Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
922/01.1GAABF.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
ACTO SEXUAL DE RELEVO
COITO ANAL
CONCURSO APARENTE
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONSUMPÇÃO
CRIME CONTINUADO
CRIME ÚNICO
Data do Acordão: 01/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 176
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário : I - O coito anal é a penetração do ânus pelo pénis (actualmente, com as alterações introduzidas pela Lei 59/2007, de 04-09, a penetração também pode consistir na introdução no ânus de outras partes do corpo e de objectos), seja esta penetração total ou parcial, com ou sem emissio seminis.
II - Resultando provado que o recorrente, num segundo momento, introduziu o seu pénis no ânus do menor, ainda que de forma parcial, não se põe qualquer dúvida acerca destes factos configurarem um crime consumado de abuso sexual de criança previsto no art. 172.º, n.º 2, do CP (actualmente, art. 171.º, n.º 2, do CP).
III - Por seu turno, a “tentativa de coito anal”, correspondente à primeira investida do arguido, configuraria um crime consumado de acto sexual de relevo, dado que o arguido, depois de ter aliciado o menor a despir-se a troco de uma quantia, procurou penetrar-lhe o ânus com o pénis, o que não conseguiu, pois o menor conseguiu libertar-se e fugiu. Esse facto, só por si, configura um acto sexual de relevo, nos termos do art. 172.º, n.º 1, do CP, antes das alterações introduzidas.
IV - “A consumação verifica-se com a realização de um qualquer acto sexual de relevo, não apenas daquele que, no plano do agente, deveria culminar o processo. Se o agente desiste deste último, qualquer um dos actos sexuais de relevo até aí praticados é suficiente para fundar a punibilidade a título de consumação” – cf. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 457.
V - Não havendo uma diminuição acentuada da culpa do agente na reiteração da conduta e tendo, por outro lado, o próprio agente criado as condições para a prática de vários actos, não se verifica a forma de crime da continuação criminosa.
VI - Segundo a jurisprudência do STJ, a renovação da conduta do agente tem de ser facilitada por uma situação exterior e não ser devida a condições que ele próprio criou. “Quando os factos revelam que a reiteração criminosa resulta antes de uma predisposição do agente para a prática de sucessivos crimes, ou que estes resultam de oportunidades que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado − ainda que demonstrada a repetição do mesmo crime e a utilização de um procedimento idêntico, num quadro temporal bastante circunscrito −, porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada – cf. Ac. do STJ de 05-12-2007, Proc. n.º 3989/07 - 3.ª, Relator Conselheiro Maia Costa.
VII - No caso, para além da unidade de resolução, existe uma contiguidade temporal entre os dois momentos da actuação do arguido, mantendo-se este firme no seu propósito e esperando que o menor regressasse ao quarto para levar a cabo, como levou, o seu intento, pelo que a conduta do arguido deve ser punida pelo crime consumado previsto no n.º 2 do art. 172.º do CP (actual art. 171.º, n.º 2, do CP).
VIII - Quanto muito, ocorreria um concurso aparente de infracções, em que o agente é punido pela conduta mais grave, que realiza uma circunstância prevista na lei como agravante em relação ao crime-tipo − o coito anal. A norma que concede protecção mais acentuada a determinada situação consome a protecção, menos intensa, conferida por outra (consumpção pura).
Decisão Texto Integral: