Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2484
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PAULO SA
Descritores: ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200611140024841
Data do Acordão: 11/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I - Tendo o Réu actuado exclusivamente em proveito próprio, em detrimento da associação, usando fundos da mesma, provenientes de financiamento bancário, para aquisições de bens em nome próprio, que posteriormente alienou, obtendo lucros que afectou exclusivamente ao benefício próprio, não informando disso os demais associados, é de concluir que violou os deveres enunciados no art. 26.º, n.º 1, do DL n.º 231/81, de 28-07.
II - Mas daí não decorre que qualquer um dos associados possa exigir-lhe uma indemnização equivalente ao valor do financiamento utilizado e respectivos juros, com o argumento de que esse
pagamento lhe foi exigido pela entidade inanciadora.
III - Com efeito, não tendo ainda sido resolvido o contrato de associação (embora o pudesse ter sido nos termos do art. 30.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 231/81, de 28-07), o que cada um dos associados poderia fazer era exigir a prestação judicial de contas e, em face desta, apurar a quota-parte de lucro que lhe seria devida pelo Réu.
IV - Embora a actuação do Réu tenha frustrado as legítimas expectativas do Autor ao lucro proveniente da actividade associada, na medida em que apenas visou o proveito próprio daquele, e
tal facto possa fundar um direito de indemnização do Autor na proporção da sua quota na referida
associação, não pode, em contrapartida, afirmar-se que para o Autor já exista um prejuízo
patrimonial correspondente ao valor do financiamento esgotado.
V - Não sendo o Autor o único responsável pelo pagamento do capital financiado e juros, mas apenas um dos responsáveis solidários, e não tendo ainda efectuado o pagamento do referido valor ao banco, nem resultando forçoso que de entre os quatro associados venha a ser ele a pagar inteiramente o referido valor, tão pouco se pode entender estarmos em presença de um dano
futuro previsível (art. 564.º, n.º 2, do CC).
VI - Tendo o Autor deixado de efectuar o pagamento devido à entidade bancária, é ele o responsável pela sua má imagem e descrédito junto da mesma, não lhe assistindo direito a ser indemnizado pelo Réu pela afectação dessa imagem e credibilidade.
Decisão Texto Integral:
I. AA intentou, na 1.ª Vara de Competência Mista de Sintra, contra BB e mulher CC acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. no pagamento de 431.291,59 euros e juros, até efectivo e integral pagamento.

Alega, para tanto e em síntese:

No ano de 1999, foi abordado pelo Sr. DD, pessoa da sua confiança, o qual propôs a constituição de uma associação com vista à compra de terrenos e construção de moradias para posterior revenda. Tal convite tinha como pressuposto o facto de o réu BB possuir bons conhecimentos no ramo, facto invocado para garantir ao autor que o negócio era bastante seguro e rentável. Foi neste contexto que, em 21 de Junho de 1999, foi elaborado o acordo escrito intitulado "Contrato de Associação em Participação", onde são outorgantes o autor, o réu BB, EE e DD, no qual ficou estipulado que a participação nos lucros e perdas seria de 40% para o autor e para o réu BB e de 10%, respectivamente, para EE e DD.
Apesar de nesse acordo escrito constar o autor como associante, na realidade, desde o início, tal função foi exercida pelo réu BB, até porque era este que tinha conhecimentos nesta área. Em virtude da constituição desta associação e para criar fundos financeiros para a prossecução do escopo da mesma, apoiando os seus investimentos no sector imobiliário, em Agosto de 1999, pelos outorgantes daquela associação foi celebrado um acordo de financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, até ao limite de PTE 50.000.000$00 junto do Banco Internacional de Crédito (BIC). Tal financiamento funcionava através de uma conta aberta no BIC em nome de todos os intervenientes. Para a emissão dos cheques sacados sobre a mesma conta era necessária a assinatura de dois dos quatro titulares da conta, sendo que a do autor teria sempre que constar nos referidos títulos. O réu apresentava os cheques ao autor, o qual apunha a sua assinatura nos mesmos, confiando por inteiro na gestão que era feita por aquele e, por conseguinte, que tais montantes eram destinados à prossecução da actividade da associação. Dada a confiança existente no réu, os elementos da associação, incluindo o autor, concordaram que as aquisições seriam feitas em nome do réu e, foi com base neste acordo, que o réu movimentou todo o capital da associação.
Presentemente, o valor do financiamento negociado com o BIC encontra-se totalmente utilizado, encontrando-se ainda em débito juros sobre tal montante que, em 25 de Outubro de 2002, totalizavam € 8.311,98. O autor foi liquidando os juros devedores do financiamento em causa, até cerca de 6 meses antes da propositura da acção, data em que o autor acordou com DD e com o réu que, a partir de então, seriam estes a liquidar os juros mensais correspondentes ao financiamento. Todavia, estes não pagaram aqueles juros e o autor tentou várias vezes contactar com o réu para esclarecer a situação, o que não conseguiu. Entretanto o A. descobriu que o réu utilizou o financiamento acordado com o BIC para adquirir e revender em seu nome e da sua mulher dois bens imóveis, guardando para si o preço dessas operações, sem dar contas à associação nem amortizar o empréstimo contraído no BIC. Com tal conduta os RR. incorreram em responsabilidade civil por factos ilícitos, causando danos ao A., quer em termos de imagem perante a banca (danos não patrimoniais que o A. computa em € 99 759,58) como em termos de danos patrimoniais emergentes (encargos assumidos pelo A. perante a banca, no valor de € 249 398,95) e de lucros cessantes (proposta negocial vantajosa obtida pelo A., que o R. não aceitou, porque já tinha vendido, sem informar os associados, o imóvel em questão, e que proporcionaria um lucro de € 184 555,22, a que caberia ao A. 40%, ou seja, € 73 822,08).

Citados regularmente, os RR. não contestaram.

Assim, nos termos do preceituado no art. 484.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, foram julgados confessados os factos articulados na petição inicial, após o que o A. proferiu alegações escritas.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu os RR. do pedido.

Inconformado, interpôs a R. recurso de apelação, que foi admitido.

A Relação de Lisboa veio a proferir acórdão, no qual julgou totalmente improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida (com um voto de vencido).

De tal acórdão veio o A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.

O recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:

a) O R. BB violou flagrantemente os deveres que se lhe impunham como Associante;
b) O comportamento do R. BB comprometeu a actividade e manutenção da associação, conduzindo à impossibilidade de realização do seu objecto, nos termos e para os efeitos do art. 27.º do DL n.º 231/81, de 28 de Junho;
c) A impossibilidade de realização do objecto da associação dá lugar a cessação do contrato de associação em participação;
d) A conduta dos Réus consubstancia a prática de factos ilícitos;
e) Os RR apropriaram-se de verbas que bem sabiam não lhes pertencerem, resultante das vendas dos imóveis adquiridos com verbas da associação;
f) O R. BB não liquidou, conforme acordado, os juros do financiamento contraído junto do BIC;
g) Desenvolveu a actividade associada unicamente em proveito próprio e de sua esposa;
h) Do comportamento dos Réus resultaram directamente danos patrimoniais para o Autor;
i) Danos esses correspondentes ao valor do financiamento do BIC no montante de € 205 000,00 (facto já assente nos autos), bem o valor que se encontrava em falta € 32 730,00 – alínea LL) da matéria assente, conforme documentos juntos;
j) Além do pagamento do valor do financiamento, em resultado do comportamento dos Réus, o Autor deixou de obter, a título de lucros cessantes, a quantia de € 73 822,08;
k) A imagem do Autor perante a banca foi prejudicada, causando-lhe danos;
l) O comportamento dos RR foi doloso;
m) Pelos presentes autos o Autor pretende ver reconhecidos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelos Réus;
n) Danos esses que, no total, se cifram em € 431 292,59.

Pede que seja dado inteiro provimento ao recurso com as legais consequências.

Não houve contralegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

II.A. De Facto

Da discussão da causa nas instâncias resultaram provados os seguintes factos:

A) No ano de 1999 o autor foi abordado pelo Sr. DD, pessoa da sua confiança por já trabalhar para si há anos, o qual lhe propôs a constituição de uma associação com vista à compra de terrenos e construção de moradias para posterior revenda;
B) Tal convite tinha como pressuposto o facto de o réu BB possuir bons conhecimentos neste ramo, em concreto, na zona de Tomar, facto invocado para garantir ao autor que o negócio era bastante seguro e rentável, tendo logo de início indicado haver comprador para a primeira operação;
C) Foi neste contexto que, em 21 de Junho de 1999, foi elaborado o acordo escrito intitulado "Contrato de Associação em Participação", onde são outorgantes o autor, o réu BB, EE e DD, no qual ficou estipulado que a participação nos lucros e perdas seria de 40% para o autor e para o réu BB e de 10%, respectivamente, para EE e DD, conforme documento de fls. 15 a 18 dos autos de Procedimento Cautelar de Arresto apensos a estes, que se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;
D) Apesar de, nesse acordo escrito, constar o autor como Associante, na realidade, desde o início, tal função foi exercida pelo réu BB, até porque era este que tinha conhecimentos nesta área;
E) Em virtude da constituição desta associação e para criar fundos financeiros para a prossecução do escopo da mesma, apoiando os seus investimentos no sector imobiliário, em Agosto de 1999, pelos outorgantes daquela associação foi celebrado um acordo de financiamento sob a forma de abertura de crédito em conta corrente até ao limite de PTE 50.000.000$00 junto do Banco Internacional de Crédito (BIC), conforme teor do documento de fls. 20 a 23 dos Autos de Procedimento Cautelar de Arresto, que aqui se dá também integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;
F) Para garantia da operação foi entregue uma livrança subscrita pelos beneficiários do crédito, avalizada pela mulher do réu e pela mulher do DD;
G) Tal financiamento funcionava através de uma conta aberta no BIC, em nomes de todos os intervenientes, sob o número ……….;
H) Para a emissão dos cheques sacados sobre a mesma conta era necessária a assinatura de dois dos quatro titulares da conta, sendo que a do autor teria sempre de constar nos referidos títulos;
I) O réu apresentava os cheques ao autor, o qual apunha a sua assinatura nos mesmos, confiando por inteiro na gestão que era feita por aquele e, por conseguinte, que tais montantes eram destinados à prossecução da actividade da associação;
J) Dada a confiança existente no réu e para evitar a intervenção de todos os associados em cada negócio, os elementos da associação, incluindo o autor, concordaram que as aquisições seriam feitas em nome do réu e, foi com base neste acordo, que o réu movimentou todo o capital da associação;
K) Presentemente, o valor do financiamento negociado com o BIC encontra--se totalmente utilizado, encontrando-se ainda em débito juros sobre tal montante que, em 25 de Outubro de 2002, totalizavam € 8 311,98;
L) O autor foi liquidando os juros devedores do financiamento em causa até por volta de Junho de 2002, data em que o autor acordou com DD e com o Réu que, a partir de então, seriam estes a liquidar os juros mensais correspondentes ao financiamento;
M) Todavia, estes não pagaram aqueles juros e autor tentou várias vezes contactar com o réu, para esclarecer a situação, o que não conseguiu;
N) Em face do não pagamento dos juros, a referida entidade bancária já procedeu à notificação de cada um dos intervenientes na associação e no contrato de financiamento para a regularização do débito;
O) O réu utilizou o financiamento acordado com o BIC da seguinte forma: parte, na aquisição de um terreno situado no ….., Vale da ….., freguesia da …., negócio que foi denominado como "PROJECTO DO CASTELO DE BODE";
P) Para o pagamento deste terreno e uma vez que ainda não era possível utilizar o credito acordado com o BIC, foi solicitado ao autor que emitisse um cheque da sua conta pessoal junto do BTA com o numero ………, datado de 10/08/99, a favor de FF, no valor de Esc. 14.400.000$00, tendo posteriormente sido emitido o cheque n.º ………, daquela conta do BIC referente ao empréstimo de igual valor, o qual foi depositado na conta do autor;
Q) O autor assinou os cheques emitidos a favor do Sr. GG e junto ao apenso A como docs. n.os 9 a 15, no valor total de 17 000 000$00, com base nas informações prestadas pelo réu de que a compra daquele terreno seria feita pelo preço de 14 000 000$00 e que o orçamento apresentado por aquele Sr. GG e aceite para a construção de uma moradia no mesmo terreno era no valor de 23 000 000$00, com IVA incluído;
R) Desde o começo e mesmo antes de se iniciar a construção da referida moradia, o réu referia que havia comprador interessado na mesma, indicando com o decorrer do tempo outros compradores, mas afirmando que, todavia, nunca tal venda se concretizara;
S) Através da apresentação n.º 13 de 19/02/01, foi registada a compra daquele imóvel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o número …./……, por parte de HH
e mulher, II, aos réus BB e mulher, a favor de quem, aquele imóvel se encontrava registado desde 4/11/1999, por aquisição a JJ;
T) Actualmente e desde 11/02/2002, aquele imóvel encontra-se registado a favor de KK e marido, LL;
U) O réu efectuou a venda daquele imóvel e recebeu o preço respectivo, apoderando-se do mesmo, não tendo apresentado contas nem amortizado o empréstimo contraído junto do BIC;
V) Ainda antes do autor ter tomado conhecimento destes factos, o réu comunicou-lhe que tinha surgido um bom negócio relacionado com um terreno situado na …….., cujo valor rondava os 15 000 000$00 e que, para aquisição deste imóvel, seria necessário o pagamento de um sinal de 5 000 000$00, havendo que aguardar pela obtenção de licença camarária para pagamento do restante preço;
W) Não foi dado ao autor o nome do vendedor nem quaisquer outros pormenores do negócio, nomeadamente, o prazo para a outorga da escritura definitiva e condições de pagamento;
X) Até final de 2002, sempre que o autor interrogava o réu sobre o andamento desse negócio, o mesmo informava o autor de que a Câmara estava a "empatar" o processo, pelo que havia que aguardar;
Y) Em 8/01/2001, foi registada a aquisição por compra a favor dos réus do prédio misto, sito no lugar de ……, freguesia de ………., concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º ……./……., com hipoteca a favor do BIC;
Z) Desde 13/03/2002, encontra-se registada a aquisição daquele imóvel por compra aos réus por parte de MM e NN;
AA) Apenas existe um imóvel em nome dos réus, a saber, o prédio sito na freguesia da …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2707 e inscrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o n.º ……/……;
BB) Tal registo foi efectuado pela apresentação n.º 37 de 22/09/99 e na mesma data foi inscrita a hipoteca a favor do BNC, cujo montante máximo é de 56 975.000$00;
CC) Em 23/01/02, foi registada, pela apresentação n.º 2, a hipoteca voluntária sobre o mesmo imóvel a favor de LL e mulher;
DD) As contas referentes à Associação, deveriam ser efectuadas no final de cada negócio, o que o réu nunca fez;
EE) O réu adquiriu património e revendeu-o; em tais aquisições, o réu utilizou verbas da associação, exclusivamente em proveito próprio e do casal que constitui com a ré mulher;
FF) Face à situação referida em M) e N), o autor encontra-se numa situação de descrédito com as entidades bancárias, com as quais estabelece relações comerciais devido à sua actividade;
GG) Em determinada altura o autor apresentou um possível comprador para o imóvel, referente ao projecto de Castelo de Bode, o qual efectuou uma oferta no valor de € 349.158,53;
HH) O réu BB opôs-se a que a venda fosse efectuada por aquele valor, afirmando que o considerava baixo para o imóvel em causa, mas a verdadeira razão residia no facto de o réu BB já ter à data procedido à venda do referido imóvel;
II) Se aquele negócio tivesse sido realizado, a associação teria tido um lucro de € 184 555,22;
JJ) Em Janeiro de 2004 o A. foi novamente interpelado pelo BIC no sentido de proceder ao pagamento do valor em dívida referente ao contrato de financiamento em E), ou apresentar proposta de negociação;
KK) De Janeiro de 2004 a 06.10.2004 o A. amortizou a quantia de €. 205 000,00 do débito da conta corrente caucionada n.º ……………., referente ao referido contrato de financiamento n.º CC ……..;
LL) O saldo em dívida da conta caucionada em 07.10.2004 era € 32 730,00.


II.B. De Direito

II.B.1. Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.

Assim, as únicas questões a analisar são cada uma das referidas a cada recurso.

II.B.2. Seguiremos, de perto, a argumentação da decisão da 1ª instância e do acórdão da Relação, uma vez que pouco haverá que acrescentar ou alterar ao que neles foi dito.

Fundamentalmente está em questão saber se o 1.º R., conjuntamente com a esposa, praticou actos ilícitos dos quais resultaram para o A. danos patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes) e não patrimoniais (descrédito perante a banca), fundamentadores da indemnização peticionada.

Quanto à qualificação jurídica do contrato celebrado entre o A., o R. e outros) não merece contestação que se está perante um contrato de associação em participação (cf. art. 1.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho), pois que várias pessoas se associaram a uma actividade económica exercida por outra, ficando aquelas a participar nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a outra, com a particularidade de, no caso, constar no contrato como associante o próprio autor, quando, na realidade e por vontade das partes, quem assumiu essa posição foi o réu.

Assim sendo, o R. deveria cumprir os deveres enunciados no art. 26.º, n.º 1, do referido diploma legal, a saber:

"a) proceder, na gerência, com a diligência de um gestor criterioso e ordenado;
b) conservar as bases essenciais da associação, tal como o associado pudesse esperar que se conservassem, atendendo às circunstâncias do contrato e do funcionamento de empresas semelhantes; designadamente, não pode, sem o consentimento do associado, fazer cessar ou suspender o funcionamento da empresa, substituir o objecto desta ou alterar a forma jurídica da sua exploração;
c) não concorrer com a empresa na qual foi contratada a associação, a não ser nos termos em que essa concorrência lhe for expressamente consentida;
d) prestar ao associado as informações justificadas pela natureza e pelo objecto do contrato".

Incumbia-lhe também proceder à apresentação de contas referida no art. 31.º do mesmo diploma legal, "nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação", sendo admissível o recurso ao processo especial de prestação de contas regulado pelos arts. 1014.º e seguintes do Código de Processo Civil (n.º 4).

Ora, em face da factualidade provada impõe-se concluir que o réu violou flagrantemente os deveres que se lhe impunham como associante, uma vez que de modo algum agiu como um gestor criterioso e ordenado. Ao invés, actuou exclusivamente em proveito próprio, em detrimento da associação, usando fundos da associação para aquisições em nome próprio, que posteriormente alienou, obtendo lucros que afectou exclusivamente ao benefício próprio e de sua mulher; não prestando contas nem informando em conformidade com a realidade dos factos os demais associados.

Mas será que a violação pelo R. dos seus deveres como associante, permite a qualquer um dos associados exigir-lhe uma indemnização equivalente ao valor do financiamento e respectivos juros, com o argumento de que esse pagamento lhe foi exigido pela entidade financiadora?

Salvo melhor opinião, a resposta terá de ser negativa.

Desde logo, porque a associação em questão se mantém, não tendo sido resolvido o contrato de associação, como poderia ter sido nos termos do artigo 30.º, n.os 1 e 2 do citado diploma legal.

Convém, de resto, acrescentar-se que não está configurada a situação, prevista no artigo 27.º, n.º 1, alíneas a) e b), de ocorrer a extinção da associação por completa realização do seu objecto ou pela respectiva impossibilidade.

Designadamente, não ocorre a impossibilidade de realização do seu objecto, que sempre se terá que interpretar como absoluta. A associação pode continuar a actuar, desde que haja nova injecção de capital, o que naturalmente pressuporia a prestação de contas pelo R. e o pagamento do que teria a devolver à associação, permitindo aos associados receberem aquilo a que teriam direito.

De qualquer modo, a invocação da extinção da associação é questão nova, só suscitada neste recurso e que, por isso, não seria de conhecer, atenta a jurisprudência uniforme de que os recursos não visam apreciar questões novas, isto é “questões disponíveis”, não decididas pelo tribunal a quo (Cf. artigos 676.º, n.º 1, 680.º, n.º 1, e 690.º, do Código de Processo Civil).

Temos, por conseguinte, que, uma vez que o réu foi autorizado por todos os demais associados a adquirir em nome próprio, até ao momento e atentos os termos do acordo, o que se verifica é uma apropriação indevida por parte do R. dos lucros eventualmente gerados pela actividade associada.

Nesta medida, o que cada um dos associados poderia fazer, considerada a actual vigência do contrato, era exigir a prestação de contas judicial e, em face desta, apurar a quota-parte de lucro que lhe seria devida pelo réu.

E, em rigor, é apenas esse o prejuízo de cada um dos associados neste momento.

“Não pode o autor pretender ignorar os mecanismos do próprio contrato e porque o réu não partilhou os lucros, então, fazer tábua rasa do demais acordado, como se nenhuma associação tivesse existido e existisse ainda juridicamente (porque nunca o contrato foi resolvido, frise-se bem), e eximir--se às obrigações que contraiu perante terceiros.”

Por outro lado, se é verdade que a actuação do réu frustrou as legítimas expectativas do autor ao lucro proveniente da actividade associada, na medida em que apenas visou o proveito próprio e da sua mulher, e tal facto poder fundar um direito de indemnização do A., na proporção da sua quota na referida associação, não pode, em contrapartida, afirmar-se que, no que concerne ao financiamento contraído junto de uma entidade bancária, já existe qualquer prejuízo patrimonial para o autor.

Com efeito, o direito e correlativo dever de indemnizar advêm da violação (voluntária) pelo agente de um direito alheio ou dever, legal ou contratual, que provoca um dano, pressupondo "a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante – ou, por outras palavras, que exista "dolo ou mera culpa"; que da violação do direito subjectivo ou da lei derive um dano, pois sem isso não se põe qualquer problema de responsabilidade civil, e, também que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado por aquele agente e o dano sofrido (...), de modo a poder concluir-se que este resulta daquele" (cf. ALMEIDA COSTA – "Direito das Obrigações", 5.ª ed., p. 446, a propósito da responsabilidade extracontratual, mas extensivo à responsabilidade contratual).

Porquanto, mesmo em sede de responsabilidade contratual (e é nessa em que nos situamos), "o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor" (art. 798.º do Código Civil).

Ora, no caso vertente, no que respeita ao valor do financiamento esgotado até ao seu limite, não existe ainda dano na esfera patrimonial do autor, uma vez que este ainda não pagou o referido valor ao banco em questão, nem resulta lógico e necessário que de entre todos os quatro obrigados (solidariamente) venha a ser ele a pagar integralmente o referido valor, razão porque tão pouco se pode entender estarmos em presença de um dano futuro previsível, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 564.º do Código Civil e, por isso, desde logo, indemnizável.

No que respeita aos juros desse financiamento ficou provado que o autor efectuou o pagamento dos mesmos até Junho de 2002.

Esse pagamento não representa mais do que a sua contribuição monetária para a associação referida e, por conseguinte, qualquer eventual direito a uma indemnização que possa ter decorrente desse pagamento, só se apurará em sede de prestação de contas, depois de apurados os lucros e prejuízos da actividade associada e as quotas de contribuição de cada associado.

Também não merece censura o defendido na 1.ª instância e mantido no acórdão da Relação sobre os lucros cessantes. De facto, só poderia aceitar--se que a factualidade provada nas alíneas GG, HH e II configuraria lucros cessantes, indemnizáveis nos termos do n.º 1 do art. 564.º do Código Civil, se outra factualidade igualmente se tivesse provado.

No contexto do contrato de associação celebrado e vigente, importaria apurar, se o negócio que o réu celebrou relativo àquele imóvel não terá sido tão ou mais lucrativo que aquele que o A. pretendia levar a cabo e só na medida em que este outro negócio fosse mais lucrativo que o que o réu celebrou, teria então o autor direito à diferença entre um e outro valor – provado que fosse que a venda por valor inferior visou apenas facilitar ao réu o apoderar-se de todos os lucros.

Assim, não tem este Tribunal elementos para concluir que é aquele valor e não outro (inferior) o prejuízo do autor, tão pouco que o autor tenha tido efectivamente qualquer prejuízo (no sentido de lucros cessantes, isto é, de vantagem não concretizada que de outra forma operaria) com a venda que foi feita pelo réu, relativa ao "projecto de Castelo de Bode"

E quanto aos danos não patrimoniais invocados pelo A., na sentença recorrida ponderou-se o seguinte: "O único facto que poderá ter algum relevo nesta sede é o que consta da alínea FF dos factos provados, mas mesmo aí quer-nos parecer que mais facilmente estaríamos em face de um dano patrimonial (ainda que muito vago e não quantificado) do que perante um dano moral ou não patrimonial, ainda que se possa admitir ficar no mesmo implícita uma certa afectação da imagem de credibilidade bancária do autor.

Sucede, porém, que não se verificam os requisitos para o accionamento da responsabilidade civil, seja contratual ou extracontratual, esta na referida vertente de afectação da boa imagem ou bom nome comercial do autor. Com efeito, não existe nexo causal entre um acto voluntário do réu e tal pretenso dano, uma vez que esse suposto "prejuízo" decorre do não cumprimento por parte do próprio autor das obrigações decorrentes para si do contrato de financiamento bancário.

Na verdade, o autor não é o único outorgante ou responsável pelo pagamento do capital financiado e juros, antes apenas um dos responsáveis solidários e, quando deixou de pagar os juros, bem sabia que continuava vinculado aos termos do contrato de financiamento, pois que o BIC não deu o seu assentimento ao acordo que o autor celebrou com o réu e o Sr. DD, nos termos do qual, a partir de Junho de 2002, seriam estes exclusivamente a assumir o pagamento dos juros daquele financiamento.

Assim sendo, foi o autor quem, voluntariamente, ao não continuar a efectuar aqueles pagamentos, como vinha fazendo até então, deu causa a essa má imagem e descrédito junto das entidades bancárias, entidades estas alheias às relações do autor e terceiros. Pelo que, também neste segmento, não lhe assiste qualquer direito a ser indemnizado pelo réu.

Acresce que, conforme decorre do teor da alínea KK) da matéria de facto, posteriormente o A. procedeu a amortizações da dívida bancária, o que certamente apaziguou a referida má imagem junto da banca.

Quanto aos pagamentos ao BIC que o A. entretanto suportou, mantém-se o entendimento, já expresso no acórdão recorrido, e do qual resulta, em síntese, que:

Tudo se passa no âmbito das obrigações emergentes do contrato de associação em participação celebrado pelo A., o Réu e mais duas pessoas; face à violação das regras do contrato por parte do 1.º R., o A. poderá, perante todos os contraentes, resolver o negócio, nos termos do art.º 30.º do Dec. Lei n.º 231/81, reclamando do 1.º R. a indemnização correspondente aos prejuízos por este causados.

Não o fazendo, isto é, aceitando a manutenção da associação em participação, então terá de exigir a prestação de contas, em que se apure quais os lucros obtidos pelo 1.º R. e quais as perdas, os quais deverão ser distribuídos e suportados, respectivamente, pelo associante e por todos os associados, de acordo com a proporção contratada.

O que o A. não pode é abstrair do negócio jurídico em que se enquadram as suas relações com o 1.º R., e exigir deste prestações baseadas na responsabilidade extra-contratual, instituto que, como se demonstra, é desajustado ao caso sub-judice.


III. Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso de revista interposto.

Custas pelo recorrente.



Lisboa,14 de Novembro de 2006

Paulo Sá (Relator)
Borges Soeiro
Faria Antunes