãos, EE e FF.

4 - CC faleceu a 10 de Janeiro de 2001, no estado de casada com DD no regime de comunhão de adquiridos, sem ter feito testamento ou qualquer disposição por morte, deixando a suceder-lhe o referido DD e 3 filhos [a Requerente, EE e FF].

5 - CC, por sucessão de seus pais, havia adquirido o prédio urbano sito na travessa da ..., da união das freguesias de ......., ..., composto de casa de habitação com 2 pavimentos, quintal e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .....31, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....42º.

6 - Requerente e requerido, após informações recolhidas, concluíram que obteriam vantagens em pedir empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente nos termos do Decreto-Lei nº 328-B/86, de 30 de Setembro.

7 - No âmbito do negócio de transmissão da propriedade sobre o imóvel referido em 5- foi solicitado financiamento ao “Crédito Predial Português, SA”, que o aprovou.

8 - Na sequência, foram realizados os registos provisórios de aquisição a favor do requerido, e de hipoteca a favor do “Crédito Predial Português, SA”, posteriormente convertidos em definitivos.

9 - Por escritura pública de 05 de Janeiro de 1999, lavrada a fls 51 e 52 do livro 260-D do Cartório Notarial de ..., CC declarou vender, e o Requerido BB declarou comprar, pelo preço de 5 250 000$00, que a compradora afirmou ter já recebido, o prédio referido em 5-, declarando o comprador que o imóvel se destina à sua habitação própria e permanente, e que a aquisição foi feita com recurso a empréstimo concedido pelo “Crédito Predial Português, SA”.

10 - No negócio referido em 9- o DD e a EE declararam dar a sua autorização à venda.

11 - Em acto simultâneo com o negócio referido em 9-, Requerente e Requerido, por título particular, confessaram-se devedores do “Crédito Predial Português, SA”, pela quantia de 5 000 000$00, dando o imóvel referido em 5- de hipoteca ao credor para garantia do reembolso da quantia mutuada.

12 - Na escritura pública de 05 de Janeiro de 1999 não foi feita menção ao FF.

13 - Requerente e requerido divorciaram-se, por mútuo consentimento, a 11 de Dezembro de 2013.

14 - Por acordo quanto ao destino da casa de morada de família apresentado no âmbito do processo de divórcio, requerente e requerido estabeleceram que o prédio referido em 5- destinava-se à habitação da requerente e filhos, enquanto se mantivesse comum.

15 - Em Setembro de 2014 o aqui requerido deu início a processo de inventário para partilha dos bens do casal que havia constituído com a requerente, processo que passou a correr termos em cartório notarial sob o nº 3415/14.

16 - Nesse processo de inventário o requerido relacionou o imóvel referido em 5- como bem comum do casal, acabando esse imóvel por ser adjudicado ao requerido no âmbito da partilha aí decretada, por ter o Requerido apresentado proposta mais elevada que a apresentada pela Requerente.

17 - A Requerente, DD, e outros, actualmente residem no imóvel referido em 5-.

18 - A Requerente e DD residem no imóvel referido em 5- desde antes de 1998.

19 - A Requerente, pelo menos até à partilha decretada no âmbito do processo de inventário referido em 15- e 16-, residiu no imóvel referido em 5- na convicção de exercer direito próprio, ignorando lesar direito alheio, e fazendo-o à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.

20 - O Requerido, após decisão final definitiva proferida no âmbito do processo de inventário referido em 15- e 16-, a 31 de Agosto de 2020 remeteu carta à Requerente, invocando ser titular do direito de propriedade sobre o imóvel referido em 5-, e solicitando a entrega do mesmo até 31 de Outubro de 2020.

21 - A Requerente respondeu à carta referida em 20-, opondo-se à entrega, e propondo se aguarde pelo desfecho da acção principal de que a presente providência constitui apenso.

22 - O Requerido, por carta de 21 de Setembro de 2020, rejeitou a proposta da requerente, e declarou que agiria judicialmente caso a entrega do imóvel não fosse feita até 31 de Outubro de 2020.

23 - A requerente habita o imóvel referido em 5- e não tem outra habitação.

24 - Na data da celebração da escritura referida em 9- o imóvel identificado em 5- era edifício de construção antiga e modesta, em estado de degradação, e com pouco conforto acústico e térmico.

25 - Após a outorga da escritura referida em 9-, Requerente e Requerido levaram a cabo diversas obras no prédio referido em 5-, por forma modernizá-lo, ampliá-lo e melhorá-lo.

26 - A Requerente, no âmbito do seu processo de divórcio com o requerido e no âmbito do subsequente processo de inventário, sempre reconheceu o imóvel identificado em 5- como bem comum do casal, jamais sequer referindo qualquer invalidade da escritura de compra e venda referida em 9-.


Não resultou provado, com relevo para a decisão a proferir, que:

a - em meados de 1998, a Requerente, a CC, o DD, a EE e o FF tenham acordado em partilhar, em vida da CC, o prédio referido em 5-;

b - a Requerente, a CC, o DD, a EE e o FF tenham acordado que o prédio referido em 5- seria adjudicado à requerente, que esta pagaria tornas à EE e ao FF, e que a CC e o DD ficariam com o direito a habitar o referido imóvel;

c - a Requerente, a CC, o DD, a EE e o FF, no âmbito de acordo para partilha em vida, tenham fixado em 7 800 000$00 o valor do imóvel referido em 5-;

d - a Requerente, a CC, o DD, a EE e o FF, no âmbito de acordo para partilha em vida, tenham acordado que a requerente recorreria a financiamento bancário para obter o dinheiro necessário ao pagamento das tornas devidas à EE e ao FF;

e - a Requerente, o Requerido, a CC, o DD, a EE e o FF, no âmbito de acordo para partilha em vida, tenham combinado que a requerente e o requerido obteriam empréstimo bancário para obter o dinheiro necessário ao pagamento das tornas devidas à EE e ao FF; e que a requerente e o requerido organizariam os actos necessários à viabilização do acordo da partilha em vida com reserva do direito de habitação a favor da CC, do DD, da EE e do FF;

f - a pedido da Requerente e do Requerido, a CC, o DD, a EE e o FF tenham decidido a outorga de escritura de compra e venda do imóvel referido em 5- em vez da celebração de escritura pública de doação com partilha em vida e reserva do direito de habitação;

g - Requerente e Requerido tenham acordado que seria o requerido a figurar como comprador do imóvel referido em 5- para evitar dúvidas à instituição bancária financiadora quanto ao verdadeiro acto de transmissão do imóvel;

h - a Requerente, no âmbito do inventário referido em 15- e 16-, tenha apresentado proposta para adjudicação do imóvel referido em 5- na convicção de estar a requerer apenas a adjudicação das benfeitorias realizadas no prédio;

i - após a partilha decretada no âmbito do processo de inventário referido em 15- e 16-, a Requerente resida no imóvel referido em 5- na convicção de exercer direito próprio, ignorando lesar direito alheio, e sem oposição de quem quer que seja;

j - ao intervir na escritura pública referida em 9-, a CC não tenha querido vender o imóvel, mas antes doá-lo à Requerente com a finalidade de o ver partilhado em vida entre os filhos;

k - a CC não tenha recebido do Requerido o preço declarado na escritura pública referida em 9-;

l - ao intervir na escritura pública referida em 9-, o Requerido não tenha querido comprar o imóvel, mas antes interpor-se em nome da requerente para receber e aceitar uma doação a favor daquela;

m - o Requerido não tenha pago o preço declarado na escritura pública referida em 9-;

n - ao intervirem na escritura pública referida em 9-, o DD e a EE não tenham querido autorizar a venda, mas antes autorizar a doação do prédio à requerente no âmbito de partilha em vida, com reserva do direito de habitação para os pais, e receber a sua composição em tornas por tal partilha em vida;

o - as declarações feitas na escritura pública referida em 9- não correspondam à vontade real dos declarantes;

p - o FF tenha querido a doação à sua irmã do imóvel referido em 5-;

q - a Requerente e o Requerido apenas tenham querido a celebração de escritura de compra e venda para, enganando a instituição bancária, obterem o financiamento do dinheiro necessário ao pagamento das tornas e beneficiarem de taxa de juro mais reduzida; e que apenas tenham feito crer à instituição bancária que estavam a celebrar um negócio de compra e venda;

r - Requerente e Requerido tenham querido que a CC doasse o imóvel à requerente, com reserva do direito à habitação a favor da CC e do DD;

s - Requerente e Requerido tenham pago qualquer quantia a título de tornas ao FF;

t - o Requerido tenha outra habitação além do imóvel referido em 5-;

u - o Requerido tenha procedido à alienação de bens próprios para aplicar o produto dessa venda, no valor de 9 000 000$00, nas obras realizadas no imóvel referido em 5-.


Conhecendo:

Os fundamentos da presente reclamação para a Conferência foram atrás expostos.

Pese o devido respeito, na ausência de novos argumentos, coloca-se agora à apreciação da Conferência os exactos termos do despacho anteriormente proferido.



I


A norma que rege a revista, para os procedimentos cautelares, é a do artº 370º nº 2 CPCiv – não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.

Portanto, igualmente o artº 671º nº 1 CPCiv, em matéria de revista ordinária, não abarca os procedimentos cautelares (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, I, 2ª ed., pg. 455).

Pode porém aceder-se ao Supremo Tribunal de Justiça, em sede da falada revista ordinária, nos casos excepcionais do artº 629º nº 2 CPCiv.

Designadamente, a norma do artº 629º nº 2 al. d) CPCiv rege para hipóteses em que se incluem as providências cautelares – S.T.J. 11/2/2020 Col.I/68 (Manso Raínho).

Note-se que, no seguimento do que deixámos exposto, a aplicação do artº 629º nº 2 exclui que se possa falar, no caso concreto, de dupla conforme, reservada para aquelas hipóteses de que a providência cautelar se mostra ela própria excluída, no âmbito do artº 671º CPCiv – cf., por todos, Ac.S.T.J. 29/10/2020, pº 464/19.9T8VRL.G1-A.S1 (Maria Rosa Oliveira Tching).

Daí que não possa igualmente ser caso de possível interposição de revista excepcional.

No âmbito do disposto no citado nº 2 do artº 629º, e não sendo manifestamente caso de o recurso poder admissível à luz das alíneas a) a c) daquele nº 2, o que estava em causa era a simples oposição de julgados, entre o acórdão recorrido e os acórdãos fundamento, dimanados do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 30/1/2013 (Pires Esteves – pº 01081-12) e do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 19/12/2006 (Almeida Simões – pº 2169/06-2).

Servindo-nos do desenvolvimento do Ac. S.T.J. 7/6/2018, pº 2877/11.5TBPDL-D.L2.S1 (Maria Rosa Oliveira Tching), a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem afirmando que importa que a invocada oposição de acórdãos seja frontal e não apenas implícita ou pressuposta (cf. Acs. STJ 20.07.2017, pº 755/13.2TVLSB.L1.S1-A, 25.05.2017, pº  1738/04.PTBO.P1.S1-A, 28.01.2016, pº 291/1995.L1.S1, 13.10.2016, pº 2276/10.6TVLSB.L1.S1-A, 26.05.2015, pº 227/07.OTBOFR.C2-S1-A, 20.3.2014, pº 1933/09.4TBPFR.P1.S1, e 4.07.2013, pº 2625/09.0TVLSB.L1.S1-A).

“De igual modo, não basta, para o efeito, uma qualquer contradição relativamente a questões laterais ou secundárias. A questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões, sendo irrelevante a que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou obiter dicta”.

E essa oposição, na expressão do Ac. STJ 17/02/2009, pº 08A3761 (Salazar Casanova), “só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado”.

E, finalmente, que tal oposição incida sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas – cf. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, 9ª ed., pgs. 122 e 123.



II


O acórdão impugnado considerou que o requisito do fumus boni iuris “se aproxima da causa de pedir da acção principal, embora apenas se exija a sua aparência (demonstração perfunctória)”. Acrescentando:

“Acontece que in casu tal aparência, cuja alegação e prova incumbiam à Requerente, não resulta da factualidade indiciariamente assente, como bem observa o tribunal a quo, na respectiva fundamentação de direito, designadamente, na seguinte passagem: “… o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor – nº 2 do artigo 362º do Código de Processo Civil. Pela presente providência pretende a requerente obter decisão que, na pendência da acção principal, imponha ao requerido a proibição de turbar a posse e a propriedade da requerente relativamente ao imóvel sito na travessa da ..., da União das Freguesias de ....., em ...”.

“Ou seja, a Requerente defende que é proprietária e possuidora” do imóvel identificado nos autos, mas, indiciariamente, não o demonstrou”.

E fundamentou a confirmação da decisão de absolvição do pedido precisamente na ausência de demonstração perfunctória do direito da Requerente.

Outra coisa não diz a jurisprudência invocada.

Designadamente, o Ac. R.E. 19/12/2006, onde se defende que, nas providências cautelares, “toda a prova produzida é meramente indiciária, seja a prova produzida pelo Requerente, seja a prova produzida pelo Requerido, pelo que não se exige a prova segura do facto, como sucede no processo declarativo, bastando o juízo de mera probabilidade”.

Ou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, pese embora não caiba aos tribunais de determinada ordem jurisdicional resolver conflitos com tribunais de ordem jurisdicional diversa.

O ponto é que, no acórdão recorrido, se entende que nem sequer se demonstraram os factos conducentes a um juízo de mera verosimilhança acerca da matéria do direito em que se funda a pretensão, ainda que apreciado do mero ponto de vista do fumus boni iuris, da prova meramente indiciária.

O acórdão recorrido parte de um quadro de flagrante ausência de prova de quaisquer factos que pudessem, objectivamente, fundar um juízo de aparência do direito, mas não questiona que exista a necessidade de provar apenas a “aparência de direito”, como é também simplesmente a conclusão do acórdão fundamento, da Relação.

Quanto aos factos apreciados, foram diversos nos dois procedimentos cautelares, que, de resto, são eles próprios diversos – aqui, procedimento comum, com audição prévia do requerido, ali arrolamento, com contraditório subsequente ao decretamento da providência.

Torna-se claro que o recurso, não admitido pela norma do artº 370º nº 2 CPCiv, também não pode ser admitido, seja pela via do artº 629º nº 2 al. d) CPCiv, seja, como referido em I, pela via do artº 672º nº 1 als. a), b) e c) CPCiv.

Concluindo:

I - Nas providências cautelares, pode porém aceder-se ao Supremo Tribunal de Justiça, em sede de revista ordinária, nos casos excepcionais do artº 629.º n.º 2 CPCiv, designadamente no caso de oposição de julgados, do artº 629.º n.º2 al. d) CPCiv, mas não sendo caso de invocar revista excepcional.

II – Se o acórdão recorrido partiu de um quadro de flagrante ausência de prova de quaisquer factos que pudessem fundar um juízo de aparência do direito, mas não questiona que exista a necessidade de provar apenas a “aparência de direito”, como é simplesmente a conclusão do acórdão fundamento, não existe a necessária oposição entre os acórdãos.

Decisão

Confirma-se o despacho do relator.

Custas pela Recorrente/Reclamante.


S.T.J., 09/12/2021


Vieira e Cunha (relator)                                              

Abrantes Geraldes                                              

Tomé Gomes